Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia - Europa
Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia - Europa
Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia - Europa
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Público Domingo 29 Janeiro 2012 15<br />
Divulgação A crise financeira do final do século XIX<br />
O iate real Amélia<br />
esteve no centro da<br />
contestação por causa<br />
dos gastos da Casa Real<br />
O rei doava mas recebia adiantado<br />
e o país republicano opôs-se<br />
D. Carlos doava 20% da sua dotação e sugeriu a Oliveira Martins a criação<br />
de um bilhete de identidade para obter mais receitas. O país vivia sob<br />
novas e violentas medidas de saneamento fi nanceiro<br />
Fernanda Rollo<br />
O governo, invocando a necessidade<br />
de medidas de salvação pública,<br />
procura aplicar apenas leis <strong>que</strong><br />
são odiosas, por<strong>que</strong> constituem<br />
excepções, por<strong>que</strong> muita coisa<br />
havia a fazer e se não fez, e por<strong>que</strong><br />
as medidas fi nanceiras não foram<br />
acompanhadas das indispensáveis<br />
medidas políticas <strong>que</strong> toda a gente<br />
esperava. Tinha-se prometido a<br />
moralização da administração,<br />
<strong>que</strong> os cortes atingiriam todos os<br />
abusos, e <strong>que</strong> viriam de cima para<br />
baixo. E afi nal? As propostas de<br />
fazenda são o <strong>que</strong> já toda a gente<br />
sabe, e sob o pretexto de se extinguir<br />
o defi cit, arranja-se uma verba <strong>que</strong><br />
vai, em grande parte, ser arrancada<br />
a <strong>que</strong>m não tem culpa do estado a<br />
<strong>que</strong> chegaram as coisas da fi nança,<br />
sem <strong>que</strong>, no entanto, a situação<br />
mude, preparando-se apenas um<br />
futuro de permanentes agonias<br />
para <strong>que</strong>m trabalha para viver!<br />
“As propostas do sr. Oliveira<br />
Martins” in O Século, 1 de Fevereiro<br />
de 1892, p. 1.<br />
O fi nal do século XIX conheceu em<br />
Portugal uma crise generalizada, em<br />
<strong>que</strong> se salientou, a par das profundas<br />
perturbações verifi cadas no plano<br />
político, uma crise fi nanceira <strong>que</strong> se<br />
revestiu de particular impacto e dramatismo.<br />
No seu conjunto, a crise,<br />
multifacetada, instalou-se, marcando<br />
inexoravelmente o processo <strong>que</strong> em<br />
breve conduziria ao colapso da Monarquia<br />
constitucional e à implantação<br />
da República.<br />
O cenário afi rmar-se-ia de crise global,<br />
sem es<strong>que</strong>cer o contágio externo<br />
ou diminuir os efeitos das perturbações<br />
registadas à escala internacional,<br />
<strong>que</strong> ganharam dimensão e impacto<br />
aproveitando as circunstâncias e vulnerabilidades<br />
de um país <strong>que</strong> tardava<br />
em modernizar-se e se mantinha entre<br />
os mais atrasados da <strong>Europa</strong>, gerando-se<br />
uma vertiginosa combinação<br />
negativa da qual parecia impossível<br />
escapar.<br />
A par da instante crise política, o<br />
generalizado mal-estar social, a crise<br />
económica e a derrocada fi nanceira,<br />
compuseram esse quadro de catástrofe<br />
<strong>que</strong> os escritores fi nisseculares<br />
pressentiam e denunciavam impiedosamente.<br />
Tempo de passagem do<br />
século, tom propício à dramatização<br />
da ideia de crise e decadência, tal como<br />
fi cou imortalizada na fi cção de Eça<br />
de Queirós, <strong>que</strong> morreu precisamente<br />
em 1900, Teixeira de Queirós e Fialho<br />
de Almeida, ou na poesia de Guerra<br />
Era do mar e não da corte <strong>que</strong> D. Carlos gostava<br />
Jun<strong>que</strong>iro e António Nobre (também<br />
morto em 1900). Retratos do país, feitos<br />
de testemunhos de desencanto,<br />
manifestos do espírito descrente e pessimista<br />
<strong>que</strong> entristeceu a pátria. A par<br />
do tom negativista e derrotista, surgia,<br />
de forma cada vez mais estridente, a<br />
crítica incisiva da sociedade burguesa<br />
<strong>que</strong> Abel Botelho denunciava em<br />
Amanhã (1901) ou, noutro palco, a caracterização<br />
feita por Oliveira Martins<br />
em Portugal Contemporâneo.<br />
Combinando com o tom de pessimismo<br />
decadentista, o contexto<br />
era propício ao descrédito, indelevelmente<br />
marcado pelo Ultimatum<br />
apresentado em Janeiro de 1890 pelo<br />
Governo inglês de lorde Salisbury,<br />
fazendo jus à sonoridade trágica de<br />
A Portuguesa ou, entre outros textos,<br />
ao ritmo comovente de Finis Patriae<br />
de Jun<strong>que</strong>iro.<br />
Tudo isso animava a vontade regeneradora<br />
e as aspirações republicanas,<br />
procurando a interrupção e a<br />
alternativa ao percurso decadentista a<br />
FOTOS: CORTESIA JOAQUIM VIEIRA/CÍRCULO DE LEITORES<br />
<strong>que</strong> a Monarquia surgia indissociada.<br />
Ao recém-criado Partido Republicano<br />
Português (1876), entre os demais<br />
defensores de uma solução política<br />
republicana, aliavam-se cada vez mais<br />
descontentes, engrossando as fi leiras<br />
do movimento, num tom de crescente<br />
nacionalismo, aglutinando um conjunto<br />
alargado de pretensões, almejando,<br />
entre outras, a libertação da<br />
tutela estrangeira, a democratização<br />
política, a generalização do sistema<br />
escolar, a modernização económica<br />
e social.<br />
Na realidade, para lá do impasse político,<br />
o modelo de desenvolvimento<br />
económico da Regeneração revelava<br />
sinais de esgotamento, desembocando<br />
na profunda crise económica<br />
e fi nanceira <strong>que</strong> assolou o país em<br />
1890/1891. O modelo económico da<br />
Regeneração, face às limitações do<br />
seu próprio enunciado, confrontavase<br />
com as hesitações e as inércias da<br />
actividade económica de um país <strong>que</strong>,<br />
afi nal, tardava em dar resposta aos de-<br />
safi os e às possibilidades da moderna<br />
expansão industrial e, em comparação<br />
com a situação internacional,<br />
entrara claramente em derrapagem.<br />
Portugal debatia-se à procura do seu<br />
ressurgimento, confrontado com as<br />
expectativas falhadas e sob o trauma<br />
e a ameaça da bancarrota.<br />
O dinamismo <strong>que</strong> a política fontista<br />
imprimiu à construção de grandes<br />
infra-estruturas, embora tendo efeitos<br />
positivos, mas insufi cientes até para<br />
a unifi cação do mercado interno, foi<br />
feito em grande medida através do recurso<br />
constante ao aumento da dívida<br />
pública interna e externa e ao défi ce<br />
orçamental, o <strong>que</strong>, associando-se à<br />
defi citária balança comercial portuguesa,<br />
acabou por arrastar a economia<br />
para uma difícil situação fi nanceira,<br />
colocando-a sob a perspectiva<br />
de uma falência generalizada. É certo,<br />
porém, <strong>que</strong> o período <strong>que</strong> antecedeu<br />
a Primeira Guerra Mundial registou<br />
um crescimento razoável do sector<br />
industrial, tal como aconteceu com<br />
a maioria das economias europeias<br />
mais atrasadas, mas circunscrito e longe<br />
de conseguir catapultar Portugal<br />
para o nível dos países desenvolvidos<br />
da <strong>Europa</strong>. Globalmente, o país falhou<br />
o início do seu processo de industrialização<br />
e modernização económica e<br />
social, mantendo taxas de crescimento<br />
muitíssimo modestas, ao nível das<br />
mais baixas registadas pelos países<br />
europeus ao longo de todo o período<br />
entre 1870 e 1913.<br />
A verdade é <strong>que</strong> os vários governos<br />
da fase fi nal da Monarquia, a braços<br />
com sucessivas crises políticas e fi nanceiras,<br />
estavam praticamente paralisados:<br />
incapazes de impor uma estratégia<br />
de desenvolvimento económico<br />
nacional, ou de reunir os recursos indispensáveis<br />
à sua concretização.<br />
O fi nal de oitocentos mostraria os limites<br />
do percurso desenhado. A difícil<br />
situação fi nanceira em <strong>que</strong> o fontismo<br />
tinha deixado o país agravou-se num<br />
cenário de crise a <strong>que</strong> não foi estranha<br />
a situação internacional e, em particular,<br />
a crise cambial brasileira e a decorrente<br />
contracção das remessas dos<br />
emigrantes <strong>que</strong> permitiam compensar<br />
signifi cativamente o defi ce das trocas<br />
portuguesas e, assim, ajudar a compor<br />
a situação fi nanceira do país. O Estado<br />
começou a sentir terríveis embaraços<br />
para acudir ao défi ce orçamental, para<br />
honrar os encargos da dívida e para<br />
socorrer alguns bancos e companhias<br />
(ferroviárias e coloniais) <strong>que</strong> andavam<br />
à beira da falência.<br />
Ultrapassada a fase mais crítica do<br />
confl ito inglês, ressurgia a ‘<strong>que</strong>stão<br />
da fazenda’, ou muito simplesmente