FILOSOFIA – 2ª SÉRIE - Curso e Colégio Acesso
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<strong>FILOSOFIA</strong> <strong>–</strong> <strong>2ª</strong> <strong>SÉRIE</strong><br />
Capítulo 9 <strong>–</strong> A filosofia no século XX<br />
Introdução<br />
Sem negarmos ou ignorarmos os valores que deram sustentabilidade para a filosofia greco-romana, ou ainda a<br />
forma com que a subjetividade humana ganhou contornos na filosofia moderna, queremos agora apresentar, os desafios<br />
e tendências filosóficas do século XX, elaboradas sob o impacto de significativas transformações socioculturais, que<br />
implicaram reorientações temáticas, deslocamentos conceituais e divergências em torno da natureza da atividade<br />
filosófica.<br />
O século XX apresenta a consolidação das ciências humanas, com seu desdobramento em diferentes linhas de<br />
pesquisa, proporcionando o fortalecimento de áreas específicas da filosofia, como a filosofia da ciência, a teoria do<br />
conhecimento, a filosofia da linguagem e a filosofia da mente.<br />
O objetivo desse capítulo é o questionamento que remete-nos diretamente ao exame das relações entre filosofia<br />
e ciência, ensejando as mais variadas concepções sobre o assunto, uma vez que o mundo contemporâneo está diante<br />
de uma profunda crise que denuncia a instabilidade das sociedades. Como a filosofia pode nos ajudar nesse processo?<br />
Passemos então, a uma análise das diversas concepções sobre a filosofia do século XX.<br />
1. Husserl: a filosofia como ciência das essências<br />
Edmund Husserl (1859-1938), filósofo nascido na Morávia (pertencente ao Império Austro-Húngaro), iniciou o<br />
movimento fenomenológico, ou seja, procurou desenvolver explicações que sejam coerentes aos objetos presentes no<br />
mundo e, principalmente, que constituam a filosofia como base incontestável de todas as formas de saber.<br />
Em seu livro Investigações lógicas (1900), a intenção de Husserl não é apenas ordenar devidamente o pensamento,<br />
mas sim identificar os autênticos alicerces do pensamento, para que seja possível o acesso ao conhecimento seguro.<br />
Sendo assim, a filosofia seria a ciência das ciências, uma vez que ela, fornecendo ao saber seu estatuto legítimo,<br />
respalda todas as modalidades de conhecimento científico.<br />
Por que filosofia como ciência das essências? O afastamento psíquico dos fatos concretos revela a consciência<br />
humana diante dos fenômenos que a ela se apresentam. Para Husserl, nos fenômenos ou nas observações as essências<br />
são reveladas pela nossa consciência. Portanto, a base de todos os saberes é a consciência das essências, sendo<br />
que essas essências não são alcançadas pela soma de observações, mas intuídas pela consciência. Definindo então,<br />
a filosofia como o único caminho possível para o conhecimento das essências, Husserl pretende posicioná-la como a<br />
ciência das ciências.<br />
2. A filosofia da linguagem de Wittgenstein<br />
Ludwig Wittgenstein (1889-1951) vai procurar dar à filosofia sua finalidade específica, uma vez que, para ele,<br />
houve um equívoco nas questões em que se empenharam muitos filósofos, e tal equívoco derivou da ausência de rigor<br />
na observação das regras da linguagem, do uso das palavras fora de seus verdadeiros significados.<br />
Para esse filósofo da linguagem, portanto, a filosofia não deve ser identificada a uma doutrina e nem um meio para<br />
o esclarecimento de valores éticos objetivos, mas sim uma atividade que deve concentrar-se justamente na análise<br />
da linguagem, supervisionando a sua utilização para que suas regras sejam cumpridas, assegurando, desse modo, a<br />
correspondência entre os enunciados e o mundo por eles representado.<br />
3. Falsificabilidade, paradigma e pragmatismo<br />
Karl Popper (1902-1994), filósofo austríaco que dedicou seus estudos à reflexão política e principalmente, à<br />
epistemologia, notabilizando-se por sua recusa ao positivismo lógico e por sua defesa do princípio de falsificabilidade,<br />
teses desenvolvidas em sua obra Lógica de descoberta científica (1934). Princípio de falsificabilidade consiste na<br />
exposição de uma hipótese científica à sistemáticas tentativas de falseá-las por meio dos procedimentos experimentais.<br />
Assim, a confirmação de uma teoria prevalece desde que não haja um único dado concreto que a contrarie, o que não<br />
significa que, futuramente, não se encontre um fato que suprima sua validade. Nessa perspectiva, Popper compreende<br />
o progresso científico como sucessivos passos das teorias científicas em direção à verdade.<br />
A escolha de quem pensa! 1
Diferente de Popper é a exposição do norte-americano Thomas Kuhn (1922-1996), para quem não existe um<br />
progresso científico linear, ou seja, não há uma continuidade na linha ascensional, cumulativa, obtida por meio de um<br />
método científico. No seu livro Estrutura das revoluções científicas (1962), o filósofo afirma que as práticas científicas<br />
transcorrem sempre nos domínios de um paradigma, uma espécie de matriz teórica que oferece as balizas para o<br />
desenvolvimento das pesquisas nas diferentes ciências. Sob esse prisma, as investigações científicas procurariam<br />
sempre a confirmação das teses pertencentes ao paradigma em vigor.<br />
Já o filósofo Richard Rorty (1931-2007), em sua obra principal A filosofia e o espelho da natureza rejeita a concepção<br />
clássica segundo a qual o conhecimento verdadeiro consiste na correspondência entre os conteúdos do pensamento<br />
e a realidade. Convicto acerca da impossibilidade de um discurso científico ou filosófico que nos revele objetivamente<br />
o mundo, esse filósofo pragmático afirma que o valor de uma ideia deve ser mensurado por suas consequências<br />
concretas para a sociedade, ou seja, por sua utilidade.<br />
4. Razão, liberdade e sujeito nas teorias filosóficas.<br />
Os acontecimentos sociais, econômicos, políticos e culturais do século XX evidenciam os limites históricos das<br />
pretensões iluministas de uma civilização racional na qual os seres humanos sejam plenamente livres. A razão e a<br />
ciência são questionadas em sua historicidade, e no interior dessas reflexões desenvolve-se o confronto teórico entre<br />
as tendências filosóficas que procuram preservar a noção de sujeito humano e aquelas que negam a autonomia do<br />
homem.<br />
A neutralização do sujeito humano é um dos temas principais dos pesquisadores ligados à Escola de Frankfurt,<br />
que identificam o totalitarismo não como um desvio de percurso da civilização ocidental, mas como a radicalização de<br />
suas tendências. Os frankfurtianos diagnosticam a instrumentalização da razão, que, em vez de realizar a promessa de<br />
maioridade humana, fez dos homens objetos de sua dominação. Entretanto, eles não renunciam ao projeto iluminista<br />
de uma civilização verdadeiramente justa e racional, na qual se instaure a liberdade humana.<br />
O filósofo Michel Foucalt (1926-1984) está entre os estudiosos que não reconhecem o homem como sujeito próprio<br />
ou ser autônomo. Com suas pesquisas sobre a constituição histórica dos saberes humanos, nas quais assinala vínculos<br />
indissolúveis entre os discursos científicos e as redes de poder que se estendem pela sociedade, Foucalt denuncia o<br />
sujeito humano como uma invenção da cultura moderna. De acordo com esse filósofo, os discursos científicos que<br />
proclamaram a autonomia humana não fizeram mais do que instituir aparatos de normatização, tornando os homens<br />
corpos dóceis à dominação dos micropoderes sociais.<br />
ATIVIDADES PARA REFLEXÃO SOBRE A AULA<br />
01. Escreva sobre o pensamento filosófico de Edmund Husserl.<br />
2<br />
A escolha de quem pensa!
02. De acordo com Wittgenstein, como a filosofia deve ser identificada?<br />
03. Explique “princípio de falsificabilidade”, segundo Karl Popper.<br />
04. Comente o pensamento filosófico de Thomas Khun.<br />
05. Segundo Michel Foucalt, por que o sujeito humano é uma invenção da cultura moderna?<br />
A escolha de quem pensa! 3
Capítulo 10 <strong>–</strong> Filosofia da Ciência<br />
Introdução<br />
Ouve-se com frequência que a ciência, com o seu rigor, tem em vista o crescimento do nosso conhecimento,<br />
orientando a sua pesquisa em algumas particularidades, e que a filosofia, geralmente, se ocupa de questões e problemas<br />
mais gerais. Ela nos mostra que o conhecimento científico é provisório, jamais acabado ou definitivo, sempre tributário<br />
de um pano de fundo ideológico, religioso, econômico, político e histórico. Vivemos um momento de aparente triunfo da<br />
ciência, como projeto genoma, os transgênicos, a clonagem etc., que fazem parte do nosso cotidiano, apresentados de<br />
forma cristalizada, definitiva. Tudo indica que fazemos parte de uma civilização que elabora, sob medida, as condições<br />
ideais de nossa existência, numa perspectiva tecno-científica. A Filosofia da Ciência serve como uma ferramenta capaz<br />
de questionar tal visão.<br />
A distinção, acima mencionada, entre ciência e filosofia não é facilmente elaborada e tão clara como possa parecer.<br />
Por exemplo, em que sentido podemos falar que Descartes, Newton, Popper e Kuhn, são cientistas ou filósofos? Uma<br />
tarefa bastante difícil. A pretensão de encontrarmos uma demarcação universalmente válida entre ciência e filosofia é<br />
ilusória, porque elas se relacionam de diversas maneiras, nas várias épocas da história antiga, medieval, moderna e<br />
contemporânea, principalmente porque o significado dos dois conceitos sofre modificações estruturais com o decorrer<br />
do tempo. É bastante diferente olhar para a realidade e percebê-la sob a perspectiva da metafísica ou da antimetafísica,<br />
ou sob o olhar do empirismo ou do positivismo, sob o olhar da ciência ou da filosofia.<br />
A filosofia da ciência é o estudo da metodologia científica. Trata-se de investigar o que caracteriza a atividade<br />
científica, em quê a ciência se separa do senso comum e da filosofia, e quais hipóteses justificam e explicam o<br />
conhecimento científico.<br />
Uma das formas de estudarmos a ciência é fazê-lo do ponto de vista das questões abordadas pelos filósofos que<br />
se ocupam com a metodologia das ciências. É preciso, porém, buscar distinguir o trabalho do cientista e os métodos<br />
filosóficos.<br />
1. O que é Ciência?<br />
Quando ouvimos uma teoria como a do big-bang, segundo a qual o universo é resultado de uma explosão ocorrida<br />
há cerca de 14 bilhões de anos atrás, a primeira questão que pensamos é: como os cientistas chegaram na tese da<br />
explosão?<br />
Segundo o filósofo francês especialista em epistemologia, Gaston Bachelard, a ciência é um conjunto de saberes<br />
cuja compreensão histórica não se faz de trás para frente. Isso significa que não se entende a ciência investigando<br />
as origens de forma linear. Muitas vezes, só se compreende as conexões de conhecimentos que permitiram uma<br />
descoberta científica num tempo posterior ao da descoberta. Bachelard cita o exemplo da pólvora, inventada por volta<br />
do século IX, na China.<br />
Analisando os elementos que a compõem, sabemos que os conhecimentos que as pessoas tinham sobre enxofre,<br />
nitrato de potássio e carvão não eram suficientes para saber que a mistura desses ingredientes geraria uma explosão<br />
surpreendente.<br />
2. Senso Comum e Ciência<br />
A ciência é ruptura ou uma extensão intelectualizada do senso comum? A resposta parece óbvia, mas é preciso<br />
pensar o problema. O óbvio aqui é dizer que é ruptura, crítica ao senso comum, porque é evidente que a ciência é<br />
um saber cumulativo muito mais sólido que o saber do cidadão que vive normalmente sua vida, tem sua fonte de<br />
informações na TV e se interessa pouco pela literatura científica especializada. Mas qual o sentido dessa diferença?<br />
Será que os cientistas fazem ciência por amor pelo saber? Será que se consideram acima dos simples mortais?<br />
A primeira questão inevitável é esta: ciência é uma forma de saber que não se constrói ao acaso, mas se obtém<br />
por meio de um método científico. O método científico exige uma dose considerável de penetração, de análise,<br />
experimentação e organização. Você pode até dizer que essas características também estão presentes no senso<br />
comum, mas não é a mesma coisa. O senso comum é caracterizado por um apego a imagens, sensações e por um<br />
desinteresse na busca de explicações e justificativas.<br />
Há, portanto, entre senso comum e ciência uma ruptura que não é uma questão de saber versus ignorância, ou<br />
opinião versus razão. O trabalho da pesquisa científica, em sua essência, é uma aplicação do método racional no<br />
4<br />
A escolha de quem pensa!
estudo da natureza, do homem e do universo. Lá onde não há ciência, ou existe religião, cujo núcleo é a fé, ou existe<br />
vivência, cuja estrutura é a imaginação, o desejo e a crença. Esses dois eixos da vida são importantes no mundo da<br />
cultura geral, mas não se identificam facilmente com o espírito científico.<br />
Mas nem todos os estudiosos da ciência aceitam o paradigma da racionalidade como único critério que diferencia<br />
ciência de saber comum. Alguns, inclusive, rejeitam a oposição entre ciência e religião, dizendo que para além da<br />
racionalidade científica reside um sentimento humano que conduz o homem na elaboração de respostas para as origens<br />
do Universo. A ciência seria um conjunto de tentativas de respostas. A religião, por seu lado, uma experiência análoga<br />
à ciência. Enquanto uma utiliza métodos e experimentação, a outra se serve de mitos e contos. Mas, como ambas se<br />
constituem como buscas, hipóteses e ensaios, não se pode dizer que uma tem precedência ou mais valor que a outra.<br />
3. Diferenciação entre Senso Comum e Ciência<br />
Senso Comum é conhecimento espontâneo, baseados em dados sensoriais, na transmissão social dos princípios,<br />
crenças e preconceitos que expressam a experiência de uma comunidade. Serve para resolver os problemas práticos<br />
do dia a dia, para integrar os indivíduos nos comportamentos e valores estabelecidos pela sociedade e para orientação<br />
da vida. Ele não fornece a explicação e nem permite a compreensão da verdadeira natureza da realidade.<br />
O Senso Comum resulta da organização espontânea da razão e:<br />
• é crença não justificada;<br />
• aceita uma explicação sem a questionar;<br />
• apoia-se na tradição e na experiência coletiva da comunidade e não na investigação;<br />
• nasce da atividade sensível e da experiência pessoal acumulada.<br />
Características gerais: O Senso Comum é um conhecimento mais baseado na percepção do que na razão, por isso:<br />
• é o modo mais elementar de conhecer o mundo;<br />
• permite criar representações do mundo ligadas a um significado subjetivo;<br />
• é acrítico, pois, não sendo justificado, identifica as representações com a realidade.<br />
Ciência é conhecimento sistematizado e metódico, que utiliza raciocínios, provas e demonstrações para obter<br />
conclusões rigorosas acerca do funcionamento da natureza. A Ciência usa processos metodológicos próprios para<br />
explicar os fenômenos (naturais ou sociais). Pretende formular leis e teorias explicativas que permitam conhecer e<br />
controlar a natureza. É uma construção racional com base na análise metódica e objetiva dos fenômenos, onde ela<br />
explica de forma precisa, rigorosa e operacional tais fenômenos.<br />
A Ciência é um conhecimento mais baseado na razão do que na percepção, por isso:<br />
• é um conhecimento racional (crença justificada);<br />
• duvida e procura justificar as crenças (atitude crítica);<br />
• usa metodologias rigorosas e formula hipóteses testáveis;<br />
• sujeita as hipóteses à observação, sob condições controladas;<br />
• aperfeiçoa os métodos e corrige as próprias teorias.<br />
ATIVIDADES DE REFLEXÃO SOBRE A AULA<br />
01. O que é filosofia da ciência?<br />
A escolha de quem pensa! 5
02. O que é ciência?<br />
03. Diferencie ciência de senso comum.<br />
04. Explique a frase: “A Ciência usa processos metodológicos próprios para explicar os fenômenos (naturais<br />
ou sociais)”.<br />
6<br />
A escolha de quem pensa!
Capítulo 11 <strong>–</strong> Podemos falar de progresso na ciência?<br />
Introdução<br />
É comum, atualmente, ouvirmos falar em avanço, ou progresso da ciência. Esse fato está relacionado com algumas<br />
descobertas e inovações tecnológicas que sugerem ao inconsciente do senso comum que a ciência está evoluindo. Por<br />
outro lado, a despeito de situações como a poluição, efeito estufa, bomba de hidrogênio e o acesso aos remédios e às<br />
inovações tecnológicas, também é comum notarmos a desilusão das pessoas com a ciência.<br />
São múltiplos os aspectos a ser relacionados para se entender a dimensão do processo de produção e<br />
desenvolvimento do conhecimento científico. Entre outros, podemos citar o financiamento da pesquisa científica; parte<br />
definida pelas políticas públicas, parte pela iniciativa privada, olvidando o lucro e a produção de produtos para consumo;<br />
a formação da comunidade científica; a coleta empírica de dados e suas possíveis interpretações, juntamente com a<br />
elaboração de teorias.<br />
Contudo, muitos dos epstemólogos e filósofos da ciência concordam quanto ao processo de produção do<br />
conhecimento científico não ser linear, ou seja, não há uma continuidade na linha ascensional, cumulativa, obtida<br />
por meio de um método científico. Nesse viés, antiempirista, os filósofos da ciência Thomas Kuhn, Karl Popper, Imre<br />
Lakatos, Pul Feyrabend e Gaston Bachelard negam que a primordialidade do objeto do conhecimento tal qual ele é<br />
entendido pelo empirismo e também a supremacia do sujeito cognoscente sobre o objeto como quer o idealismo.<br />
Eles concordam que o processo de produção do conhecimento científico é forjado pela interação não neutra<br />
entre sujeito e objeto. Esses autores inauguram uma concepção de conhecimento em que ele é entendido como<br />
uma pseudoverdade histórica, circunstanciada e não como uma verdade em correspondência com os fatos. O que<br />
desmistifica o conceito de ciência pronta, acabada, ou imutável.<br />
Dessa forma, a filosofia da ciência vem desmentindo a ideia de progresso ou evolução científica com base nos<br />
estudos sobre as transformações científicas, na sobreposição de paradigmas, nas rupturas epistemológicas e na<br />
descontinuidade dos processos de produção do conhecimento e da tecnologia. Portanto, quando um novo fato aparece<br />
no cenário científico, provocando inovações e transformações teóricas e práticas, o intuito principal não é a lapidação e<br />
o melhoramento de uma teoria, mas sim sua substituição por outra mais adaptada aos interesses vigentes.<br />
Além disso, quando falamos em progresso científico, esse conceito está impregnado com o espírito positivista que<br />
acreditava no avanço da ciência para a melhoria da vida humana e das condições de existência no planeta. A influência<br />
desse pensamento pode ser notada na bandeira brasileira (ordem e progresso).<br />
Contudo, é possível se falar em progresso científico? Estamos melhores que os antigos, com sua ciência<br />
clássica? Levando em consideração a poluição produzida pelas grandes indústrias, as patentes sobre a produção de<br />
medicamentos além de outros fatores, a ciência tem cumprido seu papel na melhoria da vida humana?<br />
1. O Progresso da Ciência<br />
Pensar no progresso da ciência, nos conduz, necessariamente, a pensar em evolução. Dessa forma, para explicar<br />
as ideias científicas, pode-se, por analogia, examinar os princípios que prescindiram a evolução dos seres organizados,<br />
a saber, multiplicação, manutenção e variação.<br />
Mas para pensarmos na evolução da ciência, faz-se de extrema importância atentar especificamente para<br />
o dispositivo de seleção, ou seja, no caso das ideias, consiste em escolhas, em assentimentos ou rejeições que<br />
comprometem o futuro e permanência delas no conhecimento humano.<br />
Se uma pessoa possui uma ideia genial, mas não consegue transmiti-la, não existirá progresso, pois ela morrerá<br />
com seu criador. É justamente nessa possibilidade de passagem que se encontra a grandiosidade das ideias científicas<br />
que perduram além da simples materialidade.<br />
A luz da evolução das ideias científicas, dos limites e dos valores explanados, apreende-se que o progresso da<br />
ciência está intimamente ligado a evolução espiritual do homem, sendo esta sustentáculo para aquele. Consoante, a<br />
humanidade evolui quando o homem volta-se para si mesmo e pensa em descobrir, criar, construir não apenas para<br />
a sua condição enquanto indivíduo, mas para a condição humana enquanto espécie, que respeita a singularidade de<br />
cada ser, no presente e futuro.<br />
2. As Consequências Sociais e Políticas de uma Nova Ciência<br />
Durante o período histórico chamado de Idade Média (século V ao XIII), a influência do catolicismo era dominante.<br />
A escolha de quem pensa! 7
A interpretação de filósofos como Aristóteles, estava submetida ao domínio da igreja. Dessa forma, as especulações<br />
estavam restritas a questões espirituais, o modelo de compreensão do mundo era teocêntrico, ou seja, o mundo estava<br />
pretensamente centrado em Deus. As explicações aceitas eram baseadas em verdades reveladas, devidamente<br />
interpretadas pelos representantes da igreja.<br />
Mas com o fortalecimento da burguesia, a partir do século XII na Europa Ocidental, e o advento da ciência moderna,<br />
um novo modelo de homem de sociedade foi aos poucos adotado. O modelo teocêntrico passou a ter um contraponto<br />
no modelo antropocêntrico, que coloca o homem e suas relações no centro da discussão, surgindo então o humanismo,<br />
isso ocorreu mais precisamente entre a segunda metade do século XIII e até meados do século XIV. As verdades<br />
reveladas foram igualmente enfrentadas pelas especulações racionais, observações dos fenômenos da natureza e<br />
formulações de teorias racionais.<br />
Esse movimento científico, cultural e intelectual foi chamado de Renascimento, inspirado na cultura greco-romana.<br />
A ciência moderna não busca apenas conhecer a realidade e a gênese das coisas, mas, sobretudo, exercer influência e<br />
domínio sobre ela. Novos valores foram se desenvolvendo juntamente com a nova ciência. A burguesia rompendo com<br />
o clero, devido a interesses conflitantes como a especulação econômica (pecado da usura) e a luta pelo poder, passou<br />
a financiar experimentos artísticos e científicos, com o intuito de estruturar o novo modelo de sociedade.<br />
Parte da estima conquistada pela ciência na modernidade está no fato de a ciência ter-se tornado a religião<br />
moderna, a partir das promessas de melhor qualidade de vida e de felicidade contidas no trabalho científico. A ideia<br />
de progresso contempla essa expectativa no âmbito do senso comum. Atualmente, podemos notar que em anúncios<br />
de produtos existe um forte apelo à autoridade da ciência, para garantir sua eficácia e comprovação,<br />
normalmente apoiando-se na imagem do cientista usando jaleco branco em seu laboratório. Quando afirmamos que<br />
algo é cientificamente comprovado, estamos apelando para a autoridade cedida à ciência muito mais por uma crença<br />
popular do que por um método eficaz.<br />
Por outro lado, fora da vida cotidiana, no plano escolar e acadêmico, a autoestima da ciência está ligada à defesa<br />
dos cientistas aos métodos utilizados, cuja confiabilidade está ligada aos resultados precisos das ciências. Contudo, se<br />
o método empírico se dá por meio da observação, coleta de dados e experimentos que geram procedimentos científicos<br />
comumente restritos aos laboratórios, esquadrinhando o mundo por meio de algarismos e fórmulas; o que dizer da<br />
eficácia desses métodos no campo das ciências humanas e sociais?<br />
Os filósofos contemporâneos da ciência, principalmente Popper, Bachelard, Kuhn, Feyerabend e Lakatos<br />
comungam quanto a impossibilidade de comprovação de que alguma ciência mereça o status de verdadeira, ou segura<br />
de equívocos. Basta um breve vislumbre sobre a história da filosofia da ciência para notar todo tipo de contradição.<br />
ATIVIDADES DE REFLEXÃO DA AULA<br />
01. De que forma a filosofia da ciência vem desmistificando a ideia de progresso ou evolução científica?<br />
8<br />
A escolha de quem pensa!
02. Por que pensar no progresso da ciência, nos conduz, necessariamente, a pensar em evolução?<br />
03. Explique a possibilidade de passagem, segundo a filosofia da ciência.<br />
04. Explique ciência enquanto religião moderna.<br />
A escolha de quem pensa! 9