Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia - Europa
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32 Público Domingo 29 Janeiro 2012<br />
Mundo O <strong>que</strong> faz a geração <strong>que</strong> ocupou a Praça Tahrir<br />
O ano da revolução<br />
vivido por três<br />
jovens egípcios<br />
Mona Shahien deu trabalho a seis pessoas, lançou um<br />
projecto ambicioso e fi cou noiva. Mohamed Mohsen<br />
cantou novas canções e passou muitas horas na Praça<br />
Tahrir. Nahla Soliman decidiu-se a dar os primeiros<br />
passos para cumprir o sonho de chegar à ONU<br />
Sofia Lorena<br />
a Há um ano começavam a acreditar<br />
<strong>que</strong> tudo era possível. Entretanto,<br />
muito aconteceu no Egipto e nas suas<br />
vidas. Mais ou menos optimistas, ainda<br />
não desistiram do protesto como<br />
arma, mas experimentaram outras<br />
formas de se manifestar, de dizer o<br />
<strong>que</strong> <strong><strong>que</strong>rem</strong> e de trabalhar para o<br />
conseguir.<br />
No ano passado por esta altura, como<br />
milhares de outros jovens egípcios,<br />
estavam acampados na Praça<br />
Tahrir ou passavam lá todo o tempo<br />
<strong>que</strong> podiam, sem saber <strong>que</strong> contribuíam<br />
para fazer cair um ditador. Mona<br />
Shahien esteve ali em permanência,<br />
descrevendo o <strong>que</strong> se passava no<br />
Facebook até ser anunciado o afastamento<br />
de Hosni Mubarak, a 11 de<br />
Fevereiro. Mohamed Mohsen também<br />
acampou na Tahrir, logo no início, a<br />
25 de Janeiro. Com outros músicos, foi<br />
cantando a revolução enquanto ela se<br />
desenrolava. Nahla Soliman, fi lha de<br />
um militar, manifestava-se no fi m do<br />
dia de trabalho, sem a família saber.<br />
Nos últimos dias todos voltaram<br />
a passar pela praça <strong>que</strong> os activistas<br />
egípcios tratam como uma espécie de<br />
segunda casa, onde se sentem bem<br />
e encontram sempre família e amigos.<br />
Festejaram a <strong>que</strong>da da ditadura,<br />
mas também protestaram contra os<br />
generais no poder, as detenções de<br />
activistas <strong>que</strong> têm sido ordenadas, a<br />
violência com <strong>que</strong> reprimiram os protestos<br />
em Novembro e Dezembro, a<br />
sua recusa em transferir a autoridade<br />
para um conselho civil, como os revolucionários<br />
pedem há meses.<br />
“A revolução continua. Ainda temos<br />
muito para fazer”, diz o músico<br />
Mohamed Mohsen.<br />
Nahla Soliman<br />
Ganhar coragem<br />
para abrir horizontes<br />
Aos 23 anos, a sorridente Nahla Soliman<br />
já tem o futuro bem pensado: “O<br />
meu sonho é chegar à ONU. Estudei<br />
Espanhol, julgo <strong>que</strong> o meu Inglês é<br />
bom. Mas não chega, pedem sempre<br />
muita experiência. Por isso vou continuar<br />
no instituto onde estou e procurar<br />
outras coisas. Quero trabalhar<br />
para as Nações Unidas no meu país,<br />
fazer alguma coisa pelo Egipto”.<br />
Desde a universidade, onde estudou<br />
Literatura Espanhola, <strong>que</strong> Nahla<br />
“<strong>que</strong>ria saber mais sobre a sociedade<br />
civil, o trabalho nas organizações não<br />
governamentais”. Mas só dois anos<br />
depois de acabar o curso — passados a<br />
trabalhar no departamento de media<br />
do Instituto Cervantes do Cairo — e<br />
uma revolução depois é <strong>que</strong> a jovem<br />
ganhou coragem e deu os primeiros<br />
passos. “Queria fazer o curso de Verão<br />
do Instituto do Cairo para os Direitos<br />
Humanos, mas deixava sempre passar<br />
o prazo.” Até Julho de 2011. Feita a<br />
introdução, fi cou como estagiária no<br />
departamento de educação do instituto,<br />
fundado há 20 anos.<br />
“Estou a gostar muito, aprendi, conheci<br />
muitas coisas <strong>que</strong> não faziam<br />
parte da minha vida. Agora, tenho<br />
amigos muito diferentes uns dos outros,<br />
conheço homossexuais e aceito<br />
completamente a sua diferença”, diz<br />
Nahla. “Agora aceito a diferença entre<br />
as pessoas, não vejo tudo pelo meu<br />
ponto de vista, como antes.”<br />
Filha de um militar e de uma dona<br />
de casa, Nahla não tinha qual<strong>que</strong>r experiência<br />
de activismo ou protesto<br />
antes de Janeiro de 2011. Há um ano,<br />
viu a revolução começar e quis juntar-<br />
se. “Não acampei na Tahrir por<strong>que</strong> a<br />
minha família não me deixou. Mas ia<br />
trabalhar de manhã e quando saía, em<br />
vez de ir para casa, ia para a praça,<br />
sem dizer ao meu pai. Eu sabia <strong>que</strong><br />
o regime era corrupto e estive com<br />
a revolução desde o início”, explica.<br />
“Apoio a revolução”, acrescenta, em<br />
espanhol.<br />
Entre a mãe, <strong>que</strong> fi cou em casa “a<br />
ver tudo em frente da televisão”, e o<br />
pai, <strong>que</strong> “não pensa <strong>que</strong> a revolução<br />
seja boa para nós”, havia ainda o irmão<br />
três anos mais velho, <strong>que</strong> “esteve<br />
na Tahrir” até Mubarak sair do poder,<br />
a 11 de Fevereiro.<br />
Um ano depois, a jovem está preocupada<br />
com o futuro. “Tenho medo<br />
do peso dos salafi stas [<strong>que</strong> obtiveram<br />
24% nas eleições legislativas]. Não sabem<br />
nada de política, não têm experiência,<br />
não percebo o <strong>que</strong> <strong><strong>que</strong>rem</strong>”,<br />
afi rma. “Está tudo tão confuso <strong>que</strong><br />
tenho medo <strong>que</strong> a certa altura os<br />
egípcios lutem entre si. Não islamistas<br />
contra cristãos, isso não acredito, mas<br />
islamistas contra liberais e reformistas...<br />
Revolucionários contra os <strong>que</strong><br />
estiveram calados até agora e um dia<br />
vão começar a falar...”<br />
Agora <strong>que</strong> ganhou asas fora de casa,<br />
a jovem também arranjou coragem<br />
para desafi ar mais o pai, um esforço<br />
<strong>que</strong> tem dado frutos. Em Abril, por<br />
exemplo, quando os generais no poder<br />
organizaram um referendo a uma<br />
série de emendas constitucionais,<br />
Nahla convenceu-o a votar “não”, “a<br />
mudar de ideias”. “Ainda estou a trabalhar<br />
com ele noutros pontos.” Já<br />
nas legislativas, <strong>que</strong> começaram em<br />
Novembro e se prolongaram até Janeiro,<br />
não foi tão bem-sucedida. Seria<br />
complicado convencer um militar a<br />
votar na coligação de jovens revolu-<br />
cionários, “todos activistas, com experiência<br />
na sociedade civil”, à qual<br />
Nahla escolheu dar o seu voto.<br />
Mona Shahien<br />
Ajudar a “construir<br />
a cidadania”<br />
Estudou jornalismo e fez de tudo um<br />
pouco, do ensino à diplomacia. Depois<br />
da revolução, quis fazer mais.<br />
Assim nasceu o Tahrir Lounge, um<br />
projecto com sede física no Instituto<br />
Goethe do Cairo, a dois minutos da<br />
Praça Tahrir, com fi nanciamento do<br />
Ministério dos Negócios Estrangeiros<br />
alemão e um objectivo: “Educar para<br />
a cidadania, para uma participação<br />
activa na sociedade”.<br />
“Durante a revolução fui co-fundadora<br />
do Revolution Youth Union, um<br />
grupo <strong>que</strong> [nasceu nos protestos da<br />
Tahrir e] reuniu 45 partidos políticos,<br />
movimentos, artistas. Depois dessa<br />
experiência posso dizer <strong>que</strong> o trabalho<br />
do novo Parlamento vai ser muito<br />
difícil. É preciso aprender a dialogar,<br />
a fazer concessões, essa é a essência<br />
do sistema político”, diz. “Depois<br />
senti <strong>que</strong> não era sufi ciente e tinha<br />
de fazer algo mais concreto. Pensava<br />
sempre em educação, em preparar as<br />
pessoas para as mudanças.”<br />
Visitámos o Lounge no Dia Internacional<br />
da Tolerância e vimos Mona<br />
Shahien ainda a fazer de tudo um<br />
pouco. A coordenar a disposição de<br />
bancas de diferentes organizações<br />
não governamentais (ONG) no bonito<br />
pátio do Goethe, a desenhar cartazes,<br />
a atender telefonemas, a dar entrevistas,<br />
a decidir <strong>que</strong> já era hora de sair<br />
para a rua para a primeira iniciativa<br />
da tarde.<br />
“É importante sairmos daqui, darmo-nos<br />
a mostrar. Mas não vamos<br />
parar o trânsito, não <strong><strong>que</strong>rem</strong>os ser<br />
presos”, brincou a jovem no caminho<br />
até à Praça Talat Harb, ponto de<br />
passagem e de encontro habitual, a<br />
quatro quarteirões da Tahrir.<br />
Munidos de cartazes com frases sobre<br />
a tolerância, Mona, os outros seis<br />
jovens <strong>que</strong> o Lounge emprega, mem-