Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia - Europa
Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia - Europa
Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia - Europa
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
“Para a juventude,<br />
a revolução<br />
continua viva.<br />
Mas os militares<br />
não nos deixaram<br />
expressar ideias”<br />
Mohamed Mohsen<br />
bros de diferentes ONG e egípcios de<br />
todas as idades <strong>que</strong> se tornaram fre<strong>que</strong>ntadores<br />
das suas actividades rodearam<br />
a estátua no passeio central<br />
da rotunda da Talat Harb e deixaram-<br />
se fi car por ali, de cartazes em punho.<br />
A ideia era provocar reacções<br />
e resultou — houve <strong>que</strong>m decidisse<br />
juntar-se-lhes, <strong>que</strong>m desenhasse os<br />
seus slogans, e também <strong>que</strong>m entrasse<br />
em debate, para defender <strong>que</strong> os<br />
membros do antigo regime não merecem<br />
“tolerância nem perdão”.<br />
A tarde ainda ia a meio e havia de<br />
entrar pela noite, quando mais de 150<br />
pessoas encheram o pátio do Goethe<br />
para assistir a intervenções de activistas<br />
e a um concerto. Uns de pé,<br />
outros sentados nas cadeiras, outros<br />
espalhados pelo chão, apoiados em<br />
grandes almofadas de amarelo e vermelho<br />
vivo.<br />
A principal actividade do Tahrir<br />
Lounge, a funcionar desde Abril,<br />
é a organização de conferências e<br />
workshops: treino para monitorizar<br />
as eleições (“Ensinámos as pessoas<br />
a identifi car fraudes e a perceberem<br />
<strong>que</strong> têm de reagir, <strong>que</strong> ser cidadão é<br />
não se calar”), formação a jornalistas<br />
e bloggers, por exemplo. Também<br />
convidam muitos políticos e líderes<br />
AFP/KHALED DESOUKI<br />
partidários e põem as pessoas a fazerlhes<br />
perguntas. “Trouxemos muita<br />
gente para falar de política, coisas<br />
simples, como a própria terminologia,<br />
saber o <strong>que</strong> é o salafi smo, o comunismo,<br />
o liberalismo.”<br />
“Levamos este projecto a sério,<br />
dedicamo-nos todos muito. Mas depois<br />
fazemos tudo de uma maneira<br />
diferente. Organizamos sessões de desenho,<br />
concertos, passagens de modelos.<br />
É política, mas apresentada de<br />
forma apelativa, principalmente aos<br />
jovens. A ideia é atrair as pessoas e<br />
depois interessá-las no <strong>que</strong> fazemos”,<br />
explica Mona.<br />
Mona tem muitos projectos para<br />
o Lounge. Para além de continuar as<br />
actividades habituais, <strong>que</strong>r começar<br />
projectos sobre o papel da mulher na<br />
sociedade: “É muito delicado, estou<br />
a trabalhar nisso, mas ainda não estamos<br />
preparados”. Quer também<br />
continuar a expandir o projecto ao<br />
resto do país, e já abriu um segundo<br />
Lounge na zona do Delta.<br />
Os últimos 12 meses trouxeram<br />
Nahla Soliman<br />
Mona Shahien<br />
Mohamed Mohsen<br />
outras mudanças à sua vida: viajou<br />
muito, convidada a falar da revolução<br />
(em Novembro participou no Fórum<br />
Lisboa do Centro Norte-Sul), e fi cou<br />
noiva.<br />
No Lounge, o principal vai manterse.<br />
“Estamos a tentar construir cidadania,<br />
ninguém pode saber o <strong>que</strong> está<br />
errado se não for orientado antes, se<br />
ninguém lhe disser o <strong>que</strong> está errado.<br />
Isso é o mais importante para um país<br />
em transição.”<br />
Mohamed Mohsen<br />
Ainda a mesma cantiga<br />
Primeiro, ouvimo-lo cantar. Voz límpida,<br />
a cappella, letras sobre “o nosso<br />
país”, “os nossos jovens”, uma canção<br />
dedicada a Mina Daniels, o activista<br />
cristão copta <strong>que</strong> morreu a 9 de Outubro<br />
em Maspero, com outras 26 pessoas,<br />
quando uma marcha pacífi ca foi<br />
reprimida pelo Exército na marginal<br />
do Cairo. Depois, começou a entrevista<br />
e Mohamed Mohsen confi rmou o<br />
<strong>que</strong> se adivinhava: “95% das minhas<br />
Público Domingo 29 Janeiro 2012 33<br />
canções são de intervenção social”.<br />
Aos 25 anos, Mohamed vive da música<br />
e do teatro, apesar de ter estudado<br />
Engenharia. “Comecei o curso há<br />
seis anos e entrei logo para a banda da<br />
universidade, depois fui para a Ópera<br />
do Cairo e dois anos depois saí para<br />
formar uma pe<strong>que</strong>na banda independente.<br />
Continuo a cantar até agora.”<br />
Mohamed compõe algumas canções,<br />
tem letras escritas por amigos e<br />
trabalha a obra de compositores como<br />
Sayed Darwish, <strong>que</strong> morreu em 1923 e<br />
é considerado o pai da música popular<br />
egípcia, dando-lhes “novas melodias”.<br />
É o caso da canção dedicada a Mina<br />
Daniels, <strong>que</strong> “fala do poder das autoridades<br />
para nos levarem um fi lho”.<br />
Como aconteceu a Nadia Faltas Beshara,<br />
a mãe de Daniels, <strong>que</strong> na última<br />
quarta-feira, um ano depois do início<br />
da revolução, voltou à Praça Tahrir.<br />
“Se eu quisesse, seria muito fácil<br />
cantar sobre amor, habibi, habibi…<br />
[“meu <strong>que</strong>rido” ou “<strong>que</strong>rida”, de “habib”<br />
ou amado]”, diz Mohamed. “Mas<br />
é melhor cantar pelo meu povo, pelo<br />
meu país, refl ectir o <strong>que</strong> pensam os<br />
egípcios, <strong>que</strong> expectativas têm”, continua,<br />
garantindo <strong>que</strong> sempre cantou<br />
o <strong>que</strong> quis, mesmo com Hosni Mubarak<br />
no poder. “Há seis anos já cantava<br />
contra o Governo e em defesa da liberdade.<br />
Houve muitas rusgas nos meus<br />
concertos mas nunca fui preso.”<br />
Ou melhor, Mohamed nunca tinha<br />
sido preso até 28 de Janeiro de 2011.<br />
“Quando a revolução começou, estive<br />
desde o primeiro dia na Tahrir, a<br />
cantar com outros músicos amigos. Só<br />
nessa altura é <strong>que</strong> fui preso, levaramme<br />
e interrogaram-me durante dois<br />
dias, mas depois libertaram-me.”<br />
No último ano, Mohamed continuou<br />
a cantar e a percorrer os dez<br />
minutos <strong>que</strong> distam da sua casa até à<br />
praça da Libertação <strong>que</strong> todos tratam<br />
por “praça da revolução”. Ao mesmo<br />
tempo, aceita convites para debates<br />
e associa-se a iniciativas de organizações<br />
<strong>que</strong> tenham por alvo a “consciencialização<br />
social e política” ou sirvam<br />
para discutir uma das suas maiores<br />
preocupações: “A religião é um grande<br />
problema. Os egípcios dão demasiada<br />
importância à religião e misturaramna<br />
com política e com a vida pública.<br />
Temos de nos organizar para fazer as<br />
pessoas perceberem <strong>que</strong> as diferenças<br />
estão só na cabeça delas”.<br />
“Para a juventude, para nós, a revolução<br />
continua viva. Mas o Conselho<br />
Militar das Forças Armadas [no<br />
poder desde a <strong>que</strong>da do ditador] não<br />
nos deu nenhuma oportunidade de<br />
expressar as nossas ideias”, afi rma o<br />
músico, <strong>que</strong> por não considerar as recentes<br />
legislativas eleições realmente<br />
livres optou pelo boicote.<br />
Mohamed gostava <strong>que</strong> mais pessoas<br />
continuassem a manifestar-se na<br />
Tahrir, mas pensa <strong>que</strong> “a maioria dos<br />
egípcios não tem educação sufi ciente<br />
para perceber <strong>que</strong> há problemas”.<br />
Por isso, “cabe aos jovens lembrar o<br />
resto das pessoas da revolução, temos<br />
muito trabalho”.<br />
Quando “a revolução começou, não<br />
sabíamos para onde ia, não sabíamos<br />
<strong>que</strong> o regime ia cair”, diz Mohamed.<br />
“Agora tenho a certeza de <strong>que</strong> virá de<br />
novo. Uma grande parte da sociedade<br />
continua a ferver, vai ter de acontecer<br />
alguma coisa.”