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A FOME 267<br />

a minha barriga como algo que eu possa amar, aceitar<br />

e com que eu possa conviver." Ainda compactada no meu<br />

corpo de criança, fiquei alarmada com a idéia de que me<br />

tornar mulher implicaria ter de me dividir em partes que<br />

flutuavam por aí, já que a minha prima dava a impressão<br />

de só se manter una por um esforço de concentração.<br />

Não foi uma idéia agradável. Os botões dos meus<br />

seios começavam a doer. Enquanto ela fazia os exercícios,<br />

folheei um exemplar de Cosmopolitan, que trazia um artigo<br />

ensinando às mulheres como se despir, se mostrar e<br />

se movimentar na cama com seus parceiros de forma a<br />

disfarçar sua gordura.<br />

Minha prima olhou para mim. "Você sabe o seu peso?"<br />

Eu não sabia. "Por que não sobe na balança?" Dava<br />

para eu sentir como minha prima desejava estar num corpo<br />

simples e leve de doze anos de idade. Achei que aquilo<br />

só podia querer dizer que, quando eu me tornasse mulher,<br />

eu também desejaria sair do meu próprio corpo para<br />

ocupar o de alguma criança.<br />

Um ano depois, enquanto estava debruçada sobre o<br />

bebedouro no corredor da minha escola, Bobby Werner,<br />

a quem eu mal conhecia, me deu um soco forte na parte<br />

macia da minha barriga, logo abaixo do umbigo. Uma<br />

década se passaria até que eu me desse conta de que ele<br />

era o gorducho da classe.<br />

Naquela noite, deixei congelar no prato o caldo da<br />

costeleta de carneiro. Eu via pegajosos nódulos de gordura,<br />

uma tira externa de algum material amarelo carbonizado,<br />

que se solidificava ao esfriar, com o carimbo da fiscalização<br />

sanitária em tinta azul comestível. O osso central,<br />

serrilhado, fora cortado por uma possante lâmina<br />

rotativa. Tive uma sensação desconhecida, uma náusea<br />

mesclada com o prazer do ódio. Ao me levantar faminta<br />

da mesa, um jato de virtude se acendeu sob o meu esôfago,<br />

deixando-me inebriada. A noite toda eu o aspirei.<br />

No dia seguinte, passei pelo bloquinho que minha<br />

mãe mantinha junto à máquina de lavar louça. Eu sabia<br />

o que estava escrito embora ele pertencesse à minha mãe

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