01.11.2012 Views

Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia - Europa

Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia - Europa

Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia - Europa

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

públicos têm demonstrado uma<br />

notável capacidade para gastar o<br />

dinheiro <strong>que</strong> não lhes pertence<br />

de forma <strong>que</strong> muitas vezes roça a<br />

completa irresponsabilidade. Mas<br />

o <strong>que</strong> hoje se diz amanhã já foi<br />

es<strong>que</strong>cido, na voragem incessante<br />

da informação. E os portugueses<br />

gostam muito de comentar, mas<br />

envolver-se… dá trabalho. Fora dos<br />

aparelhos partidários há um claro<br />

défi ce de cidadania.<br />

Foi assim <strong>que</strong> estes três jovens<br />

urbanos olharam para a situação.<br />

E não se resignaram. Decidiram<br />

agir. “É o nosso dever cívico”, diz<br />

Bárbara. “Participar na vida do<br />

Estado é um dever. A cidadania não<br />

é só ir votar de quatro em quatro<br />

anos, ou de dois em dois!” Para eles,<br />

tornou-se óbvio <strong>que</strong> era preciso<br />

fazer mais. “O <strong>que</strong> é estranho é<br />

não haver mais gente a fazer isto.<br />

Os partidos, os media… gasta-se<br />

muito tempo e espaço, e caracteres,<br />

no bate-boca da Assembleia da<br />

República, por exemplo, e faz-se<br />

pouca investigação”, acusa Rui<br />

Mar<strong>que</strong>s.<br />

O outro Rui gosta de abordar<br />

as coisas num tom mais global. É<br />

ele <strong>que</strong>m avança a seguir com a<br />

ideia de <strong>que</strong>, em Portugal, o <strong>que</strong><br />

temos é “o governante gastador,<br />

em vez do governante gestor”. E<br />

isso explica <strong>que</strong> “ninguém calcule<br />

quanto vai custar a manutenção<br />

da infra-estrutura <strong>que</strong> se mandou<br />

construir, ou faça planos sobre a<br />

sua futura utilização”. É como se a<br />

inauguração fosse “o último acto e<br />

não o primeiro”. Como eles andam<br />

sempre com as mãos nesta massa,<br />

Rui avança logo com um exemplo:<br />

“A Par<strong>que</strong> Escolar, por exemplo. As<br />

novas escolas têm ar condicionado,<br />

mas os aparelhos estão desligados e<br />

as salas de portas abertas. Porquê?<br />

Por<strong>que</strong> o ar condicionado ligado faz<br />

disparar as contas da electricidade<br />

e as escolas não têm dinheiro para<br />

sustentar essa despesa…”<br />

O retrato do país <strong>que</strong> obtemos<br />

no blogue fi ca, muitas vezes,<br />

perigosamente perto do surreal. Por<br />

estes dias, os três vigilantes do Má<br />

Despesa Pública viraram-se para o<br />

Banco de Portugal. E revelaram, por<br />

exemplo, <strong>que</strong> o nosso banco central<br />

decidiu gastar 245 mil euros em<br />

serviços de consultoria fi nanceira<br />

durante dois meses e há outros 190<br />

mil destinados a consultoria em<br />

matéria de gestão geral. “Algo de<br />

errado se passa na capacidade da<br />

equipa do banco”, concluem.<br />

Denúncias <strong>que</strong> dão notícia<br />

Esta ironia, garante Bárbara, é<br />

muitas vezes a única maneira de<br />

lidar com assuntos dolorosos,<br />

quanto mais não seja para a nossa<br />

carteira. “É rir para não chorar…”<br />

Mas eles não <strong><strong>que</strong>rem</strong> opinar. Para<br />

isso já há para aí muita gente.<br />

“Damos a notícia. Divulgamos<br />

informação <strong>que</strong> é pública, mas com<br />

uma triagem. Tentamos ser o mais<br />

crus possível, só dar atenção aos<br />

factos. Acho mesmo <strong>que</strong> a parte<br />

mais dura do trabalho é tentar<br />

guardar para nós as nossas opiniões<br />

sobre despesas <strong>que</strong> falam por si.”<br />

Uma forma de encontrarem esse<br />

equilíbrio é fi ltrarem o trabalho<br />

em conjunto. “Toda a gente ‘pesca’<br />

[vasculha os contratos], mas só<br />

se publica depois de debatermos<br />

e chegarmos a um consenso”,<br />

explica Rui Abreu. Embora sem<br />

entrar em detalhes, ele é o único<br />

<strong>que</strong> assume já ter sido prejudicado<br />

devido à forma como toma posições<br />

públicas de denúncia. Mais do <strong>que</strong><br />

recusarem o medo de poderem vir a<br />

pagar pela sua irreverência, o <strong>que</strong> os<br />

caracteriza é mesmo a sensação de<br />

<strong>que</strong> não pensam, se<strong>que</strong>r, nisso.<br />

“O senhor de Santa Comba já<br />

morreu há muito tempo”, ironiza<br />

Bárbara. E, embora tenha deixado<br />

“muita herança”, diz Rui Abreu,<br />

nenhum deles concebe <strong>que</strong>, “em<br />

democracia”, falar abertamente<br />

sobre o <strong>que</strong> o poder anda a fazer<br />

com o nosso dinheiro possa ser uma<br />

actividade com riscos envolvidos.<br />

Para mais, esta é a primeira vez <strong>que</strong><br />

dão a cara. Os textos do blogue não<br />

são assinados, não por<strong>que</strong> algum<br />

deles tivesse receio de assumir o<br />

<strong>que</strong> escreve, mas por<strong>que</strong> a intenção<br />

era não assumir protagonismo.<br />

“Nunca foi essa a ideia”, assegura<br />

Rui Mar<strong>que</strong>s.<br />

Seja como for, a sua actividade<br />

começou a dar nas vistas. O blogue<br />

tem cerca de 130 mil visualizações<br />

e há 1300 seguidores no Facebook.<br />

Alguns deles serão jornalistas… “O<br />

impacto do <strong>que</strong> escrevemos só pode<br />

ser maior se houver notícias dos<br />

casos <strong>que</strong> relatamos”, assumem. E<br />

já houve. Algumas até sem citarem a<br />

fonte, o <strong>que</strong> os deixa aborrecidos.<br />

“Nós <strong><strong>que</strong>rem</strong>os<br />

promover o debate.<br />

E, curiosamente,<br />

quanto mais<br />

pe<strong>que</strong>no é o lugar<br />

ou instituição <strong>que</strong><br />

denunciamos mais<br />

facilmente obtemos<br />

reacções”<br />

Rui Abreu<br />

Mas eles sabem <strong>que</strong> estão a ser<br />

ouvidos. Quando denunciaram os<br />

planos de construção de um par<strong>que</strong><br />

de estacionamento subterrâneo em<br />

Baião, receberam esclarecimentos,<br />

“de grande nível”, da autarquia e do<br />

gabinete de arquitectos envolvido.<br />

Uma leitora do blogue escreveu ao<br />

presidente da Câmara de Cascais<br />

sobre a intenção da autarquia de<br />

gastar 120 mil euros em estudos<br />

para aquilatar da opinião dos<br />

munícipes sobre o desempenho dos<br />

autarcas e foi-lhe comunicado <strong>que</strong> o<br />

projecto fora cancelado…<br />

O regabofe de 2009<br />

Serão excepções. Tal como a<br />

generalidade dos portugueses, os<br />

poderes públicos não gostam de<br />

ser <strong>que</strong>stionados. Azar deles. “Nós<br />

<strong><strong>que</strong>rem</strong>os promover o debate.<br />

E, curiosamente, quanto mais<br />

pe<strong>que</strong>no é o lugar ou instituição<br />

<strong>que</strong> denunciamos mais facilmente<br />

obtemos reacções”, explica Rui<br />

Abreu. “Acreditamos <strong>que</strong> as pessoas<br />

podem reagir e pressionar os<br />

poderes”, completa Bárbara.<br />

De fora do seu raio de acção<br />

ainda fi ca muita coisa. As regalias<br />

dos titulares de cargos e postos<br />

de topo, por exemplo. “É muita<br />

burocracia para obter respostas.<br />

Não está à distância de um cli<strong>que</strong> e<br />

isso impede-nos de ir mais longe”,<br />

explica Bárbara. Pior ainda é o<br />

caso das fundações, <strong>que</strong> não estão<br />

obrigadas por lei a publicar os seus<br />

contratos.<br />

Mas eles porfi am. E vão revelando<br />

contas estranhas da Madeira<br />

(dois meses depois descobriu-se<br />

o buraco orçamental), a estranha<br />

paixão dos organismos públicos<br />

Público Domingo 29 Janeiro 2012 11<br />

por agendas e calendários,<br />

a dimensão das despesas da<br />

Presidência da República, as<br />

empresas pagas para prestarem<br />

serviços <strong>que</strong> não aparecem feitos, as<br />

extravagâncias de alguns autarcas,<br />

as irresponsabilidades de outros, a<br />

aparente inimputabilidade de quase<br />

todos.<br />

Fazem-no sem qual<strong>que</strong>r bandeira<br />

<strong>que</strong> não “a cidadania”, ao contrário<br />

de outros grupos — contra as<br />

portagens, os recibos verdes, as<br />

propinas —, <strong>que</strong> têm uma causa,<br />

uma agenda própria. Numa altura<br />

em <strong>que</strong> as pessoas se mostram<br />

receptivas a denúncias, eles<br />

admitem <strong>que</strong> os melhores casos de<br />

gastos estapafúrdios podem estar<br />

no passado (2009, ano de duas<br />

eleições, foi fértil), uma vez <strong>que</strong> a<br />

austeridade limita a capacidade de<br />

gastar mal.<br />

Mas eles encontram sempre<br />

alguma coisa. E pegam, irritando<br />

muita gente e incomodando ainda<br />

mais. Rui Mar<strong>que</strong>s recorda uma: “O<br />

presidente do Inatel chegou a dizer<br />

<strong>que</strong> a nossa denúncia tinha por trás<br />

interesses de privatização ao serviço<br />

de determinado grupo económico…<br />

Parece uma coisa de Hollywood:<br />

procura-se uma grande conspiração<br />

e afi nal são só três tipos <strong>que</strong> não<br />

vêem novelas.”<br />

PUBLICIDADE

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!