Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia - Europa
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Na volta, Leonard Cohen<br />
Miguel<br />
Esteves<br />
Cardoso<br />
Ainda<br />
ontem<br />
A<br />
última vez <strong>que</strong> houve uma colecção nova de<br />
canções de Leonard Cohen foi em 2004. Já<br />
lá vão oito anos. Chamava-se Dear Heather e<br />
continha várias canções encantadoras, embora<br />
a or<strong>que</strong>stração fosse mais My Little Pony<br />
do <strong>que</strong> Paul Buckmaster.<br />
Amanhã sai a primeira obra-prima de Leonard Cohen<br />
do século XXI: Old Ideas. Daqui a três anos, quando ele<br />
chegar aos oitenta anos e, conforme promete, recomeçar<br />
a fumar tabaco e a beber álcool, toda a gente <strong>que</strong> sabe,<br />
acredita <strong>que</strong> virá a segunda.<br />
Dou comigo a fazer o <strong>que</strong> não fazia desde <strong>que</strong> me es<strong>que</strong>ci<br />
como era: a tirar letras. Acabo por apanhar todas,<br />
indo altas as horas. Só contém uma canção perfeita, de<br />
letra, música e produção: Diff erent Sides. Mas tem, também,<br />
cinco canções quase perfeitas, <strong>que</strong> constituem uma<br />
bonança <strong>que</strong> levanta a alma e não a deixa aterrar: Lullaby<br />
(sublime), Darkness (vingativamente deprimida), Amen (o<br />
telefonema defi nitivo das quatro da manhã), Going home<br />
(uma canção de amor à morte) e Crazy to love you (um<br />
sacrifício anti-romântico <strong>que</strong> insiste em ser cobrado). Há<br />
uma canção bonita mas falsa (Show me the place); uma<br />
escusada <strong>que</strong> até se ouve uma única vez (Banjo) e apenas<br />
uma <strong>que</strong> soa mal e repugna (Come healing).<br />
Só a variedade é sensacional. Tem-se de segurar os pulsos.<br />
Toda a obra de Leonard Cohen parece, mais do <strong>que</strong><br />
incompleta, enganada sem este disco.<br />
Não estamos, por muito preparados <strong>que</strong> estejamos, equipados<br />
para este regresso. E para o <strong>que</strong> vem, a seguir.<br />
Público Domingo 29 Janeiro 2012 53<br />
Bartoon Luís Afonso<br />
O horizonte e o método de Anselmo Borges foram sempre guiados mais pelas interrogações do <strong>que</strong> pelas respostas<br />
Regressam as interrogações fundamentais<br />
1.<br />
A partir da segunda metade do século XX e começos<br />
deste século, as tentativas de fi losofi a da religião<br />
desenvolveram-se, em diversos países, com<br />
uma intensidade e amplitude inesperadas.<br />
de uma proposta de salvação — revelada e exercida por não é evidente. Não dispensa, mesmo no interior da fé,<br />
“Cristo, com Cristo e em Cristo” — <strong>que</strong> só pode ser acolhida os caminhos para a afi rmação da Sua existência, não pro-<br />
pela fé, também ela, um dom de Deus. Não se pode es<strong>que</strong>curando, porém, saber como Deus é — algo impossível —,<br />
cer, porém, <strong>que</strong> se trata de um acontecimento na nossa mas, sobretudo, como Deus não é (I.Q.2).<br />
Anselmo Borges, peça a peça, ensaio a ensaio,<br />
história e no dinamismo vivido de forma pessoal e comuni- Tomás de Aquino trabalhou num contexto de grande<br />
livro após livro, foi reunindo e reelaborando preciosos<br />
tária. É, portanto, um desenvolvimento de acontecimentos efervescência cultural, no encontro do pensamento gre-<br />
contributos para uma fi losofi a da religião afrontada pelo<br />
mal e desafi ada pela esperança, na irrenunciável busca<br />
do Sentido num mundo paradoxal.<br />
Anselmo Borges, padre da Sociedade Missionária da<br />
Frei Bento<br />
Domingues<br />
O.P.<br />
em relação. O ser humano <strong>que</strong> interroga é também interrogado<br />
pela palavra <strong>que</strong> vem de Deus. Como cantava frei<br />
José Augusto Mourão, “Deus vem de Deus”, não é criatura<br />
nem do nosso desejo, nem do nosso pensamento.<br />
go, árabe, judaico e latino. Na sua elaboração teológica<br />
convergiam todos os saberes do seu tempo. Como diz<br />
K. Rahner, um dos seus discípulos do século XX, Tomás<br />
é um místico consciente de <strong>que</strong> Deus está para além de<br />
Boa Nova, mostrou-se sempre consciente de <strong>que</strong> o espírito<br />
qual<strong>que</strong>r possibilidade de expressão, mas nunca cedeu<br />
de missão não se esgota nas consagradas expressões das<br />
Se a prática da teologia, antes do Concílio do à preguiça mental e à mediocridade intelectual; não<br />
congregações missionárias, católicas ou protestantes. Em-<br />
Vaticano II, foi muito reprimida, durante o pe- dispensava o exercício da inteligência mesmo no acobora<br />
tivesse ensinado Filosofi a em Moçambi<strong>que</strong> e tivesse<br />
ríodo conciliar, algumas das fi guras <strong>que</strong> mais lhimento da revelação da esperança.<br />
procurado entender a originalidade do pensamento afri-<br />
tinham sofrido de suspeição e repressão toma- Hoje, encontramo-nos numa situação cultural de seducano,<br />
não se deixou deslumbrar pelas formas apressadas<br />
ção e encantamento por tantas e tão rápidas descobertas<br />
da chamada “missão inculturada”. De formação teológica,<br />
ra dessa magna e inovadora assembleia do Episcopado Ca- científi cas e invenções tecnológicas, mas com um misto<br />
transitou para a sociologia, acabando por “se profi ssionatólico.<br />
Foi sol de pouca dura. Mas, sobretudo, a partir dos de frustração e niilismo. Volta a pergunta: não será tudo,<br />
lizar” no ensino da Filosofi a, sobretudo na Faculdade de<br />
anos 80, começou um eclipse da liberdade teológica <strong>que</strong> ao fi m e ao cabo, e apesar de todas as maravilhas da mo-<br />
Letras da Universidade de Coimbra, regendo as cadeiras<br />
está a levar demasiado tempo a passar. Às interrogações dernidade, uma paixão inútil, sem nada de absolutamente<br />
de Antropologia Filosófi ca, Filosofi a da Religião e Ética,<br />
sucedeu o clima das certezas cegas a propor e a defender. Transcendente? Neste mundo, o <strong>que</strong> resulta é glória nossa<br />
a par do trabalho como cronista do Diário de Notícias.<br />
As ciências e as fi losofi as passaram a ser muito evocadas e não temos ninguém a <strong>que</strong>m atribuir os nossos fracassos.<br />
Enquanto director da revista Igreja e Missão, promoveu<br />
nos slogans da relação entre “fé e cultura” e “razão e fé”, Do outro lado do abismo não haverá nenhuma voz <strong>que</strong><br />
encontros internacionais sobre o diálogo entre ciências,<br />
mas a sua prática desertou, em muitos casos, dos cursos chame por nós? (1) Regressam, pois, as interrogações fun-<br />
fi losofi as e religiões, <strong>que</strong> resultaram em textos marcantes<br />
de Teologia. Tende-se a privilegiar um positivismo bíblicodamentais <strong>que</strong> são impossíveis de aprofundar e formular<br />
dessa prestigiosa biblioteca de teologia da Missão.<br />
patrístico com pinceladas literárias e espiritualistas, a <strong>que</strong> sem fi losofi a, sem a fi losofi a da religião.<br />
A preocupação, o horizonte e o método de Anselmo Bor-<br />
falta o fogo da razão e os dinamismos do Espírito.<br />
A recente publicação de Deus e o Sentido da Existência<br />
ges foram sempre guiados mais pelas interrogações do <strong>que</strong><br />
pelas respostas <strong>que</strong> desses diálogos pudessem resultar.<br />
Por esse caminho foi desenvolvendo uma Neste mundo, o <strong>que</strong><br />
cultura, no interior do catolicismo português, resulta é glória nossa<br />
<strong>que</strong> se recusa a ter respostas antes das perguntas,<br />
convencido de <strong>que</strong> um ser humano <strong>que</strong> não se e não temos ninguém 3.<br />
Na Idade Média, Tomás de Aquino (1225-1274)<br />
separou-se do positivismo teológico, do uso<br />
de exclusivos argumentos da autoridade revelada,<br />
<strong>que</strong> apenas documentam a fé, mas não<br />
explicam como é <strong>que</strong> é verdade aquilo <strong>que</strong> a<br />
(Gradiva) e a bela reedição de Corpo e Transcendência (Almedina),<br />
de Anselmo Borges, ao darem muito <strong>que</strong> pensar,<br />
evitam as respostas apressadas e abrem para o Mistério de<br />
Deus como “futuro absoluto” da esperança e do amor.<br />
(1) Cf. Sophia de Mello Breyner Andresen, A Viagem, in Contos<br />
atraiçoa é, antes de mais, alguém <strong>que</strong> interroga a <strong>que</strong>m atribuir<br />
e é interrogado por tudo e por todos.<br />
Poder-se-á objectar <strong>que</strong> o cristianismo resulta os nossos fracassos<br />
Igreja confessa ser verdade. A fé cristã não é um calmante,<br />
mas o excitante da inteligência e dos afectos. Ele não<br />
cultiva a ignorância em nome de Deus, cuja existência<br />
Exemplares (Figueirinhas, 2004), pág. 108<br />
Frei Bento Domingues escreve neste espaço ao domingo<br />
2. ram-se os teólogos mais escutados, dentro e fo