Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia - Europa
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12 Público Domingo 29 Janeiro 2012<br />
Entrevista<br />
Manuel Sobrinho Simões<br />
“A sustentabilidade do<br />
Serviço Nacional de Saúde<br />
exige <strong>que</strong> racionemos”<br />
Planifi car, separar o essencial do acessório e racionar. Três coisas <strong>que</strong> não<br />
podemos evitar fazer no Serviço Nacional de Saúde para o conseguirmos<br />
manter, diz o professor universitário e cientista Manuel Sobrinho Simões.<br />
Ficam os avisos: Não vai haver dinheiro para tudo mas não se pode admitir<br />
<strong>que</strong> a medicina privada viva de desnatar a medicina pública.<br />
Alexandra Campos e Andrea Cunha Freitas (texto) Manuel Roberto (fotos)<br />
a O médico apresenta soluções<br />
para manter o Serviço Nacional<br />
de Saúde (SNS) em tempo de<br />
cortes “brutais” e dá exemplos de<br />
racionamento, como limitar a dois<br />
o número de ecografi as durante a<br />
gravidez. O professor universitário<br />
fala em fechar universidades e<br />
cursos para melhorar o ensino.<br />
O investigador pede um reforço<br />
e classifi ca de “indecente” a<br />
possibilidade de o Governo<br />
aproveitar a crise para destruir o<br />
tecido institucional público. E o<br />
avô está assustado com o futuro<br />
mais difícil <strong>que</strong> se adivinha. Todas<br />
as vozes numa só pessoa: Manuel<br />
Sobrinho Simões. Aos 64 anos,<br />
o rosto do Instituto de Patologia<br />
e Imunologia Molecular da<br />
Universidade do Porto (Ipatimup)<br />
está longe de pensar na reforma,<br />
ao contrário de muitos colegas de<br />
profi ssão.<br />
Recentemente, num programa<br />
de televisão, falou na<br />
necessidade de racionar no<br />
Serviço Nacional de Saúde. O<br />
<strong>que</strong> <strong>que</strong>ria dizer com isso?<br />
Primeiro ponto: é difícil arranjar<br />
alguém <strong>que</strong> seja mais a favor do SNS<br />
do <strong>que</strong> eu. Farei tudo <strong>que</strong> estiver<br />
ao meu alcance para <strong>que</strong> o SNS se<br />
mantenha vivo e saudável. Segundo<br />
ponto: O caso da saúde é uma<br />
história de sucesso extraordinária.<br />
Nos países em <strong>que</strong> foi mudado o<br />
sistema no sentido da iniciativa<br />
privada a saúde piorou e fi cou<br />
mais cara. Os EUA têm um sistema<br />
de saúde pior do <strong>que</strong> o nosso<br />
em todos os indicadores e muito<br />
mais caro. Portanto, não acho <strong>que</strong><br />
em nenhuma circunstância seja<br />
defensável pensar em acabar com<br />
SNS ou se<strong>que</strong>r fragilizá-lo. Agora,<br />
o SNS não se aguenta como está e<br />
aí aparecem palavras e os verbos é<br />
<strong>que</strong> não são fáceis. O verbo racionar<br />
é infelicíssimo por<strong>que</strong> está muito<br />
ligado afectivamente à guerra.<br />
Queria dizer racionar ou<br />
racionalizar?<br />
As duas coisas. Infelizmente vai<br />
ser preciso racionar. Mas antes<br />
disso há medidas a tomar <strong>que</strong> são<br />
relativamente menos dolorosas,<br />
como planifi car e separar o<br />
essencial do acessório. Odeio<br />
a palavra racionar, tem uma<br />
componente afectiva <strong>que</strong> não pode<br />
ser pior, mas a sustentabilidade do<br />
SNS exige <strong>que</strong> nós planifi <strong>que</strong>mos,<br />
separemos o essencial do acessório<br />
e racionemos. Três coisas <strong>que</strong> não<br />
podemos evitar.<br />
Isso é tudo muito abstracto….<br />
Dou-lhe um exemplo. Temos <strong>que</strong><br />
decidir se vamos investir mais<br />
no diagnóstico pré-natal e na<br />
Os cuidados<br />
paliativos podem<br />
ser resolvidos com<br />
associações, com<br />
amizade, com<br />
ternura, não são<br />
caros do ponto de<br />
vista médico. (...)<br />
Temos <strong>que</strong><br />
recuperar<br />
rapidamente o<br />
nosso capital nas<br />
Misericórdias a sério<br />
fertilização in vitro ou mais no<br />
tratamento das pessoas idosas.<br />
Os recursos são fi nitos, não há<br />
dinheiro para tudo. Bater-me-ei até<br />
ao fi m para ter um SNS sustentável,<br />
para isso precisamos de poupar,<br />
depois discutimos o racionamento,<br />
<strong>que</strong> tem de ser sempre encarado<br />
como a última solução.<br />
O ministro da Saúde está<br />
pressionado para reduzir a<br />
despesa. Acha <strong>que</strong> o <strong>que</strong> se está a<br />
fazer são cortes cegos?<br />
Não sei. Que são cortes brutais<br />
são, <strong>que</strong> seguramente não são<br />
inteligentes, não são. Também não<br />
faço a mínima ideia se é possível<br />
atingir este nível de poupança com<br />
medidas inteligentes. Temos uma<br />
literacia mínima, portanto as nossas<br />
discussões são sempre inquinadas<br />
por meia dúzia de bandeiras. Outro<br />
exemplo: se diminuir a quantidade<br />
de doentes <strong>que</strong> chegam ao<br />
Hospital de S. João [no Porto] e não<br />
precisavam de chegar, a qualidade<br />
melhora. Nesta altura, e isso é<br />
estúpido, os hospitais são pagos por<br />
acto médico, portanto o S. João não<br />
se importa de ter uma quantidade<br />
enorme de doentes nas consultas<br />
<strong>que</strong>, na sua maioria, deviam ter<br />
fi cado nos centros de saúde ou nos<br />
hospitais periféricos. Quem perde<br />
são os doentes mais graves.<br />
Mas indo ao concreto. Entre<br />
a procriação medicamente<br />
assistida e cuidar dos idosos?<br />
Aí se não houver dinheiro já põe<br />
um problema seriíssimo. Não sei.<br />
Portugal é um país muito<br />
envelhecido...<br />
Não, não. Nós não temos é<br />
crianças. O <strong>que</strong> somos é um país<br />
de doentes ou pelo menos de<br />
pessoas <strong>que</strong> se julgam doentes. Nós<br />
<strong>que</strong>ixamo-nos mais por<strong>que</strong> somos<br />
periféricos, pe<strong>que</strong>nos, pobres e<br />
assustados. Há uma negociação<br />
nossa com a fragilidade <strong>que</strong> é fruto<br />
da nossa experiência comercial. Na<br />
nossa cultura é quase malcriado<br />
dizer estou bem nunca estive tão<br />
bem na vida. A vitimização cria<br />
empatia, como temos uma vaga<br />
inspiração religiosa, não gostamos<br />
de desafi ar Deus. Isso difi culta<br />
muito, de novo, a planifi cação de<br />
saúde, por<strong>que</strong> a valorização das<br />
<strong>que</strong>ixas é muito difícil de fazer de<br />
uma forma objectiva. Vamos ter<br />
muita difi culdade em planifi car.<br />
Mas planifi ca melhor a medicina de<br />
proximidade do <strong>que</strong> a de hospital<br />
central, melhor os enfermeiros <strong>que</strong><br />
vão a casa do <strong>que</strong> o médico <strong>que</strong> vê<br />
o doente de tempos a tempos.<br />
No tal programa de televisão, foi<br />
dado o exemplo da hemodiálise<br />
como algo <strong>que</strong> poderia ser pago