Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia - Europa
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16 Público Domingo 29 Janeiro 2012<br />
Divulgação A crise financeira do final do século XIX<br />
o agravamento das despesas face ao<br />
rendimento de um país cuja produção,<br />
além do mais, se mantinha muito<br />
aquém de satisfazer as suas próprias<br />
necessidades e era manifestamente<br />
incapaz de compensar a sua dependência<br />
externa. Foi em vão <strong>que</strong> o governo<br />
procurou encontrar recursos<br />
a partir da venda do monopólio do<br />
tabaco. Grassava, intenso, o clima de<br />
desconfi ança e descrédito. Por fi m, em<br />
Maio de 1891 foi decretada a suspensão<br />
da convertibilidade, a <strong>que</strong>, em breve,<br />
em Junho, se seguiu o abandono do<br />
padrão-ouro. Falou-se de bancarrota<br />
e o público reagiu em pânico: entre<br />
Maio e Setembro de 1891 acorreu aos<br />
depósitos bancários e à conversão de<br />
notas. O Banco de Portugal fi cou sem<br />
reservas e outros bancos acabaram<br />
por suspender pagamentos.<br />
Não exagerei o terror pelo estado<br />
das coisas cá: isto nem forças tem<br />
para se sublevar. O cáustico dos<br />
impostos e deduções quase <strong>que</strong><br />
foi recebido com bênçãos. Somos<br />
um povo excelente cujo fundo é a<br />
fra<strong>que</strong>za bondosa e uma grande<br />
passividade. Estas qualidades são a<br />
origem dos nossos defeitos.<br />
Carta de Joaquim Pedro Oliveira<br />
Martins a Eça de Queiroz em 1892<br />
Acabou por ser a Oliveira Martins, <strong>que</strong><br />
em múltiplas ocasiões se manifestara<br />
profundamente crítico relativamente<br />
à política fontista, sobretudo pela sua<br />
repercussão no desequilíbrio das contas<br />
do Estado, <strong>que</strong> o rei D. Carlos, a<br />
partir de Janeiro de 1892, entregou a<br />
pasta da Fazenda e o encargo de ultrapassar<br />
os problemas mais instantes da<br />
crise. O novo ministro das Finanças,<br />
confrontado com um défi ce de 10 000<br />
contos (c. 25% das receitas) e uma<br />
dívida fl utuante de 23 000 contos,<br />
lançou imediatamente as primeiras<br />
medidas de saneamento fi nanceiro:<br />
uma taxa entre 5 e 20 por cento sobre<br />
os ordenados, soldos e pensões;<br />
uma taxa de 30 por cento sobre os<br />
rendimentos da dívida pública interna;<br />
uma proposta de renegociação da<br />
vida externa; e a instauração de novas<br />
pautas alfandegárias. Também aboliu<br />
o subsídio ao teatro da ópera de São<br />
Carlos e suspendeu as admissões na<br />
função pública.<br />
D. Carlos, por sua vez, quis fazer<br />
parte da solução, abdicou de 20% da<br />
sua dotação e ainda sugeriu a Oliveira<br />
Martins a ideia inovadora de encontrar<br />
novas fontes de receita através da<br />
instituição de uma espécie de bilhete<br />
de identidade.<br />
Nos anos de 1890 e 1891, a crise<br />
fi nanceira e monetária foi acompanhada<br />
por <strong>que</strong>bras signifi cativas de<br />
actividade em quase todos os sectores<br />
económicos. A crise, porém, não<br />
terá, segundo vários autores, originado<br />
um período de abrandamento<br />
do crescimento económico, dados<br />
os efeitos positivos das medidas de<br />
acréscimo do proteccionismo e de<br />
desvalorização monetária <strong>que</strong>, entre<br />
outras medidas, integraram a acção<br />
de Oliveira Martins e do seu sucessor,<br />
Dias Ferreira.<br />
Os tempos eram de acentuada instabilidade<br />
e de grande agitação política e<br />
social. As tentativas de regeneração do<br />
regime monárquico, as humilhações<br />
O rei nas Cortes em Junho de 1906, a 10 meses da dissolução do Parlamento<br />
Cento e<br />
vinte anos<br />
depois e,<br />
respeitando<br />
proporções,<br />
o país<br />
encontrase<br />
de novo<br />
numa<br />
situação<br />
muito<br />
semelhante<br />
à <strong>que</strong> a<br />
epígrafe de<br />
O Século<br />
fazia<br />
referência<br />
externas e, sobretudo, a bancarrota<br />
do Estado constituíam o prenúncio<br />
da <strong>que</strong>da inexorável do regime. A tendência<br />
revolucionária instalara-se, na<br />
sequência da primeira revolta armada<br />
contra a Monarquia, em 31 de Janeiro<br />
de 1891, no Porto.<br />
Os anos seguintes foram de acentuada<br />
agitação política e crispação social.<br />
O país viveu então, entre 1893 e 1907,<br />
um último ciclo rotativismo político<br />
entre os dois principais partidos monárquicos,<br />
sendo governado, alternadamente,<br />
por Hintze Ribeiro, chefe<br />
dos regeneradores, e Luciano de Castro,<br />
líder dos progressistas (<strong>que</strong> quando<br />
não estavam na chefi a do Governo<br />
alternavam também a direcção do Crédito<br />
Predial). Por junto, contaram-se<br />
oito ministérios, provando afi nal <strong>que</strong><br />
o rotativismo estava longe de proporcionar<br />
a almejada estabilidade política.<br />
A incapacidade de regeneração<br />
e superação dos sucessivos impasses<br />
políticos do campo monárquico, <strong>que</strong><br />
entretanto conhecerá várias cisões e<br />
dissensões, fez-se acompanhar do uso<br />
de expedientes e soluções erráticas no<br />
campo eleitoral e do recurso a medidas<br />
políticas e sociais crescentemente<br />
contestadas e contestáveis, criando<br />
um clima favorável à afi rmação das<br />
forças republicanas, apesar do agravamento<br />
do quadro repressivo. Não é<br />
portanto de estranhar a intensifi cação<br />
de manifestações de mal-estar social,<br />
refl ectindo difi culdades e descontentamentos,<br />
como a <strong>que</strong> fi cou conhecida<br />
pela “revolta do grelo”, em 1903.<br />
As manifestações populares contra<br />
a Monarquia, e a repressão <strong>que</strong> tiveram<br />
como resposta, prosseguiriam e<br />
aumentariam em particular durante<br />
o governo chefi ado, a partir de Maio<br />
de 1906, pelo regenerador dissidente<br />
João Franco, sobretudo desde <strong>que</strong>, em<br />
Abril de 1907, D. Manuel lhe concedeu<br />
a ditadura <strong>que</strong> recusara a Luciano de<br />
Castro e a Hintze Ribeiro.<br />
Nesses anos, embora ultrapassada<br />
a fase mais dramática da crise fi nanceira,<br />
a história das fi nanças públicas<br />
e da política nacional fi caria marcada<br />
pela presença de duas <strong>que</strong>stões, dois<br />
escândalos, devidamente explorados<br />
pela propaganda republicana e <strong>que</strong><br />
ganharam grande espectacularidade<br />
nas páginas dos jornais, entre a opinião<br />
pública e nos debates parlamentares.<br />
Desde logo, a velha <strong>que</strong>stão dos<br />
tabacos, a propósito do concurso para<br />
a renovação da exploração dos tabacos<br />
em regime de monopólio, cujas<br />
implicações políticas envolveram a<br />
<strong>que</strong>da de dois governos e a dissidência<br />
do Partido Progressista – a <strong>que</strong>stão<br />
só fi cou resolvida no governo de João<br />
Franco, <strong>que</strong> concedeu o exclusivo à<br />
Companhia dos Tabacos pela renda<br />
anual de 6520 contos.<br />
Erários separados<br />
A outra <strong>que</strong>stão foi a dos adiantamentos<br />
à Casa Real, chegada à imprensa<br />
republicana em 1905, <strong>que</strong> João Franco<br />
também viria a resolver, já em ditadura,<br />
através do decreto de 30 de Agosto<br />
de 1907, <strong>que</strong> concedia um aumento<br />
indirecto à “lista civil” para cobrir tais<br />
adiantamentos.<br />
A <strong>que</strong>stão dos adiantamentos recuava<br />
ao tempo da revolução liberal<br />
de 1820, quando, separando o erário<br />
público do erário régio, se criara uma<br />
Lista Civil para custear as despesas<br />
dos Braganças. Ora, como a dotação<br />
à coroa não era revista desde 1834,<br />
a coroa, desde o tempo do rei D. Luís,<br />
vinha recebendo adiantamentos<br />
à margem do disposto na Lista Civil<br />
e no Orçamento Geral do Estado. A<br />
<strong>que</strong>stão, em si já sufi cientemente<br />
sensível, ganhava expressão à luz<br />
dos empréstimos <strong>que</strong> entretanto a<br />
corte contraíra e, sobretudo, atendendo<br />
aos gastos em <strong>que</strong> a família real<br />
incorria. Não é de estranhar a violência<br />
da crítica dirigida à situação,<br />
sobretudo pela ilegalidade de <strong>que</strong> se<br />
revestia, evidentemente empolada<br />
a partir da oposição republicana.<br />
Estava Franco no poder quando<br />
a <strong>que</strong>stão, em 20 de Novembro de<br />
1906, assomou ao Parlamento. Afonso<br />
Costa não perdeu a oportunidade;<br />
feita a denúncia, criticada a situação,<br />
termina desferindo um golpe de certeira<br />
e histórica virulência: “Por muito<br />
menos crimes <strong>que</strong> os cometidos<br />
por D. Carlos I, rolou no cadafalso<br />
em França, a cabeça de Luís XVI”.<br />
A sessão terminou com a expulsão<br />
de Afonso Costa. Ânimos exaltados,<br />
dentro de fora do Parlamento, caracterizaram<br />
os tempos seguintes.<br />
João Franco, isolado e contestado,<br />
contaria ainda com o incondicional<br />
apoio régio, para, em Abril de 1907,<br />
dissolver o Parlamento. Foi então<br />
<strong>que</strong>, em Agosto, Franco fez publicar<br />
a resolução por decreto ditatorial dos<br />
adiantamentos à Casa Real, <strong>que</strong> anteriormente<br />
tinha prometido levar à<br />
deliberação do Parlamento. Determinava<br />
o decreto <strong>que</strong> o montante dos<br />
adiantamentos seria saldado através<br />
da privação perpétua das rendas dos<br />
prédios da coroa dados de arrendamento<br />
ao Estado e pela entrega do<br />
iate real Amélia ao Ministério da Marinha.<br />
Além disso, a Lista Civil era<br />
aumentada em 160 contos anuais.<br />
Difi cilmente o decreto poderia ter<br />
suscitado maior contestação... por<br />
tudo, e até pelo embuste <strong>que</strong> procurava<br />
fazer vingar, uma vez <strong>que</strong>, não<br />
só os referidos prédios já estavam<br />
desafectados da posse do rei, como<br />
o iate já sido doado à nação.<br />
Sensível à tensão instalada, entre o<br />
desgaste e o desprestígio da coroa e do<br />
sistema, atenta a contestação política<br />
e o desânimo popular, é de então a célebre<br />
expressão de Júlio Vilhena, novo<br />
chefe do Partido Regenerador: “Isto<br />
termina fatalmente por um crime ou<br />
por uma revolução”.<br />
Pois, como é sabido, as duas coisas<br />
aconteceram. No dia 1 de Fevereiro de<br />
1908, em Lisboa, deu-se o atentado à<br />
família real, tendo sido mortos o rei D.<br />
Carlos e o príncipe herdeiro, D. Luís<br />
Filipe. D. Manuel II tinha apenas 18<br />
anos quando recebeu a coroa; procurou<br />
o apoio de todos os partidos<br />
monárquicos, mas foi-lhe impossível<br />
travar a onda republicana, até por<strong>que</strong><br />
os próprios partidos monárquicos difi<br />
cilmente se entendiam, enquanto os<br />
republicanos se uniam e conspiravam<br />
contra o rei e pelo derrube da Monarquia.<br />
Na manhã do dia 5 de Outubro<br />
de 1910 foi proclamada a República<br />
em Portugal, a segunda na <strong>Europa</strong>, e<br />
anunciado o Governo Provisório das<br />
varandas da Câmara Municipal de Lisboa<br />
pela voz de José Relvas.<br />
Com a República vinha a miragem,<br />
não concretizada, da democracia e do<br />
progresso económico e social. Cento<br />
e vinte anos depois e, salvaguardando<br />
distâncias proporções, o país encontra-se<br />
de novo numa situação muito<br />
semelhante à <strong>que</strong> a epígrafe de O Século<br />
fazia referência. Historiadora<br />
Este artigo<br />
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