Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia - Europa

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52 Público Domingo 29 Janeiro 2012 Espaço público Estamos à beira do precipício, como afirma Christine Lagarde? Ou estamos a dar a volta, como insiste a chanceler alemã? A Europa entre Merkel e Lagarde 1. Onde é que estamos? Os sinais são tão contraditórios, as mensagens tão díspares, que é difícil responder até à mais simples e à mais essencial das questões: estamos à beira do precipício, co- mo afi rma Christine Lagarde e como dizem a maioria dos analistas de mercado; ou estamos a dar a volta, como insiste a chanceler alemã ou o presidente do Banco Central Europeu ou a generalidade dos responsáveis políticos da zona euro que se apresentaram em Davos tentando exibir algum optimismo? A difi culdade em encontrar uma lógica nesta constante e profunda indefi nição e nesta multiplicidade de sinais e de discurso é tão angustiante, que a tentação é acreditar nas duas — na chanceler e na directora-geral do FMI. Tentando, ao mesmo tempo, descortinar as entrelinhas do que dizem os restantes responsáveis europeus e descontar alguma coisa no que escrevem os analistas dos mercados. É possível? Talvez. É sobretudo recomendável para se conseguir dormir à noite sem insónias ou pesadelos. E é, mais ou menos, o guião da cimeira europeia de amanhã, que, pelo menos, tem a enorme virtude de não se apresentar como a da última oportunidade. Comecemos por Lagarde e Merkel. A directora-geral do FMI dramatizou de novo o discurso na véspera de apresentar as previsões de crescimento do FMI para a economia mundial na semana passada, todas sujeitas a revisão em baixa e muito pouco animadoras, sobretudo para a zona euro. Uma interessante reportagem publicada na última Newsweek descrevia o debate interno da direcção da instituição fi nanceira (incluindo os 24 representantes dos 187 países-membros) sobre como o Fundo deveria utilizar as palavras e os paralelismos históricos para formular o seu enésimo aviso sobre o risco de uma grande depressão mundial com epicentro na Europa. “Dizer a verdade é o nosso trabalho”, argumenta Lagarde. “Ainda há tempo para evitar um novo colapso.” Mesmo que não muito tempo. Ninguém quer usar a palavra “depressão global” ou “um momento 1930”, mas a mensagem tem de ser sufi cientemente clara. Pelo menos sobre as consequências: mais desemprego, agitação social, caos político. Já na Europa, primeiro num encontro com Merkel em Berlim, depois em Davos, num “apelo à acção” em conjunto com o presidente do Banco Mundial, a mensagem não podia ser mais clara: a austeridade, só por si, não vai levar a parte nenhuma, apenas agravar os problemas. O “apelo” é para políticas que incentivem o crescimento e invertam o ciclo vicioso. No seu último relatório sobre estabilidade fi nanceira, o FMI escreve que, desde o início da crise (Grécia, Maio de 2010), a Europa entrou num “equilíbrio negativo”, que transformou um problema localizado num país que vale 2% do PIB europeu num problema generalizado a toda a Europa, que arrastou a Europa para uma recessão, que fez disparar os custos de fi nanciamento da maioria dos países do euro, colocando a Itália e a Espanha na mira dos mercados, que não se sabe ainda onde vai parar. Alguém é capaz de discordar deste diagnóstico? Qual é a mensagem da chanceler? A mesma de sempre. A crise europeia resolve-se passo a passo e por uma via única — pela redução drástica e rápida dos défi ces dos países incumpridores e de reformas profundas para ganhar competitividade. A questão-chave é a aprovação de um “pacto orçamental”, sob a forma de tratado intergovernamental, que estabelece um compromisso indestrutível de disciplina fi nanceira para os países da zona euro — é o que os líderes vão fazer amanhã — e que será o sinal para os mercados para restabelecer a confi ança no euro. Esse novo tratado deve estar legalmente em vigor em Janeiro do ano que vem. Até lá…. transfi ra-se o Governo de Atenas para Bruxelas, por exemplo, como consta de uma nova proposta posta a circular em Bruxelas e de autoria alemã, que prevê a nomeação de uma espécie de “administrador-delegado” para substituir as autoridades gregas e para fazer cumprir a meta do défi ce, a bem ou a mal. A chanceler já tinha “despachado” um primeiroministro grego, agora quer nomear directamente outro. Teresa de Sousa Sem Fronteiras Ontem, em Davos, Largarde voltou a dizer que o FMI podia reforçar o seu apoio financeiro à zona euro (ela quer mais 650 mil milhões de dólares e levou a “carteira” para fazer um novo peditório) desde que os líderes europeus façam a sua parte primeiro Se era preciso mais uma prova da absoluta ausência de visão política da chanceler, para dizer o mínimo, e da tremenda crise política europeia, aqui está ela. Brutal e irrefutável. Não é esta seguramente a melhor forma de conciliar o curto com o médio prazo. 2. O que vai, então, fazer este Conselho Europeu, previsto para durar apenas três horas e que, pela primeira vez, tem incluído na agenda um ponto sobre a necessidade de tomar medidas para ajudar “ao crescimento e ao emprego”? Basicamente o mesmo que têm feito todos os anteriores, desde a eclosão da crise grega em Maio de 2010. É verdade que o tratado da chanceler está quase pronto para ser assinado (mesmo que a maioria dos responsáveis políticos europeus o considerem uma perda de tempo), mas o tema que estará nas discussões “paralelas” é o mesmo de sempre: como reforçar a capacidade fi nanceira, agora já não do FEEF mas do MEE. Ontem, em Davos, Largarde voltou a dizer que o FMI podia reforçar o seu apoio fi nanceiro à zona euro (ela quer mais 650 mil milhões de dólares e levou a “carteira” para fazer um novo peditório) desde que os líderes europeus façam a sua parte primeiro. A directora do FMI renovou o seu apelo num painel sobre o futuro da economia mundial, onde, diz a Reuters, os responsáveis europeus estiveram estranhamente ausentes. É o que o mundo espera que a Europa faça, é o que a maioria dos líderes amanhã reunidos em Bruxelas querem que se faça, é o que Berlim não quer fazer. 3. Quanto ao crescimento, não vale a pena ter ilusões. As medidas que vão estar em consideração na cimeira são mais emblemáticas e piedosas do que outra coisa, não se traduzirão nem por mais recursos fi nanceiros nem por uma inversão das políticas de austeridade nacionais, mesmo nos países com margem para o fazer. Qualquer VINCENZO PINTO /AFP economista ou político poderia dizer que a estabilização dos mercados e dos juros da dívida soberana através de um fundo de resgate muito mais poderoso ou a mutualização da dívida (nas suas várias modalidades possíveis) teria muito mais efeito para contrariar a espiral recessiva do que meia dúzia de medidas avulsas sobre os excedentes dos fundos estruturais ou a promessa de maior mobilidade do emprego ou de programas de treino para os jovens desempregados, por mais interessantes que sejam. Resta a esperança de que esta seja também a cimeira em que o debate mude de direcção. Já não é só Mario Monti, o primeiro-ministro italiano, que fala abertamente da necessidade de complementar a austeridade com o crescimento e com a estabilização dos mercados. O novo chefe do Governo espanhol foi dizer isso mesmo à chanceler na semana passada. O diário espanhol El País escrevia sobre o encontro de Rajoy com Merkel, que a Espanha estava a fazer uma “viragem” na sua estratégia económica. “(…) O Presidente espanhol mantém publicamente que o seu compromisso com o cumprimento do objectivo do défi ce em 2012 (4,4%) é total, apesar de ser quase impossível cumpri-lo. Mas está claro que o Governo procura uma negociação para que Bruxelas aceite um novo calendário.” Se isso for possível, então “haverá margem para estimular a procura e o investimento e favorecer a criação de emprego”. Nem vale a pena recordar que a taxa de desemprego no país vizinho se aproxima dos 23% com mais de 5 milhões de “parados”. Enquanto a Alemanha continua agarrada à sua estratégia de “penalização” dos infractores, argumentando que qualquer medida que alivie a pressão ressuscita o laxismo, os países que estão a aplicar duros programas de austeridade e a iniciar amplos programas de reformas estruturais já têm provas sufi cientes acumuladas de que levam esse esforço a sério. Chegou o momento de dizer que o rei vai nu. Sob pena de ser tarde demais. Os cidadãos europeus — e não apenas os cidadãos alemães — precisam de perceber o que se passa e começar a acreditar que há uma saída. Sob pena de se confi rmarem as piores previsões de Lagarde. Jornalista Teresa de Sousa escreve neste espaço ao domingo

Na volta, Leonard Cohen Miguel Esteves Cardoso Ainda ontem A última vez que houve uma colecção nova de canções de Leonard Cohen foi em 2004. Já lá vão oito anos. Chamava-se Dear Heather e continha várias canções encantadoras, embora a orquestração fosse mais My Little Pony do que Paul Buckmaster. Amanhã sai a primeira obra-prima de Leonard Cohen do século XXI: Old Ideas. Daqui a três anos, quando ele chegar aos oitenta anos e, conforme promete, recomeçar a fumar tabaco e a beber álcool, toda a gente que sabe, acredita que virá a segunda. Dou comigo a fazer o que não fazia desde que me esqueci como era: a tirar letras. Acabo por apanhar todas, indo altas as horas. Só contém uma canção perfeita, de letra, música e produção: Diff erent Sides. Mas tem, também, cinco canções quase perfeitas, que constituem uma bonança que levanta a alma e não a deixa aterrar: Lullaby (sublime), Darkness (vingativamente deprimida), Amen (o telefonema defi nitivo das quatro da manhã), Going home (uma canção de amor à morte) e Crazy to love you (um sacrifício anti-romântico que insiste em ser cobrado). Há uma canção bonita mas falsa (Show me the place); uma escusada que até se ouve uma única vez (Banjo) e apenas uma que soa mal e repugna (Come healing). Só a variedade é sensacional. Tem-se de segurar os pulsos. Toda a obra de Leonard Cohen parece, mais do que incompleta, enganada sem este disco. Não estamos, por muito preparados que estejamos, equipados para este regresso. E para o que vem, a seguir. Público Domingo 29 Janeiro 2012 53 Bartoon Luís Afonso O horizonte e o método de Anselmo Borges foram sempre guiados mais pelas interrogações do que pelas respostas Regressam as interrogações fundamentais 1. A partir da segunda metade do século XX e começos deste século, as tentativas de fi losofi a da religião desenvolveram-se, em diversos países, com uma intensidade e amplitude inesperadas. de uma proposta de salvação — revelada e exercida por não é evidente. Não dispensa, mesmo no interior da fé, “Cristo, com Cristo e em Cristo” — que só pode ser acolhida os caminhos para a afi rmação da Sua existência, não pro- pela fé, também ela, um dom de Deus. Não se pode esquecurando, porém, saber como Deus é — algo impossível —, cer, porém, que se trata de um acontecimento na nossa mas, sobretudo, como Deus não é (I.Q.2). Anselmo Borges, peça a peça, ensaio a ensaio, história e no dinamismo vivido de forma pessoal e comuni- Tomás de Aquino trabalhou num contexto de grande livro após livro, foi reunindo e reelaborando preciosos tária. É, portanto, um desenvolvimento de acontecimentos efervescência cultural, no encontro do pensamento gre- contributos para uma fi losofi a da religião afrontada pelo mal e desafi ada pela esperança, na irrenunciável busca do Sentido num mundo paradoxal. Anselmo Borges, padre da Sociedade Missionária da Frei Bento Domingues O.P. em relação. O ser humano que interroga é também interrogado pela palavra que vem de Deus. Como cantava frei José Augusto Mourão, “Deus vem de Deus”, não é criatura nem do nosso desejo, nem do nosso pensamento. go, árabe, judaico e latino. Na sua elaboração teológica convergiam todos os saberes do seu tempo. Como diz K. Rahner, um dos seus discípulos do século XX, Tomás é um místico consciente de que Deus está para além de Boa Nova, mostrou-se sempre consciente de que o espírito qualquer possibilidade de expressão, mas nunca cedeu de missão não se esgota nas consagradas expressões das Se a prática da teologia, antes do Concílio do à preguiça mental e à mediocridade intelectual; não congregações missionárias, católicas ou protestantes. Em- Vaticano II, foi muito reprimida, durante o pe- dispensava o exercício da inteligência mesmo no acobora tivesse ensinado Filosofi a em Moçambique e tivesse ríodo conciliar, algumas das fi guras que mais lhimento da revelação da esperança. procurado entender a originalidade do pensamento afri- tinham sofrido de suspeição e repressão toma- Hoje, encontramo-nos numa situação cultural de seducano, não se deixou deslumbrar pelas formas apressadas ção e encantamento por tantas e tão rápidas descobertas da chamada “missão inculturada”. De formação teológica, ra dessa magna e inovadora assembleia do Episcopado Ca- científi cas e invenções tecnológicas, mas com um misto transitou para a sociologia, acabando por “se profi ssionatólico. Foi sol de pouca dura. Mas, sobretudo, a partir dos de frustração e niilismo. Volta a pergunta: não será tudo, lizar” no ensino da Filosofi a, sobretudo na Faculdade de anos 80, começou um eclipse da liberdade teológica que ao fi m e ao cabo, e apesar de todas as maravilhas da mo- Letras da Universidade de Coimbra, regendo as cadeiras está a levar demasiado tempo a passar. Às interrogações dernidade, uma paixão inútil, sem nada de absolutamente de Antropologia Filosófi ca, Filosofi a da Religião e Ética, sucedeu o clima das certezas cegas a propor e a defender. Transcendente? Neste mundo, o que resulta é glória nossa a par do trabalho como cronista do Diário de Notícias. As ciências e as fi losofi as passaram a ser muito evocadas e não temos ninguém a quem atribuir os nossos fracassos. Enquanto director da revista Igreja e Missão, promoveu nos slogans da relação entre “fé e cultura” e “razão e fé”, Do outro lado do abismo não haverá nenhuma voz que encontros internacionais sobre o diálogo entre ciências, mas a sua prática desertou, em muitos casos, dos cursos chame por nós? (1) Regressam, pois, as interrogações fun- fi losofi as e religiões, que resultaram em textos marcantes de Teologia. Tende-se a privilegiar um positivismo bíblicodamentais que são impossíveis de aprofundar e formular dessa prestigiosa biblioteca de teologia da Missão. patrístico com pinceladas literárias e espiritualistas, a que sem fi losofi a, sem a fi losofi a da religião. A preocupação, o horizonte e o método de Anselmo Bor- falta o fogo da razão e os dinamismos do Espírito. A recente publicação de Deus e o Sentido da Existência ges foram sempre guiados mais pelas interrogações do que pelas respostas que desses diálogos pudessem resultar. Por esse caminho foi desenvolvendo uma Neste mundo, o que cultura, no interior do catolicismo português, resulta é glória nossa que se recusa a ter respostas antes das perguntas, convencido de que um ser humano que não se e não temos ninguém 3. Na Idade Média, Tomás de Aquino (1225-1274) separou-se do positivismo teológico, do uso de exclusivos argumentos da autoridade revelada, que apenas documentam a fé, mas não explicam como é que é verdade aquilo que a (Gradiva) e a bela reedição de Corpo e Transcendência (Almedina), de Anselmo Borges, ao darem muito que pensar, evitam as respostas apressadas e abrem para o Mistério de Deus como “futuro absoluto” da esperança e do amor. (1) Cf. Sophia de Mello Breyner Andresen, A Viagem, in Contos atraiçoa é, antes de mais, alguém que interroga a quem atribuir e é interrogado por tudo e por todos. Poder-se-á objectar que o cristianismo resulta os nossos fracassos Igreja confessa ser verdade. A fé cristã não é um calmante, mas o excitante da inteligência e dos afectos. Ele não cultiva a ignorância em nome de Deus, cuja existência Exemplares (Figueirinhas, 2004), pág. 108 Frei Bento Domingues escreve neste espaço ao domingo 2. ram-se os teólogos mais escutados, dentro e fo

52 Público Domingo 29 Janeiro 2012<br />

Espaço público<br />

Estamos à beira do precipício, como afirma Christine Lagarde? Ou estamos a dar a volta, como insiste a chanceler alemã?<br />

A <strong>Europa</strong> entre Merkel e Lagarde<br />

1.<br />

Onde é <strong>que</strong> estamos? Os sinais são tão contraditórios,<br />

as mensagens tão díspares, <strong>que</strong> é difícil<br />

responder até à mais simples e à mais essencial<br />

das <strong>que</strong>stões: estamos à beira do precipício, co-<br />

mo afi rma Christine Lagarde e como dizem a<br />

maioria dos analistas de mercado; ou estamos a dar a<br />

volta, como insiste a chanceler alemã ou o presidente<br />

do Banco Central Europeu ou a generalidade dos responsáveis<br />

políticos da zona euro <strong>que</strong> se apresentaram<br />

em Davos tentando exibir algum optimismo?<br />

A difi culdade em encontrar uma lógica nesta constante<br />

e profunda indefi nição e nesta multiplicidade de sinais<br />

e de discurso é tão angustiante, <strong>que</strong> a tentação é acreditar<br />

nas duas — na chanceler e na directora-geral do FMI.<br />

Tentando, ao mesmo tempo, descortinar as entrelinhas<br />

do <strong>que</strong> dizem os restantes responsáveis europeus e descontar<br />

alguma coisa no <strong>que</strong> escrevem os analistas dos<br />

mercados. É possível? Talvez. É sobretudo recomendável<br />

para se conseguir dormir à noite sem insónias ou pesadelos.<br />

E é, mais ou menos, o guião da cimeira europeia de<br />

amanhã, <strong>que</strong>, pelo menos, tem a enorme virtude de não<br />

se apresentar como a da última oportunidade.<br />

Comecemos por Lagarde e Merkel. A directora-geral<br />

do FMI dramatizou de novo o discurso na véspera de<br />

apresentar as previsões de crescimento do FMI para a<br />

economia mundial na semana passada, todas sujeitas a<br />

revisão em baixa e muito pouco animadoras, sobretudo<br />

para a zona euro. Uma interessante reportagem publicada<br />

na última Newsweek descrevia o debate interno<br />

da direcção da instituição fi nanceira (incluindo os 24<br />

representantes dos 187 países-membros) sobre como o<br />

Fundo deveria utilizar as palavras e os paralelismos históricos<br />

para formular o seu enésimo aviso sobre o risco<br />

de uma grande depressão mundial com epicentro na<br />

<strong>Europa</strong>. “Dizer a verdade é o nosso trabalho”, argumenta<br />

Lagarde. “Ainda há tempo para evitar um novo colapso.”<br />

Mesmo <strong>que</strong> não muito tempo. Ninguém <strong>que</strong>r usar<br />

a palavra “depressão global” ou “um momento 1930”,<br />

mas a mensagem tem de ser sufi cientemente clara. Pelo<br />

menos sobre as consequências: mais desemprego,<br />

agitação social, caos político. Já na <strong>Europa</strong>, primeiro<br />

num encontro com Merkel em Berlim, depois em Davos,<br />

num “apelo à acção” em conjunto com o presidente do<br />

Banco Mundial, a mensagem não podia ser mais clara:<br />

a austeridade, só por si, não vai levar a parte nenhuma,<br />

apenas agravar os problemas. O “apelo” é para políticas<br />

<strong>que</strong> incentivem o crescimento e invertam o ciclo vicioso.<br />

No seu último relatório sobre estabilidade fi nanceira, o<br />

FMI escreve <strong>que</strong>, desde o início da crise (Grécia, Maio de<br />

2010), a <strong>Europa</strong> entrou num “equilíbrio negativo”, <strong>que</strong><br />

transformou um problema localizado num país <strong>que</strong> vale<br />

2% do PIB europeu num problema generalizado a toda a<br />

<strong>Europa</strong>, <strong>que</strong> arrastou a <strong>Europa</strong> para uma recessão, <strong>que</strong><br />

fez disparar os custos de fi nanciamento da maioria dos<br />

países do euro, colocando a Itália e a Espanha na mira<br />

dos mercados, <strong>que</strong> não se sabe ainda onde vai parar.<br />

Alguém é capaz de discordar deste diagnóstico?<br />

Qual é a mensagem da chanceler? A mesma de sempre.<br />

A crise europeia resolve-se passo a passo e por uma via<br />

única — pela redução drástica e rápida dos défi ces dos países<br />

incumpridores e de reformas profundas para ganhar<br />

competitividade. A <strong>que</strong>stão-chave é a aprovação de um<br />

“pacto orçamental”, sob a forma de tratado intergovernamental,<br />

<strong>que</strong> estabelece um compromisso indestrutível<br />

de disciplina fi nanceira para os países da zona euro — é<br />

o <strong>que</strong> os líderes vão fazer amanhã — e <strong>que</strong> será o sinal<br />

para os mercados para restabelecer a confi ança no euro.<br />

Esse novo tratado deve estar legalmente em vigor em<br />

Janeiro do ano <strong>que</strong> vem. Até lá…. transfi ra-se o Governo<br />

de Atenas para Bruxelas, por exemplo, como consta de<br />

uma nova proposta posta a circular em Bruxelas e de<br />

autoria alemã, <strong>que</strong> prevê a nomeação de uma espécie de<br />

“administrador-delegado” para substituir as autoridades<br />

gregas e para fazer cumprir a meta do défi ce, a bem ou<br />

a mal. A chanceler já tinha “despachado” um primeiroministro<br />

grego, agora <strong>que</strong>r nomear directamente outro.<br />

Teresa<br />

de Sousa<br />

Sem<br />

Fronteiras<br />

Ontem, em Davos,<br />

Largarde voltou a<br />

dizer <strong>que</strong> o FMI podia<br />

reforçar o seu apoio<br />

financeiro à zona euro<br />

(ela <strong>que</strong>r mais 650<br />

mil milhões de dólares<br />

e levou a “carteira”<br />

para fazer um novo<br />

peditório) desde <strong>que</strong> os<br />

líderes europeus façam<br />

a sua parte primeiro<br />

Se era preciso mais uma prova da absoluta ausência<br />

de visão política da chanceler, para dizer<br />

o mínimo, e da tremenda crise política europeia,<br />

aqui está ela. Brutal e irrefutável. Não é<br />

esta seguramente a melhor forma de conciliar<br />

o curto com o médio prazo.<br />

2.<br />

O <strong>que</strong> vai, então, fazer este Conselho<br />

Europeu, previsto para durar<br />

apenas três horas e <strong>que</strong>, pela primeira<br />

vez, tem incluído na agenda<br />

um ponto sobre a necessidade de<br />

tomar medidas para ajudar “ao crescimento e<br />

ao emprego”? Basicamente o mesmo <strong>que</strong> têm<br />

feito todos os anteriores, desde a eclosão da<br />

crise grega em Maio de 2010. É verdade <strong>que</strong> o<br />

tratado da chanceler está quase pronto para<br />

ser assinado (mesmo <strong>que</strong> a maioria dos responsáveis<br />

políticos europeus o considerem<br />

uma perda de tempo), mas o tema <strong>que</strong> estará<br />

nas discussões “paralelas” é o mesmo de<br />

sempre: como reforçar a capacidade fi nanceira, agora<br />

já não do FEEF mas do MEE.<br />

Ontem, em Davos, Largarde voltou a dizer <strong>que</strong> o FMI<br />

podia reforçar o seu apoio fi nanceiro à zona euro (ela<br />

<strong>que</strong>r mais 650 mil milhões de dólares e levou a “carteira”<br />

para fazer um novo peditório) desde <strong>que</strong> os líderes<br />

europeus façam a sua parte primeiro. A directora do<br />

FMI renovou o seu apelo num painel sobre o futuro da<br />

economia mundial, onde, diz a Reuters, os responsáveis<br />

europeus estiveram estranhamente ausentes. É o <strong>que</strong><br />

o mundo espera <strong>que</strong> a <strong>Europa</strong> faça, é o <strong>que</strong> a maioria<br />

dos líderes amanhã reunidos em Bruxelas <strong><strong>que</strong>rem</strong> <strong>que</strong><br />

se faça, é o <strong>que</strong> Berlim não <strong>que</strong>r fazer.<br />

3.<br />

Quanto ao crescimento, não vale a pena ter<br />

ilusões. As medidas <strong>que</strong> vão estar em consideração<br />

na cimeira são mais emblemáticas e<br />

piedosas do <strong>que</strong> outra coisa, não se traduzirão<br />

nem por mais recursos fi nanceiros nem<br />

por uma inversão das políticas de austeridade nacionais,<br />

mesmo nos países com margem para o fazer. Qual<strong>que</strong>r<br />

VINCENZO PINTO /AFP<br />

economista ou político poderia dizer <strong>que</strong> a estabilização<br />

dos mercados e dos juros da dívida soberana através de<br />

um fundo de resgate muito mais poderoso ou a mutualização<br />

da dívida (nas suas várias modalidades possíveis) teria<br />

muito mais efeito para contrariar a espiral recessiva do<br />

<strong>que</strong> meia dúzia de medidas avulsas sobre os excedentes<br />

dos fundos estruturais ou a promessa de maior mobilidade<br />

do emprego ou de programas de treino para os jovens<br />

desempregados, por mais interessantes <strong>que</strong> sejam.<br />

Resta a esperança de <strong>que</strong> esta seja também a cimeira<br />

em <strong>que</strong> o debate mude de direcção. Já não é só Mario<br />

Monti, o primeiro-ministro italiano, <strong>que</strong> fala abertamente<br />

da necessidade de complementar a austeridade com<br />

o crescimento e com a estabilização dos mercados. O<br />

novo chefe do Governo espanhol foi dizer isso mesmo à<br />

chanceler na semana passada. O diário espanhol El País<br />

escrevia sobre o encontro de Rajoy com Merkel, <strong>que</strong> a<br />

Espanha estava a fazer uma “viragem” na sua estratégia<br />

económica. “(…) O Presidente espanhol mantém publicamente<br />

<strong>que</strong> o seu compromisso com o cumprimento<br />

do objectivo do défi ce em 2012 (4,4%) é total, apesar de<br />

ser quase impossível cumpri-lo. Mas está claro <strong>que</strong> o Governo<br />

procura uma negociação para <strong>que</strong> Bruxelas aceite<br />

um novo calendário.” Se isso for possível, então “haverá<br />

margem para estimular a procura e o investimento e favorecer<br />

a criação de emprego”. Nem vale a pena recordar<br />

<strong>que</strong> a taxa de desemprego no país vizinho se aproxima<br />

dos 23% com mais de 5 milhões de “parados”.<br />

Enquanto a Alemanha continua agarrada à sua estratégia<br />

de “penalização” dos infractores, argumentando<br />

<strong>que</strong> qual<strong>que</strong>r medida <strong>que</strong> alivie a pressão ressuscita o<br />

laxismo, os países <strong>que</strong> estão a aplicar duros programas<br />

de austeridade e a iniciar amplos programas de reformas<br />

estruturais já têm provas sufi cientes acumuladas de <strong>que</strong><br />

levam esse esforço a sério. Chegou o momento de dizer<br />

<strong>que</strong> o rei vai nu. Sob pena de ser tarde demais. Os cidadãos<br />

europeus — e não apenas os cidadãos alemães — precisam<br />

de perceber o <strong>que</strong> se passa e começar a acreditar<br />

<strong>que</strong> há uma saída. Sob pena de se confi rmarem as piores<br />

previsões de Lagarde. Jornalista<br />

Teresa de Sousa escreve neste espaço ao domingo

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