Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia - Europa
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públicos têm demonstrado uma<br />
notável capacidade para gastar o<br />
dinheiro <strong>que</strong> não lhes pertence<br />
de forma <strong>que</strong> muitas vezes roça a<br />
completa irresponsabilidade. Mas<br />
o <strong>que</strong> hoje se diz amanhã já foi<br />
es<strong>que</strong>cido, na voragem incessante<br />
da informação. E os portugueses<br />
gostam muito de comentar, mas<br />
envolver-se… dá trabalho. Fora dos<br />
aparelhos partidários há um claro<br />
défi ce de cidadania.<br />
Foi assim <strong>que</strong> estes três jovens<br />
urbanos olharam para a situação.<br />
E não se resignaram. Decidiram<br />
agir. “É o nosso dever cívico”, diz<br />
Bárbara. “Participar na vida do<br />
Estado é um dever. A cidadania não<br />
é só ir votar de quatro em quatro<br />
anos, ou de dois em dois!” Para eles,<br />
tornou-se óbvio <strong>que</strong> era preciso<br />
fazer mais. “O <strong>que</strong> é estranho é<br />
não haver mais gente a fazer isto.<br />
Os partidos, os media… gasta-se<br />
muito tempo e espaço, e caracteres,<br />
no bate-boca da Assembleia da<br />
República, por exemplo, e faz-se<br />
pouca investigação”, acusa Rui<br />
Mar<strong>que</strong>s.<br />
O outro Rui gosta de abordar<br />
as coisas num tom mais global. É<br />
ele <strong>que</strong>m avança a seguir com a<br />
ideia de <strong>que</strong>, em Portugal, o <strong>que</strong><br />
temos é “o governante gastador,<br />
em vez do governante gestor”. E<br />
isso explica <strong>que</strong> “ninguém calcule<br />
quanto vai custar a manutenção<br />
da infra-estrutura <strong>que</strong> se mandou<br />
construir, ou faça planos sobre a<br />
sua futura utilização”. É como se a<br />
inauguração fosse “o último acto e<br />
não o primeiro”. Como eles andam<br />
sempre com as mãos nesta massa,<br />
Rui avança logo com um exemplo:<br />
“A Par<strong>que</strong> Escolar, por exemplo. As<br />
novas escolas têm ar condicionado,<br />
mas os aparelhos estão desligados e<br />
as salas de portas abertas. Porquê?<br />
Por<strong>que</strong> o ar condicionado ligado faz<br />
disparar as contas da electricidade<br />
e as escolas não têm dinheiro para<br />
sustentar essa despesa…”<br />
O retrato do país <strong>que</strong> obtemos<br />
no blogue fi ca, muitas vezes,<br />
perigosamente perto do surreal. Por<br />
estes dias, os três vigilantes do Má<br />
Despesa Pública viraram-se para o<br />
Banco de Portugal. E revelaram, por<br />
exemplo, <strong>que</strong> o nosso banco central<br />
decidiu gastar 245 mil euros em<br />
serviços de consultoria fi nanceira<br />
durante dois meses e há outros 190<br />
mil destinados a consultoria em<br />
matéria de gestão geral. “Algo de<br />
errado se passa na capacidade da<br />
equipa do banco”, concluem.<br />
Denúncias <strong>que</strong> dão notícia<br />
Esta ironia, garante Bárbara, é<br />
muitas vezes a única maneira de<br />
lidar com assuntos dolorosos,<br />
quanto mais não seja para a nossa<br />
carteira. “É rir para não chorar…”<br />
Mas eles não <strong><strong>que</strong>rem</strong> opinar. Para<br />
isso já há para aí muita gente.<br />
“Damos a notícia. Divulgamos<br />
informação <strong>que</strong> é pública, mas com<br />
uma triagem. Tentamos ser o mais<br />
crus possível, só dar atenção aos<br />
factos. Acho mesmo <strong>que</strong> a parte<br />
mais dura do trabalho é tentar<br />
guardar para nós as nossas opiniões<br />
sobre despesas <strong>que</strong> falam por si.”<br />
Uma forma de encontrarem esse<br />
equilíbrio é fi ltrarem o trabalho<br />
em conjunto. “Toda a gente ‘pesca’<br />
[vasculha os contratos], mas só<br />
se publica depois de debatermos<br />
e chegarmos a um consenso”,<br />
explica Rui Abreu. Embora sem<br />
entrar em detalhes, ele é o único<br />
<strong>que</strong> assume já ter sido prejudicado<br />
devido à forma como toma posições<br />
públicas de denúncia. Mais do <strong>que</strong><br />
recusarem o medo de poderem vir a<br />
pagar pela sua irreverência, o <strong>que</strong> os<br />
caracteriza é mesmo a sensação de<br />
<strong>que</strong> não pensam, se<strong>que</strong>r, nisso.<br />
“O senhor de Santa Comba já<br />
morreu há muito tempo”, ironiza<br />
Bárbara. E, embora tenha deixado<br />
“muita herança”, diz Rui Abreu,<br />
nenhum deles concebe <strong>que</strong>, “em<br />
democracia”, falar abertamente<br />
sobre o <strong>que</strong> o poder anda a fazer<br />
com o nosso dinheiro possa ser uma<br />
actividade com riscos envolvidos.<br />
Para mais, esta é a primeira vez <strong>que</strong><br />
dão a cara. Os textos do blogue não<br />
são assinados, não por<strong>que</strong> algum<br />
deles tivesse receio de assumir o<br />
<strong>que</strong> escreve, mas por<strong>que</strong> a intenção<br />
era não assumir protagonismo.<br />
“Nunca foi essa a ideia”, assegura<br />
Rui Mar<strong>que</strong>s.<br />
Seja como for, a sua actividade<br />
começou a dar nas vistas. O blogue<br />
tem cerca de 130 mil visualizações<br />
e há 1300 seguidores no Facebook.<br />
Alguns deles serão jornalistas… “O<br />
impacto do <strong>que</strong> escrevemos só pode<br />
ser maior se houver notícias dos<br />
casos <strong>que</strong> relatamos”, assumem. E<br />
já houve. Algumas até sem citarem a<br />
fonte, o <strong>que</strong> os deixa aborrecidos.<br />
“Nós <strong><strong>que</strong>rem</strong>os<br />
promover o debate.<br />
E, curiosamente,<br />
quanto mais<br />
pe<strong>que</strong>no é o lugar<br />
ou instituição <strong>que</strong><br />
denunciamos mais<br />
facilmente obtemos<br />
reacções”<br />
Rui Abreu<br />
Mas eles sabem <strong>que</strong> estão a ser<br />
ouvidos. Quando denunciaram os<br />
planos de construção de um par<strong>que</strong><br />
de estacionamento subterrâneo em<br />
Baião, receberam esclarecimentos,<br />
“de grande nível”, da autarquia e do<br />
gabinete de arquitectos envolvido.<br />
Uma leitora do blogue escreveu ao<br />
presidente da Câmara de Cascais<br />
sobre a intenção da autarquia de<br />
gastar 120 mil euros em estudos<br />
para aquilatar da opinião dos<br />
munícipes sobre o desempenho dos<br />
autarcas e foi-lhe comunicado <strong>que</strong> o<br />
projecto fora cancelado…<br />
O regabofe de 2009<br />
Serão excepções. Tal como a<br />
generalidade dos portugueses, os<br />
poderes públicos não gostam de<br />
ser <strong>que</strong>stionados. Azar deles. “Nós<br />
<strong><strong>que</strong>rem</strong>os promover o debate.<br />
E, curiosamente, quanto mais<br />
pe<strong>que</strong>no é o lugar ou instituição<br />
<strong>que</strong> denunciamos mais facilmente<br />
obtemos reacções”, explica Rui<br />
Abreu. “Acreditamos <strong>que</strong> as pessoas<br />
podem reagir e pressionar os<br />
poderes”, completa Bárbara.<br />
De fora do seu raio de acção<br />
ainda fi ca muita coisa. As regalias<br />
dos titulares de cargos e postos<br />
de topo, por exemplo. “É muita<br />
burocracia para obter respostas.<br />
Não está à distância de um cli<strong>que</strong> e<br />
isso impede-nos de ir mais longe”,<br />
explica Bárbara. Pior ainda é o<br />
caso das fundações, <strong>que</strong> não estão<br />
obrigadas por lei a publicar os seus<br />
contratos.<br />
Mas eles porfi am. E vão revelando<br />
contas estranhas da Madeira<br />
(dois meses depois descobriu-se<br />
o buraco orçamental), a estranha<br />
paixão dos organismos públicos<br />
Público Domingo 29 Janeiro 2012 11<br />
por agendas e calendários,<br />
a dimensão das despesas da<br />
Presidência da República, as<br />
empresas pagas para prestarem<br />
serviços <strong>que</strong> não aparecem feitos, as<br />
extravagâncias de alguns autarcas,<br />
as irresponsabilidades de outros, a<br />
aparente inimputabilidade de quase<br />
todos.<br />
Fazem-no sem qual<strong>que</strong>r bandeira<br />
<strong>que</strong> não “a cidadania”, ao contrário<br />
de outros grupos — contra as<br />
portagens, os recibos verdes, as<br />
propinas —, <strong>que</strong> têm uma causa,<br />
uma agenda própria. Numa altura<br />
em <strong>que</strong> as pessoas se mostram<br />
receptivas a denúncias, eles<br />
admitem <strong>que</strong> os melhores casos de<br />
gastos estapafúrdios podem estar<br />
no passado (2009, ano de duas<br />
eleições, foi fértil), uma vez <strong>que</strong> a<br />
austeridade limita a capacidade de<br />
gastar mal.<br />
Mas eles encontram sempre<br />
alguma coisa. E pegam, irritando<br />
muita gente e incomodando ainda<br />
mais. Rui Mar<strong>que</strong>s recorda uma: “O<br />
presidente do Inatel chegou a dizer<br />
<strong>que</strong> a nossa denúncia tinha por trás<br />
interesses de privatização ao serviço<br />
de determinado grupo económico…<br />
Parece uma coisa de Hollywood:<br />
procura-se uma grande conspiração<br />
e afi nal são só três tipos <strong>que</strong> não<br />
vêem novelas.”<br />
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