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Design, Arte, Moda e Tecnologia - Universidade Anhembi Morumbi

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DAMT<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong><br />

Somente artigos da linha de pesquisa<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Tecnologia</strong> e Linguagens: Interfaces<br />

Organização<br />

Luisa Paraguai<br />

Jofre Silva


DAMT: DESIGN, ARTE, MODA e TECNOLOGIA<br />

ORGANIZAÇÃO<br />

Luisa Paraguai<br />

Jofre Silva<br />

DESIGN DIGITAL<br />

CONCEPÇÃO GRÁFICA<br />

Paula Rodrigues<br />

Ursula Reichenbach<br />

PRODUÇÃO DIGITAL<br />

Paula Rodrigues<br />

Ursula Reichenbach<br />

Állan Toledo<br />

PROMOÇÃO<br />

<strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Pontifícia <strong>Universidade</strong> Católica do Rio Janeiro<br />

<strong>Universidade</strong> Estadual Paulista - UNESP/Bauru<br />

EDIÇÃO<br />

Edições Rosari<br />

ISBN 978-85-8050-019-6<br />

São Paulo: Novembro de 2011<br />

Número de páginas: ----<br />

Número de artigos: 30<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2011


Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia<br />

Interdisciplinar<br />

Márcia Luiza França da Silva Batista [1] Mestre - Escola de Arquitetura da <strong>Universidade</strong><br />

Federal de Minas Gerais – EAUFMG e-mail: marcial@arq.ufmg.br<br />

Resumo<br />

Neste milênio, o campo de estudos das cidades nunca foi tão forte e expressivo,<br />

face aos objetos de análise e disciplinas universitárias implicadas. Esses estudos<br />

permeiam novas idéias em relação aos principais acontecimentos políticos e<br />

econômicos contemporâneos. São questões, no entanto, instáveis, teórica e metodologicamente<br />

falando, uma vez que não há um consenso sobre qual seria a<br />

melhor maneira de abordá-las. A teoria das Cinco Peles de Hundertwasser, com<br />

uma potencialidade aparentemente utópica, e a trilogia proposta neste estudo<br />

“sujeito-edificação-cidade” geram discursos (ex) intra muros que podem chegar a<br />

um discurso interdisciplinar “design-arquitetura-urbanismo”, possibilitando estudos<br />

mais consistentes para uma nova disciplina: a ergonomia urbana.<br />

Palavras-chave:<br />

design, arquitetura, urbanismo, sujeito, ergonomia.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Introdução<br />

No NPGAU – Núcleo de Pós Graduação da Arquitetura e do Urbanismo da Escola de Arquitetura da<br />

UFMG, estuda-se, numa tese de doutorado, a possibilidade de oferta de nova disciplina, ou área<br />

de estudos, inicialmente definida como “Ergonomia Urbana”. Nas conceituações genéricas sobre<br />

a Ergonomia, estuda-se mais a fundo o sujeito como ser fisiológico, numa dinâmica que permite<br />

sua interação com os produtos de um modo geral, com seu espaço físico habitacional e produtivo,<br />

e com o ambiente em que vive numa dimensão maior, que poderíamos aqui denominar como meio<br />

social. Mas, também, deve haver um aprofundamento que estude o sujeito como ser inserido em<br />

relações com outros sujeitos, em seus aspectos dinâmicos de relações sociais, de territorialidades.<br />

Esses aspectos têm relação direta com o fato de, desde os anos de 1960, quase todas as regiões<br />

metropolitanas passarem por grandes mudanças, que foram descritas por estudiosos urbanos como<br />

produto de uma “reestruturação urbana”.<br />

Um dos caminhos possíveis para este aprofundamento seria entender os diálogos “(ex) intra<br />

muros” existentes na trilogia proposta na tese, a princípio considerada como sendo “O SUJEITO<br />

– A EDIFICAÇÃO – A CIDADE”.<br />

Ao analisá-los, tentar-se-á criar, em cada elemento, uma intra relação informacional, e as possíveis<br />

inter-relações formadas nessa trilogia. Na discussão dos diálogos propostos, este trabalho tentará<br />

relacionar a teoria das “Cinco Peles”, do ambientalista Hundterwasser, para que seja formado um<br />

novo diálogo inter-disciplinar entre o <strong>Design</strong>, a Arquitetura e o Urbanismo, na escala dos (ex) intra<br />

muros sujeito, edificação e a cidade, respectivamente. O termo <strong>Design</strong> não está em sua forma<br />

ampla de discussão como projetos em geral mas, direcionado para o <strong>Design</strong> de Produto, Gráfico,<br />

Building <strong>Design</strong> e <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>. Dessa forma, o estudo e aplicação de uma nova disciplina ou<br />

área de estudos - Ergonomia Urbana – podem ter um desenvolvimento pensado, conforme a figura<br />

1, estabelecida abaixo:<br />

Figura 1: roteiro para discussão dos diálogos (ex) intra muros e interdisciplinares<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

No V Seminário da ANPUR [2], na mesa redonda MR4- “Condições de Trabalho Universitário no<br />

Campo dos Estudos Urbanos e Regionais: inserção institucional e desafios didáticos” – indagou-se<br />

sobre a inserção do <strong>Design</strong> e da Ergonomia como áreas de estudos para o planejamento urbano,<br />

e não como disciplinas isoladas, contribuintes apenas de práticas projetuais ou de avaliação.<br />

Constatou-se que as contribuições do <strong>Design</strong> e da Ergonomia atuam ainda numa micro escala, em<br />

suas vertentes e percursos, apenas de projetação, e destinadas sempre ao Ambiente Construído.<br />

E qual seria a dimensão, a escala de um ambiente construído?<br />

Atualmente, a Escola de Arquitetura da <strong>Universidade</strong> Federal de Minas Gerais (EAUFMG) oferta o<br />

Curso de <strong>Design</strong>, que em seus percursos, aborda o <strong>Design</strong> do Produto, o <strong>Design</strong> Gráfico e o Building<br />

<strong>Design</strong> (ou <strong>Design</strong> para a Construção), que pretende uma íntima relação com a Arquitetura. A<br />

Escola de Belas <strong>Arte</strong>s sedia o Curso de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, que apesar de suas peculiaridades, deveria<br />

estabelecer dentro de suas ementas, os aspectos da Sociologia e a Arquitetura, uma vez que, de<br />

modo crescente, são vistas orientações de dissertações e teses que tentam correlacionar essas<br />

áreas e que culminam com o comportamento e a inserção dos sujeitos nos territórios. Em discussões<br />

paralelas à mesa, evidenciou-se o pouco ou mesmo a ausência de docentes de <strong>Design</strong> e Ergonomia,<br />

na área do Planejamento Urbano. Desse modo, ao beber nas fontes da Sociologia, Geografia,<br />

Planejamento Urbano, Arquitetura e Urbanismo, crê-se ser possível estabelecer um percurso que<br />

possibilitaria estudar e refletir sobre esses diálogos (ex) intra muros e interdisciplinares, conforme<br />

demonstrado na Figura 1. Pensa-se até mesmo, chegar à conclusão de que haverá um pensar<br />

transdisciplinar.<br />

Ao fazer-se uma leitura da interlocução do Professor Geraldo Magela Costa (IGC/UFMG) [3] sobre a<br />

importância do uso dos termos “rótulo” e “conceito”, pode-se considerar que o primeiro carrega<br />

consigo um vazio, que pode remeter a uma banalização e desvios dentro de um tema, enquanto que<br />

o segundo leva a refletir sobre várias conceituações, gerando assim produção de conhecimento.<br />

Nesse mesmo evento, discutindo-se uma suposta “falência” do planejamento urbano, perguntouse:<br />

“Onde está o sujeito nesta história? Onde estão os interlocutores do sujeito com os projetos<br />

sócio-técnicos, com a cidade, com o meio, com o trabalho, com a sociedade?<br />

Para essa discussão, serão apresentadas as conceituações mais usadas sobre a Ergonomia. Em<br />

seguida, trabalhar-se-á a teoria de Hundterwasser, desmembrada em suas peles, e dentro de cada<br />

uma, as discussões pertinentes que podem conduzir ao tripé do roteiro proposto na Figura 1. Em<br />

seguida, na conclusão, novas propostas serão relacionadas para continuação do pensamento.<br />

Ergonomia<br />

A Ergonomia é uma ciência que estuda a relação do homem com o trabalho, com o objetivo<br />

de adaptá-lo ao primeiro. O trabalho será tratado aqui numa dimensão que envolve qualquer<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

atividade desenvolvida pelo homem, de uso e manipulação de produtos, habitações e vida num<br />

ambiente construído, em sua relação com a Ergonomia. Leva em conta, conforme define Martins<br />

(2008, p.319), o ser humano com suas habilidades, capacidades, limitações e características<br />

físicas, fisiológicas, psicológicas, cognitivas, sociais e culturais.<br />

São vários os conceitos a respeito da Ergonomia, que podem levar à trilogia proposta acima.<br />

Dentre os mais significativos, há a conceituação que considera a ergonomia como<br />

o estudo do relacionamento entre o homem e o seu trabalho, equipamento,<br />

ambiente e particularmente, a aplicação dos conhecimentos de<br />

anatomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas que surgem<br />

desse relacionamento. (ERGONOMICS SOCIETY, 2009).<br />

Outro conceito importante para a discussão é o que define a ergonomia como sendo<br />

o estudo das interações das pessoas com a tecnologia, a organização e o<br />

meio ambiente, objetivando intervenções e projetos que visem melhorar,<br />

de forma integrada e não dissociada, a segurança, o conforto, o bemestar<br />

e a eficácia das atividades humanas. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE<br />

ERGONOMIA, 2009).<br />

Finalmente, outro conceito igualmente relevante vem da IEA - International Ergonomics Association<br />

(2009), que trata a ergonomia (ou fatores humanos) como uma disciplina científica que estuda as<br />

interações entre os seres humanos e outros elementos do sistema, como a profissão que aplica<br />

teorias, princípios, dados e métodos, em projetos sócio-técnicos que visem melhorar o bem estar<br />

humano e o desempenho global de sistemas.<br />

Observações mais dedicadas ao planejamento urbano podem levar a questões potenciais<br />

de intervenções necessárias da Ergonomia, noutros aspectos que não apenas o conforto e a<br />

acessibilidade (temas recorrentes verificados em congressos e seminários da área), mas também,<br />

por exemplo, sobre as atributos de qualidades do lugar, o impacto do transporte individual<br />

no planejamento urbano, os tipos de relações com o ambiente, conseqüentes das diferenças<br />

sociais, da segurança e da tecnologia, o fluxo informacional que direciona a formatação de zonas<br />

habitacionais, dentre outros aspectos.<br />

Em seus estudos sobre o cenário da Macroergonomia, Bugliani (2007, p.60), descreve que a<br />

Ergonomia apresenta, atualmente, quatro níveis de atuação: o humano-máquina (IHC) ou<br />

Ergonomia de Hardware; o humano-ambiente ou Ergonomia Ambiental; o humano-software ou<br />

Ergonomia Cognitiva; e o humano-organização ou Macroergonomia.<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Nesta ótica, os objetos de estudo a serem tratados no presente ensaio tratam da Ergonomia<br />

Ambiental, que usa métodos de levantamento de dados para estudos ergonômicos, com<br />

destaque para os métodos sócio-culturais. Esses métodos são importantes para que se conheça<br />

o comportamento do grupo de pessoas, de suas relações, trocas e organização, principalmente<br />

quanto aos aspectos relacionados às zonas de espaço pessoal, que delimitam o comportamento<br />

humano. Essa organização pode estar relacionada com as “estruturas de poder das lideranças<br />

formais e informais do grupo” (IIDA, 2005, p.587).<br />

No entanto, de acordo com esta “visão profissional e aplicativa”, e analisando os trabalhos<br />

publicados em eventos científicos, é cada vez mais freqüente (porém, ainda tímida) a inserção de<br />

estudos ergonômicos relacionados ao meio ambiente, ao ambiente construído, e ao envolvimento<br />

da Arquitetura e do Urbanismo, a maioria relacionada ao conforto ambiental e à acessibilidade.<br />

Caberia, então, aos estudiosos, ampliar as atuações e aplicações da Ergonomia, com novas<br />

propostas na Arquitetura e no Urbanismo, a fim de melhorar essa relação usuário-ambiente.<br />

A Teoria das Cinco Peles<br />

Partindo da relação homem-trabalho, de ponta a ponta nesta dinâmica, depara-se com a Teoria<br />

das Cinco Peles, discutida de modo contextualizado, nas disciplinas de Ergonomia [4] e Seminário<br />

Temáticos, ministradas na <strong>Universidade</strong> Federal de Minas Gerais. Hundterwasser atuou como<br />

artista, ambientalista e pensador. A partir dos anos 1970, ele seguiu novos caminhos que propunham<br />

uma moral prática da beleza, na reconstrução de um modo de viver e agir sobre a vida, com<br />

consciência e atuação em seu habitat. A partir de seus pensamentos, é considerado como um<br />

religioso naturalista que prega uma nova moral, criticando com veemência o consumismo. Para<br />

ele, a sociedade em que vivemos é guiada pelo consumo, e torna-se criminosa, ao desviar o homem<br />

de ser como homem, de alcançar seu bem-estar e do ambiente. Assim, o autor desenvolve uma<br />

teoria, hoje amplamente divulgada como “Cinco Peles”. De modo pessoal, a autora deste trabalho<br />

considera a teoria aplicada com olhares descuidados, radicais e “rotulados” por seus seguidores,<br />

não pensada e desenvolvida adequadamente em suas potencialidades. Desse modo, ela será usada<br />

nesta segunda visão, procurando relacioná-la ao objeto de estudo do presente trabalho.<br />

Segundo Restany (1999), o vienense Hundterwasser corresponde cinco peles com cinco instâncias:<br />

a primeira pele como a epiderme; a segunda pele como a vestimenta; a terceira pele como a casa<br />

do homem; a quarta pele como o meio social e a identidade; e a quinta pele como a humanidade,<br />

a natureza e o meio ambiente.<br />

Hundertwasser quebra as linhas conceituais que distinguem arte e arquitetura, combate a linha<br />

reta e o racionalismo, torna-se um crítico polêmico sobre o capitalismo, a tecnologia e as formas<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

de degradação da natureza. Ao determinar sua teoria, o autor oferece elementos que podem<br />

colaborar nas reflexões sobre essa interação, e sobre um possível diálogo ente o sujeito e o<br />

ambiente, a partir da escala descrita acima. Para descrever sua teoria, é bem usada a espiral<br />

disposta na Figura 2.<br />

Figura 2: A espiral de Hundterwasser.<br />

Fonte: Restany (1999, p.1)<br />

A primeira pele: a epiderme<br />

A primeira pele tem sua discussão baseada na epiderme, como “primeira interface de existência do<br />

mundo com as demais” (MARTINS, 2008, p.321). Desde épocas mais antigas, há uma preocupação<br />

com o corpo humano, que pode-se começar a datar a partir de Vitrúvio, no século I a.C. nos<br />

estudos de cânones da proporção humana. Da Vinci, no Homem de Vitrúvio retoma esses estudos,<br />

continuados por John Gibson e J.Bonomi e finalmente determinados por Le Corbusier, nos anos<br />

1960, como o Modulor (Figuras 3, 4 e 5).<br />

Nessa dimensão primeira, a Ergonomia considera o corpo como ponte de partida para estabelecer<br />

sua relação com o trabalho. Assim, a escala humana é o ponto referencial, mesmo que diversos<br />

segmentos padronizem essa escala, igualem os tipos, gêneros e etnias. Não há aqui a intenção<br />

de pormenorizar os detalhes humanos como ser fisiológico, necessidade explícita das vertentes<br />

do <strong>Design</strong>, mas estudar e até mesmo relacionar e redefinir essa primeira pele de Hundterwasser<br />

como SUJEITO.<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Fig.3 – Homem de Vitrúvio,<br />

Fig.3 – Homem de Vitrúvio,<br />

Leonardo Leonardo da Vinci da Vinci<br />

Fonte: www.corbis.com<br />

Fonte: www.corbis.com<br />

Fig.4 – Homem de Vitrúvio,<br />

Fig.4 – Homem de Vitrúvio,<br />

John John Gibson e J. J. Bonomi<br />

Fonte: Fonte: D'Anvers D’Anvers (1895, (1895,<br />

p.153). p.153).<br />

Fig.5 – Homem de Vitrúvio,<br />

Le Fig.5 Corbusier – Homem de Vitrúvio,<br />

Le Corbusier<br />

Fonte: Neufert (1976, p.30)<br />

Fonte: Neufert (1976, p.30)<br />

Nesta linha de pensamento, tem-se a Ontologia que trata da natureza do ser, de sua realidade,<br />

de sua existência. Da Silva (2010) mostra, por um viés artístico que trabalha o autorretrato,<br />

concepções e abordagens sobre o sujeito, que segundo Eduardo Viveiros de Castro [5], duas<br />

vertentes embasam a sociedade ocidental: a universitas com o modelo Estado-Nação, e a societas<br />

como “contrato social entre indivíduos independentes”.<br />

De acordo com Da Silva (2010), apesar de que o modelo societas seria o mais conveniente para tratarse<br />

da imagem do privado do sujeito, ambas “oscilam e se combinam durante o desenvolvimento<br />

das sociedades, desde a modernidade.” E, conforme Teixeira (2003, s.p) [6], “o homem se constrói<br />

no social, ou melhor, individualiza-se no social, passando a ser marcado pela constituição de algo<br />

que lhe é interior, privado e próprio”.<br />

Desse modo, discutir o (ex) intra muro do sujeito é discutir seus aspectos ancorados no viés<br />

sociológico, sob uma ótica em que o sujeito se forma, de acordo com a informação como formação<br />

de suas referências. Ao abordar a societas como discussão da privacidade do sujeito, somos levados<br />

à questão da privacidade, aspecto considerado como uma das qualidades do lugar por Malard<br />

(1992, p.239), e que Da Silva propõe que<br />

esse momento também vê a constituição da privacidade do indivíduo,<br />

pois o movimento interno de comparação e observação do mundo lhe<br />

permite emitir juízos, mas para isso é necessário o recolhimento para<br />

algum espaço privado e o consequente distanciamento dos outros (Da<br />

SILVA, 2010, p.102).<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

O estudo dos atributos das qualidades do lugar, proposto por Malard (1992) e Souza (2009), nos<br />

leva a crer que a privacidade pode ser descrita como um processo que controla os acontecimentos<br />

interpessoais, negando ou permitindo a participação na vida social. Desse modo, pode-se até<br />

relacionar, dentro da espiral de Hundterwasser e da trilogia aqui proposta, a relação – terceira<br />

pele – a casa do homem, e a edificação no discurso (ex) intra muros.<br />

Ainda sobre esse recolhimento, e tomando como base a citação de Teixeira em que o homem se<br />

constrói no social, tem-se também que, nessa privacidade, o indivíduo percebe, ao se conectar<br />

com o outro, que existem diferenças, traços pessoais singulares. Ele pode “olhar, observar,<br />

valorar, avaliar, valorizar, enfim, questionar [...] (podendo) se descentrar de seus ambientes,<br />

julga-os, não estando mais em uma relação de ser determinado por eles” (Da SILVA, 2010, p.103).<br />

Inserem-se aqui as categorias da privatização do espaço do indivíduo, propostas por Philipe Ariés<br />

[7] - o gosto pela solidão, que faz com que o indivíduo realize isoladamente suas atividades, e a<br />

amizade, ao selecionar outro indivíduo para partilhar suas atividades, estabelecendo seu círculo<br />

de relacionamentos.<br />

Na interpretação de alguns posicionamentos de Walter Benjamin (1994, p.199), como parte de<br />

informação e comunicação, quando o autor considera que a narração, presente em algumas<br />

culturas não individualistas, transmitem experiências, fatos que preservam costumes, tradições<br />

e ensinamentos, e estabelece uma interação entre narrados e platéia, e por mais distante que<br />

esteja no tempo, ela é atualizada pela platéia, de acordo com sua vivência. A passagem para a<br />

modernidade, considerada pelo autor, pode ser uma condição de “desorientação” do sujeito.<br />

Isto aqui é colocado pelo fato de se tentar explicar que o sujeito resulta numa força de tensões<br />

entre a sua subjetividade própria e a “dimensão coletiva de subjetividade”, o que remete à<br />

angústia (ELIA, 2004). E a angústia, por sua vez, remete à dúvida e torna-se tema de discussão de<br />

Descartes, o que pode nos explicar a dúvida metódica:<br />

É no ponto da angústia, por assim dizer, desse momento que Descartes,<br />

fazendo da dúvida seu método, responde algo que pode ser enunciado<br />

assim: “não posso estar certo de que, ao duvidar de tudo, inclusive do<br />

fato de que estou duvidando, continuarei duvidando, e assim a única<br />

certeza que posso ter é a de que duvido (ELIA, 2004, p.12).<br />

Aprofundando-se um pouco mais nas leituras de Da Silva (2010, p.106-110), ao questionar-se o<br />

indivíduo sobre si e sua existência, há que se ter um isolamento para responder. Há, portanto<br />

uma idéia de comportamento. É necessário, então, constituir-se espaços para o privado e para a<br />

materialização de suas reflexões. E para que o indivíduo constitua esses espaços privados, a vida<br />

social é fundamental, por fornecer fatos, histórias e situações que impõem comportamentos.<br />

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Essa vida social carrega consigo uma imbricada e complexa linha de pensamento. Primeiramente,<br />

vem à tona Bourdieu, trazendo-nos a transposição do conceito de capitais para além da ótica<br />

econômica, colocando-os no conceito de “campo” ao relacionar os capitais social, cultural,<br />

simbólico como seus instrumentos, compreendidos numa rede relacional, não numa ação interativa,<br />

mas de relações sociais estruturadas por interesses e formas de interesse do sujeito, conforme os<br />

estudos de Araújo e Melo (2007).<br />

O capital social se reproduz nas relações de família (base), impulsionada por ações que originam<br />

estratégias. Desse modo, vemos facilmente, o empenho de uma família em manter em suas rédeas<br />

uma posição por herança e ordem, já fazendo uma seleção em seu seio.<br />

O capital cultural, considerado como o domínio de alguém sobre um determinado conhecimento<br />

em um grupo, é distinto por Bourdieu em três instâncias: o incorporado, o objetivado e o<br />

institucionalizado. O primeiro que parte do contexto familiar (chamado de escolar); o segundo<br />

como a posse de bens de cultura, não somente material, mas também a posse do significado<br />

desses bens materiais, e o terceiro que legitima o poder simbólico, em seus títulos escolares<br />

e de atuação simbólica. Pode-se até mesmo considerar que o capital cultural estaria dividido<br />

entre cultura erudita e escolar. Essa “transmissão de capital cultural entre as gerações” é um<br />

mecanismo de “hereditariedade” tanto social quanto biológica, que também traz benefícios ao<br />

capital profissional. Assim, Bourdieu “atualiza” o conceito de habitus, sendo ele o conhecimento<br />

adquirido e propriedade de um capital, se torna uma “relação de cumplicidade ontológica com o<br />

mundo”. O habitus tem no capital cultural a reprodução que domina e legitima o poder simbólico,<br />

e em suas dimensões, teremos o que o autor denomina como aesthesis (gosto e estilo), eidos<br />

(lógica), héxis (corporal que inclui o gesto e a linguagem), e ethos (conduta moral do indivíduo).<br />

Desse modo, o habitus é a relação “homem-história”. De acordo com a lógica de Bourdieu, é<br />

possível até montar uma trajetória de relações entre os capitais, conforme a Figura 6.<br />

Figura 6: Trajetória de relações entre capitais.<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Voltando a Descartes,<br />

o eu é um “constructo”, com as alteridades à sua volta: - o outro, a<br />

cultura, o inconsciente, que se transformam em fantasias, imagens,<br />

recordações, que ele transporta para sua realidade. Nessa [...]<br />

compreensão do sujeito como desejo de totalidade, mas aberto à<br />

aceitação de suas fissuras constitutivas. As suas fissuras são o “habitat”<br />

da alteridade, sem a qual não se constrói a antoidentidade. Nesse<br />

sentido, pensar no que é o sujeito implica pensar também no que<br />

é identidade, pois é por meio de suas relações de semelhança e de<br />

diferença que subjetividade se compõe. (DA SILVA, 2010, p.107).<br />

Assim, na trilogia que pretende estudar o SUJEITO, ele se coloca dentro da primeira pele, mas<br />

também se insere na quarta pele que trata da identidade.<br />

Na Primeira Pele, o sujeito é o elemento chave, centro, base para a projetação. Ao conhecer-se<br />

o sujeito, o indivíduo, pode-se reunir os conhecimentos sobre suas necessidades, seus desejos,<br />

suas limitações e capacidades, e estabelecer uma adequação entre usuário – produto. Se para<br />

Hundterwasser o tema da segunda pele é a vestimenta, para este estudo, a segunda pele torna-se<br />

então, o produto.<br />

A segunda pele: a vestimenta<br />

Quando o corpo representa “um modo de presença no mundo protagonizando vários papéis nas<br />

diferentes interações humanas” (CASTILHO, 2004, p.81), aborda-se a segunda pele, a roupa, que<br />

para a autora, “[...] reveste e se articula plasticamente com o corpo humano, o considerando<br />

como um suporte ideal” (IBID, p.92). Conforme é finalizado o item anterior, propõe-se então,<br />

não discutir a vestimenta como elemento de interação humana, mas refletir no produto como a<br />

embalagem do sujeito.<br />

A Ergonomia exerce, nesse caso, importante papel ao fornecer subsídios para o desenvolvimento<br />

de produtos, ao levar em consideração os elementos básicos que o sujeito necessita para se<br />

inteirar com o outro e com o ambiente. Assim, Itiro Iida (2005) fala sobre o comportamento em<br />

relação ao espaço pessoal. Na etologia [8], sabe-se que certos animais fazem demarcações e<br />

defesas de seus territórios. Também o ser humano possui um espaço pessoal, ao não admitir a<br />

entrada de intrusos. Se para os animais esse espaço é geográfico, para o homem, na Ergonomia,<br />

ele é considerado “como um ‘envoltório’ em torno de seu corpo, seguindo-o em todos os seus<br />

movimentos” (IBID, p. 583).<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Essas considerações podem ser comprovadas, ao observar-se que as pessoas, ao sentarem<br />

em espaços públicos (bancos de jardins, espaços de alimentação, auditórios), demarcam seu<br />

território, colocando seus objetos pessoais como se reservassem um espaço próprio. Nas praças<br />

de alimentação, ao desenvolver-se mobiliário adequado, é necessário deixar um espaço mínimo<br />

entre uma pessoa e outra, que se torna um espaço psicológico de separação, ou seja, se para<br />

uma mesa para duas pessoas, projeta-se um tampo inteiro, ela será ocupada por apenas uma<br />

pessoa, mas se divide-se esse mesmo tampo em dois, com um espaço mínimo delimitador, ele será<br />

ocupado por duas pessoas, porque essa dimensão exígua, para o indivíduo, é reconhecida como<br />

limite, como demarcação de território.<br />

Itiro Iida (2005) relata experiências realizadas em espaços públicos, onde pessoas de grupos de<br />

estudos, deliberadamente, encostavam-se em outras pessoas. Estas, ao encararem o “intruso”,<br />

tinham as pupilas dilatadas, e afastavam o outro com os ombros. Aproximadamente, em dois<br />

minutos, 33% das pessoas afastam-se. Em nove minutos, 50% das pessoas repetem o procedimento.<br />

Apenas 3% das pessoas abordadas encaram o “intruso” e pedem que se afastem. Em veículos de<br />

transporte públicos, como trens, metrôs e ônibus, essa “fuga” é impossível, e são observados<br />

outros tipos de comportamento, como o desligamento, o olhar para o teto, para as janelas,<br />

a paisagem, e não encarar o outro. Atualmente, com as novas tecnologias, pode ser inserido<br />

nesse “desligamento”, o escutar de aparelhos móveis de escuta (mp3, mp4, rádios, celulares)<br />

conectados em fones de ouvido. Exames de urina e sangue dessas pessoas demonstraram traços<br />

de substâncias comprobatórias de estresse e desconforto, indicando que a invasão do espaço<br />

pessoal, ao provocar esses estados, reflete na redução de desempenho, pelo excesso de atenção<br />

e preocupação com o “intruso”. (IBID, p.583).<br />

Assim, estudiosos conseguiram dimensionar o espaço pessoal das pessoas - a proximia. Distâncias<br />

entre 45 e 75 centímetros, a partir do corpo, constituem o limite de uma “bolha” permitida para<br />

amigos e familiares, pessoas que não representam uma ameaça. Para pessoas desconhecidas, esse<br />

limite aumenta para 76 a 120 centímetro, próximo da distância do alcance de um braço. Esses<br />

dados tornam-se importantes no projeto de mobiliário urbano ou equipamentos urbanos.<br />

Já os pesquisadores Oborne e Heath [9] sugerem outras dimensões para esses espaços, dispostos<br />

na Figura 7. Essa valoração não deve ser rígida e engessada, ao considerar que temos situações,<br />

sexo, idade, cultura, personalidade - o SUJEITO envolvido no processo de interação, ao considerar<br />

essa segunda pele, o envoltório, como produto. Ao entrar no âmbito cultura, foi observado que<br />

as mulheres permitem um espaço menor do que os homens. A abordagem é mais aceita se feita<br />

lateralmente. O povo árabe é o que mais aceita a proximidade, diversamente dos norte-americanos<br />

e europeus. Nesse intermédio estão os latino-americanos e os asiáticos. (IIDA, 2005, p.584).<br />

Esse dimensionamento de “espaço pessoal” também é importante para se calcular a aglomeração<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

de pessoas em pé. Conforme Iida (2005), ao se considerar apenas as medidas antropométricas,<br />

tem-se a dimensão de 0,167m2 (ou 6 pessoas/m2) de projeção no piso, espaço inviável, por<br />

causar desconforto. O ideal seria estabelecer a metragem quadrada de 0,7 m2 ou 1,4 pessoas/<br />

m2 – espaço que não causa desconforto e sentimento de invasão. Mas, entre ser um espaço ideal<br />

e projetar o espaço real, variáveis interferem profundamente, principalmente aquelas de cunho<br />

capitalista, que podem ser mais discutidas nos estudos da terceira e quinta pele, que tratam das<br />

edificações e das cidades.<br />

Com a disseminação das informações dessa área de conhecimento, os produtos têm procurado<br />

atender, dentro da responsabilidade disposta pelos fabricantes, de elementos cada vez mais<br />

atrelados aos requisitos de manejo, aos limites de índices ergonômicos físicos, elementos estes<br />

cada vez mais estudados dentro da disciplina Ergodesign. Nessa área, tem relevância os trabalhos<br />

desenvolvidos visando a interação homem-produto, homem-computador, homem-ambiente<br />

construído, homem-transporte. Como a extensão do braço humano, o presente trabalho considera,<br />

então, a segunda pele como os produtos que proporcionam a execução das diversas atividades<br />

necessárias ao cotidiano do sujeito.<br />

Outras questões que devem ser levadas em consideração, são as que dizem respeito às propriedades<br />

ergonômicas de facilidades de manutenção, relacionadas ao tempo de vida útil dos produtos. Assim<br />

como o “rótulo” Sustentabilidade tem habitado as esferas de projetos, seus “conceitos” devem<br />

ser mais desenvolvidos e repensados, quer sejam de <strong>Design</strong>, de Arquitetura e do Urbanismo, tendo<br />

como origem a conscientização da centralidade energética da sustentabilidade ambiental dos<br />

objetos industriais. Nessa ótica, os produtos não podem mais ser considerados mais como bens de<br />

consumo, mas do ponto de vista do serviço que oferecem, no conceito de “desmaterialização”, ao<br />

se basear num critério correto de desenvolvimento sustentável. (ANPA, 2005, s.p.).<br />

Fig.7 – Zonas de espaço pessoal (Hall in Oborne e Heath, 1979)<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

Fonte: Iida (2005, p.584)<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Fig.7 – Zonas de espaço pessoal (Hall in Oborne e Heath, 1979)<br />

Fonte: Iida (2005, p.584)<br />

A segunda pele fica atrelada à discussão do (ex) intra muro SUJEITO por permitir uma convivência<br />

do homem com equipamentos, ferramentas, mobiliários, utilitários, entre outros, mas ainda dentro<br />

da abordagem do sujeito. Numa discussão mais aprofundada, teríamos que abordar as questões<br />

psicológicas, a percepção, as capacidades de interpretação, resposta, aprendizagem, além dos<br />

elementos sócio-culturais, relacionados aos hábitos, costumes e estereótipos. Martins (2008),<br />

ao abordar os aspectos referentes à usabilidade, considera que, apesar de que a mesma tem<br />

origem nas relações de sistemas e interfaces digitais e informacionais, verifica-se a necessidade<br />

de sua extensão ao desenvolvimento de produtos, equipamentos urbanos e do meio ambiente,<br />

exatamente pelo fato de ela ser essencial na avaliação de produto-usuário.<br />

Além disso, não podem ser desconsiderados os requisitos técnicos, estéticos, as inovações<br />

tecnológicas, e principalmente levar em consideração o SUJEITO como centro, em suas necessidades,<br />

capacidades e limitações. (MARTINS, 2008, P. 324). O uso da tecnologia torna-se assim, um aliado<br />

e um cenário constante e futuro, exatamente por permitir que o “envoltório” do sujeito possa<br />

assumir diversas formas, e fazer uma ligação para o estudo da terceira pele, conforme pode ser<br />

visto na Figura 8. [10]. Dessa forma, a primeira e a segunda pele tornam-se elementos do (ex)<br />

intra muro SUJEITO, e permitem caminhar então pela terceira pele – a casa, uma vez que o sujeito<br />

habita uma EDIFICAÇÃO, tema do próximo item.<br />

A terceira pele: a casa do homem<br />

Para Hundterwasser, a terceira pele, a morada do ser humano, se amplia, ao considerar que “as<br />

pessoas vêem a casa formada de paredes, eu vejo a casa formada de janelas.” (RESTANY, 1997,<br />

p.59).<br />

Fig.8 – Veste que se transforma em cabana ou habitat. Ambulatory Survival Sac.<br />

Fonte: Martins (2008, p.327)<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Fig.8 – Veste que se transforma em cabana ou habitat. Ambulatory Survival Sac.<br />

Fonte: Martins (2008, p.327)<br />

A casa, a morada do ser humano não é tratada aqui, no conceito tradicional da moradia, mas<br />

carrega consigo o ambiente como um todo, ao considerar moradia como trabalho (escritório,<br />

escolas, hospitais, fábricas, lugares públicos ou privados), e não trabalho (espaços culturais,<br />

restaurantes, academias, centros de diversão), enfim, todo ambiente construído em que o<br />

homem realiza suas atividades, sejam de trabalho, lazer, espiritualidade, etc. Nesse caso, além<br />

dos aspectos ergonômicos já citados anteriormente, teremos aqueles envolvidos com sistemas e<br />

processos organizacionais e políticos.<br />

Em Nielsen (1993), encontram-se relacionados cinco princípios da usabilidade a serem observados<br />

na projetação de sistemas (lembrando que, originalmente a usabilidade aplicava-se a sistemas<br />

digitais e informacionais, mas hoje aplica-se também ao produto e ambiente construído: a)<br />

satisfação (o usuário deve se sentir satisfeito e gostar do sistema); b) erros (caso ocorram, devem<br />

ser passíveis de correção, e devem ter um índice baixo de ocorrência. Não poderá haver ocorrência<br />

de erros catastróficos); c) capacidade de aprender (para uso do sistema, deve haver uma fácil<br />

assimilação do sistema); d) eficiência (deve haver eficiência de uso), e) capacidade de memória<br />

(deve ser fácil de ser lembrado no retorno do usuário, sem ter que aprender tudo novamente).<br />

Parece, portanto, que os ambientes coletivos têm procurado fazer referência a esses princípios. Mas<br />

os ambientes domésticos não os levam em consideração, ao se verificar o alto índice de acidentes<br />

e incidentes em ambientes com espaços de circulação inadequados, falta de acessibilidade interna<br />

e externa a ambientes, produtos, mobiliários e outros. Sabe-se que muitas edificações seguem<br />

legislações e normas que se aplicam à edificação pública e privada (edifícios residenciais), mas<br />

que essas legislações não se aplicam ao privado, ao individual, ao sujeito, pois é de seu livre<br />

arbítrio levar ou não em consideração os princípios acima, que torna densa a discussão, porque<br />

esbarraríamos no direito de propriedade e construção.<br />

Desses pensamentos, o presente ensaio chega à reflexão sobre as formas de planejar a edificação<br />

e a cidade. Na edificação, dadas as situações de isolamento e amizade, como ficam as formas<br />

verticais e as horizontais, em seus projetos para qualquer classe? Recorre-se aqui a Henri Lefebvre,<br />

que na obra “O direito à cidade” (1991), nos fala de refletir sob uma perspectiva cavaleira. Do<br />

entendimento da geometria, essa perspectiva está baseada em três vistas que distorcem uma<br />

imagem, de acordo com o ângulo. Uma vista a 300 (que reduz sua visão a 1/3), uma segunda<br />

a 450 (que reduz a ½) e outra de 600 (que reduz a 2/3). Essa metáfora poderia ser aplicada à<br />

consciência da cidade e da realidade urbana no imaginário das pessoas, ao considerarem morar<br />

em pavilhões ou conjuntos, à análise crítica que o autor faz que se distingue em 3 períodos:<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

a) a indústria e o processo de industrialização destroem a realidade urbana pré-existente,<br />

destruindo-a pela prática e pela ideologia. A industrialização é um poder negativo: o social urbano<br />

é negado pelo econômico industrial;<br />

b) justaposto ao primeiro, em parte, em que a urbanização se amplia. A realidade urbana “fazse<br />

reconhecer como realidade sócio-econômica.” A sociedade inteira pode decompor-se, ao lhe<br />

tirarem a cidade e a centralidade, e<br />

c) a realidade urbana tenta se reencontrar ou se reinventar. Tenta a restituição da centralidade,<br />

pelo centro de decisão.<br />

Na Ergonomia, para se projetar espaços confortáveis para sua vivência, Itiro Iida (2005, p.586-<br />

591) faz menção a alguns princípios, conforme dispostos a seguir:<br />

a) Levantamento de dados ergonômicos para o projeto de edifícios: devem ser levados em conta as<br />

características e funcionamento do corpo humano, em seus sistemas sensoriais e motores (primeira<br />

pele), além do comportamento individual e social (sujeito). Assim, o autor propõe que o projeto<br />

deve ser elaborado de dentro para fora, usando dois métodos para fazer o levantamento dessas<br />

características. O Método Direto, usado para fazer levantamento de atividades, preferências e<br />

necessidades das pessoas. Nesse caso, são usados questionários, entrevistas e ou observações<br />

sistemáticas. Todos devem ter um roteiro pré-elaborado. Na disciplina de Ergonomia, há uma<br />

unidade inteira dedicada a Métodos e Técnicas em Ergonomia, que orientam a abordagem da<br />

coleta de dados, inclusive a formatação gráfica e hierárquica dos roteiros para questionários e<br />

o direcionamento subjetivo de entrevistas. É sabido que há controvérsias sobre esses métodos,<br />

dadas as possibilidades de distorções de dados, principalmente na leitura e interpretação de<br />

perguntas e respostas, o que costuma, nesse caso, levar para 10% o índice de respostas aos<br />

questionários. Quanto aos métodos de observações sistemáticas, existe também uma tendência<br />

de se observar sempre um usuário típico, um padrão, deixando de lado observações que trariam<br />

dados mais relevantes à pesquisa. Os Métodos Sócio-culturais, usados para se ter conhecimento<br />

do comportamento das pessoas, seus modos de organização, de relacionamento, de troca de<br />

informações e de colaboração, tanto em ambientes formais (organizacionais) quanto informais.<br />

Privilegiar os ambientes formais em detrimento dos informais pode trazer falhas sérias de projeto. A<br />

observação da distribuição da edificação, de acordo com seu uso, pode comprometer a informação,<br />

o contato, a circulação, a ocupação ou isolamento de espaços, privacidade. Além disso, é inegável<br />

a ocorrência das estruturas de poder de acordo com a organização do espaço, em que o domínio<br />

de determinados locais está relacionado com o domínio do poder, com a autoridade.<br />

b) Uso de dados ergonômicos no projeto de edifícios: deve fornecer informações, que<br />

complementares a outras, como antropometria, alcances, etc, fornecem subsídios para as<br />

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avaliações de alternativas dos projetos. Há, de acordo com Iida (2005, 588) uma correlação positiva<br />

entre o dimensionamento e o uso do espaço com o comportamento dos indivíduos. As diferenças<br />

existentes entre as preferências de uso do espaço podem fazer com que as pessoas moradoras de<br />

conjuntos habitacionais, por exemplo, modifiquem suas edificações, colocando-as a seu modo.<br />

Isto poderá ser visto na quarta pele, ao se tratar da identidade. Também, internamente, há uma<br />

preferência do uso de espaços. Pesquisas demonstram que, para ambientes de leitura, 50% são<br />

feitas na sala de estar, 24% no quarto de dormir, e 6% na cozinha. Desse modo, pode-se questionar<br />

o fato de as residências de baixa renda serem apenas derivações compactadas das de classe média,<br />

anulando uma diferença qualitativa no uso do espaço. Assim, para a projetação de edificações,<br />

não apenas os aspectos físicos (ventilação, iluminação, conforto térmico, etc), devem ser levados<br />

em consideração, mas também a possibilidade de flexibilidade do uso do espaço, de ambientes<br />

de uso não funcionais ou não previstos para ambientes de trabalho ou lazer, ou outras funções.<br />

c) Fluxo de pessoas em espaços congestionados: O congestionamento de espaços públicos<br />

demonstra a inobservância da organização dos mesmos, sem o pensamento do fluxo das pessoas,<br />

das informações, da circulação, das necessidades ou acessos de determinados postos ou demandas<br />

de serviços ofertados. Obviamente, haverá uma formação de filas, cruzamentos e colisões de<br />

pessoas, quando não se pensa nos elementos constituintes de uma edificação, como portas,<br />

entradas e saídas, localização de roletas, guichês, balcões, e outros.<br />

Na abordagem de um dos conteúdos da disciplina “A Natureza Informacional do Espaço” [11] – a<br />

cidade como sistema de ações (fluxos) e objetos (fixos) em razão dos processos sociais induzidos<br />

pelo informacionalismo – pode-se ver que a sociedade contemporânea, diferentemente do mundo<br />

industrial, tem seus processos geradores, além de conhecimento, produtividade econômica e<br />

ordens (política e militar), que foram e são transformados pelo paradigma informacional, cujo<br />

produto é a informação, global e em tempo real. Não são mais processos de tráfego do produto<br />

que impulsionam os fluxos financeiros, mas tráfegos da informação. Desse pensamento, podemse<br />

gerar reflexões para o terceiro tema da trilogia – CIDADE, e, consequentemente – o urbanismo<br />

(DUARTE, 2002, p.175-191).<br />

Assim como os trilhos, as estradas e a alfândega são símbolos na passagem do século XX, as<br />

redes informacionais fazem parte da iconografia contemporânea. Essas redes, em constante<br />

transformação, colocam a distância entre os pontos como zero. Elas permitem, por exemplo,<br />

entregas just-in-time, ao refazer uma “geometria assimétrica e topológica”. Dos aviões modernos<br />

aos ultrasônicos, a via satélite de imagens televisivas, informações digitais e telefonia celular<br />

constituem o vetor material dos fluxos globais, que mudam a imagem do sujeito, dos espaços, das<br />

cidades, do mundo. Ao parar para pensar no que o autor leva a refletir, percebe-se a imbricada rede<br />

de práticas e relações que acontecem simultaneamente, sem que se perceba sua complexidade.<br />

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Ao retomar a definição de espaço, leva-se a crer que a lógica espacial que determina a rede se<br />

desenvolve por similaridades, como, por exemplo, a conquista oceânica, um espaço novo que não<br />

tem como ser entendido com os mesmos elementos intelectuais que fazem-nos entender o espaço<br />

continental. Esse pensamento permite que se elabore uma figura (9) que questiona o domínio das<br />

redes.<br />

Superfície terrestre + oceânica<br />

planeta<br />

Espaço, que tem o domínio<br />

de cada país.<br />

Fig.9 – Esquema demonstrando a lógica espacial que determina a rede que se desenvolve por<br />

similaridades.<br />

A figura representa o planeta, o mundo como espaço propriedade de cada país, e a superfície<br />

terrestre e oceânica. O anel na cor cinza representa o espaço, também como propriedade de cada<br />

país. Fica a pergunta: a propriedade das ondas que formam as redes, a quem pertencem?<br />

As redes informacionais, a raiz – a radical, pela ótica de Deleuse e Guattari [12], como metáfora de<br />

processos intelectuais distintos, interferem no modo de entendermos o mundo. A árvore simboliza<br />

a cultura ocidental, recuando em suas manifestações, até a raiz, seu núcleo gerador, com um<br />

desenvolvimento no sentido vertical. O rizoma, em sua superfície, se distribui por todos os lados.<br />

É o que acontece quando os buracos negros distribuídos num rizoma se<br />

põem a ressoar juntos, ou então quando os caules formam segmentos que<br />

estriam o espaço em todos os sentidos, e o torna comparável, divisível,<br />

homogêneo. É também o que sucede quando os movimentos de ‘massa’,<br />

os fluxos moleculares, se conjugam sobre pontos de acumulação ou de<br />

parada que os segmentam ou os retificam. Porém, inversamente, ainda<br />

que sem simetria, os caules de rizoma não param de surgir das árvores,<br />

as massas e os fluxos escapam constantemente, inventam conexões que<br />

saltam de árvore em árvore, e que desenraizam: todo um alisamento<br />

do espaço, que por sua vez reage sobre o espaço estriado. Mesmo e,<br />

sobretudo, os territórios são agitados por esses profundos movimentos.<br />

Ou então a linguagem: as árvores da linguagem são sacudidas por<br />

germinações e rizomas. Por isso, as linhas de rizoma oscilam entre as<br />

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linhas de árvores que as segmentarizam e, até as estratificam, e as<br />

linhas de fuga, ou de ruptura, que as arrastam. (DELEUZE & GUATTARI,<br />

1997, p.221).<br />

Esta questão está bastante ligada à navegação em rede, que possuem alguns princípios propostos<br />

pelos autores.<br />

Uma vez transitando entre informações modularizadas, é o leitor quem define o caminho que<br />

seguirá, o caminho de sua navegação. Ou seja, a hipermídia não é lida linearmente, mas por meio<br />

de buscas, de escolhas, de descobertas, uma vez que ela possui uma grande concentração de<br />

informações. No entanto, a navegação pode resultar em dois caminhos: o da orientação, em que o<br />

leitor encontra e atinge seus objetivos; e o da desorientação, quando ele não é capaz de formatar<br />

um mapa cognitivo do que seja um documento. Para isso, ele precisa seguir um roteiro, dicas de<br />

um caminho a percorrer. Daí a alusão à Biblioteca de Babel, de ser uma periferia sem centro,<br />

conforme o conceito de rizoma de Deleuze. Se o leitor imersivo não consegue ajustar seu mapa<br />

de orientação, a navegação pode gerar frustração e desconcerto. Assim, os programas de busca<br />

na www permitem que se procurem caminhos por palavras-chave. Ou mesmo que possibilitam ao<br />

usuário o não acesso a determinados sites, e até mesmo a filtragem de informações que não se<br />

quer receber. (BATISTA, 2008, p.63)<br />

Crê-se que aqui, tem importância, a diferença entre decalque e mapa, este ligado ao rizoma por<br />

seus métodos gráficos, objetivos e conhecimento do terreno, sujeito a mudanças, enquanto que<br />

o primeiro é uma repetição sem alterações, estática. A malha material, territorial, a ferroviária,<br />

a rodoviária com seus custos de manutenção denotam, deixam marcas de sua existência,<br />

diferentemente da malha espacial, dos aviões, da comunicação. Mas, há indícios da inexistência<br />

de uma liberdade completa, de uma limitação, que pode ser vista no aumento do tráfego, na<br />

construção de pistas em função dos aviões.<br />

Interessante observar as cenas do imagético filme “Koyaanisqatsi” [13], o tráfego simultâneo<br />

de carros e aviões, numa materialidade simulada do convício do espaço aéreo com o terrestre.<br />

Parrochia nos alerta para a manipulação dessas redes acentradas ou difusas. O livro “Fortaleza<br />

Digital” [14], mesmo sendo ficção, dá uma mostra da manipulação das redes.<br />

Duarte (2002. p.175-191), ao questionar os elementos fixos do espaço, faz uma referência a Manuel<br />

Castells (1999, p. 467-521), que considera que o “espaço de fluxos substitui o espaço de lugares.”<br />

E que esses têm importância para concretizar as transformações econômicas globais, mas que<br />

perdem significação cultural, geográfica e histórica, quando se integram às redes informacionais.<br />

Ao abordar as cidades do espaço de fluxos, o autor faz uma breve análise da história urbana, a<br />

fim de esclarecer que o que “o incremento de fluxos não é antagônico à permanência posicional<br />

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próprias às cidades.”<br />

Pode-se perceber isto, na leitura de Henri Lefebvre, em sua obra “A Revolução Urbana”. Para ele,<br />

o termo “sociedade urbana” define a sociedade que nasce da industrialização. Como as ciências<br />

especializadas (sociologia, economia política, história, geografia humana, e outras) propõem<br />

várias denominações para a sociedade, pode-se falar então de uma “sociedade industrial”, e<br />

consequentemente, de uma “sociedade pós-industrial, sociedade técnica, sociedade de abundância<br />

de lazeres, de consumo, etc.”. Assim, sociedade urbana designa “a tendência, a orientação, a<br />

virtualidade.” Sendo virtual, torna-se um objeto possível, do qual pode-se mostrar sua trajetória<br />

“relacionando-os a uma processo e a uma práxis.” (LEFEVBRE, 1999, p.16).<br />

O autor traça um eixo, uma trajetória, “que vai da ausência de urbanização [...] à culminação<br />

do processo. Pode-se pensar que o posicionamento da cidade industrial, antecedente à “zona<br />

crítica”, tendo aí uma zona por ele determinada como implosão-explosão, carrega as questões do<br />

que é o urbano hoje, em todas as conseqüências de sua “enorme concentração [...] na realidade<br />

urbana, e a imensa explosão, a projeção de fragmentos múltiplos e disjuntos [..].” Nesse eixo<br />

traçado por Lefevbre, que vai de zero (ausência de urbanização, a pura natureza, a terra entregue<br />

aos seus elementos) a 100% que é a culminação do processo, nota-se sua espacialidade (o processo<br />

se estende no espaço que ele modifica) e temporalidade (se desenvolve no tempo, inicialmente<br />

menor, mas posteriormente, predominante, da prática e da história). Assim, tem-se a figura 10<br />

que demonstra o eixo:<br />

Fig.10 – Trajetória da urbanização proposta por Lefebvre.<br />

Fonte: Lefebve, 1999. Dados compilados do autor.<br />

O final do século XX assiste à origem de uma mudança tecnológica que altera “drasticamente” o<br />

“paradigma industrial pelo informacional”, já, nos 1960, muito debatido por McLuhan. Ainda na<br />

leitura de Duarte (2002), tem-se que o casal Toffler denomina essa mudança de “Terceira Onda”,<br />

o fim da “civilização da camisa de força”. Vale lembrar que o uso da Internet, inicialmente, era<br />

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propriedade dos militares, em suas estratégias de obtenção de informações importantes e sigilosas.<br />

Se capitalismo e socialismo tinham a industrialização como “motriz”, o socialismo se enfraqueceu,<br />

no confronto de sua estrutura e fundamentação com o futuro, ao passo que é o “capitalismo<br />

informático e individual” que vem alterar o conjunto da sociedade qualitativamente. A previsão<br />

dos Toffler era de um processo inverso do visto acima na formação das cidades, com as pessoas<br />

retornando ao campo, mas conectadas às redes. Na realidade, o que acontece é a formação de<br />

uma “sociedade informacional global em rede. Pergunta-se: revalorização (ou revaloração) de<br />

propriedades específicas de lugares, para criar ambiente adequado às fontes informacionais da<br />

sociedade em rede. Esse retorno poderia ser as “novas periferias”, como em Nova Lima, MG?<br />

Para Duarte (2002) Peter Hall observa que as cidades são formadas pela “sedimentação de valores<br />

nos lugares”, que se integra aos processos tecnológicos para uma adequação a essas mudanças.<br />

Cidades como Londres, Paris, Barcelona, Milão e Roma, segundo o autor, já eram importantes<br />

desde a civilização, mas têm seu fortalecimento no apogeu do sistema ferroviário. Dadas as<br />

transformações de amplo aspecto da construção da União Européia, os fluxos da sociedade global<br />

ganham força e reconstroem o mapa regional, determinando assim, “faixas” de poderes européias<br />

- Bruxelas, Frankfurt e Berlim, Barcelona, Marselha, Nice e Milão. Entre essas faixas podem ser<br />

vistos pólos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. O local não quer dizer isolamento, mas<br />

flexibilidade, de acordo com aquela estrutura rizomática, das redes informacionais, discutidas<br />

anteriormente. Os fatores que permitem esse desenvolvimento estão mais ligados a aspectos<br />

de capitais culturais, econômicos, intelectuais, comunicacionais que tornam essas regiões<br />

“informacionalmente ricas”, como ambientes inovadores, que dinamizam os “fluxos globais de<br />

signos, produtos e pessoas.<br />

Igualmente no texto de Castells, Duarte (2002) faz referência a Saskia Sassen ao definir as cidades<br />

globais como os lugares mais adequados à sociedade informacional, como Londres, Tokyo e<br />

Nova York. Pelas redes, esse triângulo cobre todo o fuso horário diário, ficando assim, aberto,<br />

o mercado. Para a autora, são quatro os fatores determinantes que definem essas “cidades<br />

globais”: empresas financeiras atuantes do mercado global, pontos de comando da economia<br />

mundial, centros de inovação tecnológica e mercado para essas inovações.<br />

Desse modo, a fluidez tecnológica permite que as políticas urbanas sejam compatíveis com as<br />

dinâmicas econômicas próprias de cada tecnologia. O autor conclui, afirmando que as redes<br />

informacionais se criam onde os fluxos podem trafegar, não pede novos espaços, mas se infiltra no<br />

que já existe. Cabe então, às políticas urbanas valorizarem os fluxos fixos, determinado estratégias<br />

para seu uso.<br />

Assim, gradativamente, a teoria de Hundterwasser avança sobre as abrangências da interação do<br />

homem no mundo. A primeira e a segunda peles fazem então, referência ao primeiro elemento<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

da tríade do presente ensaio: o sujeito. A terceira pele faz referência ao segundo elemento: a<br />

edificação e também à cidade. Agora, parte-se para entender a quarta pele, relacionada ao meio<br />

social e à identidade.<br />

A quarta pele: o meio social e a identidade<br />

De acordo com Hundterwasser, a quarta pele relaciona-se com a família, o universo geográfico,<br />

social e cultural. Abrigando o individual e o coletivo, parece justificar as formas de interação.<br />

Assim como várias ondas que permeiam os estudos de várias disciplinas, parece hoje haver uma<br />

prevalência, por parte dos estudiosos da ergonomia, sobre um termo cunhado como <strong>Design</strong><br />

Emocional. Outras ondas vieram, possibilitaram estudos no design como a Biônica, entraram<br />

em decadência, tornaram a aparecer, e conclui-se que deve haver cuidados com a rotulação<br />

dessa nova área de estudos – a emoção, estudos que ainda são incipientes. Muitas vezes, novas<br />

rotulações dentro da área do <strong>Design</strong> contribuem para sua banalização, a falta de entendimento e<br />

a mistura de conceitos que o <strong>Design</strong> carrega. Ao falar da emoção, as articulações deste trabalho<br />

optaram por falar em <strong>Design</strong> e Emoção, denotando dois conceitos relacionados.<br />

Assim, a quarta pele, segundo os seguidores de Hundterwasser, tem uma grande relação com<br />

os aspectos emocionais dos produtos que interferem ou influenciam na identidade do sujeito<br />

enquanto usuários. Martins (2008, p.329) é enfática ao dizer que “não podemos prescindir de um<br />

olhar diferenciado para a compreensão da ergonomia” cabendo a essa disciplina equacionar as<br />

necessidades, aspirações, desejos tanto individuais quanto coletivos, massificando os produtos,<br />

sem, contudo, despersonalizá-los. Há alguns estudiosos empenhados em desenvolver pesquisas<br />

na área, dentre eles Patrick Jordan (2000), Donald Norman (2004), Lionel Tiger (2000), e até<br />

mesmo o grande estudioso da Ergonomia, Itiro Iida (2006). Tosi (2005) [15] acredita que, ao se<br />

adotar a Ergonomia, deve-se respeitar o usuário em todas as suas etapas de vida, atribuindo ao<br />

produto suas facilidades de uso - a usabilidade, o valor estético – agradável, o caráter inovador, a<br />

funcionalidade, o ergodesign, e sua viabilidade econômica.<br />

Já Patrick Jordan (2000) acredita que no desenvolvimento de produtos, deve-se levar em<br />

consideração os aspectos relativos a sonhos, esperanças, medos, aspirações, enfim, emoções dos<br />

usuários, que escolhem o produto pelo prazer ou desprazer. Nessa questão, o autor aborda estilos<br />

e atitudes de vida que definem o público de determinados grupos de usuários, que assim se<br />

inserem de acordo com sua identidade, como a feminilização, o hedonismo, a espiritualidade, o<br />

tribalismo, dentre outros aspectos. Dentro disso, Jordan hierarquiza a preferência dos usuários<br />

na escolha de um determinado produto como a funcionalidade, a usabilidade e o prazer no uso<br />

do produto.<br />

Tiger (2000) compartilha dessa teoria, e define, além da hierarquia proposta por Jordan, quatro<br />

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princípios, denominados de “Quatro Prazeres”: a) físico (o corpo e os sentidos); b) social (relações<br />

humanas e o status na sociedade); c) psicológico (processos de pensamento e reações emocionais);<br />

d) ideológico (preferências e valores).<br />

De qualquer modo, todos esses autores, ao abordarem o aspecto de identidade, o colocam realmente<br />

no âmbito de projetação, de uma interação declaradamente interativa em termos funcionais,<br />

estéticos e emocionais. Mas a autora deste trabalho considera que o termo Identidade carrega<br />

em si uma discussão maior, que é a identidade do sujeito enquanto parte de um sistema chamado<br />

cidade. O que coloca um sujeito morador de determinada área, integrante de determinado grupo,<br />

executor de determinada atividade? Quais aspectos devem ser levados em consideração nesta<br />

pele, do que não somente os aspectos emocionais, tão fortemente demarcados por Martins (2008)?<br />

Em que medida o meio social influencia a identidade desse sujeito? Quais aspectos individuais e<br />

coletivos devem ser levados em consideração na projetação do ambiente construído?<br />

Da Silva (2010, p.107) faz uma referência a três fatores para o reconhecimento da identidade,<br />

citados por Colombo (1991, p. 117) [16]: a) sujeito ou objeto que permanece no tempo; b) unidade<br />

que permite distinguir este sujeito ou objeto com relação ao outro e,c) entre dois objetos ou<br />

sujeitos, poder percebê-los com coincidência ou idênticos.<br />

Fundamenta-se aqui a identidade de um grupo ou de um sujeito a um ambiente social, mas<br />

percebendo que a identidade também pressupõe diferenciação. Segundo Woodward (2009), para<br />

que um sujeito se identifique, ele precisa situar pontos fora de si mesmo, que definam o que ele<br />

não é, mas que fornecem as condições para que ele exista. A “identidade é, assim, marcada pelas<br />

diferenças.” Desse modo, o autor considera a construção da identidade como simbólica e social,<br />

partindo de que<br />

O social e o simbólico referem-se a dois processos diferentes, mas cada<br />

um deles é necessário para a construção e o esforço de manutenção<br />

das identidades. A marcação simbólica é o meio pelo qual nós damos<br />

sentido a práticas e a relações sociais, definindo, por exemplo, quem é<br />

excluído e quem é incluído dessas práticas. É por meio da diferenciação<br />

social que essas classificações da diferença são “vividas” nas relações<br />

sociais. (WOODWARD, 2009, p.9).<br />

Finalmente, sobre a identidade, constata-se em Touraine (1995) a compreensão do sujeito,<br />

conforme citado por Da Silva (2010):<br />

O indivíduo não é senão a unidade particular onde se misturam a vida<br />

e o pensamento, a experiência e a consciência. O Sujeito é a passagem<br />

do [...] controle exercido sobre o vivido para que tenha um sentido<br />

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pessoal, para que o indivíduo se transforme em ator que se insere<br />

nas relações sociais transformando-as, mas sem jamais identificarse<br />

completamente com nenhum grupo, com nenhuma coletividade.<br />

(TOURAINE, apud Da SILVA, 2010, p.113).<br />

Nessa conceituação, pode ser identificada uma “transitoriedade do sujeito com o meio.”, uma<br />

“polaridade entre o indivíduo consumidor e o produtor”. O indivíduo consumidor age passivamente<br />

ao poder e ao capital, em ações acríticas. O indivíduo produtor não se reduz aos apelos do<br />

consumismo e assim constrói sua história.<br />

Da Silva (2010, p.111) ao estudar Giddens (2002) [17] relata que o cenário atual de guerras mundiais,<br />

o “redesenho geopolítico” do planeta, as ditaduras latino-americanas e africanas, o desmembrar<br />

da União Soviética, O Leste Europeu na Comunidade Européia, o desequilíbrio do meio ambiente,<br />

a globalização econômica, a contra-cultura, o multiculturalismo, todos são fatores que promovem<br />

a crise do sujeito no conhecimento atual. Unicidade e estabilidade representam um horizonte<br />

de representação para o sujeito. Vive-se hoje uma “cultura de risco”, exemplificadas pelas<br />

grandes migrações que modificam o ambiente cultural e social, pelos conhecimentos tecnológicos<br />

e científicos, pelo próprio cenário mundial, pelas possibilidades oferecidas aos sujeitos, e por<br />

mecanismos de desterritorialização.<br />

Há um estudo do Prof. Renato César Ferreira de Souza (2009) [18] sobre a Computação Ambiental<br />

e o Sentido de Lugar. Nesse trabalho, ao discutir os lugares urbanos, o autor discute uma proposta<br />

Korosec-Serafaty, no ensaio “Experiência e Uso do Habitar” de 1985, que investiga a idéia da<br />

habitação influenciar o morador. Korosec-Serafaty propõe três características fundamentais: a)<br />

criação do interno/externo; b) visibilidade, c) apropriação. Estas, consideradas como dimensões<br />

fenomenológicas, estão relacionadas com as qualidades do lugar (fenômenos relacionados), que<br />

comporão os elementos arquitetônicos, conforme pode ser visto na Figura 11.<br />

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Fig.11 – Relações entre as dimensões fenomenológicas, os fenômenos existenciais e os elementos<br />

arquitetônicos.<br />

Fonte: Souza (2009 p. 85)<br />

Estabelecer um interior e exterior é o resultado de alterações feitas no espaço, a fim de classificá-lo<br />

e diferenciá-lo como um lugar. Tem-se como exemplo a construção de muros, os posicionamentos,<br />

os sinais de demarcação de limites (cercas, árvores), que organizam os aspectos físicos do interior.<br />

Para Korosec-Serafaty o processo de criação de lugares corresponde a um movimento dual de<br />

diferenciação do espaço interior com o exterior, portanto, todos os ambientes construídos passam<br />

por esta delimitação, instituindo um território que possibilita definir o que é público e o que é<br />

privado.<br />

Restany (1997), ao descrever as cinco peles de Hundterwasser, o coloca como um indivíduo<br />

romântico, ao considerá-lo como um “pintor” de um quadro para viver sempre melhor. Esse “viver<br />

sempre melhor” seria sua última pele – a quinta, relacionada com a Humanidade, a natureza e o<br />

meio ambiente.<br />

A quinta pele: a humanidade, a natureza e o meio ambiente<br />

A humanidade e a natureza – a Terra – constituem a quinta pele, aquela que se relaciona com<br />

o Ecodesign – processo de desenvolvimento de produtos que incorpora princípios ambientais e<br />

ferramentas como já citado anteriormente na segunda pele. Há uma proposta de projetos que<br />

visem novas soluções, que por sua vez, gerem novos produtos e serviços, em novos cenários,<br />

baseados na tríade sustentável: desenvolvimento econômico-gestão ambiental-garantia das<br />

gerações futuras. (OLIVEIRA, 2006).<br />

A Organização das Nações Unidas (ONU) publicou um relatório em 1987 – Nosso Futuro Comum -<br />

que descrevia o estado do planeta e a relação essencial entre o futuro das comunidades humanas<br />

e o das comunidades ecológicas. Esse relatório foi a base para a Agenda da Conferência do Rio de<br />

Janeiro em 1992, e introduz pela primeira vez o conceito de desenvolvimento sustentável<br />

um crescimento para todos, assegurando ao mesmo tempo a<br />

preservação dos recursos para as futuras gerações. [...] abre então<br />

um novo horizonte ao discurso ambiental, até agora esclerosado em<br />

comportamentos alarmistas ou alternativas econômicas irrealistas. Essa<br />

proposta, que rompe com os antigos modelos econômicos, é a primeira<br />

a integrar meio ambiente com futuro econômico, social e cultural das<br />

sociedades humanas. [...] apresenta um novo paradigma fundado em<br />

uma relação de cooperação e de preservação de uma natureza que<br />

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integra a humanidade (KAZAZIAN, 2005, p.26).<br />

Ao se pensar hoje nos atuais níveis de consumo como o enfraquecimento da ligação emocional das<br />

pessoas com os projetos, após a Revolução Industrial e produção massificada, entende-se o que a<br />

quarta pele, com suas emoções, quer dizer. Se um produto é descartado hoje, talvez seja porque<br />

ele não atende às expectativas do usuário, daí a necessidade da conexão emocional do produtousuário,<br />

mesmo que ele não tenha beleza, nem função, mas valores emocionais, sentimentais.<br />

Pensando dessa forma, em reduzir o ritmo do consumo de produtos, está-se assim, fazendo uma<br />

conexão emocional com a sustentabilidade, ao preservar essa quinta pele, que protege, a um e a<br />

todos.<br />

Mas, essa quinta pele tem também suas conexões com a cidade, com o planejamento urbano,<br />

e ambiental, e consequentemente, com o urbanismo. O urbanismo carrega em si algumas<br />

ambigüidades, e, uma vez adotado com facilidade pelo uso corrente da palavra, significa os planos<br />

civis das cidades ou das “formas urbanas” de cada época (CHOAY, 2007, p.2). A autora prefere o<br />

emprego e o estudo do urbanismo segundo a definição da Larousse: “ciência e teoria da localização<br />

humana”, o que nos leva ao<br />

[...] surgimento de uma realidade nova: aos fins do século XIX, a<br />

expansão da sociedade industrial dá origem a uma disciplina que se<br />

diferencia das artes urbanas anteriores por seu caráter reflexivo e<br />

crítico, e por sua pretensão científica. (IBIDEM)<br />

Como é de consenso que a sociedade industrial é urbana, em que a cidade é o seu horizonte<br />

esta carrega também outros conceitos que trazem novas configurações, como as metrópoles,<br />

as conurbações [19], as cidades industriais e os grandes conjuntos habitacionais. Desse modo, a<br />

autora, ao percorrer uma trajetória sobre os teóricos que fundamentam o urbanismo, pretende<br />

evidenciar as razões dos erros cometidos, das incertezas e das dúvidas hoje existentes, cuja<br />

amplitude é fundamentada num grande número de literatura.<br />

No entanto, dentre essa abundância, destacam-se duas valiosas obras [20], a de Viet (1960), na<br />

qual os países comunistas contribuem significativamente, e a de Gutman (1963), que demonstra o<br />

aumento dos urbanistas que não somente se dedicam a transformar o meio físico, mas “dedicamse<br />

agora a modelar as estruturas sociais e culturais da cidade”. Enfim, Choay (2007) considera que<br />

o urbanismo pretende resolver o problema do planejamento da cidade maquinista, colocado nas<br />

primeiras décadas do século XIX, a partir dos questionamentos da sociedade industrial.<br />

Paralelamente à expansão do tecido urbano, os espaços centrais da cidade se valorizam e se<br />

tornam prioritários para o pacto do progresso e da modernidade, consolidando o espaço do poder<br />

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na classe da burguesia, privilegiada com os melhoramentos urbanos. Não obstante, tanto no Brasil,<br />

quanto em outras regiões, o zoneamento e a regulação do uso do solo pretendiam resolver os<br />

conflitos entre a propriedade privada do solo e das “demandas coletivas de integração e resposta<br />

à cooperação implícita no espaço urbano.” Comissões e órgãos técnicos de planejamento, na<br />

verdade, mascaram o processo de despolitização imposto na cidade e em sua expansão.<br />

Na obra de Martins (1996), para Lefebvre, a desigualdade do desenvolvimento histórico vem do<br />

homem que produz sua história, mas que a deixa, não se apropria dela, deixa-a órfã, a retomar<br />

seu rumo. A conceituação da formação econômica e social tem sua lógica ao tomar a natureza<br />

que explica o seu econômico e a sociedade por denotar o social. Explica, assim a ação do homem<br />

sobre a natureza na atividade social de modo a atender suas necessidades, na construção de suas<br />

relações. Nesse ponto, demonstra a supremacia do econômico em relação ao social.<br />

Lefebvre descreve as implicações metodológicas de Marx com a noção econômico-social. A primeira<br />

reside na ambigüidade da realidade social: horizontal e vertical, ao se eleger o mundo rural<br />

como referência nas implicações metodológicas. De fato, essa duplicidade contém procedimentos<br />

que identificam e que recuperam a complexidade horizontal da vida social, na sua diversidade,<br />

registrando, identificando e descrevendo o que se vê, residindo aí o momento descritivo do<br />

processo. A complexidade vertical da vida social está no método analítico-regressivo, faz-se a<br />

análise, a decomposição do que se viu, para datar exatamente, posto que cada relação social tem<br />

data e idade. Demonstra-se assim a importância das disciplinas como a sociologia, a antropologia,<br />

a história, a economia, a estatística.<br />

Outro momento desse método lefebvriano é histórico-genético, com um encontro com o presente,<br />

mas um presente claro, elucidado, que define as condições e possibilidades do vivido. Percebe-se<br />

assim, a historicidade das contradições sociais, e que os desencontros são de tempo, portanto, de<br />

possibilidades. Dão sentido à práxis.<br />

Monte-Mór (2006, p.61-85) faz uma trajetória sobre as teorias urbanas e o planejamento urbano no<br />

Brasil, considerando que as forças sócio-culturais, econômicas e políticas que formam e produzem<br />

o espaço urbano-regional brasileiro são construídas nas cidades. Por outro lado, esses “lugares fora<br />

das idéias” realimentam a produção desse espaço, forjando o planejamento urbano e regional, na<br />

sua herança sediada no capitalismo avançado e na releitura que dele fazemos.<br />

Barcelona representa um exemplo para demonstrar a crise da metrópole industrial, que projeta<br />

a crise de transformação da sociedade burguesa capitalista, ao trazer para o centro do poder<br />

a classe trabalhadora, resultando em crescimento e expansão das metrópoles. Seu projeto<br />

estende a cidade para além das muralhas, com infra-estrutura sanitária, viária e com desenho de<br />

quarteirões integrados em praças internas. A Teoria Geral da Urbanização de seu mentor, Ildefons<br />

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Cerdà baseou por um longo período os melhoramentos nas grandes cidades mundiais no século XX.<br />

Também é um exemplo o plano regulador para uma metrópole moderna de Haussmann, em Paris,<br />

que expressa, na visão atual, a intervenção do Estado sobre o centro de uma metrópole industrial.<br />

Esse plano pode ser visto no planejamento urbano de algumas cidades brasileiras (no Norte -<br />

Manaus e Belém), no centro (Rio de Janeiro, São Paulo, em Belo Horizonte com o planejamento<br />

idealizado por Aarão Reis), além de outras cidades medianas. Desse modo, as influências, a partir<br />

do século XX, privilegiam tanto aspectos racionais da ação individual com idéias de progresso<br />

quanto articulados com o sentimento de comunidade e de cultura.<br />

No Brasil, há uma forte influência progressista, explícita em obras como o Ministério da Educação e<br />

Saúde (Rio de Janeiro), ou na própria capital federal, denotando uma modernidade que carimba o<br />

país em seu processo inicial de urbanização, aliada a um processo de “industrialização substitutiva<br />

de importações”, até o golpe militar, em 1964. No entanto, no Brasil desenvolviam-se teorias<br />

sociais sobre a organização do espaço urbano, baseadas na sociologia urbana da Escola de Chicago<br />

e na economia regional e urbana de Walter Isard.<br />

Paralelamente à expansão do tecido urbano, os espaços centrais da cidade se valorizam e se<br />

tornam prioritários para o pacto do progresso e da modernidade, consolidando o espaço do poder<br />

na classe da burguesia, privilegiada com os melhoramentos urbanos. No Brasil, o direito à cidade<br />

foi apreendido nos anos 60, ainda que vivenciando as reformas urbanas, as remoções de favelas<br />

e de populações de áreas pobres para conjuntos nas periferias. Ainda, os trabalhadores sem<br />

terra, vindos de um convívio urbano, buscam condições para uma vida agrária, com todos os<br />

serviços urbanos, na medida em que as condições de produção, antes restritas às cidades, agora<br />

se estendem para além das fronteiras e ganham dimensão regional e nacional. O tecido urbano<br />

“carrega consigo o germe da polis, da civitas”, originando a urbanização extensiva, denominada<br />

por Monte-Mór. O urbano, não mais adjetivo, ganha dimensões globais que representam todo o<br />

espaço social, com as condições urbano-industriais. É o terceiro elemento na dialética campocidade.<br />

Soja (2000) considera que as desigualdades clássicas são postas de três tipos que persistem e se<br />

intensificam: as de classe (capital/trabalho), de raça (negros/brancos) e de gênero (mulheres/<br />

homens). A transição pós-metropolitana, por si mesma, tem criado um contexto significativamente<br />

alterado para a luta política. As desigualdades têm se tornado mais complexas, multilineares e<br />

interconectadas. Nesse caso, as políticas de igualdade também devem se adaptar à sociedade<br />

urbana contemporânea que é globalizada, pós-fordista, exopolitana e culturalmente heterogênea.<br />

Assim, o autor descreve que os ricos estão mais ricos ao longo dos últimos 30 anos, devido a<br />

estratégias ligadas à inovação tecnológica, à reorganização corporativa, à desregulamentação<br />

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governamental e à localização geográfica. Aglomerações de riqueza, concentração de pessoas mais<br />

ricas residem em cidades globais maiores e de maior expansão, que se beneficiam de recursos de<br />

urbanização. Há uma abundância de imigrantes pobres de mão de obra barata e de forma flexível.<br />

Numa visão simplista, o crescimento desses dois pólos, que ocasiona o achatamento da classe<br />

média, contribui para a máxima de que é a imigração a responsável pelos problemas econômicos.<br />

A nova pobreza – os verdadeiramente desfavorecidos - a infra-classe urbana. A localização gira<br />

em torno da noção de um desajuste social em que as tecnologias e a disponibilidade de solo<br />

barato aceleram a suburbanização da indústria e do emprego, no processo de hiper-guetização,<br />

centros urbanos desindustrializados, presos e ilhados da sociedade dominante. A indústria do<br />

conhecimento e da informação agrava esse processo de desajuste. Tem-se o que o autor denomina<br />

de novos pobres urbanos.<br />

Em referência ao que Mike Davis (1990) descreve como a “ecologia do medo”, a paisagem<br />

metropolitana está repleta de espaços protegidos e fortificados, ilhas de confinamento e de<br />

proteção contra os perigos, tanto mais reais ou imaginários. Baseado nas idéias de Foucault, a pósmetrópole<br />

é como uma “cidade carcerária”, “um arquipélago de recintos normalizados e espaços<br />

fortificados que atrincheiram, voluntária e involuntariamente, os indivíduos e as comunidades e<br />

ilhas visíveis ou não tão visíveis, supervisionadas por formas reestruturadas de poder e autoridade<br />

pública e privada.” Mike Davis é considerado o mais importante autor a tratar da representação da<br />

pós-metrópole como arquipélago carcerário, principalmente para a região urbana de Los Angeles,<br />

que sustenta o argumento da “ecologia do medo”.<br />

A “política do medo cotidiano” se manifesta quando o medo mantém as pessoas longe dos espaços<br />

públicos. A cidade se personifica como encontro de estranhos e sendo um desencontro, não há<br />

troca de informações, é um evento sem passado. Nessa vida urbana há a necessidade da civilidade,<br />

como uma barreira que protege o estranho do outro, mas que permite sua convivência. Para essa<br />

civilidade, alguns espaços são considerados por Bauman (2001).<br />

No primeiro espaço ele toma como exemplo, a Praça La Défense em Paris. Um espaço que<br />

desencoraja a permanência e ostenta a falta de hospitalidade, pela multiplicidade de vidros, por<br />

portas opostas ao acesso, pela falta de bancos, pelo acesso negado. O segundo espaço seria o<br />

“templo do consumo”, os shopping centers, os cafés, os pontos turísticos, as salas de exibições,<br />

que não tem qualquer interação social real. Como descreve o autor, a tarefa é o consumo, o<br />

passatempo é o consumo e tudo individual, por mais cheios que os espaços estejam. E esses lugares<br />

também são protegidos contra aqueles que querem quebrar as regras, que podem interferir no<br />

processo de consumir. Em Bauman (2001) para Levi-Strauss, há duas estratégias humanas para<br />

enfrentar a alteridade do outro. A primeira, antropoêmica, que cospe, vomita o outro (Praça<br />

La Défense), e a segunda, a antropofágica, que devora o outro (templos de consumo). Ambas<br />

promovem o encontro dos estranhos. Esses dois tipos de espaços públicos – não civis - vêm da falta<br />

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da civilidade. O terceiro espaço considerado pelo autor é o “não-lugar”, o espaço que desencoraja<br />

a pessoa de permanecer ali, com uma presença física e nada social, apenas de passagem. São<br />

aeroportos, estradas, quartos de hotel, o transporte público, lugares em que a pessoa deveria se<br />

sentir em casa, mas não pode se comportar como se estivesse em casa. Finalmente, o quarto espaço<br />

citado pelo autor é o espaço vazio, vazio de significado, os lugares não-colonizados, os “lugares<br />

que ‘sobram’ depois da reestruturação de espaços realmente importantes.” São os espaços da<br />

margem, os marginalizados, os espaços que compõem mapas da cidade, mapa das cabeças das<br />

pessoas, que traçam seus caminhos, que seguem o fluxo de suas vidas, de suas histórias, e não<br />

fluxos alheios. São os espaços em que a pessoa não se sente perdida, surpreendida, vulnerável,<br />

enfim se sente segura de trilhá-lo.<br />

Harvey (1975) ao falar do urbanismo, trata da natureza da teoria, da justiça social, e<br />

principalmente, do espaço e como se dá a vivência do homem nesse espaço. O autor considera<br />

de grande importância a análise da concepção de método, proposta por Marx, sendo, a partir<br />

dessa concepção, que a teoria consegue fluir. Para ele, Marx observou que os vários dualismos<br />

característicos do pensamento ocidental podem ser resolvidos pelo estudo da prática humana,<br />

através de sua criação. Também, Harvey cita Piaget, em uma concepção de método bem próxima<br />

a Marx, que “é uma questão de convergência e não de influência.” Assim, os ensaios do autor<br />

nesse livro se dão pela convergência, e ele examina dois passos para explicar essa convergência:<br />

discute a ontologia (como teoria do que existe) e a epistemologia (procedimentos e condições que<br />

possibilitam o conhecimento).<br />

Chegando à finalização da linha de pensamento, pode-se entender que no capitalismo, há uma<br />

sociabilidade em que cada homem se reconhece no outro, sua humanidade se objetiva nas realidades<br />

que ele cria. A pobreza, para Lefebvre, tem um significado para além da privação das riquezas<br />

materiais, mas está calcada na deficiência de realização das possibilidades criadas pelo homem<br />

para suprir suas necessidades, na carência do tempo para desfrutar as condições de humanização<br />

do homem. A exploração do trabalho, do homem pelo homem, sonega ao homem as condições<br />

para o seu desenvolvimento. Elas até existem, mas são desviadas para outras finalidades. Há uma<br />

alienação do homem em suas criações, simplificando tudo, “coisificando”, trazendo para o nosso<br />

convívio o resíduo daquilo que antes fora destinado à alimentação dos sistemas de poder.<br />

A ideologia urbana “apreende os modos e formas de organização social [...] em última análise,<br />

fundamentou amplamente a possibilidade de uma ‘ciência do urbano’, e compreendida como<br />

espaço teórico definido pela especificidade de seu objeto.” (CASTELLS, 2000, p.126). Ao considerálo<br />

um dos maiores teóricos do marxismo contemporâneo, esperava-se que seus conhecimentos<br />

contribuíssem à problemática urbana. No entanto, o que se nota é que Lefebvre acabou por<br />

descrever uma teorização urbanística marxista, longe de iluminar “novas pistas, detectar<br />

problemas e propor hipóteses” sobre o tema. Por meio de três leituras (Do Rural ao Urbano,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

O Direito à Cidade e A Revolução Urbana), Castells traça um “núcleo de proposições em torno<br />

do qual se ordenam os eixos centrais da análise”. Para o autor, Lefebvre teve coragem de abrir<br />

decisivamente um caminho do urbano, ao ver “a emergência de novas contradições no domínio<br />

cultural e ideológico”, ligando a questão urbana ao processo de reprodução ampliada da força<br />

de trabalho, mas ele mesmo o fecha, ao tratar como urbano “os problemas sociais conotados<br />

ideologicamente pelo pensamento urbanístico”. Para o autor, Lefebvre deveria ter tratado o<br />

espaço e o urbano separadamente, analisar a determinação social desses processos, mostrando<br />

as formas de intervenção dos aparelhos do Estado, ligar a organização do espaço como parte da<br />

morfologia social, e explicar os fundamentos sociais dessa ligação ideológica da cotidianidade.<br />

Tendo sido vistas as cinco peles da teoria de Hundterwasser, este ensaio agora encerra as reflexões<br />

e estabelece as relações propostas.<br />

Conclusão<br />

Este estudo aprofundou-se na abordagem do sujeito como ser inserido em relações com outros<br />

sujeitos, em seus aspectos dinâmicos de relações sociais e de territorialidades. Passando pelas<br />

conceituações genéricas sobre a Ergonomia pela teoria das “Cinco Peles” de Hundterwasser, o<br />

objetivo foi verificar a possibilidade de supostos diálogos “(ex) intra muros” existentes na trilogia<br />

proposta numa tese de doutorado, a princípio considerada como sendo “O SUJEITO – A EDIFICAÇÃO<br />

– A CIDADE”.<br />

A Ergonomia Ambiental usa métodos de levantamento de dados para estudos ergonômicos, com<br />

destaque para os métodos sócio-culturais. Esses métodos são importantes para que se conheça<br />

o comportamento do grupo de pessoas, de suas relações, trocas e organização, principalmente<br />

quanto aos aspectos relacionados às zonas de espaço pessoal, que delimitam o comportamento<br />

humano.<br />

Na teoria de Hundterwasser, na Primeira Pele, o sujeito é o elemento chave, centro, base para<br />

a projetação. Ao conhecer-se o sujeito, o indivíduo, pode-se reunir os conhecimentos sobre suas<br />

necessidades, seus desejos, suas limitações e capacidades, e estabelecer uma adequação entre<br />

usuário – produto. Se para Hundterwasser o tema da segunda pele é a vestimenta, para este<br />

estudo, a segunda pele torna-se então, o produto. A segunda pele, a roupa, propõe discutir a<br />

vestimenta como elemento de interação humana, mas refletir no produto como a embalagem do<br />

sujeito. A terceira pele, a morada do ser humano não foi tratada aqui em seu conceito tradicional<br />

da moradia, mas no ambiente como um todo, ao considerar moradia como trabalho e não trabalho.<br />

Assim, além da visão ergonômica, os aspectos envolvidos com sistemas e processos organizacionais<br />

e políticos foram abordados. A quarta pele relacionada com a família, o universo geográfico,<br />

social e cultural, foi vista abrigando o individual e o coletivo, justificando as formas de interação.<br />

Finalmente, a quinta pele tratou da humanidade e da natureza – a Terra –relacionando-a com o<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Ecodesign. A visão da teoria das Cinco Peles de Hundterwasser possibilitou a discussão de vários<br />

temas que invariavelmente encontram-se relacionados, o porque permitiu elaborar um pequeno<br />

quadro de relações.<br />

Cinco Peles Trilogia discursiva Trilogia interdisciplinar<br />

1ª. Epiderme Sujeito <strong>Design</strong><br />

2ª. Vestimenta Sujeito <strong>Design</strong> e Arquitetura<br />

3ª. Morada Edificação, Cidade Arquitetura e Urbanismo<br />

4ª. Identidade Sujeito, Edificação, Cidade <strong>Design</strong>, Arquitetura e Urbanismo<br />

5ª. Humanidade e Sujeito, Edificação, Cidade <strong>Design</strong>, Arquitetura e Urbanismo<br />

Meio Ambiente<br />

Quadro I - Relações da Teoria de Hundterwasser e Trilogias discursiva e interdisciplinar<br />

Encerrando, a partir desse aprofundamento na teoria de Hundterwasser e as possíveis relações<br />

de uma trilogia, pode-se concluir que há a linha de pensamento estudaria a princípio as questões<br />

do sujeito enquanto indivíduo inserido numa sociedade, as edificações e o modo como são<br />

construídas em função desse modo de inserção, e, o planejamento urbano como forma de segregar<br />

as edificações tendo em vista os aspectos sócio-políticos e econômicos. Dessa forma, situar cada<br />

discurso dessa trilogia dentro de um diálogo interdisciplinar no <strong>Design</strong>, Arquitetura e Urbanismo.<br />

No entanto, é fácil perceber que ora um assunto remete a uma pele, ora a outra. Para isto, é<br />

preciso então, iniciar uma organização de pensamentos a partir da Figura 1, para que se tenha<br />

uma idéia mais formatada dos temas. É necessário relacionar os estudos para elaborar um roteiro<br />

de pesquisa para essa abrangência. Desse modo, no fechamento das habilidades e competências<br />

dos profissionais das áreas de estudo (<strong>Design</strong>, Arquitetura e Urbanismo), poderia ser proposta uma<br />

grade curricular que inserisse disciplinas voltadas à proposta da trilogia discursiva e interdisciplinar.<br />

Como propostas subseqüentes ao presente trabalho, teria o levantamento nos Anais dos Congressos<br />

ERGODESIGN e USIHC [21] sobre o estado da arte de estudos em ergonomia relacionados com tema<br />

da trilogia “O SUJEITO – A EDIFICAÇÃO – A CIDADE”.<br />

O que teve relevância neste estudo, foi o olhar mais aprofundado e não rotulado à teoria de<br />

Hundterwasser, que já se torna um modismo cíclico temporal. Dessa forma, não considerar<br />

essa delimitação como verdade absoluta e não sustentar uma bandeira apenas em ordem da<br />

sustentabilidade, pode contribuir para melhorar o desenho curricular das disciplinas envolvidas.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Notas<br />

[1] Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pelo NPGAU – Núcleo de Pós-Graduação da Arquitetura<br />

e do Urbanismo da Escola de Arquitetura da UFMG.<br />

[2] V Seminário de Avaliação e Ensino em Estudos Regionais da ANPUR (Associação Nacional de<br />

Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional) 04-05 Nov 2010, Florianópolis,<br />

SC – <strong>Universidade</strong> Federal de Santa Catarina – UFSC.<br />

[3] Professor Associado no Departamento de Geografia e no Programa de Pós-Graduação em<br />

Geografia - Instituto de Geociências/<strong>Universidade</strong> Federal de Minas Gerais. - IGC/UFMG.<br />

[4] Ergonomia como disciplina obrigatória, no curso <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> (Escola de Belas <strong>Arte</strong>s -<br />

EA/UFMG), optativa para o <strong>Design</strong>. Seminários Temáticos - Ergonomia Urbana, como disciplina<br />

optativa para o curso Noturno de Arquitetura, da Escola de Arquitetura da UFMG - EAUUFMG).<br />

[5] CASTRO, Eduardo Viveiros de. “O conceito de sociedade em antropologia”. In: A inconstância<br />

da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2002. p. 295-316.<br />

Conforme citado por Da Silva (2010, p.102).<br />

[6] TEIXEIRA, Leônia Cavalcante. “Escrita autobiográfica e construção subjetiva” In: REVISTA DE<br />

PSICOLOGIA DA USP. São Paulo, USP, v.14, no. 1, 2003. Conforme citado por Da Silva (2010, p.102).<br />

[7] ARIÉS, Philipe. “Por uma história da vida privada”. In.: ARIÉS, Philipe; CHARTIER, R. História<br />

da vida privada: da Renascença ao século das luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.<br />

Conforme citado por Da Silva, (2010, p.103).<br />

[8] Etologia é a disciplina que estuda o comportamento dos animais, baseada na Teoria da<br />

Evolução, em que cada espécie tem seu padrão particular de comportamento e anatomia. Essa<br />

disciplina é considerada interdisciplinar a partir do ponto em que considera a fisiologia, a ecologia<br />

e a psicologia como base de estudos comportamentais. O grego ethos, por sua vez, que origina<br />

a palavra, corresponde ao modo de ser, o temperamento, a disposição interior de natureza<br />

emocional ou moral. É o espírito que anima uma coletividade, marcando suas realizações ou<br />

eventos culturais. (FERREIRA, 2004)<br />

[9] OBORNE, D.J., HEATH, T.O. The role of social equipments space requirements in ergonomics.<br />

Applied ergonomics. V.10, n.2, p.99-103, 1979. Conforme citado por Iida (2005, p.584).<br />

[10] ORTA, Lucy. Process of transformation. Paris: Edition Jean Michel Place, 1998. MODEMUSEUM,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

250


Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Patronen Patterns, Province Antwerpen, Ludeon, 2000. Sans titre 06, Collection pretemps – été<br />

2001. Conforme citado por Martins (2008, p.327).<br />

[11] PRJ807 – A Natureza Informacional do Espaço”, disciplina optativa do NPGAU/UFMG, ofertada<br />

pela Professora Dra. Denise Morado, coordenadora do laboratório PRAXIS da Escola de Arquitetura<br />

da UFMG.<br />

[12] Deleuze, Gilles; Guattari, Félix. Mil Platôs. São Paulo, Ed.34, 1997; p.221. (vol.5, cap.15:<br />

Regras Concretas e Máquinas Abstratas - Tradução de Peter Pál Pelbart).<br />

[13] Direção Godfrey Reggio, 1983, Estados Unidos.<br />

[14] BROWN, Dan. Fortaleza Digital. sl: Editora Sextante, 2005.<br />

[15] TOSI, Francesca. Ergonomia, progetto, prodotto. Milano: Franco Angeli, 2005. Conforme<br />

citado por Martins (2008, p.329)<br />

[16] COLOMBO, Fausto. Os arquivos imperfeitos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1991.<br />

[17] GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.<br />

[18] Professor adjunto do Departamento de Projetos da Escola de Arquitetura da <strong>Universidade</strong><br />

Federal de Minas Gerais, docente da disciplina ARQ809 - Sistemas de tecnologias de informação<br />

aplicados ao espaço urbano, no NPGAU/UFMG.<br />

[19] Conurbações, termo criado por Patrick Geddes em 1915, designa as aglomerações urbanas<br />

que invadem uma região, pela atratividade de uma grande cidade. Especificamente nessa época,<br />

ele usou o termo para explicar a grande Londres, cercada, especificamente por Manchester e<br />

Birmingham. Em Benévolo (1981) descreve um importante relato de Engels sobre Manchester, que<br />

contribui tanto para a contextualização de Marx sobre o capitalismo, quanto para as origens da<br />

urbanística moderna. Um exemplo local, brasileiro e atual mostra Belo Horizonte, Contagem e<br />

Betim como conurbações, alvo de muitos estudos, dada a situação industrial dessa grande região,<br />

dentre outras, no Brasil. (n.d.a.)<br />

[20] Villes nouvelles, élements d’une bibliographie annotée (VIET, J. Reports et document dês<br />

sciences sociales, no. 12, UNESCO, Paris, 1960) e GUTMAN – Urban Sociology: A bibliography, 1963.<br />

Ver Choay (2007, p.2)<br />

[21] ERGO - Congresso Internacional de Ergonomia e Usabilidade de Interfaces Humano-<strong>Tecnologia</strong>:<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Diálogos (ex) intra muros: a Teoria das Cinco Peles e uma Trilogia Interdisciplinar<br />

Produto, Informações, Ambiente Construído e Transporte. USIHC - Congresso Internacional de<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea:<br />

trocas, superposições, aproximações<br />

Vera Bungarten Mestre / PUC-Rio - doutoranda do Departamento de <strong>Arte</strong>s e <strong>Design</strong><br />

verabungarten@yahoo.com.br<br />

Resumo<br />

Nas últimas décadas observamos uma superposição cada vez maior entre as formas<br />

de expressão tradicionalmente atribuídas às áreas do <strong>Design</strong> e do Cinema. Aparentemente<br />

atuantes em campos bem distintos, essas duas práticas vem se aproximando<br />

e mesclando suas atribuições, numa troca constante entre as duas linguagens.<br />

Essa ampliação do campo de atuação do <strong>Design</strong> e o seu entrelaçamento com<br />

outras áreas é uma característica dominante na sociedade contemporânea, onde<br />

prolifera uma hibridização dos meios de expressão visual. O presente trabalho pretende<br />

mostrar, porém, que os dois campos aqui abordados estão vinculados, desde<br />

a origem, na sua essência fundamental.<br />

Palavras-chave:<br />

Inter-relacionamento design-cinema, linguagens híbridas, ideologia<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

256


<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

Introdução<br />

<strong>Design</strong> e Cinema são produtores de bens culturais e indutores de conceitos que produzem uma repercussão<br />

no cotidiano da sociedade. Mas não são apenas essas condições que aproximam os dois<br />

campos de atuação e conhecimento. O produto do <strong>Design</strong>, assim como a obra cinematográfica, refletem<br />

a sociedade na qual são produzidos, ao mesmo tempo em que interferem na formação das<br />

idéias e dos valores desta coletividade, numa troca dinâmica sempre renovada. Ambos produzem<br />

signos que se expressam primordialmente através da imagem visual.<br />

Nas últimas décadas percebemos uma superposição dessas duas formas de expressão: o webdesign,<br />

os jogos de computador, as aberturas de programas de TV, para citar alguns exemplos, apresentam<br />

uma mescla das duas linguagens. Já não se pode afirmar, com clareza, a qual área pertencem. As<br />

atribuições e responsabilidades se superpõem, ao mesmo tempo em que se aproximam o aspecto<br />

formal, a estética e a função comunicativa desses produtos híbridos.<br />

A partir da confluência das linguagens particulares destas duas práticas é possível estabelecer um<br />

vínculo entre o Cinema e o <strong>Design</strong> no mundo contemporâneo, globalizado e computadorizado.<br />

O propósito deste trabalho é construir uma interface entre os fundamentos que orientam o projeto<br />

de construção de um conceito visual no cinema e a área do <strong>Design</strong> como produtor de significados<br />

culturais. Para encaminhar esta discussão vamos procurar, inicialmente, situar o <strong>Design</strong> na<br />

constituição das sociedades modernas, e o seu papel na construção da identidade cultural do seu<br />

meio social. Os objetivos e os procedimentos que orientam a elaboração do projeto visual cinematográfico<br />

serão avaliados dentro deste quadro, buscando determinar a essência comum e os<br />

pressupostos que possam integrar esse projeto com o campo do <strong>Design</strong>.<br />

<strong>Design</strong> e Sociedade<br />

O <strong>Design</strong> representa e expressa as idéias por meio das quais a sociedade assimila os fatos do cotidiano<br />

e se ajusta a eles. Constitui-se, assim, no reflexo das características sociais de cada época.<br />

Com isso assume responsabilidades sobre a produção, a representação e a divulgação dos signos<br />

culturais das sociedades em que é concebido. Como afirma Bonfim (1999, p.150), os objetos que<br />

nos cercam são a materialização das idéias e incoerências das nossas sociedades, além de participar<br />

da sua criação cultural. Assim, diz ele, o <strong>Design</strong> tem uma natureza essencialmente especular.<br />

Que sociedade é esta, que o <strong>Design</strong> espelha? Sociedade é um agrupamento de seres humanos individuais,<br />

que se ligam uns aos outros, formando uma pluralidade. De acordo com Elias (1994, p.22)<br />

as sociedades não são pretendidas nem planejadas, e independem das intenções de qualquer dos<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

indivíduos que a compõem. A sociedade assim formada é uma nova entidade, que varia conforme<br />

o lugar ou o momento histórico. Não apresenta um contorno nítido ou uma estrutura definitiva:<br />

está sujeita a permanentes transformações. Contudo, afirma Elias, há uma ordem oculta, não<br />

diretamente perceptível. Como numa peça de teatro, cada um tem um papel nessa sociedade,<br />

tem uma função, uma propriedade ou trabalho específico, algum tipo de tarefa que é para os<br />

outros. As diversas funções tornam-se dependentes umas das outras, formando uma complexa<br />

e altamente diferenciada rede funcional. Uma sociedade, Elias deduz então, é fundamentada<br />

nas relações de interdependência dos indivíduos que a compõem. “E é essa rede de funções que<br />

as pessoas desempenham umas em relação às outras, a ela e nada mais, que chamamos ‘sociedade’.”<br />

(IBID, p.23)<br />

São essas características de interdependência e de relacionamento entre os indivíduos, variáveis<br />

de sociedade para sociedade, que são espelhadas pelo <strong>Design</strong> e seus produtos.<br />

Forty (2007) pretende mostrar de que maneira o <strong>Design</strong> afeta os processos das economias modernas<br />

e é afetado por eles, na medida em que está sempre vinculado a um ideário sobre o mundo<br />

em um determinado momento histórico. Segundo ele, o <strong>Design</strong> nasceu do capitalismo e contribuiu<br />

para a criação da riqueza industrial; ao mesmo tempo exerce influência significativa na nossa<br />

maneira de pensar.<br />

Longe de ser uma atividade artística neutra e inofensiva, o design, por<br />

sua natureza, provoca efeitos muito mais duradouros do que os produtos<br />

efêmeros da mídia porque pode dar formas tangíveis e permanentes<br />

às idéias sobre quem somos e como devemos nos comportar (FORTY,<br />

2007, p.12).<br />

As propostas possíveis para atender às demandas da produção industrial são praticamente infinitas,<br />

colocando em questão a idéia de que a aparência de um produto seria uma expressão direta<br />

da sua função. Se assim fosse, poderia haver uma única forma para todos os objetos com a mesma<br />

finalidade. Porém as diversidades servem para agregar valores: “para criar riqueza, satisfazer o<br />

desejo dos consumidores de expressar seu sentimento de individualidade” (FORTY, 2007, p.22).<br />

Também Desforges (1994, p.17) declara que “os produtos do sistema de produção industrial seriam<br />

todos semelhantes se alguém não interviesse para ‘produzir o signo’ e fazer o que A. Moles<br />

chamou de design do desejo.”<br />

Começamos a perceber, então, que o <strong>Design</strong> produz valores. Dessa forma instaura-se uma questão<br />

ética e ideológica na atividade do designer, já que esta implica em escolhas conscientes e em<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

responsabilidade sobre estas escolhas.<br />

Essa dinâmica torna-se particularmente importante no mundo contemporâneo, quando consideramos<br />

o panorama das relações de produção de significado na perspectiva do pós-modernismo e da<br />

globalização.<br />

O pós-modernismo costuma ser definido por palavras como fragmentação, hibridismo, descentramento,<br />

descontinuidade. Harvey (1992) chama atenção também para a intensa compressão do<br />

espaço-tempo causada pela velocidade das comunicações, a simultaneidade do acesso às informações<br />

em várias partes do mundo, a globalização da produção e a descentralização das empresas<br />

transnacionais. Também Bomfim (1999) observa como as dimensões de tempo e espaço podem<br />

retrair-se ou dilatar-se, e como o mundo, com isso, tornou-se incomensurável. ‘Trata-se de um<br />

espaço sem antes ou depois, já que tudo pode estar presente, para qualquer um, em todo tempo<br />

em qualquer lugar’ (BOMFIM, 1999, p.139).<br />

O resultado é uma extrema volatilidade de modas, produtos, técnicas de produção, idéias, ideologias<br />

e valores estabelecidos.<br />

Considerado dentro desta perspectiva, o <strong>Design</strong> tem o poder, através da produção de signos, de<br />

agregar valores simbólicos aos produtos. O consumidor é atraído para a novidade, quando é criada<br />

nele a repentina sensação de “não poder viver sem aquilo”. Essa nova forma de atração é facilitada<br />

na contemporaneidade pelas técnicas de produção que permitem operações em pequena<br />

escala. É criada assim a ilusão das escolhas pessoais, oferecendo ao consumidor não mais uniformidade,<br />

mas uma pretensa personalização como nova estratégia de sedução e convencimento.<br />

A produção e a comunicação de valores também se realizam através do apelo às identidades de<br />

grupo nas várias “tribos”: no interior do seu grupo social, cada qual está condicionado a usar<br />

trajes, objetos ou rituais específicos, e a adotar uma linguagem ou forma de comportamento determinadas.<br />

O <strong>Design</strong> fortalece a sensação de pertencimento, fornecendo aos indivíduos do grupo<br />

elementos de diferenciação da “grande massa anônima”.<br />

Esse poder de manipulação de mecanismos complexos de produção de signos acarreta uma grande<br />

responsabilidade sobre a interferência na produção de conceitos na sociedade. Portanto, apresenta-se<br />

como condição fundamental para o <strong>Design</strong>, o ato de pensar a cultura e suas representações<br />

possíveis, dentro do contexto social. Como diz Bomfim (1999), uma sociedade é formada pela<br />

produção de seus bens e valores, permitindo, através das suas formas de representação, caracterizar<br />

determinadas culturas.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

Diz o autor, que<br />

... a tarefa do designer se dará através da configuração de formas<br />

poéticas do vir-a-ser. E para que isto ocorra, é necessário mais que<br />

conhecimento em áreas específicas do saber. É preciso o convívio e a<br />

compreensão da trama cultural, o lócus em que a persona se identifica<br />

no seu estar no mundo (BOMFIM, 1999, p.153).<br />

A reflexão teórica precisa, portanto considerar que a questão da ideologia está profundamente<br />

ligada à atividade do <strong>Design</strong>.<br />

O Cinema no <strong>Design</strong><br />

Quando tentamos delinear a área de atuação do <strong>Design</strong>, verificamos que, como constata Bomfim<br />

(1997, p.29) “...uma Teoria do <strong>Design</strong> não terá um campo fixo de conhecimentos, seja ele<br />

linear-vertical (disciplinar), ou linear-horizontal (interdisciplinar), isto é, uma Teoria do <strong>Design</strong> é<br />

instável”.<br />

O <strong>Design</strong> constitui uma área abrangente, com características quase intrínsecas de interdisciplinaridade<br />

e transversalidade. Segundo Couto e Oliveira (1999),<br />

Fertilizando e deixando fertilizar-se por outras áreas de conhecimento,<br />

o <strong>Design</strong> vem-se construindo e reconstruindo em um processo permanente<br />

de ampliação de seus limites, em função das exigências da<br />

época atual. Em linha com esta tendência, sua vocação interdisciplinar<br />

impede um fechamento em torno de conceitos, teorias e autores exclusivos.<br />

Sua natureza multifacetada exige interação, interlocução e<br />

parceria (COUTO e OLIVEIRA, 1999, p.7).<br />

Devido às suas características abrangentes e flutuantes, essa disciplina pressupõe a renúncia a<br />

padrões pré-estabelecidos, permitindo uma redefinição constante do método de abordagem, dos<br />

seus possíveis objetos de estudo e do seu domínio científico.<br />

Compreendendo o projeto de construção de um conceito visual no filme que conjuga aspectos<br />

objetivos e subjetivos com fins comunicacionais e simbólicos, podemos considerar a hipótese de<br />

inserção dessa área de atuação no escopo do <strong>Design</strong>.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

A obra cinematográfica é constituída por um conjunto de representações visuais com um complexo<br />

sistema de significados, que traduzem uma proposição inicial, uma idéia, um conceito. Para<br />

a realização deste projeto são convocados todos os autores que, em maior ou menor grau, participam<br />

da concepção e elaboração da imagem. O desenho visual do filme, atualmente chamado de<br />

“design de produção”, reúne uma série de criações individuais numa unidade integrada, a fim de<br />

constituir um corpo coeso de significação através da representação imagética, constituindo uma<br />

obra coletiva. Porém, mais do que isto, a obra cinematográfica produz signos comunicacionais da<br />

linguagem visual, que propõem seduzir o espectador.<br />

O cineasta japonês Akira Kurosawa declara que o signo mais importante, num filme, é a beleza<br />

cinematográfica. Segundo o autor, é o belo que seduz o olhar do espectador e o conquista para<br />

a obra - que contém sempre uma mensagem ideológica (Kurosawa, 1985). Esse conceito do belo<br />

varia, porém, com as diversas culturas e épocas.<br />

Entramos aqui no domínio da estética, definida como o locus da percepção e da sensação humanas<br />

(do grego aisthesis). Mitry (apud Chateau, 2006, p.14) afirma que o cinema não tem por objetivo<br />

exprimir idéias precisas. A lógica do filme não concerne ao rigor do que está sendo expresso, mas<br />

ao rigor da expressão. Ela está relacionada à estrutura das associações visuais e audiovisuais,<br />

que tem como meta determinar idéias na consciência do espectador. Assim, podemos dizer, em<br />

concordância com a afirmação de Kurosawa, que o cinema produz os seus conceitos e significados<br />

simbólicos através das estruturas formais e estéticas, e pela repercussão que estas produzem no<br />

espectador.<br />

Eagleton (1993) atribui um valor ideológico à estética, e aponta um paradoxo importante na experiência<br />

desta: se, por um lado, representa uma força emancipatória do domínio do pensamento<br />

e da razão, por outro sinaliza o que Max Horkheimer chama de “repressão internalizadora, inserindo<br />

o poder social mais profundamente no corpo daqueles a quem subjuga, operando assim um<br />

modo extremamente eficaz de hegemonia política” (EAGLETON, 1993, p.28).<br />

Dar um significado novo aos prazeres e impulsos do corpo pode acarretar o risco de enfatizá-los<br />

ou intensificá-los para além de um controle possível, levando ao propósito de um domínio mais<br />

eficaz. Segundo Chateau (2006), o estudo da aisthesis do filme abre várias pistas: a primeira<br />

volta-se para o espectro do sensível cinematográfico, em termos das formas de expressão e de<br />

suas combinações, solicitando ordens sensoriais; a segunda, ultrapassando essa noção estreita,<br />

restrita à sensação ou à percepção, alarga a perspectiva ao incluir os afetos e a imaginação; a<br />

terceira considera a maneira segundo a qual a recepção do filme, levando em conta suas propriedades<br />

midiáticas e as condições da sua recepção (o dispositivo espectatorial), determina a atitude<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

humana dentro da sua dimensão estética, onde predomina, entre outras finalidades, a busca do<br />

prazer.<br />

Disso deriva, de acordo com Chateau (2006, p.11), a lógica cinematográfica. Esta lógica se estabelece<br />

quando o público está pronto para sentir antes de compreender, permitindo que o filme se<br />

mostre e se explique a ele. Mas, se essa experiência carrega uma forte carga ideológica, podemos<br />

perceber o poder e a responsabilidade contidos no fazer cinematográfico.<br />

O filósofo Althusser afirma que,<br />

ideologia refere-se principalmente a nossas relações afetivas e inconscientes<br />

com o mundo, aos modos pelos quais, de maneira pré-reflexiva,<br />

estamos vinculados á realidade social. [...]. A ideologia expressa<br />

uma vontade, uma esperança ou uma nostalgia, mais do que descreve<br />

uma realidade (ALTHUSSER apud EAGLETON, 1997, p.30).<br />

Se voltarmos à afirmação de Bonfim, citada no início desse texto, podemos estabelecer o seguinte<br />

paralelo: também os filmes “são a materialização das idéias e incoerências das nossas sociedades,<br />

além de participar da sua criação cultural”. Também a obra cinematográfica é de natureza essencialmente<br />

especular, refletindo a sociedade em que se inscreve, além de contribuir na construção<br />

de uma identidade cultural daquela sociedade.<br />

Também o cinema é produto do capitalismo, e contribui para a criação da riqueza industrial, ao<br />

mesmo tempo em que exerce forte influência sobre a maneira de pensar da coletividade.<br />

Trocas, superposições, aproximações<br />

A arte pode ser colocada na origem de toda “conformação plástica”, ou seja, de qualquer produção<br />

de plasticidade da matéria e das formas. Dubois (2010, p.14) fala de uma “plasticidade artística”,<br />

quando se refere a esta origem fundamental.<br />

Como Eisenstein (2011, p.151) formulou nas suas Anotações para uma Teoria Geral do Cinema, a<br />

arte responde a uma necessidade fundamental do ser humano de “salvar os fenômenos”, e de assim<br />

deter o escoar do tempo. A arte teria, segundo ele, a função essencial de registrar, memorizar<br />

e repetir os fenômenos e os eventos, como uma forma de perpetuar a história e espelhar determinadas<br />

características sócio-culturais.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

Assim, a convergência de <strong>Design</strong> e Cinema, acentuada na contemporaneidade com o surgimento<br />

da tecnologia digital, se concentra essencialmente no denominador comum das artes plásticas,<br />

na medida em que estas também transformam e ampliam o seu espaço de atuação. Através de<br />

objetos, instalações, vídeo-arte, land-art, a arte tornou-se, mais do que nunca, vivenciável e<br />

utilizável, o aspecto formal emergindo do contexto político e cultural. A aproximação de design e<br />

arte torna-se particularmente visível nas propostas da obra dos irmãos Campana, que reúne peças<br />

de arte com projetos para produção industrial num mesmo conceito.<br />

Em New Digital Cinema, Willis (2005, p.46) aponta o surgimento de novos meios de arte visual de<br />

formas híbridas, que se situam na interseção de antigas práticas. Cita o filme digital, os grafismos<br />

em movimento, a animação e a arte de computador como exemplos de desdobramento do design<br />

gráfico, das ilustrações tradicionais e do cinema.<br />

Por outro lado, o cinema se flexibiliza, abandonando a obrigatória sala escura à qual esteve confinado<br />

durante tanto tempo. Retomando a sua original vocação de espetáculo popular, a imagem<br />

em movimento se faz presente nos grandes espaços urbanos através do video-mapping, e está nos<br />

museus e galerias numa superposição de cinema e arte.<br />

No campo do <strong>Design</strong> surgem novas tarefas, como o webdesign, os projetos de abertura de programas<br />

de TV, interfaces de softwares e jogos de computador, cujos projetos incorporam a linguagem<br />

formal do cinema. Como diz Manovich (2002, p.87), na era digital o cinema torna-se um código<br />

- não só em relação ao tratamento visual, mas especialmente em relação aos conceitos e ao ferramental<br />

utilizado.<br />

Segundo Eisenstein (1980) a essência do cinema pré-existe a este nas diversas formas de expressão<br />

das artes visuais, essência essa que se expressa pelo modo cinemático de ver o mundo, de<br />

estruturar o tempo, de narrar uma história, de ligar uma experiência à seguinte, o que Eisenstein<br />

chama de “cinematismo” (EISENSTEIN, 1980, p.8). Esse mesmo modo cinemático constitui também<br />

a base dos produtos culturais acessíveis ao usuário do computador, transformando o cinema,<br />

como verifica Manovich (2002, p.87), no “esperanto visual” preconizado por Griffith e Vertov.<br />

Porém o aglutinador essencial que une <strong>Design</strong> e Cinema (e que tem a sua origem nas artes) é a<br />

produção de afeto através da estética. Costa (2010, p.128), fundamentado em definições de Nicola<br />

Abbagnano e em conceitos de Kant e Deleuze, mostra que “afeto” designa a recepção passiva<br />

de uma ação que influencia ou modifica; e a distinção entre estética e lógica - elaborada por Kant<br />

(apud Costa, 2010, p.127) está no fato de que “todas as intuições, por serem sensíveis, repousam<br />

em afecção, e os conceitos, ao contrário, repousam em funções”.<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

A produção de afeto através da estética propõe seduzir antes de convencer. Sentir antes de compreender,<br />

o princípio estabelecido por Chateau (2006), é a proposta original, no <strong>Design</strong> ou no<br />

Cinema. A sedução é usada como estratégia, seja para tornar o produto atraente ao usuário em<br />

potencial (e assim vendável e lucrativo), seja para atrair o espectador para a narrativa de um<br />

filme. Da mesma forma como, para Kurosawa (1985), é o belo que seduz o olhar do espectador<br />

e o conquista para a obra, a criação da moda ou dos objetos se serve da promoção do belo e da<br />

criação de parâmetros de “bom-gosto” para seduzir e conquistar o consumidor, antes e além da<br />

funcionalidade. É importante lembrar que belo e bom gosto são conceitos flutuantes e impermanentes,<br />

em grande parte manipulados, que variam conforme as culturas e se modificam a cada<br />

momento.<br />

O valor ideológico que Eagleton (1993) atribui à estética, quando afirma que esta se traduz em<br />

poder social com um forte potencial de hegemonia política, ganha aqui contornos bem claros:<br />

ambas as áreas trabalham com a construção de signos que produzem afetos. Estes são recebidos<br />

de forma passiva e antecedem uma compreensão lógica e consciente, carregando uma ideologia<br />

implícita que produz valores e conceitos na sociedade. A responsabilidade ética e política dilui-se,<br />

no entanto, na medida em que a produção, nessas áreas, se desenvolve cada vez mais numa rede<br />

multi-autoral. Isso gera uma lacuna de responsabilidade que demanda a reflexão sobre novos códigos<br />

de ética, como propõe Flusser (2007, p.202), já que, segundo ele, “o eventual desinteresse de<br />

designers por estas questões poderá levar à total ausência de responsabilidade”.<br />

Referências bibliográficas<br />

BOMFIM, Gustavo A. Fundamentos de uma teoria transdisciplinar do <strong>Design</strong>; morfologia dos<br />

objetos de uso e sistemas de comunicação. In Estudos em <strong>Design</strong>, V.V. n.2 Rio de Janeiro:<br />

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Rio de Janeiro: 2AB, 1999.<br />

DESFORGES, Yves. Por um <strong>Design</strong> ideológico. in Estudos em <strong>Design</strong> v.2, n.1, julho 1994<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Cinema na sociedade contemporânea: trocas, superposições, aproximações<br />

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ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994<br />

FLUSSER, Vilén. O mundo codificado. São Paulo: Cosac-Naify, 2007.<br />

FORTY, Adrian. Objetos de Desejo - design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac-Naify,<br />

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HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992.<br />

KUROSAWA, Akira. in Japão, uma viagem no tempo: Kurosawa, pintor de imagens, documentário<br />

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MANOVICH, Lev. The language of new media. Cambridge: MIT Press, 2002<br />

WILLIS, Holly. New digital cinema: reinventing the moving image. London: Wallflower, 2005.<br />

ZIBEL COSTA, Carlos. Além das Formas. São Paulo: Annablume, 2010.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O processo de design de games<br />

Delmar Galisi Domingues Doutor/<strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

delmar@anhembi.br<br />

Rejane Spitz Doutor/ Pontifícia <strong>Universidade</strong> Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio<br />

rejane@puc-rio.br<br />

Resumo<br />

Este artigo apura se as denominadas fases do processo de design são passíveis de<br />

serem incluídas dentro do ciclo de concepção, projeto e produção de um jogo<br />

digital. Mediante esta análise pretende-se, de certo modo, legitimar a expressão<br />

design de games, e compreender que um jogo digital pode ser enquadrado como<br />

um objeto de design, do mesmo modo que produtos que já são tradicionalmente<br />

projetados dentro desse processo, como, por exemplo, uma cadeira ou um automóvel.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Design</strong> de games, processo de design, game design<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O processo de design de games<br />

Introdução<br />

O processo de design é um conceito que está vinculado ao dia a dia do designer, de seu ofício, de<br />

sua relação com o objeto que está sendo desenvolvido e com os outros profissionais envolvidos. Há<br />

muitos modos de se compreender o processo de design. Löbach (2001) divide-o em quatro fases:<br />

análise do problema, geração de alternativas, avaliação das alternativas e realização da solução.<br />

Jones (1992) afirma que o processo contempla três fases: análise (fragmentação do problema em<br />

diferentes partes), síntese (rearranjo das partes) e avaliação (validação do novo arranjo). Já Bonsiepe<br />

(1978) divide o processo em estruturação do problema, desenvolvimento (das alternativas)<br />

e realização.<br />

Podemos, portanto, sintetizar o processo de design em três fases distintas: 1. conceituação, com<br />

base na problematização e no levantamento de dados, 2. desenvolvimento e seleção das alternativas<br />

e 3. realização ou produção. Löbach insere uma quarta fase, a de avaliação, apenas para<br />

evidenciar que no final do processo é preciso fazer uma última averiguação do produto junto a seu<br />

público usuário. É importante lembrar que Löbach é um autor relacionado à confecção de objetos<br />

industriais, que, por tradição e necessidade, desenvolve pilotos para teste e avaliação no final do<br />

ciclo. Por outro lado, veremos, mais adiante, que é cada vez mais ressaltada a necessidade de<br />

realizar-se testes e avaliações durante todo o processo; algo que é ainda mais evidenciado pela<br />

disciplina denominada <strong>Design</strong> de Interação.<br />

Tradicionalmente, a atividade intelectual está concentrada na primeira fase do design; enquanto<br />

as atividades produtivas são executadas, mormente, na terceira fase, a de realização. A segunda<br />

fase contempla uma divisão mais ou menos equilibrada entre as atividades de produção e de reflexão.<br />

Evidentemente isto vai depender do tipo de jogo. O designer de games, em tese, teria,<br />

portanto, uma maior atuação na primeira fase (levantamento de dados do problema, conceituação),<br />

uma atuação forte na segunda fase (desenvolvimento e projeto) e uma atuação de supervisão<br />

na fase de produção. Mas este modelo vem sendo revisto nos últimos anos, particularmente<br />

com o advento dos objetos interativos contemporâneos, que solicitam avaliações e revisões projetuais<br />

durante todo o processo de design. Um objeto vai sendo conceituado (atividade intelectual),<br />

implementado em partes (atividade produtiva) e testado num processo cíclico.<br />

O que nos parece importante, no entanto, é compreender como o designer de games atua no<br />

processo e qual sua relação com os diversos profissionais. Neste sentido, Adams e Rollings (2007)<br />

dividem o processo de design de games em três estágios, classificando-os pelo viés da atuação do<br />

designer de games. Na primeira fase, denominada Estágio de Conceito, o designer toma algumas<br />

decisões que não devem ser alteradas, como a definição do conceito central do jogo, da audiência<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O processo de design de games<br />

(público-alvo) e do gênero. O segundo é o Estágio de Elaboração, ao qual o designer adiciona os<br />

detalhes do projeto e os vai revisando em função de testes em protótipos. No último, denominado<br />

Estágio de Afinação, o design do game deve estar fechado, mas há ainda espaço para ajustes finos.<br />

Deste modo, o designer tem ainda papel ativo, embora o game já esteja em fase de produção. É<br />

um estágio de processo subtrativo, mais do que aditivo, de eliminação de imperfeições.<br />

De qualquer modo, os três estágios do designer não diferem das três fases do processo de design.<br />

Há, na realidade, uma sincronia entre os dois percursos: o primeiro estágio, o de conceito,<br />

está inserido na primeira fase do processo de design, o de conceituação. O segundo estágio, de<br />

elaboração, está contido na fase de desenvolvimento do design. E no terceiro estágio, quando o<br />

designer está em processo de afinação de seus elementos, o processo de design está em sua fase<br />

de realização. Estamos falando, portanto, do mesmo processo.<br />

O designer de games e o estágio de conceituação<br />

Como acontece com a maioria dos produtos criados pelo processo do <strong>Design</strong>, objetos são criados<br />

com base em necessidades identificadas pela sociedade. Isto pode ser desencadeado pela encomenda<br />

de um industrial ou pela percepção inovadora de um designer. Além disso, o designer também<br />

atua no redesign de alguns objetos já existentes, que sofrem alterações em função de outras<br />

necessidades, de ajustes de projeto ou por conta de mudanças na própria sociedade.<br />

Na área de games não é diferente. Alguns jogos digitais nascem da encomenda de diversos publishers<br />

(publicadoras, editoras), que identificam oportunidades ou necessidades, e procuram as<br />

produtoras de games com solicitações específicas. Por exemplo, desenvolver um game que seja a<br />

adaptação de um novo filme ou a produção de um jogo que seja o redesign de um game que foi<br />

lançado no início dos anos 1990. Muitas publicadoras optam, obedecendo a motivos comerciais,<br />

por definir antecipadamente o gênero do game; algo que facilita as vendas, mas, de certo modo,<br />

engessa o processo criativo do designer. Quando Adams e Rollings (2007) afirmam que uma vez<br />

definido, o gênero não deve ser alterado, isto se deve muito mais a motivos de marketing. De<br />

certa forma, isto também vale para o público-alvo. Há encomendas que partem da identificação<br />

de lacunas no mercado, como games para meninas, por exemplo. Embora seja uma prática fundamental<br />

do processo de design, já que a definição do público-alvo é um elemento definidor do<br />

próprio objeto, há também um aspecto comercial por trás dessa escolha.<br />

Existe da mesma forma o surgimento de diversos jogos indies [1], que são produzidos com a criação<br />

de um designer ou de um grupo de novos produtores, baseados em ideias autorais ou mesmo<br />

em sua própria percepção de novas demandas da comunidade de jogadores. Muitos jogos indies,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O processo de design de games<br />

dependendo do sucesso, têm seus direitos comprados pelos publishers e tornam-se marcas tão<br />

difundidas quanto aquelas criadas no processo convencional desencadeado pelo mercado.<br />

Uma vez procuradas para o desenvolvimento de um novo produto, ou quando elas mesmas resolvem<br />

criar as suas próprias produções independentes, as produtoras iniciam o processo de concepção<br />

do game. Esta é a fase de geração de ideias. Embora, segundo Fullerton (2004), ela esteja<br />

presente em todos os momentos do processo de design, não há como negar que as ideias matrizes,<br />

ou conceitos gerais (high concepts) – denominação que os próprios designers gostam de usar –, são<br />

definidas neste estágio.<br />

Segundo Schuytema (2008), é muito variado o grau de liberdade que um designer pode usufruir<br />

ao formatar suas ideias iniciais. Para ele, há casos entre os dois extremos, desde aqueles em que<br />

o designer dispõe de “toneladas de liberdade” – por exemplo, quando o publisher simplesmente<br />

solicita o desenvolvimento de um shooter em primeira pessoa, cujo personagem tem alguma<br />

característica especial – até encomendas de jogos com diversos detalhes já definidos. Neste caso,<br />

o autor cita Mahjongg, game que criou para a empresa eGames, cujas regras já estavam bem<br />

delineadas; e a lista de recursos estava previamente estabelecida pelo editor, com base em um<br />

documento que apresentava os itens devendo estar presentes no jogo. Portanto, a necessidade de<br />

pesquisa e levantamento de dados para a solução do problema também varia para cada projeto.<br />

É importante apontar essa questão, pois projetos que surgem de certas demandas específicas –<br />

por exemplo, o redesign de um jogo – solicitam um método de compreensão do problema muito<br />

diferente do exigido para um game concebido a partir do zero, como aqueles criados quando um<br />

publisher ou mesmo um designer intui ou descobre, através de pesquisas, que uma determinada<br />

temática pode provocar grande demanda pelo produto. Na criação de um game com base neste<br />

tipo de encomenda, que dá ao designer muito mais liberdade de criação, é mais difícil falar em<br />

necessidade do usuário. Neste momento, desponta no designer um papel mais de autor do que de<br />

um profissional que atende a uma demanda da sociedade. Dunniway e Novak (2005) afirmam que,<br />

nesse caso, os designers criam novos games com base em uma mecânica de jogo inovadora, uma<br />

nova tecnologia que foi disponibilizada, um conceito de arte diferente, um novo enredo. Qualquer<br />

um desses exemplos pode ser o ponto de partida para estabelecer as primeiras ideias. Por outro<br />

lado, redesigns de games antigos ou reedições de games atuais permitem aplicar com mais propriedade<br />

os métodos do <strong>Design</strong> de Interação, que buscam soluções em resposta a necessidades já<br />

definidas.<br />

Por outro lado, Dunniway e Novak (2005) afirmam que nesse momento o designer faz diversas perguntas<br />

a si mesmo, sobre qual é a essência do jogo; quem é o jogador; o que, como, onde e por<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O processo de design de games<br />

que ele quer fazer isso; que tipo de tecnologia e com quem vai fazer isso; e quais as características<br />

que fazem do jogo algo diferente. Portanto, independentemente do grau de liberdade que<br />

o designer tem na fase de concepção, atualmente nenhum projeto prescinde de algum tipo de<br />

consulta ao público usuário, à equipe técnica, ou por meio do levantamento de dados de diversas<br />

fontes de pesquisa.<br />

Schuytema (2008) afirma que o designer, por ser considerado o profissional das ideias nessa fase<br />

do processo de design de games, chama todos os envolvidos para participar: de programadores e<br />

profissionais de marketing a alguns usuários. Para esse autor, é importante que todos deem seu<br />

parecer técnico ou pessoal com base nas ideias preliminares, principalmente porque a maioria<br />

dos projetos de games tem diversos requisitos específicos, sejam eles comerciais, tecnológicos<br />

ou mesmo provenientes da solicitação dos próprios usuários. Não é à toa que muitas empresas de<br />

games chamam os diversos agentes envolvidos para participar dos tradicionais brainstormings ou<br />

de outras técnicas para geração de alternativas.<br />

Na área de games, portanto, é comum que todo esse processo desemboque na definição do que<br />

se chama conceito geral (high concept). Bates (2001) afirma que o grande objetivo da primeira<br />

fase do processo de desenvolvimento de um game é achar a ideia que envolve o conceito geral do<br />

jogo. Segundo esse autor (idem, ibidem, p. 5), “o conceito geral é uma resposta de uma ou duas<br />

sentenças para a seguinte questão, ‘o seu jogo é sobre o quê?’ Muitos publishers acreditam que se<br />

seu game não puder ser reduzido a um sumário breve como este, ele não tem chance de sucesso”.<br />

Há duas explicações que justificam a existência dessa prática na indústria de games. A primeira<br />

é de cunho comercial. Comumente, os desenvolvedores demonstram a ideia central do jogo para<br />

seus publishers ou investidores com base em uma apresentação (pitching) do conceito geral do<br />

jogo. Segundo Schell (2008, p. 424), “quando a equipe concorda com o conceito do jogo, é feito<br />

um pitching para o investidor a fim de obter aprovação para construir um protótipo”. A prática é<br />

tão comum, que há mesmo um documento da IGDA [2], Game Submission Guide, que detalha algumas<br />

práticas de como vender seu conceito. Conferências comerciais, como a E3 [3], ou acadêmicas,<br />

como a GDC [4], são momentos em que os publishers ou investidores se reúnem para assistir<br />

aos pitchings de conceitos de designers ou desenvolvedores.<br />

A segunda justificativa provém do próprio processo. O conceito geral do jogo assemelha-se muito<br />

à storyline de um filme. Comparato (1983, p.53) afirma que a storyline “é o termo que designa o<br />

enredo, a trama de uma história. Como uma ‘storyline’ deve ter no máximo cinco linhas, deduz-se<br />

que ‘storyline’ é a síntese da história”. Da mesma forma que a storyline “serve de base, de ponto<br />

de partida” (IBIDEM, p.54) para a criação de um filme, o conceito geral do jogo é o elemento<br />

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O processo de design de games<br />

norteador para o desenvolvimento do game.<br />

Para que o conceito seja mais bem constituído, o designer, em conjunto com sua equipe, define<br />

também o contexto em que o jogo será inserido, aquilo que gira ao redor do jogo e que também<br />

o envolve. Como dissemos, os games não descrevem somente sistemas abstratos, recheados de<br />

desafios. A maioria dos games de hoje contempla uma história, com personagens e elementos<br />

dramáticos. Fullerton et al. (2004, p. 91) chamam esta característica de premissa: “[...] para que<br />

os jogadores se conectem emocionalmente com o jogo, o designer de games cria uma premissa<br />

dramática que revista o sistema formal. Portanto, a premissa está estritamente ligada ao conceito<br />

(high concept) do jogo. A bem da verdade, muitos conceitos de games são criados com base na<br />

definição da premissa, e as regras são encaixadas posteriormente.<br />

Definido o conceito do jogo, a maioria dos autores e designers de games (Fullerton, Dunniway,<br />

Schell, Schuytema, Bates, Adams, entre outros) entende que o próximo passo é estruturar a<br />

mecânica do jogo. Para Adams e Rollings (2007)<br />

a mecânica do jogo é o coração de qualquer game, porque ela resulta<br />

na jogabilidade. Ela define os desafios que o jogo pode oferecer<br />

e as ações que o jogador pode executar no encontro destes desafios. A<br />

mecânica também determina o efeito das ações do jogador dentro do<br />

ambiente do jogo. A mecânica estabelece as condições para se atingir<br />

os objetivos do jogo e quais as consequências que se seguem ao atingilas,<br />

seja no sucesso ou no fracasso (ADAMS e ROLLINGS, 2007, p.43).<br />

Nesse momento, o que se define é o conceito mecânico, estabelecido por alguns de seus elementos<br />

formais, que dizem qual é o objetivo do jogador, o que ele pode fazer para conquistar este<br />

objetivo (as regras preliminares), como obter êxito no percurso (premiação, pontuação), o que o<br />

vai impedir de conquistar (conflitos) o objetivo, como ele vai se movimentar ou coletar recursos<br />

que o auxiliem, entre outras questões. Na língua inglesa, os designers costumam denominar este<br />

conjunto como core mechanics, ou seja, algo como a essência da mecânica do jogo ou a mecânica<br />

básica.<br />

A maioria dos designers entende que o melhor caminho, nessa fase do processo, é criar protótipos<br />

funcionais, que testem a mecânica básica do jogo a ser elaborada. Para Fullerton et al. (2004),<br />

o quanto antes o protótipo for desenvolvido, melhor para a equipe, mesmo que não seja possível<br />

envolver ainda o público-alvo – algo desejável –, mas difícil de ser desencadeado. Lewis Pulsipher<br />

(2010) chama esta fase de “Solo Testing”, já que o protótipo é avaliado pelo próprio designer. O<br />

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O processo de design de games<br />

objetivo não é somente testar, mas sim testar criando, ou criar testando. Pulsipher diz que é o<br />

momento de o designer jogar, revisar, jogar, revisar, jogar, revisar, até que ele se sinta seguro<br />

para afirmar quais são as alternativas que melhor atendem aos requisitos e necessidades do<br />

projeto.<br />

Portanto, nessa fase, o designer está trabalhando mormente pela criação da mecânica do<br />

jogo, e não com outros elementos do funcionamento, como aqueles sugeridos pelos princípios<br />

da usabilidade, ou ainda com questões tecnológicas, como verificar se a resposta a determinado<br />

controle está funcionando conforme o programado. Estas questões são avaliadas na fase<br />

seguinte, e, portanto, necessitam do envolvimento de programadores.<br />

Por outro lado, ainda nessa fase, o designer talvez já precise de programadores, pois pode<br />

optar por testar a mecânica do jogo com base em protótipos digitais. Como alternativa, na<br />

ausência de programadores, o designer pode testar a mecânica com protótipos de papel.<br />

É importante ressaltar, no entanto, que o designer de games já está desempenhando, nessa<br />

fase, um papel de designer, ao projetar a mecânica do jogo; mas ainda pouco se preocupa com<br />

outros elementos, particularmente o design da interface, a história ou o level design. Nessa<br />

fase, o designer define o conceito geral (high concept), o público-alvo, a premissa e o conceito<br />

mecânico do jogo. Após finalizado este processo, podemos afirmar – embora, formalmente,<br />

não haja rigor algum que defina os limites entre cada fase – que é o momento de seguir para<br />

o próximo estágio, que prevê o desenvolvimento das alternativas selecionadas.<br />

O designer de games e o estágio de elaboração<br />

A partir do momento em que o designer seleciona a melhor alternativa, a equipe entra na fase de<br />

desenvolvimento, a qual prevê que cada membro responda pela projetação de sua parte do jogo.<br />

Os artistas precisam elaborar os primeiros sketches, os animadores começam a desenvolver os<br />

primeiros sprites, os programadores começam a estruturar a engenharia do software.<br />

O designer, por outro lado, precisa detalhar os elementos do jogo que estão sob seu controle,<br />

sejam eles vinculados à mecânica, à história ou aos elementos estéticos. Ou seja, o designer deve<br />

desenvolver melhor a história (às vezes na forma de um roteiro), definir as características funcionais<br />

e psicológicas dos personagens, detalhar a estrutura de ambientes com base nos níveis do<br />

jogo, e, também, estabelecer junto com os artistas uma direção de arte para o jogo.<br />

Nesse estágio, de modo algum ele abandona a mecânica do jogo, que também precisa ser muito<br />

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O processo de design de games<br />

mais detalhada. No primeiro estágio, o designer havia elaborado um conjunto geral de regras, mas<br />

não sabe ainda como comunicá-las. Para Adams e Rollings (2007), a mecânica precisa ser destrinchada<br />

detalhadamente, ponto a ponto, e, para ilustrar, descrevem algo do tipo:<br />

quando o avatar entra no pântano, os cogumelos negros começam a<br />

emitir um gás venenoso, o qual o jogador pode ver preenchendo a tela,<br />

começando na parte inferior e elevando-se à taxa de uma polegada<br />

relativa ao mundo do jogo a cada três segundos; passados 3 minutos,<br />

o gás irá atingir a altura do rosto do avatar, e, se neste momento o<br />

avatar ainda estiver no pântano, o avatar morre. Se o avatar retornar<br />

ao pântano mais tarde, o gás será detonado, mas o processo começa<br />

novamente do início (IBIDEM, p.317).<br />

Os autores afirmam que nessa sentença, composta de “quando”, “se”, “polegadas” e “minutos”,<br />

estão presentes dados que comunicam a regra do jogo de forma mais precisa. Para expressá-la,<br />

portanto, o designer precisa rever (recriar) os protótipos para que eles possam definir os detalhes<br />

que estão faltando, testar as regras novamente, para, finalmente, poder descrevê-las a<br />

toda a equipe, particularmente aos programadores, que serão os responsáveis por implementar a<br />

mecânica em forma de algoritmo. A mecânica do jogo, portanto, é a definição clara destas regras.<br />

Neste movimento, o level design está também sendo construído, seja pelo próprio designer ou<br />

com o apoio do level designer, se houver um na equipe.<br />

Percebe-se, também, que a mecânica do jogo começa a agregar a seu funcionamento os elementos<br />

da interface, da história, assim como, muitas vezes, alguns elementos estéticos, principalmente<br />

se eles são importantes para a compreensão da mecânica. Por exemplo, um efeito sonoro<br />

pode ser fundamental para que o jogador consiga conquistar determinada missão. Os elementos<br />

do design de interface e de interação (incluindo os controles) já se tornam, por outro lado, elementos<br />

fundamentais.<br />

A comunicação pode ser feita por um novo protótipo ou por uma documentação posterior, que<br />

demonstre o jogo detonado (walkthrough) [5]. A representação da partida pode ser feita também<br />

em formato de texto, como se fosse o argumento de um filme, ou por meio de imagens paradas<br />

(um storyboard, por exemplo), ou ainda imagens em movimento (uma animação). É como se uma<br />

partida fosse filmada completamente.<br />

Os testes do funcionamento, nesse estágio, têm de ser realizados de uma forma mais cuidadosa<br />

do que na fase de concepção. Pulsipher (2010) chama esta fase de “Local Testing”, já que é, em<br />

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O processo de design de games<br />

geral, realizada com a própria equipe. É possível, com base na sugestão de Tracy Fullerton, utilizar<br />

os próprios usuários para testar, mas isto vai depender muito da forma com que o protótipo foi<br />

construído. Se o protótipo não oferecer uma estrutura clara do funcionamento e do objetivo do<br />

teste, o usuário pode confundir-se, e a avaliação vai apontar para resultados falhos. De qualquer<br />

forma, nessa fase, o protótipo da mecânica já é mais fiel ao produto final, sendo realizado pelo<br />

programador (e por outros profissionais, conforme a necessidade), sob a supervisão do designer.<br />

Enquanto isso, o restante da equipe continua a realizar experimentações e explorações dentro de<br />

seu escopo de trabalho. Modeladores testam texturas, designers de som pesquisam e desenvolvem<br />

diversos efeitos, programadores começam a escrever os primeiros algoritmos para a engine [6]<br />

do jogo. Apenas os melhores resultados seguirão adiante, para a fase de realização. Em geral, a<br />

concepção geral do jogo desemboca na elaboração do documento de projeto, conhecido como<br />

GDD (Game <strong>Design</strong> Document), o projeto descritivo do game, que inclui a descrição completa da<br />

mecânica do jogo, a definição de todos os elementos estéticos (projeto de som e design do cenário<br />

e personagens), a história e seus elementos constituintes (por exemplo, o perfil psicológico dos<br />

personagens), o level design e o design da interface.<br />

O designer de games e o estágio de afinação<br />

Na fase de realização, em que a equipe de produção – programadores, artistas 2D e 3D, designers<br />

de som, entre outros – está a todo o vapor, de modo algum o designer fica parado: ele entra<br />

num estágio de afinação dos itens que estão sob seu controle. O designer terá de “trabalhar com<br />

os membros da equipe para certificar-se de que cada aspecto do design está sendo corretamente<br />

atingido conforme o documento” (FULLERTON et al., 2004, p.15). Como sugere Buxton (2007), o<br />

designer tem que continuar sempre acompanhando o processo de design de perto, que no caso dos<br />

games significa ajustar, rever questões relativas tanto aos elementos contextuais, quanto aos da<br />

mecânica. No estágio final do processo, os testes continuam, agora com protótipos que se aproximam<br />

de como será o produto finalizado.<br />

Segundo Pulsipher (2010), o processo entra, finalmente, na etapa de “Blind/External Testing”,<br />

que é realizado com pessoas que não se envolveram com o processo de <strong>Design</strong> e que estejam<br />

dentro do público-alvo do jogo. Nessa fase, o designer começa também a definir o produto tecnicamente,<br />

a escrever manuais de instruções e a projetar tutoriais, conforme a necessidade. É importante<br />

também deixar o documento de design de games (GDD) atualizado, pois, muitas vezes,<br />

ele é utilizado como referência para os testes finais.<br />

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O processo de design de games<br />

Sintetizando o processo<br />

Quando estiver se aproximando do final do terceiro estágio, o de afinação, o designer começará a<br />

trabalhar mais diretamente com o diretor de Quality Assurance (QA) [7], definindo os parâmetros<br />

para o teste final com os usuários, que será desencadeado com base em um protótipo que possui<br />

alta fidelidade em relação ao produto final. Neste momento, designers de games, programadores<br />

e profissionais de QA trabalham juntos para resolver bugs ou problemas de interface e controle. É<br />

o momento de refinamento. Segundo Steve Ackrich (citado em Fullerton et al., 2004, p. 356), “70%<br />

da qualidade de um jogo provêm dos últimos 10% do desenvolvimento”. A ideia, nesse momento,<br />

é avaliar a qualidade do funcionamento, pois a mecânica básica já deveria estar constituída. Para<br />

alguns designers, como Fullerton et al. (2004) ou Adams e Rollings (2007), é temerário fazer mudanças<br />

significativas na mecânica do jogo nesse momento, pois isso pode significar que terão de<br />

ser realizadas mudanças significativas na estrutura do jogo como um todo. Ou seja, é preciso que<br />

o designer de games, quando chega essa fase, tenha segurança de que o game conta com uma boa<br />

mecânica, seja divertido e desafiador. O usuário que faz os testes finais deveria, pelo menos nas<br />

condições ideais, ater-se apenas ao funcionamento do game.<br />

Para que isso ocorra com segurança, designers têm criado mecanismos para assegurar que alguns<br />

itens estruturais cheguem ao final do processo sem o risco de terem que ser modificados substancialmente<br />

no final. Durante a descrição do processo, vimos, de modo muito breve, que os designers<br />

de games têm trabalhado dentro de um ciclo que alterna exercícios de concepção, avaliação<br />

das ideias por protótipos, com a execução da solução escolhida. Podemos afirmar, portanto que,<br />

se os testes finais, cuja execução é liderada pelos profissionais de QA (Quality Assurance), propiciam<br />

que se chegue à síntese do produto, por outro lado, estes testes também sintetizam todo um<br />

processo que pode ser resumido por um ciclo iterativo de conceituação-desenvolvimento-testeavaliação-realização.<br />

O processo de design de games, portanto, nesse aspecto, não se distingue do processo de design<br />

de outros objetos, particularmente dos produtos de mídias interativas. Diante da proliferação de<br />

novos produtos digitais, interativos e multifuncionais, o design tem procurado inverter seu eixo de<br />

projetação: deixa de ser um design centrado no produto para ser um design centrado no usuário.<br />

Ou seja, ao projetar, o designer situa-se no papel do usuário, e, em seu processo de criação, ele<br />

projeta ao mesmo tempo em que usa, em ciclo contínuo.<br />

Os métodos desse que é um design de interação baseiam-se na experiência iterativa de testar o<br />

objeto ou sistema ao mesmo tempo em que ele está sendo projetado. Muitos autores têm escrito<br />

sobre este processo, denominado iterativo, e que pertence a uma vertente chamada design de<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O processo de design de games<br />

interação. Como ponto de partida, esta modalidade de design e o estudo que tem sido gerado<br />

em torno dela são, portanto, um referencial teórico fundamental, podendo trazer algumas contribuições<br />

para o design de games, como um desdobramento deste estudo.<br />

Notas<br />

[1] Jogos indies são jogos independentes, que não são produzidos com base no processo convencional<br />

de encomenda de um publisher, mas da iniciativa isolada de um ou mais produtores.<br />

[2] A IGDA é a sigla do nome em inglês da Associação Internacional de Desenvolvedores de Games.<br />

O documento citado pode ser obtido em .<br />

[3] A E3 é a maior feira internacional de games do mundo, e é realizada anualmente nos Estados<br />

Unidos.<br />

[4] A Game Developer Conference (GDC) é uma conferência sobre games que ocorre anualmente<br />

nos Estados Unidos.<br />

[5] Walkthrough, que pode ser traduzido aproximadamente como jogo ou partida “detonada”, ou<br />

completada, é um termo que define o registro de uma partida inteira, representada do início ao<br />

fim.<br />

[6] A engine é uma espécie de motor do jogo, do ponto de vista algorítmico. Adams e Rollings<br />

(2007) afirmam que a engine do jogo é a parte do software que implementa as regras do jogo.<br />

Como a mecânica do jogo soletra as regras em detalhes, na prática ela também está dizendo o<br />

que a engine fará.<br />

[7] O diretor de Quality Assurance (QA) é o responsável por dirigir as ações de controle de qualidade<br />

e avaliações finais de um produto para que ele chegue com segurança ao mercado consumidor.<br />

Referências<br />

ADAMS, Ernest; ROLLINGS, Andrew. Fundamentals of Game <strong>Design</strong>. New Jersey (NJ): Pearson<br />

Prentice Hall, 2007.<br />

BATES, Bob. Game <strong>Design</strong>: The Art and Business of Creating Games. Roseville (CA): Prima Publishing,<br />

2001.<br />

BONSIEPE, Gui. Teoría y práctica del diseño industrial. Barcelona: Gustavo Gili, 1978.<br />

BUXTON, Bill. Sketching User Experiences: Getting the <strong>Design</strong> Right and the Right <strong>Design</strong>. San<br />

Francisco (CA): Morgan Kaufmann Publishers, 2007.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O processo de design de games<br />

COMPARATO, Doc. Roteiro: arte e técnica de escrever para cinema e televisão. Rio de Janeiro:<br />

Nórdica, 1983.<br />

DUNNIWAY, Troy; NOVAK, Jeannie. Gameplay Mechanics. Nova York: Cengage Learning, 2005.<br />

FULLERTON, Tracy; SWAIN, Christopher; HOFFMAN, Steven. Game <strong>Design</strong> Workshop: <strong>Design</strong>ing,<br />

Prototyping and Playtesting Games. San Francisco (CA): CMPBooks, 2004.<br />

JONES, John Chris. <strong>Design</strong> Methods. Nova York: John Wiley & Sons, 1992.<br />

LÖBACH, Bernd. <strong>Design</strong> industrial: bases para configuração dos produtos industriais. São Paulo:<br />

Edgard Blücher, 2001.<br />

PULSIPHER, Lewis. Playtesting Is Sovereign. Disponível em . Postado em 10 de agosto de 2010. Acessado<br />

em 12 de agosto de 2010, 17h29.<br />

SCHELL, Jesse. The Art of Game <strong>Design</strong>. Burlington (MA): Morgan Kaufmann Publishers, 2008.<br />

SCHUYTEMA, Paul. <strong>Design</strong> de games: uma abordagem prática. São Paulo: Cengage Learning, 2008.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e<br />

das possibilidades<br />

Priscilla Maria Cardoso Garone. Mestre em <strong>Design</strong>. UFES - <strong>Universidade</strong> Federal do Espírito<br />

Santo. prigarone@gmail.com<br />

Bianca Paneto Bernardi. Graduada em <strong>Design</strong>. UFES - <strong>Universidade</strong> Federal do Espírito<br />

Santo. bpanetobernardi@gmail.com<br />

Márcia Ramos do Santos. Graduada em <strong>Design</strong>. UFES - <strong>Universidade</strong> Federal do Espírito<br />

Santo. marciaramos20@gmail.com<br />

Resumo<br />

O presente estudo destina-se à elucidação das histórias em quadrinhos, sua linguagem,<br />

características e principais elementos que a compõem enquanto mídia<br />

impressa, e de que forma a mídia digital influencia e contribui com novas possibilidades<br />

de experimentação, planejamento, execução, distribuição e leitura,<br />

através da hipermídia e da interatividade. Propõe também uma discussão acerca<br />

das possibilidades trazidas pela internet a essa forma de arte e entretenimento.<br />

Palavras-chave:<br />

Histórias em quadrinhos, hipermídia, internet.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

Introdução<br />

As Histórias em Quadrinhos configuram uma área de extrema importância para a expressão gráfica,<br />

comunicação, entretenimento, artes e design, e muitas pesquisas surgiram na tentativa de<br />

investigar sua linguagem. No contexto nacional, estudos evidenciam a importância do tema. No<br />

entanto, há ainda a necessidade de realização de mais pesquisas visando fomentar o desenvolvimento,<br />

visto que ainda é um campo de estudo relativamente recente.<br />

As Histórias em Quadrinhos constituem um recente campo de estudo e pesquisa interdisciplinar.<br />

Luyten (1985) considera que o quadrinho moderno emergiu no âmbito da indústria americana em<br />

meados do século XIX, e atualmente, esta área de estudo no Brasil vem despertando interesse de<br />

diversos estudiosos e pesquisadores.<br />

De maneira geral, podemos entender por Histórias em Quadrinhos como uma narrativa gráficovisual.<br />

Alguns pesquisadores tendem a definir o termo, como Cirne (1977), que o estabelece como<br />

uma forma de expressão artística, que possui linguagem, códigos e regras próprias. Eisner (2001)<br />

contempla a definição destacando Histórias em Quadrinhos como a arte seqüencial. McCloud<br />

(1993) esclarece denominando Histórias em Quadrinhos como desenhos ou imagens justapostas<br />

em uma seqüência deliberada com a intenção de levar informação e/ou produzir uma resposta<br />

estética no leitor.<br />

A primeira parte do estudo compreenderá um breve histórico do surgimento do quadrinho moderno,<br />

enquanto mídia impressa, e o surgimento do quadrinho no meio digital. Em seguida, este<br />

estudo evidenciará de que forma os recursos digitais contribuíram para o processo de evolução da<br />

linguagem e mudança nas técnicas de representação e comunicação.<br />

As conclusões obtidas apontam para uma vinculação entre Histórias em Quadrinhos e o meio digital<br />

relacionada a uma linguagem híbrida, assumindo caráter de arte em potencial com organização<br />

e distribuição facilitadas pela internet, que vem modificando o modo de pensar, projetar,<br />

reproduzir e ler este objeto de comunicação e entretenimento.<br />

1.Histórias em Quadrinhos Impressas<br />

Os estudiosos não se arriscam a datar o início da história das Histórias em Quadrinhos, mas todos<br />

concordam que a origem é antiga. Muitos reconhecem as pinturas egípcias, a tapeçaria produzida<br />

na França relatando a Conquista da Normandia, as iluminuras, vitrais religiosos e os manuscritos<br />

pré-colombianos como quadrinhos dos primórdios. Todos estes fizeram uso da representação, de<br />

ícones, ou seja, de algo que refere (SANTAELLA, 1995) para atingir o objetivo de transmitir infor-<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

mações seqüenciais.<br />

O homem sempre sentiu a necessidade de registrar fatos ou idéias, e por vezes não era possível<br />

fazê-lo com apenas uma ilustração. Desenhava-se em sucessão, de forma organizada e seqüencial.<br />

Não existe uma data que marca o início de toda esta história, como citado anteriormente, mas<br />

muitos são os antecessores desta arte.<br />

Por milhares de anos a principal forma de comunicação entre os homens ocorria por meio da<br />

linguagem verbal e de modo gradual o homem começou a se comunicar através de desenhos. Mc-<br />

Cloud (1993) aponta que há cerca de 40.000 anos as pinturas rupestres surgiram e Janson (1993)<br />

explana que pertencem ao Paleolítico Final, que começou há cerca de 35.000 anos, as mais antigas<br />

obras de arte desconhecidas.<br />

É fato que ao longo da evolução das histórias em quadrinhos vimos que são feitos uso de palavras<br />

além de imagens, e muitas vezes a combinação destes dois elementos pode resultar numa interessante<br />

mensagem. É importante lembrar que nem todos os quadrinhos de uma história possuem<br />

apenas palavras ou apenas imagens ou obrigatoriamente os dois elementos, pois não existe regra<br />

nem limite nesta arte gráfica narrativa.<br />

Também denominada como arte seqüencial por Eisner (2001), a compreensão dos quadrinhos se<br />

dá a partir da leitura em uma determinada seqüência. O objetivo dos quadrinhos é contar uma<br />

história, um evento, que geralmente inclui imagens e palavras, mas também existem histórias<br />

mais curtas e até mesmo as denominadas tirinhas, que são compostas por poucos quadros.<br />

É importante ressaltar que quadrinhos têm por objetivo transmitir uma idéia, contar uma história<br />

ou um evento. As Histórias me Quadrinhos, conhecidas em algumas partes do mundo como Comic<br />

Strips, ou Comic Books, conforme cita McKenzie (1987), tiras cômicas ou livros cômicos, do inglês,<br />

foram revolucionadas com a invenção da imprensa. A partir disso, o quadrinho se tornou mídia<br />

impressa, uma espécie de publicação que passou a atingir um número incalculável de pessoas,<br />

argumenta McCloud (2000).<br />

História em quadrinhos é um meio de comunicação de massa e contém mensagens ideológicas de<br />

quem o produz, de acordo com Couperie et al. (1970). É considerada por McLuhan (1974) uma<br />

mídia fria, pois exige envolvimento do público através de ícones, que requer a participação do<br />

expectador para que a transmissão da informação ocorra de maneira eficaz.<br />

Podemos ainda encarar o quadrinho como antecessor do hipertexto. Segundo Julio Plaza (2003),<br />

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num hipertexto, as informações não são absorvidas de forma linear, umas após as outras, mas de<br />

forma simultânea e fragmentada, de modo similar ao funcionamento do cérebro humano. Portanto,<br />

o leitor tem a possibilidade de ler determinada página várias vezes, e, em se tratando de<br />

um híbrido de linguagem visual e verbal escrita, a ordem de leitura entre imagens e palavras é<br />

executada pelo leitor. É evidente que os quadros em si e os balões apresentam uma ordem clara,<br />

porém a imagem inserida fora de um quadro proporciona uma maior interação visual. Eisner (2001)<br />

acrescenta que a totalidade da história só é obtida a partir não da soma dos quadrinhos, mas além<br />

dela, da relação de semelhança e diferença criada e da interação visual entre os quadrinhos.<br />

O quadrinho moderno nasceu nas empresas jornalísticas norte-americanas, no fim do século XIX,<br />

favorecidas pela expansão do capitalismo e pelas inovações tecnológicas oriundas da Revolução<br />

Industrial. Na medida em que um determinado personagem ou série fazia sucesso, publicações<br />

especiais de Histórias em Quadrinhos em espécie de álbuns e livros, como coletâneas, eram lançadas,<br />

pontua Luyten (1985).<br />

Os norte-americanos começaram a produzir quadrinhos e tirinhas para jornais, e ainda que em<br />

outras partes do mundo também fosse produzida este tipo de arte, os Estados Unidos tiveram a<br />

produção inicial mais marcante. Luyten (1985) aponta que um dos primeiros quadrinhos publicados<br />

foi Yellow Kid, em 1894, criação de Richard F. Outcault. Esse vínculo com o jornal norte-americano<br />

popularizou o gênero narrativo seqüencial, e, devido ao alcance de um número incalculável<br />

de leitores, tornou-se um meio de comunicação de massa, meio este que possui características e<br />

elementos peculiares que merecem ser explanados para maior entendimento de sua linguagem.<br />

1.1.Elementos das Histórias em Quadrinhos Impressas<br />

Dentre as características da linguagem própria das Histórias em Quadrinhos, podemos destacar<br />

a estilização da imagem, a representação de movimento, o encadeamento de imagens, a representação<br />

de sons por meios de balões e onomatopéias e a estrutura das páginas com requadros.<br />

1.1.1.Quadros e requadros<br />

Ao abordar quadros, requadros e sarjetas, faz-se necessário enfatizar que o tempo e o espaço nos<br />

quadrinhos estão fundidos. O tempo é determinado pelo leitor a cada quadro que é lido, embora<br />

o artista tenha o poder de manipular o espaço visual a favor do tempo de cada cena, ou de cada<br />

quadro, utilizando-se de representação gráfica.<br />

O quadro é o espaço que representa um recorte temporal. Seu tamanho e largura podem remeter<br />

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à duração de tempo da ação ou cena. O requadro, moldura do quadrinho, é um importante elemento<br />

narrativo, e seu formato é um importante transmissor de sensações e informações temporais,<br />

complementares ao conteúdo dos quadros.<br />

O espaço em branco entre um quadro e outro cria uma relação direta com a passagem do tempo.<br />

Quanto maior o espaço, maior a passagem, e, consequentemente, maior é a possibilidade que o<br />

leitor tem de imaginar o que ocorreu entre um quadro e outro. Neste sentido, o espaço em branco<br />

entre os quadros também pode ser considerado um elemento de expressão gráfica nas Histórias<br />

em Quadrinhos, pois sua representação e a delimitação de sua área acarretam na percepção de<br />

passagem de tempo entre os quadros.<br />

1.1.2.Linhas de movimento<br />

Franco (2004) corrobora que as linhas de movimento é uma solução gráfica possivelmente gerada<br />

pelo efeito da fotografia borrada. Também chamadas de linhas cinéticas ou linhas de velocidade,<br />

são na verdade uma convenção gráfica usada nas histórias em quadrinhos para representar a ilusão<br />

de movimento e/ou trajetória dos objetos ou personagens em uma única cena.<br />

McCloud (1993) observa que as linhas de movimento não são a única forma de se compor uma ilusão<br />

de movimento. Nas histórias em quadrinhos podemos criar um cenário e deslocar um objeto<br />

sobre ele, separando cada momento da ação com requadros e deixar a elipse trabalhar a sensação<br />

de continuidade da ação.<br />

1.1.3.Onomatopéia<br />

Onomatopéia pode ser definida como uma forma de representação gráfica de sons produzidos pela<br />

natureza, por objetos e atos físicos do ser humano ou de animais. No contexto dos quadrinhos, as<br />

onomatopéias são representadas graficamente do mesmo modo da linguagem escrita, e aparecem<br />

inseridas no quadro junto à imagem pictórica, formando uma composição visual de peso plástico<br />

significante. Cirne (1975) afirma que o ruído nos quadrinhos é além de sonoro, visual.<br />

A tipografia ajuda a compor o efeito do som da palavra, que simula o ruído. Dependendo do<br />

tamanho do corpo da letra, tem-se a impressão de que o som é alto ou baixo, dependendo da cor<br />

empregada na tipografia, ou mesmo se a família tipográfica é apresentada distorcida de alguma<br />

forma (como pontas ou ondulações), tem-se a idéia de que certa palavra foi proferida com um<br />

som agudo ou grave, diferente das demais. Se há uma repetição da onomatopéia, entende-se que<br />

o som é repetitivo.<br />

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1.1.4.Balão<br />

O balão é outro elemento característico das Histórias em Quadrinhos. Nele apresentam-se os diálogos,<br />

pensamentos, sonhos, e o discurso direto narrativo. Para Eisner (2001), o balão tem como<br />

antecedente histórico os filactérios, faixa com palavras escritas junto à boca dos personagens em<br />

algumas pinturas de artistas cristãos da Idade Média. O balão organiza os diálogos, textos, ordem<br />

e pensamentos com o objetivo de estabelecer relações entre os personagens da história e das<br />

cenas.<br />

Tanto o balão quanto a onomatopéia, as linhas de movimento e o tempo e espaço nos quadrinhos<br />

sofreram modificações nas formas de serem projetados e percebidos com as mudanças tecnológicas.<br />

Explanaremos a seguir as histórias em quadrinhos digitais e suas características.<br />

2.Histórias em Quadrinhos Digitais<br />

Com a popularização do computador pessoal (PC) na década de 80, os artistas despertaram interesse<br />

na utilização da tecnologia digital para a produção de histórias em quadrinhos.<br />

Embora inicialmente se tratasse apenas da digitalização das histórias em quadrinhos impressas,<br />

com o passar do tempo, e com o surgimento de programas com interfaces mais convidativas ao<br />

uso, surgem as primeiras obras totalmente produzidas digitalmente.<br />

Franco (2004) aponta a veiculação da primeira história em quadrinho online no Minitel francês,<br />

mas conclui afirmando que as experiências com a tecnologia digital ocorreu quase que simultaneamente<br />

em outros países da Europa e nos Estados Unidos.<br />

Moya (1986) e McCloud (2000) apontam que a história em quadrinho Shatter, lançada em 1985 por<br />

Mike Saenz e Peter Gillis foi uma das pioneiras na produção por meio digital.<br />

A partir da década de 90 era visível o aumento do número de obras que fazia uso de colorização<br />

digital e surgiram as primeiras adaptações para CD-ROM, mas era visível que ao longo do século XX<br />

as histórias em quadrinhos digitais tiveram como parâmetro de diagramação do suporte impresso,<br />

não explorando as possibilidades oferecidas pelo meio.<br />

Com o advento da internet e a criação de interfaces gráficas cada vez mais amigáveis, os quadrinhos<br />

começaram a passar por um momento de experimentação, onde os autores começaram a<br />

explorar os recursos proporcionados pela hipermídia (FRANCO, 2004). A partir desse momento o<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

o suporte digital começou a ser utilizado de forma mais ativa, permitindo a criação de histórias<br />

que não se prendiam mais ao modelo para impressão, possibilitando, por exemplo, a criação de<br />

histórias não-lineares e que se utilizavam de múltiplos links.<br />

A facilidade de divulgação dos trabalhos pela internet também foi um grande contribuinte para<br />

que os autores começassem a escolher esse meio. Pois, com a internet é possível realizar uma<br />

produção desvinculada de editoras, onde o autor pode divulgar seu material a baixos, ou nenhum<br />

custo, ter o seu próprio tempo de produção e ter maior liberdade de expressão.<br />

O contato entre autor e leitor também foi otimizado, permitindo respostas rápidas e quase instantâneas<br />

do público, que pode acessar as páginas em qualquer lugar do mundo, fator extremamente<br />

importante e interessante para um autor que deseja melhorar cada vez mais o seu trabalho.<br />

Além disso, possibilita um maior envolvimento do leitor com a história, com suas sugestões<br />

tendo a possibilidade de serem incorporadas pelo artista.<br />

O desenvolvimento de novas tecnologias oferece a cada dia que passa diferentes possibilidades de<br />

leitura e visualização das histórias em quadrinhos, podendo trazer inclusive modificações em seu<br />

conceito. Sem dúvida, as possibilidades hipermidiáticas e a conexão entre as pessoas modificaram<br />

o modo como os quadrinhos são produzidos.<br />

2.1.Elementos das Histórias em Quadrinhos Digitais<br />

Podemos citar, dentre os elementos de linguagem das histórias em quadrinhos digitais a utilização<br />

da hipermídia e da interatividade, de sons, barra de rolagem, possibilidades de leitura e produção<br />

coletiva através da internet.<br />

2.1.1.Hipermídia<br />

Entende-se por hipermídia o conjunto de multimeios formado por uma base tecnológica comunicacional<br />

multilinear e interativa. Sua estrutura inclui a informação representada em forma de nós<br />

não-hierárquicos conectados por links possíveis de serem acessados de acordo com decisões coordenadas<br />

(LEÃO, 2002). A hipermídia é responsável pela interação e reação do receptor usuário,<br />

habilitando-o a navegar e perceber o quadrinho de modo diferente. Com ela é possível a leitura<br />

de trabalhos não lineares, com narrativas paralelas.<br />

Hipertexto é o conjunto de textos conectados entre si por links ou hiperlinks. O hiperlink é uma<br />

estrutura da internet que permite que uma palavra ou imagem se torne um portal para outras<br />

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informações em outra página. Se um quadrinho possuir referências visuais ou literárias, pode utilizar<br />

esse recurso para que o leitor conheça mais sobre aquelas referências.<br />

2.1.2.Interatividade<br />

Tavares apud Franco (2004) explica que a interatividade é uma qualidade própria das novas tecnologias<br />

de comunicação que garante a conversibilidade dos dados sob forma numérica; assegura<br />

a comutação da informação e, deste modo, garante ao receptor a possibilidade de intervir instantaneamente<br />

sobre a mensagem, ao atualizar os estados possíveis de sua matriz operacional.<br />

Paula Filho (2000) explica que a interação é a possibilidade de controle de um meio ou de fazer<br />

alterações neste. A interatividade pode ser medida em níveis, que pode ser desde o mais básico,<br />

quando o leitor tem apenas as opções de avançar e retornar; um nível intermediário, no qual<br />

o receptor pode optar por caminhos diversos ou pode interagir com sons e imagens; e um nível<br />

avançado, caracterizado pelo leitor ter a capacidade de contribuir com a narrativa participando<br />

como co-autor da obra.<br />

Wiener apud Franco (2004) define interatividade explicando também a diferença dos meios passivo<br />

e reativo. O primeiro, passivo, mostra de forma clássica que quem recebe a mensagem, envia<br />

como retorno um sinal de que a mensagem foi recebida, ou seja, o sinal enviado por um veículo<br />

(canal) tem que chegar ao receptor de maneira que este só contemple a chegada desse sinal. Se<br />

existe uma participação do público, é apenas a de conferir o sinal recebido. O segundo, reativo,<br />

abre a possibilidade de o emissor enviar mais de um sinal, dando ao receptor o poder de optar na<br />

escolha de uma delas. Neste caso o público reage aos vários sinais, escolhendo o caminho a ser<br />

navegado. Na terceira categoria, interativa, podemos não só optar, como intervir, mudar as relações<br />

indiciais que o mundo dos signos nos oferecem, como também inventarmos novos destinos<br />

para o desenleio das linguagens.<br />

Podemos classificar as webcomics pelos níveis básico, intermediário e avançado de interação. No<br />

primeiro nível, se encontra as webcomics cujo receptor tem como única opção a apreciação do<br />

material, com botões de passagem de quadros. No nível intermediário, o usuário é convidado a<br />

interagir com a webcomic, seja clicando em imagens para descobrir links escondidos ou outras<br />

imagens escondidas, acionando animações ao passar o mouse sobre um quadro ou, por exemplo,<br />

escolhendo caminhos na narrativa. O nível avançado é aquele onde o leitor também pode contribuir<br />

de alguma forma, seja votando por um final, ou criando uma continuação da história. Tudo<br />

depende da intenção do criador da webcomic em fazer seu público participar mais ou menos do<br />

processo de criação.<br />

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2.1.3.Produção coletiva<br />

Com a internet, a comunicação entre artistas de qualquer lugar do mundo foi otimizada, possibilitando<br />

assim uma maior interação entre eles. Dessa interação, começaram a surgir trabalhos<br />

colaborativos, podendo ser apenas uma compilação de várias histórias, como uma revista que<br />

publica diversas em uma mesma edição, bem como trabalhos produzidos de forma coletiva, onde<br />

cada um realiza a sua parte dentro de uma mesma história.<br />

É comum encontrar trabalhos onde há distribuição de tarefas de uma produção, como a separação<br />

clássica entre quem roteiriza, desenha, arte-finaliza e coloriza, mas, com a mídia digital,<br />

juntamente com a internet, a possibilidade da realização de trabalhos simultâneos dentro de uma<br />

mesma tela é muito mais efetiva, permitindo que enquanto uma pessoa está desenhando em um<br />

local, um parceiro já esteja colorindo o seu trabalho do outro lado do mundo ao mesmo tempo.<br />

Este tipo de atividade simultânea permite uma maior compreensão e conexão entre a produção<br />

dos vários artistas, pois esses podem estar realizando correções a partir da opinião do outro de<br />

maneira rápida e eficiente.<br />

2.1.4.Tridimensionalidade<br />

O uso de programas de modelagem de imagens em três dimensões para construção de personagens<br />

e cenário criou várias possibilidades de edição para produzir quadrinhos, como a criação de<br />

bibliotecas de imagens editáveis, sendo necessário criar o personagem ou objeto apenas uma vez,<br />

e poder utilizá-lo em todos os ângulos e poses imagináveis quantas vezes for preciso. O tempo<br />

despendido nesta modelagem dependerá da estética pretendida, sendo recompensado mais tarde<br />

pela facilidade de uso do modelo sem a necessidade de refazê-lo. A maioria dos programas de<br />

edição apresenta modelos prontos para que seus usuários sirvam-se deles como base de criação.<br />

O artista pode optar por mesclar elementos 3D com desenhos criados de forma tradicional. Esta<br />

prática serve para criar uma atmosfera única e uma diferenciação dos outros trabalhos que utilizam<br />

modelagem 3D.<br />

Machado apud Franco (2004) comenta que o resultado plástico das imagens obtidas por manipulação<br />

em programas gráficos 3D, possuem “impressionante padronização das soluções, (...) uma<br />

uniformidade generalizada, (...) uma absoluta impessoalidade”. É necessário lembrar que estes<br />

programas têm apresentado uma evolução em relação à preocupação estética principalmente no<br />

que tange a diferenciação, e, consequentemente, têm se tornado uma ferramenta mais atrativa<br />

aos desenvolvedores de quadrinhos digitais.<br />

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2.1.5.Barra de rolagem<br />

Assim como o passar de páginas nos quadrinhos impressos, a barra de rolagem permite que o leitor<br />

navegue de acordo com o seu ritmo. Uma das possibilidades que a barra de rolagem oferece,<br />

é a continuidade infinita e de tamanhos não padronizados se comparados ao impresso, tornando<br />

possível a navegação e leitura horizontal ou vertical prolongada.<br />

Franco (2004) cunha o termo Infinite Canvas, uma das novas possibilidades que a Internet proporciona<br />

para os artistas e também possibilita quebrar o formato dominante. Em uma modalidade de<br />

apresentação de quadros que excluem a rigidez dos requadros (contorno do quadrinho) e sarjetas<br />

(o espaço entre os quadrinhos), McCloud (2001) coloca em prática as barras de rolagens (componente<br />

da web, que servem para correr a página na direção horizontal e vertical), que servem<br />

como elementos de navegação, gerando uma imersão da parte do leitor, uma vez que os próximos<br />

quadrinhos ficam parcialmente ocultos e geram curiosidade suficiente da parte de quem os lê, e<br />

também desenvolve outros sentidos narrativos, uma vez que os quadros podem se alongar à vontade<br />

por não haver limites físicos.<br />

Além de possibilitar um suporte infinito, o a barra de rolagem cria a possibilidade de resguardar<br />

as melhores partes da história para o momento do leitor finalmente prestar atenção nelas. Essa<br />

possibilidade rompe com a visualização geral de uma página, pois os quadros são apresentados de<br />

forma mais gradual, não permitindo o leitor a ver o final da sequência sem antes passar pelo meio.<br />

2.1.6.Sons<br />

É comum a inclusão de sons nas histórias em quadrinhos digitais. Muitos autores afirmam que colocar<br />

sons na webcomic em detrimento dos recursos gráficos de reprodução do som é descartar uma<br />

das fortes características dos quadrinhos, que é estimular a imaginação do leitor, que participa<br />

ativamente da história, interpretando onomatopeias e balões.<br />

Ao utilizar dubladores para dar voz aos personagens, força-se o leitor a uma interpretação das<br />

falas, e isso pode comprometer a identificação com o personagem. Esta identificação é uma<br />

ligação de empatia, que faz o leitor levar a leitura adiante ou não. Quando o leitor tem o controle<br />

do modo como as falas são lidas, ele pode decidir por ler com menos ou mais sarcasmo, medo,<br />

angústia, alegria, e controlar o tempo que leva para cada palavra ser proferida, fazendo da leitura<br />

uma forma pessoal.<br />

As onomatopeias ambientam os leitores, e essa é uma forma particular de conexão do leitor com<br />

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o mundo que o personagem vive, pois o som correspondente é buscado na memória do leitor,<br />

reavivando lembranças e criando o clima sugerido.<br />

Contudo, é necessário lembrar que a inclusão de sons, se bem trabalhada, não elimina a existência<br />

da representação gráfica da onomatopéia ou dos balões de fala, mas pode coexistir com estes,<br />

contribuindo para caracterização, ambientação e imersão do usuário-leitor.<br />

2.1.7.Animação<br />

Recurso que gera bastante discussão, a animação faz parte das possibilidades do meio digital. A<br />

problemática em cima deste item gira em torno de quando a história deixa de ser um quadrinho<br />

para se tornar um vídeo.<br />

Segundo Scott McCloud (1993) a diferença básica entre a animação e as histórias em quadrinhos é<br />

que a primeira é seqüencial em tempo, enquanto a segunda, é sequencial em espaço.<br />

Segundo Franco (2004) muitos críticos de webcomics discordam da inclusão desse recurso nos<br />

quadrinhos, devido à diferença que animação e quadrinhos lidam com o tempo e espaço, uma<br />

vez que o leitor de histórias em quadrinhos controla seu ritmo de leitura da forma que desejar,<br />

enquanto o espectador vê a cena no ritmo que o animador programar. Perde-se grande parte da<br />

autonomia do leitor ao se empregar a animação; uma vez que ele não tem que imaginar a ação,<br />

pois a está vendo.<br />

Sendo assim, é preciso utilizar animações de forma mais restrita e planejada, como por exemplo,<br />

fazer uso de imagens animadas para algumas cenas ou animações de ambientações, itens que não<br />

quebrem o ritmo de leitura pessoal.<br />

Com a análise dos elementos das histórias em quadrinhos digitais e de seus elementos, é evidente<br />

que o número de recursos e possibilidades é amplo.<br />

Discussão à guisa de considerações finais<br />

A comunicação é uma das atividades indispensáveis ao homem, sendo essencial para o desenvolvimento<br />

de tecnologias, devido ao seu poder de divulgar informações. Todas essas reflexões têm o<br />

intuito de pensar as mudanças no planejamento, execução, distribuição e leitura das histórias em<br />

quadrinhos com o meio digital.<br />

A linguagem das histórias em quadrinhos passou por uma transformação a partir dos recursos<br />

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multimidiáticos. Assim como no suporte impresso, os vários elementos dos quadrinhos digitais<br />

podem aparecer simultaneamente, gerando inúmeras variações e possibilidades. Um exemplo<br />

interessante é um quadrinho digital coreano “Mistério curto” [1] que utiliza um modelo vertical<br />

de leitura, para ser lido com a barra de rolagem. Inicialmente se apresenta como uma historia<br />

simples, com quadrinhos estáticos, porém à medida que o leitor desce a página ele aciona quadrinhos<br />

que contam com uma animação curta com som, que nesse caso tem por objetivo causar<br />

susto no leitor.<br />

Outro exemplo interessante é o site “Impulse freak” [2] uma história colaborativa que recebe<br />

trabalhos de diferentes artistas, que podem continuar a história apresentada da onde tiverem<br />

maior interesse. Esse projeto quebra com a leitura linear, pois cada cena/página pode contar com<br />

até duas opções de continuação e duas de volta, narrativa possibilitada apenas no meio digital.<br />

A interatividade aqui acontece em vários níveis, pois o leitor pode optar por qual linha narrativa<br />

seguir, bem como pode participar ativamente da construção da sequência.<br />

Como foi dito anteriormente, as histórias em quadrinhos que fazem uso dos recursos tridimensionais<br />

podem mesclar desenhos tradicionais com modelos em três dimensões. Mas esta não é uma<br />

prática exclusiva das histórias em quadrinhos digitais: todas as edições do quadrinho japonês impresso<br />

Negina, de Ken Akamatsu, tiveram os cenários da história criados em Computação Gráfica,<br />

pois assim seria mais fácil trazer à tona todos os ambientes cheios de detalhes que os personagens<br />

transitariam, sem ter a necessidade de redesenhá-los em detalhes e em diferentes ângulos o<br />

tempo todo.<br />

É possível dizer que a história das histórias em quadrinhos recebeu nas últimas décadas dois<br />

grandes marcos, a grande utilização do meio digital para a sua produção, inserindo novos elementos<br />

na caracterização das histórias em quadrinhos digitais, e a utilização da internet, que otimizou<br />

a divulgação de trabalhos autorais desvinculados de editoras e possibilitou uma maior interação<br />

tanto entre artistas, permitindo a realização de trabalhos cooperativos, como a relação entre<br />

artista e leitor, com respostas mais rápidas e de várias partes do mundo.<br />

Afirmamos que as possibilidades são inúmeras com a utilização de recursos próprios da mídia digital<br />

como navegação com tela infinita, sons, animações, tridimensionalidade e produção coletiva.<br />

Contudo, estes recursos precisam ser utilizados com cautela por exigirem estudo e experimentação<br />

para não prejudicar a leitura e imersão do leitor/usuário e para não descaracterizar a mídia<br />

enquanto história em quadrinhos.<br />

Referências<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Histórias em quadrinhos impressas e digitais: uma análise dos elementos e das possibilidades<br />

AZEVEDO e SOUZA, Valdemarina B. de. Pesquisa bibliográfica. Porto Alegre, 1995.<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades<br />

das mídias digitais<br />

Berenice Santos Gonçalves Dra. Engenharia de Produção - UFSC – UFSC<br />

berenice@cce.ufsc.br<br />

Alexsandro Stumpf Mestrando em <strong>Design</strong> e Expressão Gráfica – UFSC<br />

alexsandro@unochapeco.edu.br<br />

Mariana Dória Graduada em <strong>Design</strong> – UFSC marimk2002@gmail.com<br />

Resumo<br />

Este estudo apresenta como foco o campo do design editorial e as transformações tecnológicas<br />

e comunicacionais ocorridas a partir da disseminação das mídias digitais. O<br />

método de pesquisa adotado foi de natureza analítico interpretativa. A fundamentação<br />

iniciou-se a partir de conceitos que, embora tenham surgido nas mídias tradicionais,<br />

foram potencializados e ampliados pelo meio digital. Assim, os conceitos de interface,<br />

navegação, interatividade e hipertextualidade foram aprofundados, e balizaram a identificação<br />

e a avaliação de publicações digitais, bem como subsidiaram os principais eixos<br />

de análise, a saber: elementos de interfaces, níveis de interatividade, estrutura de navegação<br />

e critérios ergonômicos relativos à orientação. Após a análise de três produtos digitais<br />

escolhidos ressalta-se que os conceitos de navegação global e local, muito utilizados<br />

no contexto dos sites para internet, ainda não são plenamente caracterizados. O principal<br />

diferencial das publicações digitais consiste no potencial de interatividade, podendo atingir<br />

níveis de criação somados a recursos textuais de comunicação síncrona e assíncrona.<br />

Palavras-chave:<br />

livro, publicação digital, multimídia editorial, interface gráfica, hipermídia.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

Introdução<br />

A partir do crescente desenvolvimento das ferramentas digitais, observa-se o surgimento de novas<br />

modalidades de publicação. O design editorial tem a oportunidade de assimilar novos recursos,<br />

tanto para navegação e orientação do leitor, quanto para tornar a experiência de leitura interativa,<br />

diferenciada e única.<br />

O objetivo principal do estudo teve como foco a análise de novas modalidades de publicações,<br />

sobretudo aquelas que buscam o conceito referencial de livro, surgidas (e expandidas) a partir<br />

das potencialidades das mídias digitais. Buscou-se, ainda, caracterizar a influência das chamadas<br />

“novas mídias” na geração, distribuição e recepção de produtos editoriais, a saber: livro, jornal<br />

e revista e avaliar a linguagem visual das interfaces gráficas desses novos produtos à luz dos<br />

seguintes conceitos: interatividade, navegação e hipertextualidade.<br />

Para tanto, a pesquisa foi realizada em três etapas distintas: fundamentação, seleção de produtos<br />

digitais/livros e análise interpretativa de produtos. Para seleção dos critérios de análise, uma<br />

revisão sobre os conceitos de navegação, interface, ergonomia e usabilidade no meio digital<br />

foi efetuada. Tais conceitos subsidiaram a delimitação dos critérios finais de análise, a saber:<br />

os elementos de interface, a estrutura de navegação, os níveis de interatividade e critérios<br />

ergonômicos focados na orientação. Foram escolhidas três publicações de referência para a<br />

efetivação da análise interpretativa: Northanger Abbey de Jane Austen, pela Amazon em formato<br />

AZW para leitura no aplicativo Kindle for PC; Caderno de Viagem de André Lemos, pela Editora<br />

Plus em formato PDF para leitura no aplicativo Adobe Reader; e The War of the Worlds de H.<br />

G. Wells, pela Bookglutton para leitura online através de navegador. A partir da efetivação da<br />

análise, apresenta-se na discussão e nas considerações finais deste documento o estado atual dos<br />

livros digitais. A fragilidade na aplicação dos conceitos de navegação global e local foi demarcada.<br />

Entretanto, identificou-se um grande potencial de interatividade das edições digitais de livros,<br />

chegando ao nível de criação.<br />

Ressalta-se que o design gráfico direcionado às publicações digitais mantém a função de mediação<br />

entre conteúdo e leitor, colaborando para a compreensão da mensagem e a eficácia do processo<br />

comunicacional. Entretanto, em virtude da ampliação das possibilidades interativas do meio<br />

digital, o planejamento específico do processo de interação e navegação merecem um estudo<br />

específico.<br />

A familiaridade dos leitores com a internet traz hábitos, metáforas ou simulações além daquelas<br />

transportadas das publicações tradicionais para as digitais. As publicações digitais na atualidade<br />

representam a mescla desses dois universos vivenciados pelo usuário/leitor.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

As publicações frente às novas tecnologias<br />

O conceito de livro e de publicações periódicas vem sendo ampliado pelas novas tecnologias<br />

que distribuem informação de forma cada vez mais abrangente. Eles podem ser agora digitais e<br />

encontrados em bibliotecas na internet, lidos de modo online e em dispositivos específicos.<br />

As publicações periódicas tiveram uma evolução dentro do meio digital. “Tony Quinn, no artigo<br />

Digital magazines: a history localiza a relação das revistas do Reino Unido com a mídia on-line a<br />

partir de 1982, ano em que algumas revistas começaram a usar ferramentas como correio eletrônico<br />

e avisos on-line” (NATANSOHN et al., 2009, p.4). A relação do leitor com as revistas e jornais, num<br />

fornecimento de informações mútuo, é importante para a sobrevivência da publicação e com a<br />

internet se teve a oportunidade de ter uma conversa mais rápida e abrangente com o público. Os<br />

periódicos científicos tiveram sua primeira manifestação ao disponibilizar material na íntegra em<br />

meio eletrônico, transportando o impresso para a tela.<br />

Os anos 90 representaram o surgimento do CD-Rom, uma mídia importante para os periódicos, que<br />

se expandiu rapidamente. (IBID, p.5). Havia aqui a oportunidade de fornecer material exclusivo<br />

aos seus assinantes, como documentos, fotos e vídeos no meio digital que complementassem as<br />

matérias e artigos publicados. Materiais que tratavam de descobertas científicas traziam materiais<br />

elaborados para sua explicação. Mesmo revistas de entretenimento podiam trazer um material<br />

diferenciado para agradar seu leitor, além da simples disponibilização das edições na íntegra e o<br />

resgate de edições antigas.<br />

Nessa fase, ao publicar um título em meio eletrônico e disponibilizálo<br />

na web, os editores científicos procuravam maior rapidez na busca<br />

de informação, facilidade de acesso e agilidade na divulgação dos<br />

resultados das pesquisas, chance igualitária de acesso aos cientistas<br />

mais dispersos geograficamente, entre outros benefícios (CASTEDO &<br />

GRUSZYNSKI, 2009, p.2).<br />

Revistas, jornais e periódicos criaram seus domínios para seguir com esta abordagem, dando<br />

continuidade a idéia do CD-Rom. Quando a internet se popularizou e pessoas e empresas<br />

começaram a distribuir material com uma maior velocidade, observou-se o surgimento de sites que<br />

disponibilizavam revistas gratuitamente. Isso é feito através de imagens das páginas digitalizadas<br />

e é possível se ter acesso a edições antigas. Muitas editoras se sentiram ameaçadas por este tipo<br />

de atividade e passaram a disponibilizar edições fora de circulação em seus próprios sites. Os<br />

jornais também fazem uso dos sites para disponibilizar a edição digitalizada e fornecer material<br />

complementar às notícias da edição, bem como atualizações minuto a minuto.<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

“Em 2006, Quinn aponta o lançamento de revistas interativas com versões somente digitais,<br />

trazendo como exemplo a Monkey, da editora Dennis, considerada a primeira revista masculina<br />

digital semanal do mundo”. (NATANSOHN et al., 2009, p.5). O uso de diversos programas e mídias<br />

(som, imagem, vídeo) em um mesmo material é a aposta das publicações digitais. A Monkey<br />

Mag, citada por NATANSOHN et al. (2009), por exemplo, possui vídeos em suas próprias páginas,<br />

e anúncios de produtos interativos, onde o leitor pode girá-los 360°. Com isso, podemos ver<br />

a adaptação e a criação de novas formas narrativas, como uma notícia contada em um jornal<br />

através de imagens seqüenciais e sons que RAMOS (2009) apresenta como “histórias fotográficas”.<br />

A partir do surgimento de novos programas, plug-ins e formatos no meio digital, as publicações<br />

passam a se adaptar para agregar estes novos recursos. O leitor na era digital busca experiências<br />

diferentes e informação em alta velocidade, fácil de ser encontrada e fácil de ser relacionada,<br />

seguindo caminhos para sua própria interpretação.<br />

O fenômeno da convergência tecnológica e cultural, além de permitir a<br />

produção e distribuição de material jornalístico em várias plataformas<br />

e suportes multimediáticos (vídeos, textos, áudio, etc.) propicia várias<br />

formas (simultâneas) de consumo e de agregação social, gera novos<br />

protocolos de participação e práticas culturais (NATANSOHN et al.,<br />

2009, p.13).<br />

Com o livro não foi diferente. Há anos outras mídias e suportes são utilizados para apoiar ou<br />

suportar o livro. Os livros de áudio apresentam seu conteúdo como gravações, podendo utilizar<br />

voz, músicas e efeitos sonoros. Surgiram para dar suporte a materiais impressos, oferecer uma<br />

leitura de um texto ou criar uma ambientação para a história similar a uma rádio-novela. Desde<br />

os tempos do vinil e da fita cassete, existem livros de áudio, cujo suporte foi evoluindo com o<br />

tempo, passando pelo CD e chegando até o formato digital em mp3. É muito comum a associação<br />

destes com um material impresso, principalmente em obras infantis, onde a criança tem nas mãos<br />

ilustrações impressas e ouve a história sendo contada através da fita ou CD. Este tipo de mídia<br />

também é parceira dos livros digitais, pois alguns aplicativos possuem opções de conversão do<br />

texto em som.<br />

Com o advento da internet, os eBooks (do inglês “eletronic book”, ou “livro eletrônico”) se<br />

popularizaram e trouxeram recursos diversos para o leitor. A oportunidade de utilizar links e<br />

gerenciar os arquivos e páginas por meio de softwares transformou a leitura. Há uma grande<br />

diversidade de formatos, desde simples documentos de texto ou scans de páginas reais até arquivos<br />

com imagens elaboradas e animações.<br />

O uso de diversas mídias em um único formato, possibilitou aos e-books e aos jornais e revistas<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

digitais, uma rápida ascensão no mercado editorial, demonstrando que os recursos hipermidiáticos<br />

fortalecem a experiência de leitura frente às mídias digitais.<br />

Conforme pesquisa divulgada em setembro de 2011 pela Aptara[1], empresa americana<br />

especializada em prestar serviços para o mercado editorial na produção de livros digitais, “os<br />

e-books são a força dominante do mercado atual de publicação, com um crescimento de 40% das<br />

vendas em 2010 e com mais de um terço dos editores inquiridos a publicarem, em 2011, mais de<br />

75% dos seus títulos em formato e-book.” (APTARA, apud PINHEIRO, 2011).<br />

Uma outra tendência observada é a dos livros publicados em blogs (páginas da internet mantidas<br />

por uma pessoa para a colocação de comentários ou pensamentos) onde o autor, a cada semana<br />

ou mês, disponibiliza um capítulo. Em inglês, este tipo de livro é chamado de blook, origem em<br />

“looks like a book” (“parece com um livro”, em inglês) ou uma simples contração de blog e book.<br />

Unindo estas diversas mídias e formas de apresentação do conteúdo, temos o chamado hiperlivro,<br />

um conjunto de documentos hipermídia, ou seja, de diferentes formatos apoiados por uma<br />

plataforma computacional. A hipermídia permite o acesso a diferentes textos, imagens e sons<br />

em um mesmo documento ou local. Além disso, os links entre seus elementos possibilitam uma<br />

navegação não linear, de modo mais interativo, a partir de caminhos criados pelo próprio usuário.<br />

Este tipo de recurso permite que o usuário tenha diversos tipos de experimentações durante o<br />

processo, pois ele pode ler o conceito e ter imagens e vídeos de suporte para a ajuda de sua<br />

compreensão.<br />

O hipertexto tem sua presença demarcada por toda a internet. O hiperlivro utiliza uma estrutura<br />

ao mesmo tempo baseada no livro tradicional e na navegação por links.<br />

A estruturação de conteúdos em hipermídia exige em sua organização<br />

ligações entre diferentes unidades de conteúdos na forma de links,<br />

além disso, é implícito o uso de recursos multimídia que auxiliam na<br />

representação dos conteúdos a serem estudados (BRITO, 2007, p.91).<br />

Além disso, é uma maneira interativa de leitura, pois permite que a pessoa encontre o seu próprio<br />

caminho através dos links e conteúdos, além da possibilidade de interagir com as informações. Por<br />

ser uma ferramenta baseada na internet, é possível estruturar e editar os conteúdos de maneira<br />

colaborativa. Isso abre possibilidades para a forma de criação do livro e para sua utilização em<br />

programas de aprendizagem. O hiperlivro pode ser editado e atualizado conforme a necessidade<br />

do curso onde esteja inserido.<br />

A metáfora da página é utilizada, mas de maneira diferenciada do conceito utilizado na internet<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

em geral. A página dentro do hiperlivro serve um propósito de organização, definindo a estrutura<br />

do material e determinando unidades que facilitam a navegação de forma não-linear. Com estas<br />

unidades definidas, o usuário pode retornar para um ponto anterior e seguir a leitura de forma<br />

linear após ter se desviado para conferir algum conceito apresentado, por exemplo.<br />

O livro está ganhando ainda mais força ao se desenvolver em diferentes mídias, o que faz com que<br />

ele alcance diferentes públicos e modificando sua abrangência.<br />

Se não, o que é um livro? É o conjunto de páginas de papel ou outro<br />

material unido entre si. Quer dizer, a página em si não desaparece<br />

por estar na Internet ou no papiro, ela continuará existindo para<br />

dar seqüência a um documento, para dar uma união. E estas páginas<br />

poderão conter textos, ilustrações ou música (MÁQUINA, s.d.).<br />

Potencialidades do meio digital<br />

Ainda é comum a idéia de que uma publicação digital deva ser uma simulação do impresso no<br />

papel. Entretanto, o meio digital pode fornecer experiências diferenciadas:<br />

No ciberespaço as revistas se reconfiguram tanto na produção, na<br />

distribuição quanto no consumo. Na produção e consumo, pela<br />

hipertextualidade e interatividade propiciada em diversas plataformas<br />

onde o produto circula e pela possibilidade de inclusão dos leitores<br />

nas estratégias editoriais das revistas. Na distribuição, pela criação de<br />

novos formatos, cada vez mais criativos e originais (NATANSOHN et al.,<br />

2009, p.1-2).<br />

A primeira possibilidade que o meio digital abre para as publicações é o alcance. Pessoas por<br />

todo o globo podem acessar determinado material, descarregá-lo em seu computador e utilizálo.<br />

Jornais conceituados, como o Times, são visualizados por pessoas em todo o globo. Isto torna<br />

comum a produção em inglês para a distribuição via internet. Além disso, não é necessária a<br />

espera pela entrega do material. Conexões de banda larga tornam o download de um arquivo leve<br />

em PDF quase imediato. Estes arquivos podem ser equivalentes ao material impresso e a decisão<br />

de como obter a informação é relacionada à preferência do leitor e à rapidez com que ele pode<br />

obter determinado conteúdo.<br />

Os leitores de revistas científicas em geral têm hoje a possibilidade de<br />

ler um artigo tanto em papel quanto na tela do computador. O que eles<br />

decidem fazer está sujeito as suas preferências pessoais – que passam<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

pela facilidade/dificuldade de acesso -, a seus projetos de leitura,<br />

bem como às características do grupo de pares do qual fazem parte.<br />

Fica claro que, atualmente, as formas de apresentação, impressa ou<br />

eletrônica, acabam complementando uma à outra (CASTEDO, 2009,<br />

p.36).<br />

Os arquivos que antigamente eram estáticos estão incorporando tecnologias que envolvem<br />

animação. Um dos objetivos é simular a relação física com o papel e os objetos. “A tecnologia<br />

flip page foi criada para simular o folheio de revistas. É um avanço que, associada ao formato<br />

PDF, permite que a experiência de leitura no computador de réplicas de revistas impressas se<br />

aproxime da experiência ‘real’” (NATANSOHN et al., p.8). Este tipo de recurso é muito utilizado<br />

em publicações feitas primeiramente para o meio impresso e depois transpostas para o meio<br />

digital. Contudo, é uma abordagem que não envolve um projeto gráfico especial para o meio<br />

digital, o que poderia agregar muito mais valor ao produto.<br />

Da mesma forma, a internet e a comunicação digital só vão valer a<br />

pena se puderem proporcionar estruturas inovadoras e diferentes,<br />

impossíveis de se criar em outras mídias. Só aí poderemos dizer que<br />

estamos descobrindo sua verdadeira linguagem. Até lá estaremos com<br />

mímicas pobres apesar de bonitinhas (RADFAHRER, 2001, p.32).<br />

Segundo Radfahrer (2001), os principais recursos da internet são a personalização – que permite<br />

um contato individual – e a manipulação ou interatividade – que torna o contato uma experiência<br />

única. Os documentos são encontrados de maneira fácil a partir de sistemas de busca ou listas<br />

em bibliotecas virtuais e podem ser consultados sem uma ordem específica entre eles ou dentro<br />

deles. Além disso, há a oportunidade de participação ativa do leitor no processo de comunicação<br />

somada à partilha de um mesmo documento por diversas pessoas.<br />

O sistema de login também tem uma função de mapeamento e análise.<br />

Ele ajuda a mapear os usuários e analisar o uso que estes fazem do<br />

sistema, a fim de que possamos ter informação sobre necessidades<br />

de atualização, conteúdos preferidos e ferramentas mais usadas<br />

(FERNANDEZ et al., 2009, p.9).<br />

Fica claro que a maior vantagem do meio digital é a capacidade de agregar diversas mídias em um<br />

mesmo produto. Assim, Radfahrer (2001) leva em conta ainda outras características da internet:<br />

• Adimensionalidade – não ter dimensões físicas estimula a investigação para se chegar<br />

ao maior volume de informação possível.<br />

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• Hipertexto – os assuntos podem apresentar diversos níveis de profundidade, com<br />

ligações entre eles, criando caminhos dentro dos documentos.<br />

• Multimídia – a combinação de diversos formatos (som, fotografias, vídeos, desenhos<br />

animados e texto) permite uma comunicação mais abrangente. Sendo utilizada dentro<br />

de uma estrutura de hipertexto, é chamada de hipermídia.<br />

O site Wikipedia é construído sobre uma estrutura de hipertexto: cada termo possui ligações<br />

para a definição de outros termos dentro do texto, formando uma teia de conceitos que podem<br />

ser consultados conforme o leitor obtém informações e sente a necessidade de outras para<br />

complementá-las.<br />

Usando hipertexto, o usuário pode se mover através de estruturas<br />

de informação — não seqüencialmente, mas fazendo “pulos” entre<br />

os vários tipos de dados de que necessita. Com hipermídia, pode-se<br />

acessar a informação expressa em uma enorme variedade de formatos<br />

(RADFAHRER, 2001, p.63).<br />

Estes documentos interligados podem apresentar recursos multimídia, o que amplifica a experiência<br />

do leitor e formando, conforme já definido por Radfahrer (2001), uma hipermídia. Além de ler uma<br />

descrição de um termo, ele pode ver imagens sobre ele, vídeos que demonstram sua utilização e<br />

ouvir sons que remetem ao objeto estudado.<br />

Além de potencializar a combinação de todas essas linguagens, a<br />

digitalização permite a organização reticular dos fluxos informacionais<br />

em arquiteturas hipertextuais, de estrutura não-sequencial,<br />

multidimensional, que dá suporte às infinitas opções de um leitor<br />

imersivo (LEVY apud CASTEDO, 2009, p.46).<br />

O fascínio sobre esta possibilidade está na oportunidade do leitor obter a informação de uma<br />

maneira próxima a como ela é processada dentre de seu cérebro: por associação de idéias. Grandes<br />

quantidades de informação podem ser acessadas por diferentes rotas. Além disso, não há início,<br />

meio e fim na leitura, pois as ligações formam caminhos infinitos, fazendo com que o receptor<br />

cesse a pesquisa quando estiver satisfeito. O ritmo de navegação e aprendizagem também é<br />

ditado pelo leitor, que acessa os nós necessários para sua evolução dentro do material.<br />

Os traços que caracterizam a hipermídia definidos por Santaella e apresentados por Padovani<br />

e Moura (2008) são: hibridização (utilização de múltiplas linguagens), arquitetura hiper (uma<br />

organização reticular de fluxos numa arquitetura hipertextual), extensibilidade (a partir das<br />

opções adotadas pelos usuários, as associações são radicalmente imprevisíveis) e interatividade<br />

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(não há uso reativo ou passivo, são necessárias escolhas de caminhos).<br />

A multimídia e os recursos apresentados trazem a possibilidade de uma publicação interativa,<br />

onde o leitor interage com os elementos em tela, podendo agregá-los, modificá-los, movê-los.<br />

Algumas histórias online proporcionam interatividade por meio de hipertextos e outras, usando<br />

incrementos do navegador, oferecem produções em multimídia com som e movimento o tempo todo.<br />

(MCCLOUD, 2006). Anúncios interativos [2] são muito proveitosos, principalmente para as revistas<br />

e jornais. O usuário conhece nas “páginas” da publicação o produto e pode ser imediatamente<br />

redirecionado para o site da empresa para obter mais informações e mesmo efetuar a compra. O<br />

comércio virtual tem nestes meios uma grande oportunidade.<br />

A interatividade pode ser medida em níveis. Golfetto & Gonçalves (2009) com base em Santaella<br />

(2004) assumem que:<br />

• Interatividade zero nos materiais que são acompanhados do início ao fim linearmente;<br />

• Interatividade linear quando os materiais são folheados e saltados em avanços e<br />

recuos;<br />

• Interatividade arborescente quando se tem um menu para seleção;<br />

• Interatividade lingüística apresenta palavras-chave, formulários, etc.<br />

• Interatividade de criação onde o usuário pode compor uma mensagem por<br />

correspondência;<br />

• Interatividade de comando contínuo nos materiais onde é permitida a modificação,<br />

o deslocamento de objetos através de manipulação do usuário.<br />

Quanto maior a interatividade, mais profundos serão a imersão e o<br />

envolvimento do leitor, influenciando sua concentração, sua atenção,<br />

interpretação e compreensão da informação. A interatividade incentiva<br />

a tomada de decisão por parte do usuário e a sensação de controle<br />

sobre os resultados a serem obtidos. (PADOVANI & MOURA, 2008, p.17)<br />

O uso de recursos multimídia, como Longui (2009) reforça em seu texto, ainda pode ser considerado<br />

modesto. A maioria ainda usa apenas texto, imagens e sons de maneira separada ou consecutiva.<br />

A combinação dos elementos de maneira apropriada é ainda difícil. O meio impresso perdura<br />

a tanto tempo que somos acostumados com o que ele pode oferecer. O próprio texto surgiu a<br />

partir da tradição oral. Cada nova tecnologia apresenta um reflexo do que já foi feito e é preciso<br />

adaptá-la para utilizar todo o seu potencial e fazê-la valer à pena. “Assim, cada vez que uma nova<br />

tecnologia se estabelece, apreenderíamos o conhecimento por ela configurado por simulação,<br />

com os critérios e os reflexos mentais ligados às tecnologias intelectuais que a precederam”<br />

(CASTEDO, 2009, p.39).<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

Livros digitais<br />

O livro digital, chamado de eBook (eletronic book) surgiu com a ideia de transmitir textos pela<br />

internet, a tecnologia tem evoluído e levado o livro eletrônico cada vez mais longe. Muitos dos<br />

documentos encontrados para download na internet são apenas imagens digitalizadas de páginas<br />

de um livro impresso. É preciso determinar a diferença entre livro digitalizado e livro digital.<br />

Os livros digitalizados não são próprios do meio eletrônico, mas sim imagens de livros impressos<br />

organizadas em um documento. Os livros digitais são feitos especificamente para uso em aparelhos<br />

eletrônicos, como computadores e outros dispositivos de leitura, mesmo que utilize apenas texto.<br />

Para tratar de um livro digital, deve-se pensar em três itens: o livro como texto do autor ou<br />

escritor, o reader como o aplicativo de leitura e o dispositivo de leitura como o suporte do eBook.<br />

Segundo Procópio (2010, p.46) “o aplicativo ou software reader é uma espécie de browser. Traz<br />

todas as facilidades dos navegadores da internet e mais algumas ferramentas específicas para<br />

livros eletrônicos”.<br />

Um livro digital, baseado em texto, é criado a partir de um texto digitado pelo autor em um<br />

programa como o Microsoft Word ou mesmo o Bloco de Notas do Windows. Existem editoras<br />

virtuais que se ocupam do próximo passo, mas nada impede o autor de realizar a tarefa. Através<br />

de linguagens HTML, por exemplo, adicionam-se marcações ao texto para indicar como o livro<br />

será apresentado ao leitor. Essas marcações indicaram ao software de publicação como tratar<br />

cada elemento. Este programa vai ajustar o texto e as indicações aos formatos dos aplicativos de<br />

leitura. O eBook, então, está pronto para a distribuição.<br />

Vale lembrar que, como os livros tradicionais, os eletrônicos também estão protegidos por direitos<br />

autorais, impedindo sua distribuição, cópia e comercialização sem prévia autorização do autor.<br />

Esse gerenciamento de direitos digitais é conhecido no mercado editorial de livros eletrônicos como<br />

Digital Rights Management (DRM). Segundo Procópio (2010), trata-se de um método de direitos<br />

autorais que trabalha a conscientização do leitor, em conjunto com tecnologias de criptografias<br />

para arquivos. Para tanto, diversos sites especializados, como lojas e bibliotecas virtuais, só<br />

disponibilizam seus arquivos com o uso do DRM.<br />

Os aplicativos de leitura também podem funcionar como um navegador, levando o usuário a<br />

livrarias e bibliotecas virtuais, algumas em parceria com a empresa do programa, possuindo livros<br />

gratuitos para estes usuários. Mas para que o acesso ao livro seja possível, deve-se tomar cuidado<br />

com o formato que se está adquirindo, pois os readers não são compatíveis com todo e qualquer<br />

formato de arquivo.<br />

Entre os diversos formatos de arquivos de livros eletrônicos, o mais popular ainda é o formato PDF<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

301


O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

(Portable Document Format), isso porque ele pode ser lido em diversas plataformas e mantém a<br />

mesma configuração visual dos livros impressos em papel. Entretanto, o formato que mais cresce<br />

em termos de publicações é o formato ePub (Eletronic Publication), “criado para funcionar como<br />

um único formato oficial para distribuição e venda de livros digitais” (DUARTE, 2011). O ePub é um<br />

formato livre e aberto e que possui como principal característica o ajuste automático do texto na<br />

tela do dispositivo de leitura, além de possibilitar a inserção de links em textos e imagens.<br />

Outros arquivos que também já estão amplamente difundidos no cenário de livros digitais são<br />

o formato APP – aplicativo destinado principalmente para dispositivos de formato tablet, e que<br />

permite ser desenvolvido em diversos padrões e linguagens de programação, utilizando-se de<br />

diversos recursos hipermidiáticos, como som, imagens, áudio e vídeo; e o formato AZW – específico<br />

para o dispositivo Kindle, um dos pioneiros no segmento de aparelhos dedicados à leitura. Este<br />

formato também é característico de texto fluído, mas limita-se em recursos de interação e<br />

flexibilidade de layout.<br />

Percebe-se que, além do formato e do aplicativo de leitura, o dispositivo eletrônico também é<br />

fundamental no processo de leitura do eBook. Os livros eletrônicos podem ser utilizados a partir<br />

de dispositivos especializados que possuem formato e peso semelhantes aos dos livros tradicionais,<br />

com a vantagem clara de se poderem armazenar diversas obras no mesmo espaço da estante. Os<br />

eBooks podem ser utilizados a partir de computadores de mesa, notebooks, smartphones e até<br />

mesmo do mp4, que possui aplicativos simples para leitura de textos; além dos equipamentos<br />

dedicados à leitura (e-readers) e, mais recentemente, dos aparelhos tablets.<br />

Diante de tantos dispositivos eletrônicos que permitem a visualização dos eBooks, alguns<br />

apresentam características específicas que promovem novas experiências de leitura ao usuário.<br />

A tela sensível ao toque e a utilização do papel eletrônico, que reflete a luz ao invés de iluminar<br />

pixels, tendo uma imagem mais estável e menos cansativa aos olhos do leitor, são exemplos de<br />

tecnologias que buscam aproximar ainda mais o usuário de uma melhor sensação de leitura na<br />

tela de um aparelho digital.<br />

Além disso, a leitura dos livros eletrônicos é facilitada com algumas ferramentas baseadas nos<br />

hábitos de leitura do livro tradicional. Os aplicativos possuem funções como: marca-páginas, onde<br />

o usuário indica a página onde parou a leitura; blocos de anotações para indicar reflexões feitas<br />

durante a atividade; dicionário embutido para traduções ou busca de sinônimos; marcação de<br />

texto, podendo destacar trechos do livro e desmarcá-los quando quiser. Além das comodidades da<br />

tecnologia, como o controle de luminosidade, para se ajustar ao ambiente e aos olhos sensíveis,<br />

e o ajuste do tamanho da fonte. Há também o recurso do “tablet PC”, que seria uma espécie de<br />

computador em forma de prancheta, onde você pode ler seus livros e fazer anotações com sua<br />

própria caligrafia.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

302


O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

O suporte digital apresenta diversas vantagens, como: a facilidade de navegação através de links a<br />

determinadas seções da obra, menor espaço físico para armazenamento, facilidade de obtenção,<br />

possibilidade de leitura em diversas situações de iluminação, pois a tela de leitura possui sua<br />

própria energia e menor custo de produção. Apesar disso, também apresenta suas desvantagens,<br />

pois o suporte digital deixa áreas abertas para crimes, como cópias ilegais, e eventuais roubos de<br />

aparelhos de leitura, mais visados do que livros impressos. Também há problemas quanto à perda<br />

dos arquivos por erros das máquinas ou defeitos e a fragilidade de tais aparelhos, o que leva os<br />

usuários a terem cuidados extras.<br />

Materiais e métodos<br />

Para o presente estudo adotou-se uma metodologia de investigação, através de revisão<br />

bibliográfica e análise qualitativa. A revisão bibliográfica apresentada anteriormente serviu<br />

de base para o desenvolvimento da análise. Assim, buscou-se identificar as características dos<br />

produtos analisados, através de descrição e interpretação. As informações levantadas durante a<br />

análise e comparadas aos conceitos determinados durante a revisão bibliográfica darão margem<br />

às conclusões do projeto.<br />

Primeiramente foram selecionados os produtos digitais (livros) a serem analisados. Durante o<br />

levantamento opções, percebeu-se a existência de grande quantidade de materiais digitalizados<br />

ou transcritos, sem preocupações com o desenvolvimento dos aspectos interativos. Ao mesmo<br />

tempo, foram encontrados livros infantis que tinham uma grande quantidade de recursos interativos<br />

e hipermidiáticos. Entretanto, estes não foram considerados para esta análise em virtude da<br />

especificidade dos aspectos pedagógicos, não contemplados no presente estudo[3].<br />

Assim, para a análise, foram selecionados três produtos editoriais que empregam diferentes níveis<br />

de interatividade e recursos. Com isso, efetivou-se um paralelo, demonstrando as diferentes<br />

possibilidades apresentadas em cada exemplo. Ressalta-se que cada produto editorial selecionado<br />

era disponibilizado em um formato diferente, a saber: AZW (para o Kindle for PC), PDF (para o<br />

Adobe Reader) e HTML (para leitura online através de navegador). Todos eles foram acessados e<br />

lidos a partir de um mesmo dispositivo, no caso um mesmo computador[4] tradicional, permitindo<br />

que a comparação fosse realizada sem a influência de outros tipos de dispositivos.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

Produto Formato de arquivo Programa de leitura<br />

Título: Northanger Abbey (fig. 19)<br />

Autor: Jane Austen<br />

Editora: Amazon<br />

AZW (formato<br />

proprietário do Kindle)<br />

Kindle for PC<br />

Título: Caderno de Viagem (fig. 20)<br />

Autor: André Lemos<br />

Editora: Editora Plus<br />

Título: The War of the Worlds (fig. 21)<br />

Autor: H. G. Wells<br />

Editora: Bookglutton<br />

PDF (Portable Document<br />

Format)<br />

HTML (Hyper Text Markup<br />

Language)<br />

Adobe Reader<br />

Navegador Mozilla Firefox<br />

Quadro 1. Produtos selecionados para análise, seus formatos e programas de leitura.<br />

Fonte: do Autor.<br />

Figura 1. Northanger Abbey de Jane Austen, pela Amazon, no Kindle for PC.<br />

Fonte: http://www.amazon.com/Northanger-Abbey-ebook/dp/B000JML7YC/ref=pd_ybh_1?pf_rd<br />

_p= 280800601&pf_rd_s=center-2&pf_rd_t=1501&pf_rd_i=ybh&pf_rd_m=ATVPDKIKX0DER&pf_rd_<br />

r= 17N09YFQX5SECEWYA7DH.<br />

Figura 2. Caderno de Viagem de André Lemos, pela Editora Plus em PDF.<br />

Fonte: http://editoraplus.org/caderno-de-viagem.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

Figura 3. The War of the Worlds de H.G. Wells, pela Bookglutton para leitura online.<br />

Fonte: http://www.bookglutton.com/detail/H+G+Wells/The+War+of+the+Worlds/31.html.<br />

A análise foi iniciada por um fichamento do produto, objetivando, principalmente, a identificação<br />

e caracterização das peças. Os itens apresentados nesta etapa foram: Título, nome do autor,<br />

editora, tipo de produto, formato, dispositivo de leitura, programa de leitura, número de páginas,<br />

uso de tipografia, uso de cores, uso de imagens. Além disso, a Editora ou o site de hospedagem que<br />

apresenta o livro também foram apresentados, uma vez que a maneira como o usuário encontra<br />

o material também é importante. Também serve para destacar o estado do mercado editorial no<br />

meio digital e como está a aceitação do público. As primeiras percepções de características de<br />

navegação e ergonomia são retomadas nas etapas seguintes da análise e aprofundadas segundo o<br />

conhecimento da área.<br />

Para a análise da interface, foram descritos em um primeiro momento os elementos de interface.<br />

Menus, botões, ícones, janelas, caixas de diálogo, caixas de mensagem, listas, textos e links, e<br />

tela foram identificados os que estão presentes no produto analisado e, de forma descritiva, como<br />

eles são utilizados. Buscando uma visualização melhor do emprego dos recursos, imagens foram<br />

utilizadas para apresentar a localização espacial dos elementos supracitados, bem como suas<br />

características formais. A utilização de elementos em conjunto, sua organização, a elaboração de<br />

ícones, símbolos e elementos tipográficos.<br />

A navegação também foi analisada de forma descritiva, começando pelos comandos para a<br />

navegação, seguindo pela identificação do uso de elementos para navegação global e navegação<br />

local, bem como menus e links profundos. Mais uma vez estes elementos foram apresentados<br />

e destacados em imagens das interfaces dos livros digitais. Muitos aspectos da navegação são<br />

definidos pelo aplicativo de leitura, mas cabe aos responsáveis pelo produto definirem durante o<br />

projeto e elaboração do produto editorial que recursos serão disponibilizados, como por exemplo,<br />

a construção de um sumário para navegação. Através da navegação e da leitura, a estrutura de nós<br />

em que foi construído o produto pôde ser apresentada, através de mapa de ligações. O produto,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

então, foi classificado de acordo com as estruturas apresentadas durante a revisão bibliográfica<br />

(linear em cadeia, linear em anel, hierárquica, directed acyclic graph, hipercubo, hipertoro<br />

e rede). A partir da estrutura também puderam ser identificadas as estratégias de navegação<br />

que podem ser utilizadas durante a leitura, a saber: scanning, exploring, browsing, searching e<br />

wandering, conforme apresentados na revisão. (PADOVANI e MOURA, 2008).<br />

Navegação global<br />

Navegação local<br />

Estrutura do sistema<br />

Estratégias de navegação<br />

Navegação<br />

Elementos responsáveis pela apresentação dos<br />

nós principais que vão guiar o usuário dentro da<br />

organização do sistema.<br />

Elementos responsáveis pela navegação para<br />

aprofundamento do conteúdo.<br />

Como os nós de informação estão organizados<br />

e podem ser acessados pelo usuário - linear em<br />

cadeia, linear em anel, hierárquica, directed<br />

acyclic graph, hipercubo, hipertoro, rede<br />

Maneira como o usuário pode explorar o produto<br />

e conhecer seu conteúdo - scanning, exploring,<br />

browsing, searching, wandering.<br />

Quadro 2. Itens analisados na navegação.<br />

Fonte: Do autor.<br />

As estruturas dos produtos, bem como a forma como a navegação é feita se aliam ao conteúdo<br />

para determinar um nível de interatividade. A partir do levantado anteriormente na análise,<br />

pôde-se determinar, dentro dos níveis identificados durante a revisão bibliográfica, em qual nível<br />

de interatividade se encontra a peça analisada. Como níveis de interatividade, considerou-se:<br />

interatividade zero, linear, arborescente, lingüística, de criação e de comando. (SANTAELLA<br />

apud GOLFETTO & GONÇALVES, 2009). Algumas características podem trazer mais de um nível de<br />

interatividade para a peça. Isto também é determinado pelo objetivo do usuário em sua tarefa e<br />

sua visão sobre as possibilidades do livro digital.<br />

Discussão<br />

A partir das três análises realizadas, efetuou-se uma síntese, reunindo-se as características em<br />

comum e destacaram-se os principais pontos dos produtos em questão. A seguir, apresenta-se um<br />

quadro comparativo considerando o uso dos principais recursos identificados em livros digitais. O<br />

quadro a seguir também permite a comparação entre os produtos analisados.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

Recursos possíveis<br />

em uma edição<br />

digital<br />

Ferramenta de busca<br />

textual<br />

Northanger Abbey -<br />

Amazon<br />

Não<br />

Caderno de Viagem -<br />

Editora Plus<br />

Sim<br />

The War of the<br />

Worlds - Bookglutton<br />

Apenas através do<br />

navegador, o que<br />

causa o erro de<br />

navegação através da<br />

tecla TAB.<br />

Animações contextuais<br />

(ilustrativas)<br />

Não Não Não<br />

Animações interativas Não Não Não<br />

Som Não Não Não<br />

Vídeos Não Não Não<br />

Ampliação de página<br />

(zoom)<br />

Vários níveis de<br />

ampliação<br />

Sinalização de áreas<br />

ativas<br />

Sinalização visual de<br />

hiperlinks<br />

Navegação por páginas<br />

ampliadas<br />

Mudança de página<br />

com ampliação<br />

ativada<br />

Segmentação de<br />

conteúdo sensível ao<br />

clique<br />

Navegação por<br />

sumário<br />

Navegação por prévisualização<br />

de<br />

página<br />

Navegação por<br />

digitação de número<br />

de<br />

página<br />

Não, apenas mudança<br />

no tamanho de fonte.<br />

Não, apenas mudança<br />

no tamanho de fonte.<br />

Sim<br />

Sim<br />

Não, apenas mudança<br />

no tamanho de fonte.<br />

Não, apenas mudança<br />

no tamanho de fonte.<br />

Sim Sim Sim<br />

Não aplicável.<br />

Sim, na mudança do<br />

tamanho de fonte.<br />

Sim, na mudança do<br />

tamanho de fonte.<br />

Não<br />

Sim, mas não em<br />

todos.<br />

Sim.<br />

Sim<br />

Sim, mas com poucos<br />

itens.<br />

Sim<br />

Sim, na mudança do<br />

tamanho de fonte.<br />

Sim, na mudança do<br />

tamanho de fonte.<br />

Sim<br />

Não Sim Não<br />

Sim Sim Não<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

Navegação pelo<br />

teclado<br />

Seleção e cópia de<br />

conteúdo de texto<br />

Impressão em alta<br />

resolução<br />

Impressão de<br />

múltiplas páginas<br />

Hiperlinks para fora<br />

da edição<br />

Sim<br />

Sim<br />

Sim, mas pela tecla<br />

de espaço, não pelas<br />

setas direcionais<br />

Sim Sim Sim<br />

Não Não Não<br />

Sim Sim Não<br />

Não Sim Sim<br />

Visualização offline Sim, somente. Sim.<br />

Visualização em tela<br />

cheia (full screen)<br />

Instruções de uso ou<br />

ajuda<br />

Ferramenta de<br />

anotação (notes)<br />

Ferramenta de realce<br />

(highlights)<br />

Compartilhamento<br />

com outros usuários<br />

Sim, com download do<br />

arquivo<br />

Sim Sim Sim<br />

Sim, através do menu<br />

Sim, através do menu<br />

Sim, em uma página<br />

do site específica<br />

Sim Sim Sim<br />

Sim Sim Não<br />

Não Sim Sim<br />

Quadro 3. Recursos possíveis em edições digitais.<br />

Fonte: Adaptado de GOLFETTO & GONÇALVES (2009, p.8)<br />

A partir do exposto no quadro 3, percebe-se que recursos interativos e que construiriam uma<br />

experiência diferenciada, como o uso de animações, vídeos e sons, não são utilizados pelos livros<br />

analisados. Sua forma ainda está muito ligada ao material impresso tradicional. Também devese<br />

considerar que alguns gêneros, como os romances, admitiriam menos recursos interativos,<br />

pois tem como base textos antigos que já estão em domínio público e que não receberam novos<br />

projetos. Livros projetados especificamente para uma edição digital, como é o caso de Caderno de<br />

Viagem, já estariam mais abertos ao uso destes elementos. Por outro lado, ferramentas de notas<br />

e marcações estão presentes nos três produtos.<br />

Os livros analisados foram considerados de tamanho médio (com 250 páginas em média), que<br />

utilizam como base o texto em tons de cinza. Apenas Caderno de Viagem possui imagens que<br />

complementem o texto, utilizando cores ou não. Os outros dois produtos são primariamente em<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

tons de cinza, principalmente pelo fato de apresentarem apenas texto. O código cromático é<br />

utilizado nas ferramentas e recursos.<br />

As interfaces iniciais apresentam um destaque para a página do livro, e para a navegação, seja<br />

com áreas bem definidas ou botões grandes. O elemento principal é o texto, uma vez que tratamse<br />

de romances. Contudo, pela quantidade de recursos disponíveis, os ícones possuem funções<br />

importantes, podem aparecer acompanhados por texto, o que reforça seus significados e são<br />

utilizados em sua maioria nos botões das interfaces. Apenas o livro Caderno de Viagem possui<br />

links em maior quantidade, inclusive links para locais externos ao produto, que complementam o<br />

texto, ajudam o leitor a se localizar e fornecem informações complementares ao assunto tratado<br />

no material. Com exceção de Northanger Abbey, a navegação dos demais produtos é apoiada pelo<br />

sumário, que funciona como um menu para seleção de um ponto específico da edição.<br />

Os conceitos de navegação global e navegação local, muito utilizados no contexto dos sites para<br />

internet, não se encaixam plenamente no caso dos livros digitais. Aqui tratou-se a navegação global<br />

como o sumário, que é uma analogia ao livro tradicional e traz a estrutura do livro. O sumário é um<br />

elemento presente nos livros tradicionais e que serve de referência para a navegação. As seções<br />

do livro devem estar determinadas de forma clara, de maneira que o usuário possa rapidamente<br />

identificar o ponto do produto que deseja visualizar. Em um romance serve para a busca de<br />

uma passagem que se deseja relembrar ou para a retomada da leitura, que ocorre de maneira<br />

mais linear. Entretanto, nem todas as publicações apresentavam sumário, como é o caso do livro<br />

Northanger Abbey, e mesmo assim, podia-se realizar saltos com uma certa nível de orientação<br />

sobre a parte do livro onde se estava, função dos elementos da navegação global. Há uma barra<br />

de progresso através da qual se percebe o processo de leitura, fornecendo uma localização geral<br />

dentro do livro, além de ser uma ferramenta para saltos dentro do texto. O sumário aparece nos<br />

dois outros livros, sendo que o livro Caderno de Viagem possui poucos itens neste e o livro The<br />

War of the Worlds não tem títulos para os capítulos, utilizando apenas sua numeração no sumário.<br />

A navegação local dos produtos analisados ocorre apenas na mudança de página, ao se avançar<br />

ou retroceder. Não há links dentro das próprias páginas dos livros analisados para aprofundar o<br />

conteúdo em cima de determinado conceito, apenas links exteriores ou para saltos dentro do livro.<br />

Por ser a principal forma de navegação, a mudança de página deve ocorrer de maneira intuitiva.<br />

Para isso, utiliza-se tanto a memória em relação aos livros tradicionais, ao se colocar setas de<br />

avanço ou retrocesso nas laterais das páginas, como a memória em relação a outros programas,<br />

ao se usar a barra de rolagem e o scroll do mouse, o teclado ou uma área de navegação.<br />

Também observa-se o caso da navegação para além do livro, como o catálogo da Bookglutton, a<br />

partir do qual se pode selecionar outro livro para leitura. Seria uma espécie de navegação global<br />

dentro do contexto de uma plataforma de leitura ou site de editora. O programa Kindle for PC<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

também fornece uma lista dos livros do usuário como uma espécie de biblioteca, podendo ser<br />

acessada a qualquer momento durante a leitura. É mais um tipo de navegação durante o uso dos<br />

livros digitais, ocorrendo entre edições ou bibliotecas. Estes elementos específicos do livro digital<br />

não são tratados com tanta clareza dentro dos conceitos de navegação global e local. Um estudo<br />

mais aprofundado nesta área pode trazer novos conceitos para avaliações e análises de outros<br />

livros, bem como uma melhor classificação dos elementos de navegação das edições digitais.<br />

Os livros podem apresentar até um nível de interatividade de criação, em virtude da possibilidade<br />

de anotações ao longo texto, comentários que podem ser compartilhados e apresentados a outros<br />

usuários dentro do contexto determinado. Pode-se optar por uma leitura linear, sem utilizar os<br />

recursos dos arquivos e programas, tendo-se uma interatividade linear. O programa Kindle for<br />

PC e a plataforma de leitura da Bookglutton mesmo gravam o ponto do livro onde o usuário<br />

parou sua leitura para que não haja necessidade de uma busca pelo livro, tornando o processo<br />

claramente linear. Os produtos oferecem recursos ao usuário, mas cabe a ele determinar o nível<br />

de interatividade que desejará experimentar durante a leitura.<br />

Em sua maioria, os critérios ergonômicos são tratados de maneira coerente. Quanto à orientação,<br />

tem destaque o livro The War of the Worlds, que possui condução bem resolvida, com elementos<br />

convidativos e instruções simples presentes durante seu uso. Assim como os demais materiais,<br />

fornece feedback e ajuda, além de ter suas áreas de interface definidas para indicar ao usuário<br />

onde agir.<br />

A carga de trabalho é minimizada pela legibilidade boa nos produtos, com recursos de mudança<br />

no tamanho da fonte ou de zoom, recursos de navegação que evitam a sobrecarga da memória<br />

de curto prazo e uma boa clareza visual na maioria dos elementos. Quanto à legibilidade, têm-se<br />

como destaque Northanger Abbey, que através do programa possui recursos não só para mudar<br />

o tamanho da fonte, mas também para mudar a cor da página e seu brilho, podendo o usuário<br />

ajustar conforme sua vontade para uma configuração que lhe pareça mais confortável. Problemas<br />

apresentados quanto à clareza visual, estão principalmente relacionados a elementos que podem<br />

iniciar alguma ação. Botões sem forma definida e principalmente links sem indicação. No caso de<br />

Caderno de Viagem, há dois links presentes em todas as páginas, que além do texto que os forma<br />

não ter muito destaque, não há indicação de que gerem alguma ação. A menos que o usuário os<br />

perceba e se interesse em passar o mouse sobre eles, o que faz com que a forma do cursor se<br />

altere, eles não serão percebidos. De forma similar é tratado o menu sumário do mesmo produto.<br />

Os códigos são comuns a outros programas, sendo em sua maioria conhecidos pelos usuários e bem<br />

utilizados nos rótulos, como textos e/ou ícones. A padronização é visivelmente bem trabalhada<br />

nos três produtos, com algumas poucas variações na configuração da página.<br />

Considerações finais<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

Ao longo do estudo identificou-se que há uma grande quantidade de formatos, programas e<br />

dispositivos que já são utilizados na criação e leitura de livros digitais. Cada formato trabalha<br />

com recursos específicos e determina as possibilidades do produto, tanto para sua interatividade<br />

como para a elaboração de seu projeto gráfico. As publicações tradicionais, conforme se dava<br />

a ascensão do meio digital, também aproveitaram alguns recursos, ampliando seus conceitos,<br />

linguagem gráfica, transformando o processo de leitura.<br />

As ferramentas e recursos interativos, como as notas e marcações, são os pontos fortes das edições<br />

digitais de livros. Estas simulam do que pode ser realizado em um livro tradicional, possibilitando,<br />

ainda, o compartilhamento das idéias com outros leitores. Neste sentido, destaca-se o livro The<br />

War of the Worlds e a plataforma de leitura da Bookglutton, pois esta permite o acesso a uma rede<br />

social focada nos livros publicados em seu site. Assim, comentários podem ser compartilhados<br />

pelos usuários para resolução de dúvidas, discussões, bem como utilizar o diálogo em tempo<br />

real para as leituras em grupos. Cria-se assim uma experiência rica e se trata a interpretação do<br />

texto de uma maneira diferenciada, uma vez que conclusões podem surgir destas discussões. Os<br />

destaques das passagens de texto, feitos normalmente em amarelo são uma simulação também<br />

dos marcadores nos impressos tradicionais. Apesar de ser uma cor vibrante, é usada com cuidado<br />

e não atrapalha a leitura e serve bem ao propósito do destaque.<br />

O livro Northanger Abbey e o programa Kindle for PC trazem diferentes oportunidades de configuração<br />

da página, podendo o usuário ajustar tamanho de fonte, cor e brilho da página conforme a luz<br />

ambiente e suas preferências pessoais até o ponto que se sentir mais confortável. Apesar de as<br />

setas nas laterais da página não estarem sempre visíveis, a aproximação do mouse destas áreas já<br />

as revela, sendo um processo bastante intuitivo de navegação, ainda sendo auxiliado pelo uso das<br />

teclas direcionais do teclado para avançar e retroceder as páginas. A navegação, porém, ocorre<br />

com base na mudança de página em página, sendo muito difícil uma orientação geral dentro do<br />

livro. Não há sumário e os saltos devem ser feitos através da barra de progresso ou da caixa de<br />

diálogo para avanço que utiliza como parâmetro a numeração dos parágrafos. Por outro lado, o<br />

programa salva o progresso do usuário, abrindo sempre o livro na última página lida, o que facilita<br />

sua navegação, já que o usuário não precisa procurar a seção do texto onde estava na última vez,<br />

nem criar uma marcação para isso.<br />

O arquivo em PDF tem poucos recursos de customização, sendo o tamanho da página, fonte,<br />

cores todos fixos. Caderno de Viagem, porém, aproveita outros recursos, como o uso de links nas<br />

legendas e nos textos e imagens em quantidade. É de um gênero diferenciado. Enquanto os outros<br />

livros analisados são romances antigos, este já foi produzido tendo em vista a edição digital. O<br />

arquivo é lido offline e há várias maneiras de avançar pelas páginas, seja pela área de navegação<br />

na barra de ferramentas, seja pelo teclado pelas setas direcionais, tanto no eixo horizontal como<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

no vertical, ou pelo mouse através da barra de rolagem ou do botão de scroll. Outros programas<br />

rotineiros utilizam uma ou mais destas formas de navegação, sendo bastante conhecidas pelos<br />

usuários. Além disso, o formato PDF já é amplamente difundido na internet, sendo conhecido<br />

por grande parte dos usuários. Não há como salvar o progresso de leitura, sendo que o usuário<br />

deve marcar a página onde parou de ler para prosseguir em um próximo momento. Para isso ele<br />

pode se basear em sua memória ou nos recursos de marcação do arquivo. A Adobe já disponibiliza<br />

gratuitamente um outro programa especial para a leitura de edições digitais, o Digital Editions,<br />

que salva o progresso do usuário e organiza bibliotecas, com pastas e grupos para uma grande<br />

quantidade de livros. O programa lê arquivos em formato PDF e ePub, os mesmos em que está<br />

disponível o livro Caderno de Viagem.<br />

O livro The War of the Worlds, de H. G. Wells, apresentado pelo aplicativo de leitura da Bookglutton<br />

foi o que melhor utilizou possibilidades do meio digital online, oportunizando conversas em tempo<br />

real durante a leitura do livro, suportadas pela apliativo. Sua interface possui áreas bem definidas,<br />

com a página, as abas laterais de conversa e marcações e a área de navegação. O uso de cor para<br />

diferentes áreas é fundamental para a identificação dos elementos, bem como sua coerência<br />

formal. Apesar de haver oportunidade de navegação pelo teclado, a partir da tecla de espaço para<br />

avançar páginas, isto não é informado ao usuário e as tentativas de outros meios de navegação via<br />

teclado (setas direcionais, tecla Tab) podem resultar em frustrações, uma vez que são recursos<br />

comuns em outros programas de leitura e mesmo em sites na internet. A navegação fica muito<br />

restrita à área inferior da interface.<br />

O design gráfico do livro tem a função de fazer a mediação entre conteúdo e leitor, colaborando<br />

para a compreensão da mensagem e a eficácia da comunicação. Em virtude das possibilidades do<br />

meio digital, deve-se realizar projeto específico de interação e navegação. A familiaridade dos<br />

leitores com a internet traz metáforas ou simulações além daquelas transportadas das publicações<br />

tradicionais para as digitais. As publicações digitais na atualidade representam a mescla dessas<br />

experiências trazidas desses dois universos.<br />

Notas<br />

[1] O relatório completo da pesquisa pode ser obtido por meio do link http://stream.aptaracorp.<br />

com/Aptara_eBook_Survey_3.pdf.<br />

[2] Aqui se utilizam os conceitos também referidos por Padovani & Moura (2008); Interação:<br />

processo de comunicação estabelecido entre o usuário e o sistema durante a realização de tarefas;<br />

Interatividade: característica variável que se refere ao quão pró-ativo a configuração do sistema<br />

permite que o usuário seja durante o processo de interação.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

[3] O universo infantil exige um tratamento diferenciado, sendo utilizados estímulos diferentes<br />

do que para os adultos. Os livros infantis exigem grande atenção às ilustrações e sua articulação<br />

com o texto para prender a atenção das crianças, por exemplo.<br />

[4] Processador Intel Core 2 Duo, som e vídeo onboard, Memória RAM de 3GB, placa de rede Intel,<br />

gravador de CD/DVD, teclado, mouse ótico, monitor Philips de 17” com resolução de 1280 x 1024<br />

px. Equipamento Disponível no Laboratório de Hipermídia (HIPERLAB) no EGR/CCE – UFSC.<br />

Referencias<br />

CASTEDO, Raquel da Silva. Revistas Científicas on-line de Comunicação no Brasil: a produção<br />

editorial sob o impacto da tecnologia digital. UFRGS. Faculdade de Biblioteconomia e<br />

Comunicação. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação. Porto Alegre 2009.<br />

Volume I Dissertação (mestrado) 284p.<br />

CASTEDO, Raquel. GRUSZYNSKI, Ana. A produção editorial de revistas científicas on-line: uma<br />

análise de publicações brasileiras da área da Comunicação. In Anais do Congresso Brasileiro de<br />

Ciências da Comunicação. Curitiba: Intercom, 2009. CD-ROM.<br />

DUARTE, Márcio. <strong>Design</strong> editorial e digital publishing: perguntas frequentes. 22 set. 2011.<br />

PageLab. Disponível em: http://www.pagelab.com.br/2011/design-editorial-e-digital-publishingperguntas-frequentes/.<br />

Acesso em: 07 out. 2011.<br />

FERNANDEZ, Andréa Ferraz, et al. Modelo de Produto Híbrido para Comunicação Digital Online:<br />

Execução de Projeto para Produção Colaborativa e Coletiva de Conhecimento. In Anais do<br />

Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Curitiba: Intercom, 2009. CD-ROM.<br />

GOLFETTO, Ildo Francisco. GONÇALVES, Berenice Santos. Edições Digitais de Periódicos:<br />

Gradações de Interatividade e Potencial Hipermidiático. In Anais do Congresso Brasileiro de<br />

Ciências da Comunicação. Curitiba: Intercom, 2009. CD-ROM.<br />

LONGHI, Raquel Ritter. Os nomes das coisas: em busca do especial multimídia. In Anais do<br />

Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Curitiba: Intercom, 2009. CD-ROM.<br />

MÁQUINA de ler. [s.d] Disponível em . Acessado em: 26 ago. 2008.<br />

MCCLOUD, Scott. Reinventando os Quadrinhos. São Paulo: M. Books do Brasil, 2006.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O livro e as novas modalidades de publicações frente às potencialidades das mídias digitais<br />

NATANSOHN, Graciela. SILVA, Tarcísio. BARROS, Samuel. Revistas Online: cartografia de um<br />

território em transformação permanente. In Anais do Congresso Brasileiro de Ciências da<br />

Comunicação. Curitiba: Intercom, 2009. CD-ROM.<br />

PADOVANI, Stephania. MOURA, Dinara. Navegação em hipermídia: uma abordagem centrada no<br />

usuário. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2008.<br />

PINHEIRO, Carlos. Relatório Aptara revela a força do ebook. Sintra, 27 set. 2011. Ler ebooks.<br />

Disponível em: http://lerebooks.wordpress.com/2011/09/27/relatorio-aptara-revela-a-forca-doebook/.<br />

Acesso em: 07 out. 2011.<br />

PROCÓPIO, Ednei. O livro na era digital. São Paulo: Giz Editorial, 2010.<br />

RADFAHRER, Luli. <strong>Design</strong>/Web/<strong>Design</strong>: 2. São Paulo: Market Press, 2001.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como<br />

guardiões da memória.<br />

Mártyres, Mayra Ferreira. Mestranda em <strong>Design</strong> Gráfico: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>.<br />

mayra.martyres@gmail.com<br />

Silva, Jofre. PhD. Professor do Mestrado e dos cursos de Graduação em <strong>Design</strong> da <strong>Universidade</strong><br />

<strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>. jofre@anhembi.br<br />

Resumo<br />

A finalidade deste artigo e relatar o resultado parcial da dissertação de mestrado<br />

em <strong>Design</strong> Gráfico que analisa os cartões postais da cidade de Belém do Pará no<br />

período denominado Belle Époque (1870 a 1912), por retratarem as principais realizações<br />

da época e as melhorias urbanísticas que representava a ideia de cidade<br />

moderna. Avaliaremos o avanço tecnológico dos meios gráficos, a reprodutibilidade<br />

técnica, elemento propulsor no desenvolvimento dos meios de comunicação<br />

postal e como eles condicionaram e divulgaram lembranças dos lugares retratados<br />

e “imprimiram” a ideia de como era viver nesse período, tornando-se “guardiões<br />

da memória”. Analisar as dimensões entre o cartão postal e a cidade é fundamental<br />

para entendermos a importância da imagem e o design utilizado na confecção<br />

dos cartões portais, artifícios que alteram o olhar do leitor e o uso que os sujeitos<br />

sociais fazem dele, atribuindo uma concepção imaginativa sobre determinados<br />

espaços para sua melhor comercialização.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Design</strong>, cartão postal e tecnologia, Belém do Pará.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

Introdução<br />

Este artigo tem como proposta analisar o design do cartão postal da cidade de Belém do Pará,<br />

datados de 1870 a 1912, a partir de material coletado com colecionadores e publicados no livro<br />

intitulado Belém da Saudade (SECULT-PA, 1998), como um fenômeno de produção de sentido e<br />

como meio de comunicação interpessoal, onde a tecnologia na reprodução das artes gráficas<br />

incorporada ao design do postal tornou-se instrumento de difusão cultural fazendo do mesmo,<br />

um objeto de consumo, pois “[...]o postal ilustrado é em simultâneo um meio de comunicação<br />

interpessoal, um instrumento de difusão e de publicidade associado às indústrias culturais, um<br />

objeto de consumo e um objeto de coleção” (CORREA, 2008, p.118).<br />

Os postais dessa época retratam uma cidade (Belém do Pará) que vivia um período de grande<br />

transformação, a Belle Époque [1], principalmente na sua estrutura urbana, toda advinda da sua<br />

principal fonte de riqueza, a extração da borracha. A industrialização do látex [2] e a invenção<br />

do pneumático [3] na Europa, estabeleceram uma relação de dependência entre as indústrias da<br />

região amazônica, europeia e norte americana, onde o Pará tinha a matéria prima e a Europa a<br />

industrialização. Em decorrência do capitalismo estrangeiro infiltrado na região, Belém do Pará<br />

foi se urbanizando tendo a frente à figura do Intendente Antônio Lemos [4] que administrou a<br />

cidade por 15 anos.<br />

A chamada Belle Époque paraense, por reproduzir um cenário Europeu em plena América do Sul,<br />

refletia o ritmo das exportações e se desdobrava na arquitetura e nas atitudes sociais de seus<br />

habitantes, que segundo Sarges (2002), passaram a ser manifestadas por meio do vestuário, da<br />

construção de prédios luxuosos, cafés, instalação de luz elétrica, bondes e ferrovias, criação de<br />

parques, praças e cinemas.<br />

Figura 1: Avenida 22 de junho.<br />

Fonte: (SECULT-PA, 2002).<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

Nesse cenário, o design do cartão postal com as suas novas tecnologias gráficas torna-se<br />

importante registro fotográfico da elite paraense, que se utilizou do postal, esse renovador meio<br />

de comunicação, para expressar e divulgar para o mundo, a modernidade de sua cidade.<br />

Os cartões postais passaram a representar importante fonte de registro fotográfico para subsidiar<br />

a leitura e compreensão da historia da cidade, além de registrar elementos de design agregados a<br />

tecnologia vigente. Por isso, é importante o estudo do design dos cartões, hoje, como representação<br />

de uma época, ou seja, “representações visuais e mentais do mundo, que todos carregamos, e é<br />

transmitida como que em herança, social e individual. A imagem é um órgão da memória social”<br />

(PESAVENTO apud RAMOS; PATRIOTA; PESAVENTO, 2008, p.19).<br />

Metodologia<br />

Ao iniciarmos a pesquisa percebemos que deveríamos elaborar um critério de seleção, ou seja,<br />

um recorte, já que o universo de cartões postais existentes era imensurável. Assim partimos<br />

da análise de cartões postais datados de 1882 a 1912, reunidos no Livro Belém da Saudade com<br />

foco no design desenvolvido na época, ou seja, a escolha do cartão postal como um suporte de<br />

adequação de forma e função, aos objetivos sociais e políticos do produto e a tecnologia utilizada,<br />

nesse período, para produção em massa.<br />

A pesquisa é de natureza científica documental, com objetivos descritivos, obedecendo a<br />

procedimentos de fontes bibliográficas e forma de abordagem qualitativa, se baseando em<br />

métodos dedutivos e se valendo de materiais imagéticos.<br />

Para a pesquisa se desenvolver na relação teórico-prática se faz necessário:<br />

• Revisão histórica, políticas e social da cidade de Belém do Pará na época da borracha, Belle<br />

Époque (1870 a 1912). Analisando o processo histórico, seu modelo de desenvolvimento, sua<br />

economia e seus conflitos.<br />

• Leitura da Literatura especializada, (ou mesmo na Internet), banco de informações e de<br />

registros iconográficos, obtenção de fontes de registros técnicos (planos municipais), científicos<br />

(publicações acadêmicas), além de jornais e revistas, em seguida estudo da mídia e análise das<br />

características utilizadas pelas gráficas para produção de massa<br />

• Seleção de imagens de cartões postais que retratassem a temática abordada e finalmente a<br />

escolha do livro Belém da Saudade, como um recorte para análise do tema abordado. Seleção<br />

dos carões postais do livro que seriam sujeitos da análise final.<br />

Para estudo das questões centrais deste artigo e para possibilitar reflexões acerca dos aspectos<br />

necessários a serem atingidos, faremos uma análise preliminar de alguns aspectos que serão<br />

abordados com mais profundidade na dissertação final.<br />

Formataremos no desenrolar deste artigo o caminho interpretativo e a investigação sócio-culturalpolítica<br />

sobre o assunto, cartão postal, registrado e valorizado no período da Belle Époque, e as<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

transformações técnicas e do design que existiam até esse período (1870 a 1912).<br />

A História dos cartões-postais: uma introdução<br />

Para compreender adequadamente o estudo do design dos postais, é interessante o conhecimento<br />

de sua história. Conhecer as suas origens, o sentimento provocado por estas imagens, nos ajuda<br />

a obter o melhor entendimento de como sua reprodutibilidade em massa passou a funcionar<br />

como elemento propagador da construção da imagem das cidades idealizadas pelas elites e pelos<br />

Estados.<br />

Oficialmente os postais foram lançados em 26 de janeiro de 1869. Emmanuel Hermman (austríaco)<br />

produziu uma coleção intitulada “um novo meio de correspondência postal” onde sugere as<br />

autoridades de seu país o uso de cartões abertos. Rapidamente a sugestão é aceita e entra em<br />

vigor no dia 1º de outubro do mesmo ano (VASQUEZ, 2002).<br />

Figura 2: 1º Cartão postal produzido por Emmanuel intitulado “um novo meio de<br />

correspondência postal”.<br />

SOBRENOME AU-<br />

Fonte: História da Cartofilia 2010).<br />

TOR<br />

Pedaço de cartolina de dupla face, de tamanho pequeno, o cartão postal se caracterizou sempre pela<br />

economia de linguagem. Eram conhecidos como bilhetes postais e os primeiros eram monopólios<br />

do governo, que fazia a impressão e regulamentava a circulação no território nacional.<br />

No Brasil os postais chegam no ano de 1880, introduzido pelo Decreto no 7.695 de 28 de abril e<br />

“possuíam em um dos lados, o timbre do governo que os editava e o local reservado a expedição<br />

e, no outro, o espaço reservado a mensagem” e duas eram as classe dos bilhetes postais utilizadas<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

em território nacional conforme relata Miranda (1986),<br />

[...] os destinados a correspondência interna, de cor azul, ao preço de<br />

50 réis os simples e 100 réis os duplos, isto é com resposta paga, e os<br />

referentes a correspondência internacional, com os países que faziam<br />

parte da União Postal Universal, de cor laranja, a razão de 80 e 100<br />

réis. Posteriormente foi criada uma terceira, de cor verme (MIRANDA,<br />

1986, p.13).<br />

Figura 3: Cartão postal de correspondência interna simples.<br />

Fonte: RHM Filatelistas (2010).<br />

Figura 4: Cartão postal de correspondência interna duplo.<br />

Fonte: RHM Filatelistas (2010).<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

Figura 5: Bilhete Postal de 20 réis, em cor vermelha.<br />

Fonte: RHM Filatelistas (2010).<br />

Seu baixo custo e simplicidade contribuíram para o postal ser um sucesso imediato no meio das<br />

comunicações. Na perda do monopólio oficial no final do século, o cartão postal passa a ser<br />

confeccionado pela iniciativa particular, associando a mensagem verbal a diferentes padrões<br />

ilustrativos. Uma face do cartão postal passa a ser utilizada por ilustrações e fotografias, “chegando<br />

a se desdobrarem em duas e até mesmo em três cartelas com uma só paisagem de 180o” como<br />

relata Miranda (1986, p.13).<br />

Figura 6: Cartão Postal de duas dobras com vista panorâmica do Cais do Porto de 1909.<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998).<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

Em 1870, com os cartões-gravuras do livreiro Leon Besnardeau [5], que mostravam retratos da<br />

guerra fraco-prussiana, e com o advento da ilustração, o cartão postal em razão de tal inovação,<br />

se torna objeto de desejo dos franceses que reivindicam o país como pioneiro na utilização das<br />

gravuras e ilustrações no design dos postais.<br />

As primeiras imagens foram surgindo nos anversos dos cartões postais por volta de 1875. Os novos<br />

padrões gráficos passaram a utilizar métodos de impressão feitos pelos processos de litogravura<br />

[6], fotografia, fotolitografia [7] e pinturas aquareladas.<br />

Os primeiros cartões postais ilustrados que sucederam o bilhete-postal, sem a estampa do Correio,<br />

produzidos no Brasil, possuíam design inspirado em motivos art-nouveau com alegorias florais,<br />

elaboradas vinhetas e artísticos grafismos conhecida como Gruss aus..., expressão alemã que<br />

significa Saudações de..., mas que também era traduzida como Lembranças de ou Recordações<br />

de. Hoje são peças valiosas pela raridade, pela beleza artística e por terem sido produzidas antes<br />

de 1900, como relata Gerodetti, João Emílio – Cornejo, Carlos (2004, p. 242).<br />

A partir de então, a produção e comercialização local se desenvolvem, expandindo-se pelas<br />

principais cidades do país. Surgem as primeiras séries nacionais: litografias coloridas, gravadas a<br />

buril produzido por Victor Vergueiro Steidel.<br />

Figura 7: Cartão Postal produzido por Victor Vergueiro Steidel<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998)<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

Os primeiros cartões postais com imagens de Belém do Pará, sem a marca de edição, é da série<br />

“Sud America”, de Albert Aust, impressos na França, que também foi pioneira em cartões postais<br />

de Pernambuco, Paraná e Bahia com o mesmo padrão gráfico que seria adotado futuramente pela<br />

Papelaria Silva, situada em Belém do Pará.<br />

Figura 8: Cartão Postal da série “Sud América” onde mostra o tradicional caminho que levava ao<br />

Convento de Santo Antônio (edificado no séc. XVIII)<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998).<br />

Esse processo, na concepção de Benjamin (1955), permitiu às artes gráficas irem ilustrando<br />

o cotidiano, porém, poucas décadas após a invenção da litografia, as artes gráficas foram<br />

ultrapassadas pela fotografia.<br />

O advento da fotografia nos cartões postais influenciou a mentalidade dos homens com a<br />

possibilidade de conhecer visualmente o mundo. De acordo com Vasquez (2002), isso ocorreu pelo<br />

crescimento do uso da imagem no cotidiano, que com a evolução tecnológica se tornou acessível<br />

a um grande contingente populacional.<br />

Os cartões postais eram em maioria, produzidos por livrarias, papelarias e casas editoriais. O<br />

emprego da palavra cartão-postal como sinônimo dos pontos turísticos de uma cidade ou de uma<br />

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bela vista urbana viria, assim, desta época, onde o discurso que se pautava era pela intervenção<br />

do Estado no espaço urbano, com a finalidade de modernizá-lo e embelezá-lo, modificando a<br />

imagem do país no exterior.<br />

Figura 9: Cartão Postal do Mercado de Ferro (Vêr-o-peso), construção em ferro vindo da Europa<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998).<br />

A evolução tecnológica “ao multiplicar o reproduzido, coloca no lugar de ocorrência única a<br />

ocorrência em massa” e permite “à reprodução ir ao encontro de quem preende, actualiza o<br />

reproduzido em cada uma das suas situações” (BENJAMIN 1992, p.79). Desta forma, a estrutura<br />

do cartão postal no seu design frente e verso, na comunicação privada (remetente e destinatário)<br />

e na utilização de imagens massivas, reproduzem um diálogo entre a história da arte e a história<br />

da tecnologia no design do cartão postal, utilizando-se da reprodutibilidade técnica enquanto<br />

suporte de reprodução e circulação de imagens públicas.<br />

Imagens Reprodutíveis no design dos cartões postais<br />

O cartão-postal, com o advento da técnica fotográfica incorporado no seu design, era, na época,<br />

o meio mais adequado de realçar alguns detalhes do espaço urbano que referenciava a atuação da<br />

sociedade, na construção e na seleção de alguns de seus conceitos e imagens representativas do<br />

momento vivido. Essa nova tecnologia reforça o que diz Kneller (1980) que<br />

a tecnologia, com base cientifica, pode ser aplicada para desenvolver<br />

técnicas e organizar as atividades humanas, reforçando o social e o<br />

cultural, porém essas inovações tecnológicas precisam mostrar a<br />

necessidade de se utilizar esse produto e de que eles agregam valores<br />

a sociedade (KNELLER, 1980, p.259).<br />

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Essa nova função do cartão postal, de reproduzir imagens da cidade e divulgar nos lugares mais<br />

distantes as paisagens em destaque, provocando em quem o recebia uma imagem positiva do que<br />

está sendo representado, levou alguns estudiosos a acreditarem que essa era uma forma possível<br />

de documentar todas as apreensões de uma época, fazendo desses cartões postais um elo de<br />

comunicação do passado com o presente, guardando, para a posteridade, a memória de uma<br />

época através de um acervo de imagens o que era a paisagem, o espaço e as práticas da cidade<br />

naquele momento preciso. Como afirma Sevcenko (1999)<br />

[...] o postal parece revelar o minucioso trabalho que incide na<br />

conquista da paisagem pelo olhar do viajante. A conjunção que se<br />

estabelece com o texto e a imagem, sublinhada a atitude deliberada<br />

do remetente em persuadir o destinatário a compartilhar, ao seu modo<br />

o gosto da viagem. De uma maneira ou de outra, o cartão procura<br />

estabelecer uma comunicação entre o ausente e assim restituir uma<br />

distância (SEVCENKO, 1999, p.425).<br />

Figura 10: Cartão Postal da Avenida 16 de Novembro, mostrando os bondes elétricos e os<br />

quiosques de vendas das passagens que se espalhavam pela cidade.<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998).<br />

Essa organização formal, de elementos visuais - tanto textuais, quanto não-textuais-, no design<br />

desses cartões postais da época, denotam a preocupação dos livreiros e fotógrafos em compor<br />

peças gráficas reproduzíveis com o objetivo expressamente comunicacional, com finalidades<br />

propagandistas.<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

Figura 11: Cartão Postal da Fábrica Palmeiras fundada em 1892<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998).<br />

Como somos levados a “ler” imagens e o que elas significam, um ponto muito relevante é a<br />

concepção do ver e do interpretar que estão ligados a essas imagens. Além da fisiologia da visão<br />

que vai definir como as vemos e da psicologia que dá a percepção como a interpretamos, existe o<br />

fator cultural que influencia essa construção e a relação mais efetiva entre a obra e o observador,<br />

pois elas estão ligadas às relações espaciais que experimentamos no dia-a-dia.<br />

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Figura 12: Cartão Postal do vendedor de peixe da coleção “Costumes Paraenses”<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998).<br />

Esses cartões postais têm como matéria-prima o real, mas sempre o olhar de quem vê acrescenta<br />

algo, mesmo quando produzem imagens, aparentemente fiéis, o olhar escolhe e modifica, por<br />

conseguinte, estabelecendo relações de valor do que se lê e o que se deseja.<br />

É na década de 1970, como cita Vasquez (2002), que os postais de fotógrafos-autores e os de<br />

reprodução de obra de arte, produzidas e editadas pelos museus, propiciam a valorização das<br />

imagens captadas e o prestígio do fotógrafo, modificando assim, o valor e o uso dos postais como<br />

peça de colecionadores.<br />

Figura 12: Cartão Postal do Boulevard da República, de série numerada da Editora Tavares<br />

Cardoso & C. – Livraria Universal, onde se localiza o prédio da Recebedoria Pública, seu anexo e<br />

o Mercado de Ferro.<br />

Fonte: Livro Belém da Saudade (1998).<br />

Desta forma, os postais que eram utilizados para informar e registrar os lugares em que se<br />

esteve ou está, tiveram sua função de memória e de registro potencializada com o avanço dos<br />

novos meios de comunicação, visto que, o postal, separa e reúne, renova e recupera o passado e<br />

contemporâneo.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

Considerações Finais<br />

O resultado inicial da análise alcançado foi a percepção de uma temporalidade das cidades e<br />

da sociedade estampada nos postais, transferindo para estes suportes, a importante função de<br />

promoção de alguns espaços de destaque no contexto dos meios de comunicação. Portanto, a<br />

partir do conhecimento da história dos cartões-postais, dois agentes foram terminantes para a<br />

permanência de sua constituição e divulgação enquanto um recorte de paisagem de destaque:<br />

o primeiro foi o Estado, por intermédio das intervenções urbanas e o segundo foram os avanços<br />

tecnológicos que possibilitaram um maior acesso aos cartões postais.<br />

Com o realismo das imagens estampadas nos cartões postais, advinda do aprimoramento das<br />

técnicas de impressão, os lugares retratados acabam sendo indicadores de reconhecimento<br />

do destinatário, proporcionando uma percepção afetiva e desencadeando um processo de<br />

familiaridade com o local retratado.<br />

Hoje, esses cartões postais são meios de registro documental, armazenados de maneira<br />

estruturada, revelando os acontecimentos que nos permitem resgatá-los, interpretá-los e alicerçar<br />

a construção da memória coletiva por intermédio dos seus elementos gráficos, tecnológicos e<br />

históricos. Devemos ainda considerar que somente por meio das gerações é que se fixam a cultura,<br />

se comunicam os valores, as crenças e o sentido histórico dos fatos.<br />

Notas<br />

[1] Para a maioria dos europeus, a época entre 1871 e 1914 foi a Belle Époque. As potências<br />

europeias se orgulhavam dos seus avanços e as mudanças realizadas entre os séculos XIX e XX,<br />

também afetaram a sociedade brasileira significativamente. De meados dos anos de 1890 até a<br />

Grande Guerra, a orquestra econômica global gerou grande prosperidade no país. O enriquecimento<br />

baseado no crescimento explosivo dos negócios formou o plano de fundo do que se tornou conhecido<br />

como “os belos tempos” (Belle Époque). No Brasil, a atmosfera do surto amplo de entusiasmo do<br />

capitalismo gerou uma sensação entre as elites de que o país havia se posto em harmonia com as<br />

forças da civilização e do progresso das nações modernas (SARGES, 2000).<br />

[2] Latex: suco leitoso de certas plantas, principalmente das Asclepiadáceas, Euforbiáceas<br />

e Sapotáceas, sendo comercialmente mais importante o da seringueira, do qual se fabrica a<br />

borracha. (Weiszflog, Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, 2010)
<br />

[3] Pneumático: coberta externa, de borracha e tecido, da câmara-de-ar da roda de um veículo<br />

(WEISZFLOG, Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, 2010).<br />

[4] Intendente Antônio Lemos: nascido em São Luís do Maranhão, aos 17 anos se alistou na Marinha<br />

de Guerra, sentando praça como escrevente da Armada. Servindo a Marinha, Lemos fez incursões<br />

no Rio da Prata durante a Guerra do Paraguai (entre 1864 e 1870) com a corveta “Paraense” a<br />

fim de ajudar no bloqueio de Montevidéu. Em Belém, operou na Companhia de Aprendizes de<br />

Marinheiro do Pará e na Companhia de Aprendizes de Artífices do Arsenal de Marinha. A 22 de<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

junho de 1897 (aniversário da promulgação da Constituição do Pará, no regime republicano),<br />

Lemos disputou a Intendência Municipal. O cargo de intendente municipal (hoje prefeito) foi<br />

criado pela Lei Orgânica dos Municípios, em 28 de outubro de 1891. Em 1897 foi a vez de Antônio<br />

Lemos, que teve mais de seis mil votos contra 600 do seu adversário. Em 1900, Lemos viria a se<br />

reeleger para a Intendência de Belém, que neste período, era governada pelo Intendente Paes de<br />

Carvalho (1897-1901), que enfrentara crises econômicas e políticas (ROCQUE, s/d)<br />

[5] Leon Besnardeau: estabelecido em Sille Le Guillaume, no cantão de la Sarthe, foi apontado por<br />

muitos anos como o verdadeiro criador das ilustrações postais (MIRANDA,1986)
<br />

[6] Litogravura: técnica de gravura, em que o grafismo é desenhado diretamente em uma matriz<br />

de pedra (calcário). Baseia-se na propriedade de repulsão entre água e as substâncias gordurosas<br />

(tintas). Com a pedra molhada, a tinta de impressão só adere às partes que contêm imagem e<br />

permite, sob pressão, a reprodução dessa imagem sobre o papel (SILVA, 2008).<br />

[7] Fotolitografia: técnica de produção de fotolitos (filme translúcido, gravado a partir de uma<br />

emulsão fotossensível, que funciona como matriz para a impressão. Pode ser usado em diversos<br />

métodos de impressão) e filmes (SILVA, 2008).<br />

Referências<br />

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. 17. ed., São Paulo: Editora Cultrix, 1977.<br />

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. (1992)<br />

CORREIA, Maria da Luz. Cartão Postal: o tempo de uma cidade. In Logos Comunicação e<br />

<strong>Universidade</strong>, ano 16, n.29, 2o semestre 2008.<br />

COUCHOT, Edmond. A <strong>Tecnologia</strong> na <strong>Arte</strong>: da Fotografia a realidade virtual. Porto Alegre: ed.<br />

UFRGS, 2003.<br />

GERODETTI, João Emílio - CORNEJO, Carlos. Lembranças do Brasil: as capitais brasileiras nos<br />

cartões-postais e álbuns de lembranças. São Paulo: Ed. Solaris, 2004.<br />

KNELLER, G. F. A ciência como atividade humana. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.<br />

KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo:Ateliê Editorial, 2001.<br />

--------------. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 1999.<br />

MIRANDA, Victorino C. Chermont. A Memória Paraense no Cartão Postal (1900-1930). Rio de<br />

Janeiro: Editora Liney, 1986.<br />

RAMOS, Alcides Freire; PATRIOTA, Rosangela; PASSAVENTO, Sandra Jataht. Imagens na História.<br />

São Paulo: Hucitec, 2008.<br />

ROCQUE, Carlos. Antônio Lemos e Sua Época. Belém: Cejup,1996.<br />

SARGES, Maria de Nazaré. Riquezas produzindo a Belle Époque (1870-1912). Belém:<br />

Paka-Tatu, 2000.<br />

SEVCENKO, Nicolau; e outros. História da vida privada no Brasil 3 - República: da Belle Époque<br />

à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.<br />

SECRETARIA DE CULTURA DO ESTADO. Belém da Saudade: a memória de Belém do início do<br />

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O design dos cartões postais e sua reprodutibilidade técnica como guardiões da memória.<br />

século em cartões postais. 2 ed.. Belém: SECULT, 1998.<br />

SILVA, Claudio. Producão Gráfica: novas tecnologia. São Paulo: Editora Parcrom, 2008.
<br />

VASQUEZ, Pedro. Postaes do Brazil. São Paulo: Metalivros, 2002.<br />

VENTURINI, Carolina Maria M. Cartão Postal: o tempo de uma cidade. In Lato& Sensu, n.2, 2001.<br />

Site<br />

http://www.logos.uerj.br/PDFS/29/11MARIALUZCORREIA.pdf> Acesso em: 10 Jul. 2011.<br />

http://www.logos.uerj.br/antigos/logos_29/logos_29.htm > Acesso em: 04 Mai. 2011..<br />

http:// www.girafamania.com.br/introducao/cartofilia.html > Acesso em: 16 out. 2010..<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

Danusa Almeidade de Oliveira Mestranda/<strong>Universidade</strong> Federal do Rio Grande do Sul<br />

danusaoliveira@yahoo.com.br<br />

Resumo<br />

Junto aos diferentes suportes de leitura, os livros digitais (e-books) se apresentam<br />

como uma promessa de inovação no mercado editorial. No entanto, as interações<br />

inseridas em alguns livros digitais denunciam o uso de um código que vai além do<br />

alfanumérico, mostrando uma quebra na forma linear da escrita e do pensamento.<br />

Portanto, o presente artigo busca refletir sobre a figura do escritor e do leitor na<br />

era digital, tendo como base as ideias de Vilém Flusser. Procura-se compreender<br />

para quem se escreve quando pensamos em hipertexto, visto que há uma forma de<br />

escrita (feita para o aparelho) que está em formação.<br />

Palavras-chave:<br />

Escritor, leitor, livros digitais.<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

Introdução<br />

O tempo se esvai e o presente se desfaz. No entanto, sem a intenção de apontar as novas tecnologias<br />

como a única responsável para esse fenômeno, mostra-se importante pensar nos efeitos<br />

que essas mesmas tecnologias ocasionam. Encontramo-nos “[...] instalados no movediço, no<br />

cambiante, no renovável, no efêmero, numa época em que paradoxalmente [...] vivemos mais<br />

tempo” (CARRIÈRE, 2010, p.57). Andamos inseguros quanto às nossas ações e entramos em conflito<br />

com nossas emoções devido, muitas vezes, pela intranquilidade e pela incerteza do porvir.<br />

Ao invés de vivermos o presente tomando o passado como orientação, permitimos que a mente se<br />

torne inquieta pelo amanhã. Então, “[...] não vivemos mais um presente plácido, estamos sempre<br />

buscando nos preparar para o futuro” (ECO, 2010, p.57) como se esse pudesse de modo volátil,<br />

passar ao nosso lado despercebido, sem ser sentido, sem ser aproveitado, sem nos permitir fazer<br />

parte dele. Esse comportamento social é apontado pelo filósofo Vilém Flusser (1983) como período<br />

pós-industrial, onde “[...] o tempo é abismo [...] O tempo não mais flui do passado rumo ao futuro,<br />

mas flui do futuro rumo ao presente. E o futuro não está mais na ponta de uma reta: é ele o<br />

horizonte do presente, e o cerca de todos os lados.” (FLUSSER, 1983, p.125). O tempo, portanto,<br />

deixa de ser linear onde se percebia de forma nítida o passado e o futuro, ambos interligados,<br />

apresentando uma lei de causa e efeito. O período pós-industrial, ao contrário, tem uma dinâmica<br />

do tempo que segue o modelo cibernético (FLUSSER, 1983).<br />

Dessa forma, a capacidade da tecnologia de gerar entusiasmo pelo novo pode vir a ser perturbador,<br />

como se fosse possível perder o significado da existência ao não se desfrutar desse novo,<br />

ou seja, ao não se ter certa tecnologia e ao não se conhecer o funcionamento da mesma, que,<br />

geralmente, apresenta-se como evento imperdível. Mas é possível não fazer parte desse processo<br />

estando o indivíduo envolvido pela técnica e pelos programas? Por isso a necessidade de reflexão<br />

sobre os aparatos tecnológicos a partir da transformação do nosso olhar em relação ao mundo.<br />

Com o aperfeiçoamento das máquinas e com as mudanças que nossa compreensão sofreu quanto<br />

ao significado de tempo e de espaço, cada aparelho passou a exigir uma determinada prescrição.<br />

Para Flusser (1983), o termo prescrição acompanha o homem há muito tempo, antes da própria<br />

máquina, estando relacionado a um modo ou padrão de comportamento estabelecido. O próprio<br />

homem recebeu por escrito determinadas diretrizes como se fosse um mero aparelho, como<br />

aconteceu com os mandamentos registrados em placas. A Revolução Industrial também merece<br />

destaque pela forma como ditou normas ao homem em relação ao uso das máquinas, contudo,<br />

é com a revolução da informática que essa prescrição em relação aos programas se completou.<br />

Nesse contexto, Flusser (2010, p.70) compreende o programa como “[...] uma obra escrita que<br />

não se dirige a seres humanos, mas a aparelhos [...]”, portanto, a escrita que marca a sociedade<br />

pós-industrial escapa do alfabeto a que estamos acostumados e vai ao encontro do chamado códi-<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

go binário cuja combinação e sequência lógica de dados permite a criação de programas (softwares)<br />

que prescrevem aos aparelhos como deve ser o seu funcionamento.<br />

Diante dessa conceituação, pode-se pensar que o alfabeto chega ao seu fim. Um sinal de que está<br />

sendo ultrapassado para cair em um possível esquecimento. Todavia, ao invés de se pensar na<br />

decadência desses símbolos gráficos, é necessário um olhar atento à evolução que ocorre, visto<br />

que a “[...] relação entre os códigos digitais e alfabéticos não é uma contradição dialética entre<br />

códigos que produzem e códigos que criticam imagens [...] trata-se muito mais, nesse caso,<br />

da emergência de uma nova experiência espaço-temporal [...]” (FLUSSER, 2010, p.164). Porém,<br />

quem se mostra responsável por essa escrita pós-industrial? Quem a decodifica? Devido a tais<br />

motivos, este artigo se propõe a refletir sobre a figura do escritor e do leitor na era digital, visto<br />

que são dois personagens envolvidos e relacionados tanto com a produção da escrita quanto com<br />

a interpretação da mesma. Para isso, serão utilizados os livros digitais (documento digital) como<br />

exemplo de prescrição, a fim de se discutir, à luz das ideias de Flusser, quem é o escritor e o leitor<br />

da pós-escrita. Para completar a discussão, serão abordados outros autores como os estudiosos<br />

Alberto Manguel e Roger Chartier.<br />

O gesto de escrever<br />

A escrita e a imagem possuem uma relação inseparável que não pode ser ignorada ao se falar<br />

sobre o próprio ato de escrever. Flusser (1985, p.23) interliga ambos os códigos ao afirmar que<br />

as imagens servem de intermediárias entre o mundo e o homem, “[...] isto é, o mundo não lhe<br />

é acessível imediatamente”. Contudo, ao invés das imagens serem decifradas como mediações<br />

desse universo, o homem se perde na idolatria vivenciando e tomando as imagens como sendo o<br />

próprio mundo que o cerca, causando a “magicização da vida” (FLUSSER, 1985, p.23), cujo resultado<br />

torna as imagens um reflexo da realidade. Ou seja, a magicização se dá quando o homem<br />

passa a viver em função das imagens que ele mesmo cria. Porém, isso gera um conflito na contemplação<br />

e na leitura da imagem. O indivíduo passa a ser escravo da própria criação, prendendo-se<br />

às imagens com adoração, não distinguindo com facilidade que elas não passam de “[...] códigos<br />

que traduzem eventos em situações, processos em cenas” (FLUSSER, 1985, p.07). É em oposição<br />

a isso que a escrita linear nasce, “[...] tratava-se de transcodificar o tempo circular em linear,<br />

traduzir cenas em processos. Surgia, assim, a consciência histórica, consciência dirigida contra<br />

as imagens” (FLUSSER, 1985, p.08). Essa consciência histórica surge com a organização das ideias<br />

ao se escrever linearmente, possibilitando o indivíduo a pensar de forma crítica a partir de uma<br />

determinada lógica.<br />

O texto, portanto, ganha a responsabilidade de ser a ponte entre imagem e homem a fim de que<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

esse, então, compreenda o mundo. Por isso dizer que textos explicam e decodificam imagens,<br />

criando uma nova dialética em que texto e imagem se confundem. Em um determinado momento<br />

a imagem se mostra conceitual, ao invés de mágica, deixando tal magia a cargo do texto, desestruturando<br />

a ordem dos dois, trocando o modo de leitura de ambos. Mas independente disso, o<br />

texto em si também pode provocar e levar o homem novamente ao extremo, gerando a textolatria,<br />

ou seja, o indivíduo não consegue decifrar os textos, perdendo a habilidade de recompor a<br />

imagem que é codificada pelo alfabeto. Diante desse quadro, Flusser (1985) alerta quanto à crise<br />

dos textos, pois não ocorrendo a decodificação dos mesmos, não ocorre a reconstrução em forma<br />

de imagens e o homem não consegue produzir sentindo. Com isso, a história perde seu dinamismo<br />

e permanece estagnada. Consequentemente, cria-se uma fenda, uma lacuna que necessita ser recuperada.<br />

O que possibilita o surgimento das imagens técnicas – “[...] produtos indiretos de textos<br />

- o que lhe confere posição histórica e ontológica diferente das imagens tradicionais” (FLUSSER,<br />

1985, p.10). Ou seja, são geradas imagens feitas por aparelhos, como a fotografia, com o intuito<br />

de vencer a crise instaurada sobre os textos.<br />

No entanto, é importante refletir sobre a força que a escrita possui e o seu potencial como mediadora,<br />

pois antes mesmo do manuscrito e do impresso, a escrita já era cercada por uma aura<br />

de poder, até pelo fato de ser um código que somente poucos conseguiam decifrar. As imagens,<br />

ao oferecerem de forma instantânea e rápida um número maior de informações, passaram a permitir,<br />

no percorrer do olhar, uma noção do todo e uma interpretação autônoma e independente<br />

mesmo quando veloz demais ou incompleta. Não há necessariamente uma ordem obrigatória para<br />

os olhos seguirem a fim de se decifrar uma imagem. Fato que a escrita limita na sua linearidade,<br />

porque não é possível contemplar o todo de uma única vez, dependendo da extensão do texto<br />

– como nos livros impressos que são compostos por inúmeras páginas. A decodificação letra por<br />

letra é mais vagarosa e exige paciência, pois no desenrolar do conteúdo as informações vão, ao<br />

mesmo tempo, tornando-se imagens mentais que se ligam às experiências já vividas. Os níveis de<br />

compreensão e interpretação de textos e imagens são, portanto, diferentes, sendo válido lembrar<br />

que se a imagem requer maior cuidado para sua interpretação, a escrita pode também esconder<br />

nas suas entrelinhas sentidos ambíguos, ideias paradoxais que somente um leitor mais atento consegue<br />

compreender. Diante disso, por que não pensar que a escrita é tão ou mais influente que a<br />

imagem? A crise do texto pode existir devido à incompreensão do homem em relação às palavras,<br />

mas isso significa que a escrita enfraqueceu diante da imagem? Se a escrita não representasse<br />

instrumento de influência, os livros - que são uma compilação da escrita - não teriam sido limitados<br />

a classe Eclesiástica na Idade Média e não teriam sido queimados na Antiguidade. A escrita<br />

mostra a sua resistência por ter sobrevivido às censuras, servindo como mensageira de revolução<br />

e de autoritarismo, fazendo parte de jogos políticos interessados na sua capacidade de influenciar<br />

os leitores. Mesmo com a forte presença das imagens técnicas na pós-modernidade, as máquinas<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

passaram por um processo de planejamento e de escrita. Em algum momento se escreveu o que<br />

deveria ser organizado e se aproveitou as mudanças que a escrita sofreu ao longo do tempo para<br />

criar os mesmos programas que geram as tais imagens técnicas. Isso mostra o quanto a escrita<br />

ainda está presente. Sendo ela aperfeiçoada ou não pela tecnologia, foi a linearidade que contribuiu<br />

para a evolução da própria técnica, revelando a força do alfabeto e, consequentemente,<br />

do gesto de escrever. Quanto a isso, Flusser (2010) afirma que a escrita linear está envolvida com<br />

a organização e com o alinhamento do pensamento. É a forma linear do ser humano que autoriza<br />

a existência do pensar e do agir.<br />

Todo escrever está “correto”: é um gesto que organiza os sinais gráficos<br />

e os alinha. E os sinais gráficos são (direta ou indiretamente) sinais para<br />

o pensamento. Portanto, escrever é um gesto que orienta e alinha o<br />

pensamento. Quem escreve, teve de refletir antes. E os sinais gráficos<br />

são aspas para o pensamento correto. Numa primeira aproximação com<br />

a escrita, evidencia-se um motivo oculto por trás do escrever: escrevese<br />

para se colocar os pensamentos nos trilhos corretos (FLUSSER, 2010,<br />

p.20).<br />

Todavia, Flusser (2010) admite que as máquinas sejam mais rápidas quando se trata da escrita<br />

e faz um alerta quanto à possibilidade da máquina construir de forma mais variada e veloz uma<br />

consciência histórica que ultrapassará a que nós humanos construímos. Vale reforçar, então, que<br />

a crise que ameaça o texto é anunciada por Flusser (1985) não apenas pela textolatria em que o<br />

homem se deixou conduzir, mas principalmente porque a própria escrita tem sofrido modificações<br />

na sua forma linear de apresentação, devido à lógica das máquinas cuja escrita é organizada por<br />

elas próprias obedecendo ao código binário. A partir desse ponto, para maiores discussões, utilizemos<br />

o livro digital (e-book) como exemplo de documento que, em alguns casos, permite não apenas<br />

o uso de uma escrita não linear no seu conteúdo, mas também uma leitura diferenciada por<br />

meio de aparelhos como os computadores ou leitores específicos para livros digitais (e-readers).<br />

Um conceito para livros digitais<br />

As novas tecnologias, aliadas ao uso da internet, tem provocado desafios no próprio modo de se<br />

ler, como também tem modificado o mercado editorial, transformando as formas de distribuir,<br />

de acessar e de gerar conhecimento (FURTADO, 2006). As mensagens transformadas em conteúdo<br />

digital apresentam maior interatividade e dinamismo, sendo possível submeter informações a<br />

diferentes operações como anotar e corrigir; apagar e decompor; adicionar e reorganizar elementos.<br />

Há, portanto, uma mudança tanto na estrutura física em que se apresenta o texto quanto na<br />

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forma de se ler. Tais características podem ser encontradas nos e-books e nos seus diferentes<br />

suportes de leitura que permitem outra lógica de manuseio em comparação aos livros impressos:<br />

[...] a apregoada extinção de um suporte material e a sua substituição<br />

por um ‘não-suporte’ revelou-se, na realidade, a substituição por uma<br />

variedade de suportes tecnológicos que promovem simultaneamente<br />

abruptas distinções e homogeneizações nos textos e nos leitores. Os<br />

novos suportes eletrônicos apresentam diversas formas e usos, haja<br />

vista que os livros digitais podem ser acessados e lidos em praticamente<br />

qualquer equipamento de informática, seja um computador pessoal de<br />

mesa, um laptop, um notebook, um PDA ou um ebook. (FARBIARZ e<br />

FARBIARZ, 2010, p.114)<br />

O significado para “livro digital” suscita alguns debates sobre o tipo de conteúdo (se esse é criado,<br />

desde o início, em forma digital ou se é digitalizado) e o tipo de meio (se a informação pode ser<br />

acessada em computador ou em dispositivos de leituras, também chamados de e-book readers ou<br />

apenas e-reader). Dessa forma, e-book abrange “[...] desde um simples arquivo digital do conteúdo<br />

de um livro até ao arquivo digital acompanhado pelo software que possibilita o acesso e<br />

a navegação do conteúdo.” (FURTADO, 2006, p.44). Para melhor compreensão do significado de<br />

e-book também é preciso destacar que o design do livro digital, assim como suas possibilidades<br />

de interação, está aliado ao tipo de suporte utilizado para a leitura. O computador suporta certas<br />

extensões de e-books como PDF (Portable Document Format), exigindo o programa Adobe Reader<br />

instalado; e como Epub (Eletronic Publication) que pode ser acessado pelo programa Adobe Digital<br />

Editions. Já os dispositivos de leitura mostram diferentes funções e aplicativos entre si, suportando,<br />

geralmente, tanto a extensão Epub quanto PDF. Os principais suportes (e-readers) para os<br />

e-books são: Kindle, Sony (Galaxy), Cool-er, Positivo Alfa, iPad – todos comercializados no Brasil.<br />

Também é possível acessar livros digitais através de celulares, especialmente por meio do iPhone,<br />

do Smartphone ou de aparelhos que aceitam aplicativos em Java[1].<br />

Em razão dos diferentes dispositivos e formatos de arquivos, surge a necessidade de um maior<br />

conhecimento técnico – tanto da área de webdesign quanto de design gráfico - por parte daqueles<br />

que trabalham com a produção de livros a fim de atenderem as peculiaridades técnicas na<br />

produção dos livros digitais. Tal fato se torna evidente quando determinados e-books possibilitam<br />

acesso a imagens, vídeos, sons e hiperlinks, funcionando como janelas ao longo da história contada.<br />

Nem todos os e-books oferecem efeitos de interação, assemelhando-se, ou sendo na prática,<br />

uma cópia do conteúdo impresso já existente. Entretanto, novos livros lançados, antes mesmo de<br />

serem elaborados, já passam pelo planejamento de serem pensados diretamente para aparelhos<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

de leitura, preocupando-se com o tipo de suporte em que a história será narrada. Caso a extensão<br />

do arquivo permita a combinação de hipertextos e de animações, é possível que alguns aparelhos<br />

e-readers sejam o ideal para o envolvimento do leitor junto ao conteúdo. Relacionado a esse<br />

processo, Flusser (2010) observa<br />

A revolução da informática, essa produção de sinais e sua inserção<br />

em campos eletromagnéticos, quebrou de maneira evidente o modo<br />

de pensar tipográfico. Os novos sinais, que aparecem em monitores<br />

de computador e nas telas dos televisores, são mais vestígios que se<br />

gravam em um objeto, eles não são mais “tipográficos”. E o modo de<br />

pensar, que as novas informações produzem, não é mais um modo de<br />

pensar, que as novas informações produzem, não é mais um modo de<br />

pensar tipográfico, tipicante (FLUSSER, 2010, p.67).<br />

A mudança na estrutura do texto e a fragmentação da leitura conduzem o pensamento a um<br />

roteiro ainda não conhecido, uma nova ordem de pensar que segundo Flusser (2010, p.68) pode já<br />

ser “pressentido”. Contando que o homem possui um apego ao livro como objeto, não será apenas<br />

medo em excesso de nossa parte, considerar que essa mudança na escrita pode nos confundir<br />

quanto à classificação do que consideramos como texto e imagem? Nosso pensamento pode também<br />

se confundir com isso a tal ponto de ter dificuldades de pensar de modo organizado quando<br />

necessário? Flusser (2010, p.21) contribui para que outros questionamentos sejam levantados ao<br />

dizer que as linhas escritas “[...] não orientam os pensamentos apenas em sequências, elas orientam<br />

esses pensamentos também em direção ao receptor. Elas ultrapassam seu ponto final ao<br />

encontro do leitor”. Impossível, portanto, não indagar quem é o leitor e o escritor no contexto<br />

digital.<br />

O escritor e o leitor na era digital<br />

Para se compreender a figura do escritor e do leitor na pós-modernidade, é necessário recuperar<br />

o passado, recordando que as primeiras tabuletas de argilas escritas contribuíram para que se<br />

superasse a limitada capacidade da memória humana de armazenar informações. A partir desses<br />

registros primários, qualquer pessoa recuperava o passado sem necessitar do relato de quem vivenciou<br />

os acontecimentos gravados (MANGUEL, 1997). Desse modo, é fácil pensar que a figura<br />

do escritor tenha nascido dessa superação do homem em vencer o tempo, deixando um código<br />

repleto de significado que, ao ser interpretado, revelava uma parte da história. Manguel (1997)<br />

reforça tal ideia do seguinte modo:<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

336


O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

Uma vez que o objetivo do ato de escrever era que o texto fosse resgatado<br />

– isto é, lido -, a incisão criou simultaneamente o leitor, um papel<br />

que nasceu antes mesmo de o primeiro leitor adquirir presença física.<br />

Ao mesmo tempo em que o primeiro escritor concebia uma nova arte<br />

ao fazer marcas num pedaço de argila, aparecia tacitamente uma outra<br />

arte sem a qual as marcas não teriam nenhum sentido. O escritor era<br />

um fazedor de mensagens, criador de signos, mas esses signos e mensagens<br />

precisavam de um mago que os decifrasse, que reconhecesse seu<br />

significado, que lhes desse voz. Escrever exigia um leitor. (p.207)<br />

A ligação entre escritor e leitor se dá justamente pelo fato de que o texto ganha sentido ao ser decodificado,<br />

sendo que o leitor pode fazer interpretações diferentes em relação ao que lê, mesmo<br />

que o escritor tenha uma mensagem específica para transmitir. Foi com Gutemberg que o gesto<br />

de escrever sofreu mudanças, pois a manipulação dos tipos gerou um pensamento tipificante, levando<br />

aqueles que escreviam a perceber que controlavam tipos e não caracteres. O predomínio<br />

das máquinas, no período moderno, mostra o auge desse pensamento tipificante, onde se relega<br />

aos aparelhos a capacidade de certos trabalhos antes feitos manualmente, por isso “a tipografia<br />

pode ser compreendida como o modelo e o embrião da revolução industrial; as informações não<br />

devem ser impressas apenas em livros, mas também em têxteis, metais e plásticos” (FLUSSER,<br />

2010, p.66). É por tal motivo que se torna pertinente pensar nessa sociedade pós-industrial, cuja<br />

informação se mostra gravada em telas, onde textos e imagens aparecem em superfícies. Quem<br />

são os escritores que fazem essa impressão? Quem são os leitores que decifram os códigos impressos<br />

nessas telas?<br />

Escritores em potencial para o livro digital<br />

Para Flusser (2010), os textos se completam ao encontrarem um leitor porque cada linha escrita é<br />

feita para ser concluída. Portanto, o gesto de escrever está fundando no fato de ser escrito para<br />

alguém, que esteja disposto a abraçá-lo, a fim de dar-lhe sentido a partir de diferentes formas<br />

de leitura. Contudo, conforme observa Flusser (2010, p.54), dirige-se o escritor para o receptor<br />

que está ao seu alcance, ao contrário do que se pensa quando se imagina que o escritor escreve<br />

para a multidão, afinal “ao alcance de quem escreve, estão apenas os receptores com quem ele<br />

compartilha canais de transmissão por meio de seus textos. Por isso, ele não escreve diretamente<br />

ao seu receptor, ele escreve muito mais ao seu mediador”.<br />

Esse mediador a quem Flusser (2010) se refere está centrado na figura do editor que há muito<br />

tempo ocupa a tarefa de ler os textos, fazer apontamentos e modificar o que, segundo sua per-<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

cepção, pode não estar coerente. Portanto, é válido lembrar que, no século XVIII, é que se apresenta<br />

a figura do editor como o profissional que busca de forma comercial a circulação dos<br />

livros, controlando o processo de produção e distribuição (CHARTIER, 1998). Porém, o editor e o<br />

autor passam a enfrentar momentos de tensão devido a essa relação próxima entre ambos, onde,<br />

em alguns momentos, o processo de organização das ideias fica a cargo do editor. Esse conflito<br />

justificava-se devido à existência de um público consumidor: o leitor.<br />

Todavia, se o editor atua como um filtro em relação ao texto do autor, modificando, cortando,<br />

alterando o que foi escrito, a fim de entregar um texto que impressione um determinado público,<br />

por que não dizer que o editor passa, então, a também ser autor da obra escrita? O editor intervém<br />

com sugestões, com restrições e com critérios do que pode tornar a obra mais atraente e<br />

vendável. Flusser (2010, p.55), diz que “um texto impresso não é apenas aquele que transformou<br />

(capturou, impressionou) o editor, ele é também um texto que foi modificado (que foi apreendido<br />

e que causou impressão) pelo editor”. O autor pode encontrar no editor seu primeiro leitor,<br />

porém, é por meio do diálogo entre ambos, na influência do que deve ser alterado na produção,<br />

que o editor também se torna escritor. Ao estruturar uma ideia que pode vir a ganhar vida em<br />

uma forma material (um livro), o escritor costuma se utilizar de uma linguagem própria, com<br />

base em sua cultura e sua preferência literária para escrever e registrar suas inspirações. Ele é o<br />

proprietário da ideia central, cujo desenvolvimento pode se tornar uma obra palpável e concreta.<br />

Contudo, o editor, mesmo não sendo o dono da ideia, ele articula as melhores possibilidades de<br />

venda e distribuição dessa ideia, ganhando autoridade para retirar, limitar certas partes do texto,<br />

sugerindo mudanças a tal ponto de moldar o conteúdo quando necessário. A partir disso, é possível,<br />

então, dizer que o editor se apresenta como coautor, caminhando junto com aquele que<br />

elabora a ideia e a desenvolve. O trabalho do editor em cortar e revisar os textos não deixa de<br />

ser uma forma de modificar o que está escrito, mesmo quando o escritor concorda. Tal ação pode<br />

criar uma aparência de censura, já tão conhecida na história do livro, visto que a escrita, em<br />

diferentes momentos, foi revestida pelo próprio homem como um perigo a ser controlado. Contudo,<br />

os editores seguem uma lógica de mercado onde o texto e o seu conteúdo são vistos como<br />

o produto em si, necessitando de reparos e observações para uma boa colocação mercadológica.<br />

Conforme Flusser (2010) afirma:<br />

O texto impresso é consequência de um aperto de mãos entre aquele<br />

que escreve e o editor, ele apresenta vestígios de ambas as mãos [...]<br />

esse aperto de mãos é um dos gestos mais afáveis que existe, pois é,<br />

simultaneamente, dos mais públicos e dos mais íntimos: o editor está<br />

lá para quem escreve; aquele que escreve está para o editor; e ambos<br />

para o leitor (FLUSSER, 2010, p.55).<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

Entretanto, é necessário pensar nesses dois escritores (autor e editor) inseridos no atual contexto<br />

digital, levando em consideração as mudanças que a escrita e os seus suportes estão enfrentando.<br />

Os suportes passaram do papiro para o pergaminho e, atualmente, passam do papel para o digital.<br />

Há nessa transição uma desestrutura que, talvez, possa ser comparada, somente, ao período em<br />

que o rolo presenciou o surgimento do códice. Gutenberg causou uma revolução na cultura ao<br />

transformar o modo de escrita (a partir de tipos). Porém, o formato do livro (códice) permaneceu<br />

o mesmo.<br />

Na sociedade pós-industrial, a presença dos livros digitais mostra a alteração no formato códice,<br />

apresentando um formato digital. Portanto, modifica-se o modo de produção do livro, assim como<br />

o seu próprio formato. Consequentemente, para que o formato digital seja gerado, possibilitando<br />

a criação do e-book, é necessário o uso de outros códigos além do alfanumérico. Porém, cabe ao<br />

escritor ou ao editor compreender tais códigos – padronizados para web e voltados para a área de<br />

programação [2]?<br />

Flusser (2010) alerta que na revolução da informação predomina aqueles que manipulam os<br />

aparelhos, indagando para quem esses escrevem. Na concepção de Flusser (2010, p.67), “[...]<br />

eles escrevem muito mais para os aparelhos [...] trata-se de um outro escrever e teria, por conseguinte,<br />

de receber uma nova denominação: ‘programar’”. Com os livros digitais a tendência<br />

é aumentar o número de escritores, principalmente os independentes, que, anteriormente, não<br />

conseguiam editores como parceiros para a revisão de suas ideias e para a colocação dessas no<br />

mercado editorial. Contudo, com os e-books, o editor pode ser dispensado pelo autor para se realizar<br />

a produção do livro digital, necessitando apenas que alguém tenha conhecimento dos códigos<br />

necessários para a criação do e-book. Isso não significa que a tarefa do editor se torne menor ou<br />

desnecessária, pois seu trabalho envolve estratégias mercadológicas que podem criar espaços de<br />

divulgação para livros impressos e para livros digitais, sendo sua atividade ainda relevante quando<br />

se trata de publicidade e venda. O que se busca refletir é o fato de que a presença do editor como<br />

coautor pode, nesse cenário, não estar presente para que as ideias ganhem um determinado formato,<br />

apesar do livro digital também carecer de gerenciamento e de revisão.<br />

Caso um escritor deseje contratar um programador para a realização do seu livro, não será papel<br />

de quem programa revisar e cortar o texto, tal e qual um editor. Da mesma forma, autor e editor<br />

podem até estudar os códigos indispensáveis para se gerar o e-book. No entanto, o programador,<br />

por ter a capacidade de articular o código binário, assim como outros códigos presentes na web,<br />

possui mais agilidade e competência para isso. Portanto, se o autor permanece trabalhando junto<br />

ao editor, pode-se dizer que o programador seria uma terceira espécie de escritor? Mesmo que<br />

sua escrita seja voltada para o aparelho, para uma superfície, não é ele que consegue dar uma<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

nova forma ao conteúdo? Flusser (2010, p.72) crê que “[...] o ato de programar não pode ser, na<br />

realidade, denominado escrever. É um gesto em que se manifesta um modo de pensar diferente<br />

daquele por ocasião do escrever”. Em outras palavras, o raciocínio lógico não equivale ao da escrita<br />

alfanumérica porque se assemelha ao pensamento matemático. É, ao mesmo tempo, uma<br />

decodificação do alfabeto para uma tradução do mesmo para outro código. O programador prescreve<br />

ao invés de escrever.<br />

Os programadores são ‘homens novos’, um tipo de homem que não existia<br />

em sociedades precedentes. Assumem-se jogadores com programas,<br />

para os quais o que conta não é a modificação do mundo, mas o jogo. A<br />

realidade, para eles, é o jogo do funcionamento. Os símbolos que manipulam<br />

para projetarem programas significa funcionamento [...] para<br />

eles o homem é funcionário a ser programado para viver em contexto<br />

simbólico [...] se observarmos como programa verificaremos que não<br />

se estão dando sempre conta que são eles próprios, programados para<br />

programarem (FLUSSER, 1983, p.37-38).<br />

Assim, o próprio programador acaba sendo funcionário, pois, ao compreender os programas e ao<br />

programar para que os aparelhos dominem o comportamento dos indivíduos, tende ele próprio<br />

a ser dominado, uma vez que o seu comportamento passa a ser automatizado pelas máquinas.<br />

Portanto, se o programador não pode ser considerado um escritor; pode, ao menos, ser apontado<br />

como o novo mediador entre escritor e leitor quando se trata de livros digitais. O escritor na era<br />

digital não pode mais ser apontado como um único indivíduo, a não ser que, sozinho, consiga manipular<br />

diferentes técnicas para alcançar o resultado final de sua escrita: o e-book. Se tal habilidade<br />

não lhe for característica, a figura do escritor estará além de um único indivíduo, visto que<br />

pode existir ainda a presença do editor e do programador. Três personagens que juntos realizam a<br />

árdua tarefa de combinar diferentes códigos para obter um novo modo de aproximar-se do leitor.<br />

O leitor da pós-escrita<br />

Esse novo leitor, assim como o escritor, também apresenta reflexos da pós-escrita. O leitor<br />

do futuro, não está mais encerrado nas bibliotecas e salas de aula, isolado em seu universo<br />

particular, pois as mudanças no ato de ler variam, rompendo com antigos modos de se ver,<br />

perceber e sentir o livro como objeto. Agora é possível compartilhar anotações feitas no momento<br />

da leitura, salvar trechos preferidos e conferir, dentro das redes sociais, aqueles que<br />

também apreciam as mesmas também apreciam as mesmas passagens. Com os e-books, torna-se<br />

alternativo não apenas o local físico onde se lê como também a ordem em que se realiza a leitura,<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

o modo como o pensamento vai alinhar-se a escrita – se é preferível navegar por um link ou se é<br />

mais confortável seguir um modo linear assistindo a possíveis animações presentes durante a narrativa.<br />

Esse leitor, portanto, aprende a ter mais independência, assim como adquire sozinho ou<br />

junto a um grupo, certos conhecimentos de informática que lhe autorizam compreender como os<br />

programas funcionam e como os aparelhos podem ser utilizados para seu benefício. Nas previsões<br />

de Flusser (2010):<br />

O leitor do futuro senta-se diante da tela para acionar informações<br />

armazenadas. Não se trata mais de uma leitura passiva (de uma escolha)<br />

de fragmentos de informação ao longo de uma linha pré-escrita.<br />

Trata-se muito mais de uma associação ativa de transversais entre elementos<br />

de informação disponíveis. É o próprio leitor que produz então<br />

a informação de acordo com seu objetivo, a partir dos elementos<br />

de informação armazenados. Nessa produção de informação, o leitor<br />

dispõem de diversos métodos de associação que lhe são sugeridas pela<br />

inteligência artificial (atualmente, os métodos de acionar são conhecidos<br />

por menus), mas ele pode também utilizar seus próprios critérios<br />

(FLUSSER, 2010, p.167).<br />

O leitor da era digital, que também tende a ser um usuário da web, está além do aparelho, pois<br />

ao entender a lógica de funcionamento da máquina, pode entrar em conflito com algumas regras<br />

do jogo estipulada por programadores. Cabe aqui citar, como exemplo, o episódio do livro digital<br />

Alice no País das Maravilhas lançado para versão iPad, cuja versão completa não apresenta tantas<br />

animações como insinua a campanha publicitária. Quando o leitor percebe esse tipo de intenção<br />

mercadológica, pode sentir-se lesado de algum modo. A partir dessa tensão, caso deseje, o leitor<br />

consegue facilmente articular-se nas redes sociais, utilizando-as como instrumento para denunciar<br />

sua insatisfação, compartilhando na rede um fato que pode não somente alertar outros<br />

leitores, mas também pressionar os produtores do livro a deixarem as informações mais claras em<br />

relação ao produto anunciado. O leitor se apresenta, então, ativo não apenas no seu modo de<br />

leitura, mas no seu comportamento como leitor e usuário. São outras experiências de leitura e de<br />

relação com o livro.<br />

Também é válido lembrar que o leitor que se utiliza da tela (seja do computador ou do e-reader)<br />

se assemelha ao leitor medieval e ao leitor moderno, pois o formato do livro permite acesso a<br />

referências, paginação e notas, onde o virar de páginas aproxima o indivíduo da história narrada<br />

(CHARTIER, 1998). Para a pesquisadora Lupton (2006) também afirma que o poder de intervenção<br />

constante do usuário sobre o equipamento eletrônico é, atualmente, muito maior, possibilitando<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

melhor controle e aproximação física por quem manipula o objeto. Ou seja, um leitor pode ser<br />

atraído pela interação e pelas aplicações que os aparelhos apresentam, mesmo quando parece se<br />

estabelecer uma relação fria e distante entre tecnologia e usuário.<br />

O livre arbítrio de como manipular a tela diante de si faz do navegador um leitor com diferentes<br />

desejos e expectativas. Já para a pesquisadora Santaella (2004, p.182), “não há mais tempo para<br />

a contemplação. A rede não é um ambiente para imagens fixas, mas para animação. Não há mais<br />

lapsos entre a observação e a movimentação”. Por isso, o leitor acostumado ao sistema de interação<br />

que a internet possibilita, acaba demonstrando um perfil mais dinâmico em relação aos<br />

livros digitais. Lupton (2006) explica ser desse poder de escolha a origem da impaciência do leitor<br />

digital. É uma questão cultural o fato de não ser contemplativo, mas, sim, inquieto, distraído,<br />

em busca de diferentes caminhos que podem lhe desviar de uma leitura linear. Portanto, o leitor<br />

do futuro é livre devido as suas múltiplas possibilidades de fazer associações, interligando informações<br />

históricas, científicas, com base na literatura ou com base em outras áreas, por meio de<br />

uma leitura tanto linear quanto uma leitura repleta de hipertextos (FLUSSER, 2010).<br />

Conclusão<br />

Para Chartier (1998) não importa onde ou como, a leitura passa pela produção de sentido do<br />

homem, independente do formato utilizado e do tipo de arquivo dominado pelo leitor. Caso não<br />

exista o interesse desse leitor em utilizar seus códigos culturais para aplicar naquilo que chega aos<br />

seus sentidos, tanto um texto eletrônico quanto um livro impresso deixam de ter significado para<br />

sua vida. Por isso, pode-se afirmar que a escrita, ao formar o texto, espera sempre pela bondade<br />

de alguém que possa decifrá-lo para ser completo.<br />

Mas Machado (1997), ao falar de livro do futuro, busca prever como pode ser o modo de leitura em<br />

função do progresso tecnológico. Para o autor, não se deve pensar o e-book como sendo uma cópia<br />

tal e qual de um livro impresso, porque senão temos como resultado somente uma transferência<br />

de uma mídia para outra e não a criação de uma interface adequada aos novos suportes:<br />

Acima de tudo, os novos livros deverão ser escritos em “camadas” ou<br />

níveis diferenciados de aprofundamento, aproveitando a estrutura tridimensional<br />

das escrituras hipertextuais, de modo que se possa fazer<br />

uma leitura apenas informativa, quando se quiser somente saber do<br />

que se trata, mas também se possa mergulhar fundo na argumentação,<br />

se o interesse do leitor for mais longe (MACHADO, 1997, p.186).<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

Nesse sentido, é possível afirmar que o e-book tem estrutura semelhante a um site devido a possibilidade<br />

de se criar hipertextos. A estratégia de organização e planejamento de um e-book deve<br />

obedecer ora ao mundo da web e ora ao mundo gráfico, agregando os dois para a construção do<br />

projeto que em seu modo de visualização pode gerar significados diferentes em função do tipo de<br />

suporte. Por tal motivo, junto aos projetos gráficos, surge a necessidade de compreender novas<br />

ferramentas de trabalho. É preciso aliar conhecimentos anteriores às novidades tecnológicas para<br />

aproveitar os diferentes suportes de leitura que se destacam (Kindle, Cool-er, Positivo Alfa ou iPad<br />

e Galaxy que se assemelham a minicomputadores, por exemplo).<br />

Porém, o livro digital se apresenta como elemento visível da transformação que a cultura escrita<br />

está sofrendo. Os escritores da era digital, dificilmente atuarão sozinhos, sendo necessário tanto<br />

para esses autores como para os leitores a necessidade de aprender a reescrever para fazer parte<br />

do mundo digital. Caso compreendamos os códigos digitais como uma continuação e um prolongamento<br />

“[...] da produção de imagens pré-alfabética e da produção de texto alfabética, pode-se<br />

dizer que temos de aprender a transcodificar tudo: não apenas tudo o que já foi escrito como também<br />

o que ainda será escrito” (FLUSSER, 2010, p.166). Porém, esse reaprendizado é difícil, pois,<br />

para Flusser (2010), a grande questão está em aprender a repensar a nossa história com diferentes<br />

códigos. De fato, há uma nova linguagem dominada por programadores. Contudo, a alienação em<br />

que o homem se encontra data muito antes da própria tecnologia, onde não se consegue perceber<br />

o outro e o mundo sem se perder na própria loucura. Cria-se a escrita para explicar a imagem,<br />

depois se retorna às imagens para se interpretar a escrita, para mais tarde se criar códigos além<br />

dos que existem para que se consiga dar ordens às máquinas, deixando que essas influenciem o<br />

comportamento humano, modificando o modo de ler, de escrever e de pensar. Em si as mudanças<br />

são árduas, mas talvez um dos desafios esteja no modo como o autor, o leitor e o editor devem<br />

explorar esse novo código a seu favor, a fim de não se perder por completo a razão crítica.<br />

Notas<br />

[1] Disponível em: .<br />

Acesso em: 15 jul 2011.<br />

[2] Padrões Web (ou Web Standards) tem por objetivo a criação de uma web universal. Web<br />

Standards é um conjunto de normas, diretrizes, recomendações, notas, artigos, tutoriais e afins<br />

de caráter técnico, produzidos pelo W3C e destinados a orientar fabricantes, desenvolvedores<br />

e projetistas para o uso de práticas que possibilitem a criação de uma web acessível a todos,<br />

independentemente dos dispositivos usados ou de suas necessidades especiais. Disponível em:<br />

. Acesso em: 20 jul 2011.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser<br />

Referências<br />

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP, 1998.<br />

FARBIARZ, Alexandre; FARBIARZ , Jackeline Lima. Do códice ao eBook: o texto e o suporte. In:<br />

COELHO, Luiz Antonio L.; FARBIARZ, Alexandre (Org). <strong>Design</strong> - Olhares Sobre O Livro. Teresópolis:<br />

Editora Novas Ideias, 2010.<br />

FLUSSER, Vilém. A escrita: há futuro para a escrita? São Paulo: Annablume, 2010.<br />

______________. Filosofia da caixa preta. São Paulo: Hucitec, 1985.<br />

______________. Pós-história: vinte instantâneos e um modo de usar. São Paulo: Duas Cidades,<br />

1983.<br />

FURTADO, José Afonso. O papel e o pixel. Do impresso ao digital: continuidades e transformações.<br />

Florianópolis: Escritório do livro, 2006.<br />

ECO, Umberto; CARRIERE, Jean-Claude. Não Contém com o fim do livro. Tradutor: Umberto<br />

Telles. São Paulo: Record, 2010.<br />

LUPTON, Ellen. Pensar com tipos: guia para designers, escritores, editores e estudantes. São<br />

Paulo: Cosac Naify, 2006.<br />

SANTAELLA, Lúcia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus,<br />

2004<br />

MACHADO, Arlindo. Formas Expressivas da Contemporaneidade. In: ______. Pré-cinemas e Póscinemas.<br />

Campinas: Papirus, 1997.<br />

MANGUEL, Alberto. Uma história de leitura. Tradução Pedro Maia soares. São Paulo: Companhia<br />

das Letras, 1997.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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,OVO – O hibridismo no design brasileiro contemporâneo<br />

Olympio José Pinheiro UNESP / FAAC Bauru holin@uol.com.br<br />

Rogerio Zanetti Gomes Doutorando no Programa TIDD PUC SP UNOPAR / UEL<br />

hola@rogerioghomes.com<br />

Figura 2 e 6 com<br />

problema<br />

Resumo<br />

Com o objetivo de analisar a convergência entre os campos das artes visuais e do<br />

design, partimos da reflexão teórica acerca das relações entre eles para a conceituação<br />

de linguagem híbrida e seu efeito, a hibridização. Em seguida, apresentamos<br />

um breve panorama do Prêmio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira (MCB), para<br />

introduzir os designers Luciana Martins e Gerson de Oliveira, da empresa ,OVO.<br />

Depois dessa contextualização, analisamos a hibridização presente em dois de<br />

seus produtos, premiados pelo MCB, a cadeira Cadê e o cabideiro Huevos Revoltos,<br />

os quais possuem características artísticas e são comercializados e reconhecidos<br />

objetos do design brasileiro.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>s visuais, Hibridismo.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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,OVO – O hibridismo no design brasileiro contemporâneo<br />

Introdução<br />

Nesta pesquisa, refletimos sobre a natureza do design e sobre a tênue linha que separa o universo<br />

da criação artística da produção industrial ou pós-industrial. Para tal, analisamos os processos de<br />

hibridação entre o design e as artes visuais, em produtos do design brasileiro contemporâneo,<br />

especificamente, nos produtos desenvolvidos pelos designers Luciana Martins e Gerson de Oliveira,<br />

detentores do Prêmio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira e responsáveis pela empresa ,OVO.<br />

Focalizando a inter-relação de linguagens e a miscigenação ou hibridismo, fundamentamos a<br />

significação do objeto em Santaella e a miscigenação cultural em Canclini. Apresentamos um<br />

breve histórico do Prêmio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira, de modo a destacar produtos de design<br />

com características híbridas. Assim, selecionamos dois produtos, a cadeira Cadê, premiada com<br />

o primeiro lugar na categoria mobiliário residencial, em 1995, e o cabideiro Huevos Revueltos,<br />

também primeiro lugar, na categoria utensílios, em 2005, ambos projetados por Luciana Martins<br />

e Gerson de Oliveira.<br />

Esta pesquisa de investigação qualitativa foi realizada, num primeiro momento, no Museu da Casa<br />

Brasileira, em março de 2009, com a equipe que coordena o Prêmio <strong>Design</strong>, com a colaboração<br />

expressiva do Professor Auresnede Stephan Pires, que integrou a comissão de premiação por 12<br />

edições. Buscaram-se informações sobre o processo de trabalho, o desenvolvimento dos produtos<br />

e o processo de pesquisa realizado pelos designers selecionados. Assim, propomo-nos a analisar as<br />

contribuições do campo da arte e do design, com suas linguagens e funções e a hibridação dessas<br />

linguagens, presente em muitos produtos-objetos da arte contemporânea. Sendo os campos do<br />

design e da arte de natureza subjetiva, uma vez que trabalham a função estética das mensagens,<br />

analisamos as contribuições entre as duas áreas com intuito de reconhecer o produto híbrido na<br />

construção de sentido desta linguagem, no seio da sociedade contemporânea.<br />

Relações entre a arte e o design<br />

A discussão sobre o caráter artístico do design é uma das questões que, tradicionalmente, mais<br />

preocupam os jovens que se deparam com problemas conceituais pela primeira vez. A resposta<br />

mais simples à questão “o design é uma arte ou não?” é a que avalia que este não deve ser<br />

assim considerado, pois, de acordo com a história da arte, a partir do século XIX, nesse conceito<br />

encaixavam-se as produções individualistas e transcendentes, enquanto os designers sempre<br />

defenderam uma atividade funcional, que atendesse à sociedade. No século XIX, novas necessidades<br />

socioeconômicas levaram a uma cisão nas atividades ditas artísticas e houve, a partir daí, uma<br />

diferenciação gradual, mas bastante evidente, entre designers e artistas plásticos.<br />

Por outro lado, é importante ressaltar que o termo “arte” não é restritivo, isto é, não deve estar<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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atrelado a qualquer atividade profissional. Neste sentido Gombrich (1999, p.15) apresenta uma<br />

leitura relativista da arte, ao afirmar que “nada existe realmente a que se possa dar o nome de<br />

arte”, ou seja, a arte é um valor e não um fenômeno da cultura.<br />

O historiador italiano Argan (1992) propõe uma visão mais abrangente da arte moderna, ao<br />

entendê-la como um momento de reavaliação, de crise histórica, que atinge (ou abrange) todas<br />

as manifestações artísticas legítimas da modernidade, entre elas, a arquitetura, o urbanismo e os<br />

vários campos do design. Vale ressaltar, entretanto, que, devido à reestruturação do consumo de<br />

massa, no período pós-moderno, que produziu a fetichização acentuada da produção industrial,<br />

novas definições epistemológicas do design se fazem necessárias, o que o afasta, consideravelmente,<br />

da arte contemporânea.<br />

Hibridização no design brasileiro<br />

Muitas artes são hibridas pela própria natureza: o teatro, a ópera e a performance são as mais<br />

evidentes. Conforme Santaella (2003, p.135), são consideradas híbridas as produções artísticas<br />

que se utilizam de: “linguagens e meios que se misturam, compondo um todo mesclado e<br />

interconectado de sistemas de signos que se juntam para formar uma sintaxe integrada”.<br />

Os processos de hibridização ou processos de intersemiose tiveram seu início nas vanguardas<br />

estéticas do século XX, com o Cubismo e, desde então, gradualmente se acentuaram até<br />

alcançar níveis de tal forma entrelaçados que colocaram em cheque o conceito de artes plásticas<br />

(SANTAELLA, 2003).<br />

A razão para o desenvolvimento de processos de intersemiose talvez seja a necessidade de se<br />

procurar entender a complexidade contemporânea, pois, segundo Santaella (2003), a hibridização<br />

é fruto do progresso tecnológico e das descobertas no campo da percepção, que possibilitaram aos<br />

artistas as misturas de materiais e inúmeros meios e suportes, que favoreceram a sobreposição e a<br />

sincronização das culturas artesanal, industrial-mecânica, industrial-eletrônica e teleinformática.<br />

Não existem mais limites entre as técnicas, pois a arte solicita, cada vez mais, outras percepções<br />

além da visão. O fim do ciclo desconstrutor da arte moderna, seu ponto de chegada, coincidiu<br />

com o ponto de partida de um fenômeno que passou a marcar, crescentemente, os caminhos da<br />

arte: a explosão dos meios de comunicação e da cultura de massas no contexto de uma expansão<br />

tecnológica que não cessava de avançar (SANTAELLA, 2003).<br />

Duchamp foi o primeiro a se dar conta das repercussões que os objetos industrialmente produzidos,<br />

quer dizer, objetos-signos, traziam para a arte (SANTAELLA, 2003). Nas suas enigmáticas<br />

contravenções, ele evidenciava, ironicamente, que, assim como qualquer imagem tem um caráter<br />

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de signo, pois se trata, obviamente, de uma forma de representação, qualquer objeto também tem<br />

uma natureza sígnica ou quase-sígnica, que lhe é própria e que é ditada por sua funcionalidade.<br />

Do mesmo modo que uma palavra muda de sentido quando se desloca de um contexto para outro,<br />

também os objetos encontram, nos usos, inevitavelmente contextuais, a consumação de seus<br />

significados.<br />

Duchamp é uma espécie de rito de passagem: momento em que a era mecânica industrial sai do<br />

seu apogeu e dá início à era eletrônica, pós-industrial. É por isso, também, que a art pop, na<br />

sua reação ao desmesurado crescimento dos meios e dos produtos da cultura de massas, não foi<br />

senão a explicitação de uma atividade estética inseparável da critica, que já estava implícita em<br />

Duchamp.<br />

Observa-se, por outro lado, que a mistura de imagens não se dá somente no universo das artes,<br />

embora aconteça nesse meio, de modo privilegiado. No cotidiano, de forma natural, as imagens<br />

se acasalam e se interpenetram, a ponto de se poder afirmar que essa mistura constitui o estatuto<br />

da imagem na contemporaneidade.<br />

O design, no Brasil, nos anos de 1980 não produziu quantidade significativa, mas iniciou um novo<br />

processo para o reconhecimento de uma estética brasileira, multicultural e mestiça. Assim, abriuse<br />

um novo caminho para os designers brasileiros, por intermédio da decodificação do próprio<br />

pluralismo estético local, cujo modelo, em sua forma mais madura, surge a partir da segunda<br />

metade dos anos de 1990. A nova realidade do país conduziu a esse novo modelo, que começou a<br />

pôr em evidência uma estética múltipla, em que se nota uma forte presença dos signos híbridos e<br />

de uma energia particularmente brasileira.<br />

Branzi (apud Moraes, 2006, p.170) observa a afinidade do pensamento múltiplo pós-moderno com<br />

a realidade local brasileira, ao afirmar que o “Brasil foi um país destinado a viver em uma pósmodernidade<br />

de fato”. A heterogeneidade local, desta vez, está presente, no design brasileiro,<br />

como aspecto positivo, um espelho do mix social existente no país.<br />

O ideal pluralista do design brasileiro continua a apresentar muitos desafios, uma vez que se<br />

desenvolve em uma sociedade cujos maiores conflitos foram e ainda são gerados pela complexidade<br />

de decodificação da grande diversidade existente.<br />

Cabe notar que um novo cenário é delineado, a partir dos anos de 1990, no design ocidental,<br />

quando se abre um grande espaço para o debate sobre a sociedade da mídia e da informação, do<br />

conhecimento e do saber. Os autores Lyotard, Hassan e Bell observam a importância da mídia e<br />

da nova tecnologia da informação para a criação de uma nova realidade ‘desmaterializada’ para<br />

o homem pós-industrial. Eles afirmam que, se o produto industrial foi o símbolo da era moderna,<br />

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a informação seria o símbolo da era pós-moderna, o que sugere que, o modernismo foi a cultura<br />

da sociedade industrial e o pós-modernismo seria a cultura da sociedade pós-industrial (MORAES,<br />

2006).<br />

É importante reconhecer que a globalização, em curso, traz:<br />

[...] de forma acentuada, para dentro da cultura do design, elementos,<br />

códigos e conceitos de sentidos múltiplos, híbridos e sincréticos, mas,<br />

ao mesmo tempo, tende a valorizar a essência da cultura local”. [...]<br />

“o design passa a ser entendido como metáfora de um conjunto de<br />

conceitos gerando significados e conferindo valor na sua significância,<br />

e tudo isto hoje passa a ser considerado ao se desenvolver um novo<br />

produto. (MORAES, 2006, p.192).<br />

Existe, ainda, a questão da estética, que passa do âmbito subjetivo para seguir a ética e o modelo<br />

comportamental de determinados grupos sociais. Por tudo isto, o design deixou de ser uma<br />

atividade somente do âmbito projetual e passou ao patamar intelectual. Hoje, pode-se, assim,<br />

falar, de fato, da existência de uma cultura do projeto.<br />

Premio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira<br />

Os objetos e seu design representam a cultura de seu tempo. Neste sentido, Suzan Yelavich,<br />

diretora do Cooper-Hewitt, o museu nacional do design dos Estados Unidos, afirmou (apud Ferlauto,<br />

2006, p.10) que “lugares, produtos, assim como o ciberespaço, quase todas as coisas produzidas<br />

pelo homem expressam ideias sobre como viver – e são o resultado de ideias de design”.<br />

Desse modo, faz-se necessário o registro referente a essa produção que se caracteriza conforme<br />

o modo de viver e os costumes da sociedade. Por reconhecer os valores socioeconômicos e<br />

antropológicos do design, em 1986, Jorge da Cunha, na época secretário da Cultura do Estado<br />

de São Paulo, e o publicitário Roberto Dualibi, diretor do Museu da Casa Brasileira, idealizaram a<br />

criação do Prêmio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira. Segundo Marlene Acayaba, diretora do Museu<br />

no período de 1995 a 2002, o Prêmio <strong>Design</strong> MCB tem, como objetivos, promover o “[...] ofício do<br />

designer, estimular a adoção de soluções de arte e tecnologia brasileiras e revelar novos talentos”<br />

(ACAYABA, 2001, p.7).<br />

Este prêmio, que foi criado por uma instituição cultural pública, é mantido pela Secretaria de<br />

Estado da Cultura do Estado de São Paulo e não tem interesses comerciais, mas busca agregar<br />

personalidades importantes, tanto na área de projetos quanto da produção teórica. Esses fatores<br />

o credenciaram como o termômetro por excelência área, pois assumiu a tarefa de definir e exibir<br />

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o design brasileiro, de formar o gosto popular e de sensibilizar o empresariado e o poder público<br />

para a valorização do mesmo, bem como, do profissional, o que o tornou o grande incentivador<br />

dessa produção.<br />

O Prêmio <strong>Design</strong> do MCB, um dos primeiros concursos de design de produtos, assistiu às mudanças<br />

econômicas, tecnológicas e de comportamento dos últimos anos, e, sem dúvida, é uma referência<br />

fundamental para os profissionais do design nacional. Desde o início da instituição do prêmio,<br />

existe um comprometimento com a construção de mecanismos que busquem a qualidade e a<br />

inovação no design do país. A semente plantada por esses dois visionários frutificou, pois propiciou<br />

a percepção consciente da sociedade, sobre a importância do design para a economia do país e o<br />

atendimento às premissas dessa produção, que consiste na busca pela melhoria da qualidade de<br />

vida e do bem estar do cidadão, o que demonstra a sua grande evolução ao longo dos anos.<br />

O Prêmio <strong>Design</strong> MCB, que, atualmente, está sob a responsabilidade do arquiteto Giancarlo<br />

Latorraca como diretor técnico, e de Miriam Lerner, como diretora geral, foi gerido, desde a sua<br />

instituição, por: Roberto Duailibi (1985-1988), Maria de Lourdes Janotti (1988-1989), João Marino<br />

(1989-1991), Cláudia Vada (1991-1992), Carlos Bratke (1992-1995) e Marlene Acayaba (1995-2002);<br />

e Adélia Borges (2002-2006).<br />

,OVO – Luciana Martins e Gerson de Oliveira<br />

,Ovo é o nome da loja-atelier da dupla de designers Luciana Martins e Gerson de Oliveira, que é<br />

não só um lugar de trabalho, mas também, um espaço para realização de palestras, workshops e<br />

cursos. A palavra ,Ovo, que acompanha os sócios desde o início de suas atividades no campo do<br />

design, partilha significados e sentidos relevantes à criação. Além do sentido próprio da palavra<br />

ovo, que remete à ideia de origem, criação, o uso da vírgula, como parte integrante da identidade<br />

visual da marca, como demonstrado abaixo, exerce a função de pausa e tempo, o suspiro de uma<br />

ação, neste caso, a criação. “É simplicidade, formação, humor, dá uma ideia de duplicidade.<br />

Congrega conceitos de nosso trabalho” afirma Luciana, em entrevista concedida ao autor.<br />

Figura 1: Logotipo da empresa ,OVO.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

A dupla Luciana Martins e Gerson de Oliveira estreou no campo do design em 1991 e, desde<br />

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o início, seus produtos marcam território com forte personalidade. “Dizem coisas para além<br />

do uso pragmático”, como afirma Mara Gama, na apresentação dos designers no site oficial da<br />

dupla (GAMA, 2009). Seus objetos possuem um fio condutor, um pensamento que fica entre o<br />

estranhamento e a dúvida, que é respondida a partir do uso cotidiano. As peças são reconhecíveis<br />

não só pela qualidade plástica, mas, também, pelos procedimentos artísticos e de comunicação.<br />

A relação com as artes plásticas vem desde o início precoce da dupla, que, apenas dois anos depois da<br />

estreia, participa de duas exposições coletivas de designers: a exposição Entre Objetos, na galeria<br />

Montessanti-Roesler, e outra, no MASP, intitulada Iluminativa. Em 1994, são selecionados para a<br />

8ª edição do Prêmio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira. A expressiva capacidade de comunicação e<br />

uma sutil contaminação com universos mais artísticos conferem ao trabalho da ,OVO dimensões<br />

mais simbólicas (GUEDES, 2008, p.202).<br />

Em 1995, os designers recebem o primeiro prêmio, pela famosa e lúdica cadeira Cadê, objeto de<br />

estudo desta pesquisa. No mesmo ano, participam da exposição Entre Objetos, com três luminárias,<br />

das quais, duas foram produzidas com algodão-bolinha, e a outra, com material de primeiros<br />

socorros, como gazes, o que deu à peça uma leveza superior à sugerida por suas dimensões. A<br />

cadeira Cadê também integrava o conjunto exposto nessa mostra. A curadora da exposição, Maria<br />

Alice Milliet (1995), comenta, no texto de apresentação da exposição:<br />

As pessoas interessadas em arte e design ficam confusas quando o trabalho<br />

dos criadores é levado a extremos que abalam noções estabelecidas.<br />

Na maioria dos casos, a resistência ao inusitado não se deve ao apego<br />

à tradição. O público, disposto a aceitar novidades veiculadas pelos<br />

meios de comunicação disponíveis no mercado, desconfia do que<br />

ocorre à margem da produção massificada. Os bloqueios à percepção<br />

e a desconfiança dificultam a aparição de qualquer coisa que ouse<br />

existir fora do sistema de grande circulação. Isso acontece com as artes<br />

plásticas e o design, mas também na música, no cinema, no teatro e<br />

na literatura, quando surgem como produções independentes. Embora<br />

reconhecidas pela crítica como sendo os segmentos mais criativos,<br />

são acolhidos com reserva pelos consumidores até que absorvidos por<br />

empresas de porte que entram no circuito, via de regra, previamente<br />

expurgada dos excessos. Só está disponível para o incomum quem<br />

guarda ainda a curiosidade da criança e o espírito aventureiro do jovem<br />

(MILLIET, 1995).<br />

A Itália é o país líder mundial no segmento do design e foi em Milão, cidade centro desse processo,<br />

que Luciana e Gerson fizeram sua primeira incursão no exterior, ao apresentar a cadeira Cadê, na<br />

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1ª edição da mostra Brasil Faz <strong>Design</strong>, que ali recebe nova premiação.<br />

Em 1997, com apenas seis anos de incursão no campo do design, são selecionados pelo designer<br />

francês Philippe Starck, para a exposição <strong>Design</strong> Mit Zukunft, em Bremen, Alemanha. No mesmo<br />

ano, acontece a exposição Subjetos no MuBE – Museu Brasileiro da Escultura. O título da exposição<br />

é um neologismo, que une os termos sujeito e objeto e se refere, entre outras coisas, à relação<br />

que se estabelece entre o autor e o usuário, através do objeto. A exposição coletiva foi organizada<br />

pelos designers Luciana Martins e Gerson de Oliveira, pelos Irmãos Campana e por Jacqueline<br />

Terpins. Em 1998, Luciana e Gerson apresentam suas criações em Miami, na exposição <strong>Design</strong><br />

Brazil, na 5 Contemporany <strong>Design</strong>ers.<br />

Na virada do século XX, em 2000, realizam a exposição Playground na galeria Brito Cimino <strong>Arte</strong><br />

Contemporânea onde expõem, pela primeira vez, Huevos Revueltos, peça comercializada, hoje,<br />

também na loja do MOMA, em New York, e que é objeto do presente estudo. O objeto que dá título<br />

à exposição é um tapete multiuso, produzido em couro, material que confere calor e conforto. O<br />

tapete é, ao mesmo tempo, um sofá, no chão, pois o volume acoplado forma um espaço lúdico para<br />

se deitar, ler, ou para outras inúmeras utilizações. Para Luciana Martins, a exposição Playground<br />

serviu para mostrar que a linha que separa a arte do design está mais embaralhada do que nunca.<br />

“São dois universos que cada dia mais se fundem em um só. O que ajuda a definir o que é arte e<br />

o que é design é o contexto, se está exposto numa galeria, museu ou loja”, explica Luciana, em<br />

depoimento à revista Casa Vogue.<br />

No texto crítico da exposição, Grossmann (2000) comenta:<br />

Observando atentamente os objetos expostos na galeria e também<br />

aqueles que estão presentes no catálogo, deduzo que são possuidores<br />

de uma qualidade geométrica, e por extensão abstrata. Neste<br />

âmbito, as qualidades essenciais de cada objeto independem de seu<br />

uso, função ou até mesmo sua estética. Desta forma, o contexto de<br />

utilidade, funcionalidade ou exposição são secundários, ou seja, não<br />

é primordial promover um debate acerca da classificação destes:<br />

não resolve denominá-los arte ou design, mesa ou cadeira, etc. Em<br />

essência, cada objeto é uma singularidade, algo que basta a si próprio.<br />

Como conjunto, os objetos são também generalidades, princípios<br />

elementares. Neste estado eles estado, eles estão muito próximos ao<br />

universo da matemática pura, que estuda as propriedades das grandezas<br />

em abstrato (GROSSMANN, 2000).<br />

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Figura 2: Vista parcial da Exposição Playground.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

Em 2000, Luciana e Gerson retornam a Milão para mais uma edição da mostra Brasil Faz <strong>Design</strong> e,<br />

posteriormente, apresentam seu trabalho no Museu de <strong>Arte</strong> Moderna do Rio de Janeiro – MAM RJ,<br />

e no Museu da Casa Brasileira – MCB, em São Paulo.<br />

Em 2001, é em Portugal que a dupla aporta, desta vez, na Bienal da Prata. No Brasil, os designers<br />

participam da exposição comemorativa do cinquentenário da Bienal de São Paulo, criada por<br />

Ciccilo Matarazzo, em 1951, no segmento Rede de tensão, que explora limites fronteiriços da<br />

arte. É importante ressaltar que, desde o seu início, a Bienal vem acolhendo o design, pois, já<br />

na primeira edição, premiou o artista-designer suíço, Max Bill, com o primeiro lugar na categoria<br />

escultura, com a obra Tripartida. Este fato foi bastante positivo para o Brasil, pois, em 1953, Bill<br />

retorna e se encontra com Pietro Maria Bardi, então diretor do MASP, quando trocam informações<br />

para aperfeiçoamento do IAC – Instituto de <strong>Arte</strong> Contemporânea, que facilitou o contato de artistas<br />

brasileiros com oportunidades de estudos na UfG, em Ulm, na Alemanha.<br />

Em novembro de 2002, Luciana e Gerson inauguram sua loja-ateliê ,OVO - na Vila Olímpia, em São<br />

Paulo, com a exposição Home Sweet Home. O título da mostra batiza a peça multifuncional, feita<br />

em aço inox e acrílico e fixada à parede, que possibilita sentar, escrever, pendurar um casaco, ou<br />

utilizá-la como estante. O caráter lúdico, característico da dupla, continua presente nesta nova<br />

fase profissional.<br />

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Em 2004, acontece um fato diferenciado: Eduardo Brandão, curador e sócio da Galeria Vermelho,<br />

convida-os para criar um produto-objeto, para a mostra Hora Aberta, com uma funcionalidade<br />

específica, a de acomodar o espectador dos vídeos da mostra. Hoje, o produto, denominado<br />

‘Campo’, é comercializado, ou seja, o produto criado inicialmente para uma mostra de arte, em<br />

2008 passa a ser produzido, industrialmente, como objeto em sua função original, a de servir como<br />

assento. O objeto carrega, na sua configuração, características de uma instalação; disponibiliza<br />

criações modulares extremamente versáteis, que lembram uma colméia; e apresenta, ainda, uma<br />

elegante cartela de cores expandidas. O objeto-obra tem um produto complementar, para maior<br />

comodidade e conforto do usuário: uma manta-almofada, o que vem reforçar o caráter lúdico<br />

escultórico do produto, pois este se configura de acordo com a referência e a interação do usuário.<br />

Figura 3: Exposição Hora Aberta - objeto campo.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

Ainda no ano de 2004, em parceria com sua vizinha, a Galeria Brito Cimino <strong>Arte</strong> Contemporânea,<br />

concebem a exposição Sala de <strong>Arte</strong>. Para esta ação, a proximidade física tornou a relação arte<br />

design ainda mais forte, a tal ponto que o muro que dividia os imóveis foi derrubado, rompendo,<br />

simbolicamente, os limites dos campos de atuação das duas linguagens. Assim, as relações vão<br />

além da simples vizinhança, pois “muitos dos artistas que a Brito Cimino representa rompem com<br />

as barreiras do suporte tradicional. Tentamos aproximar estas obras com o espaço de uma casa.<br />

Procuramos fazer associações construtivas, dos aspectos formais, dos materiais, para promover o<br />

diálogo”, diz Gerson de Oliveira, em entrevista concedida ao autor, sobre a exposição. Num amplo<br />

exercício de linguagens e rompimento de limites, assumindo a hibridação entre arte e design,<br />

artistas como Rochelle Costi, Regina Silveira e Ana Maria Tavares, representados pela galeria,<br />

também atuam nos limites da arte e se utilizam de procedimentos de produção industrial.<br />

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Figura 4: Sala de <strong>Arte</strong>.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

Em 2005, surge uma oportunidade ímpar na carreira da dupla Luciana Martins e Gerson de Oliveira,<br />

quando esta é convidada, pelo curador Felipe Chaimovich, para participar do Projeto Parede, no<br />

MAM, em São Paulo. Este projeto este criado em 1996. Era a primeira vez, até aquele momento,<br />

que os designers participavam deste renomado e disputado espaço expositivo, que convida apenas<br />

dois artistas por ano, pois o período de exibição é de seis meses, o que propicia um altíssimo nível<br />

de visibilidade aos autores. Para esta exposição, foi retomado e ampliado o objeto Home Sweet<br />

Home, então assumido como uma instalação denominada de Projeto P.A., título que reafirma as<br />

características híbridas utilizadas pela dupla, desta vez, no campo da linguística, carregado de<br />

dualidade na interpretação e significação entre as linguagens verbal e não verbal.<br />

Pode-se afirmar que esta é uma das características marcantes da linguagem da ,OVO, que estimula<br />

e instiga um exercício interpretativo do espectador-usuário que, diante de suas criações, não fica<br />

passivo. Em relação ao projeto P.A., há várias possibilidades imagéticas, pois pode ser interpretado<br />

como “prova de artista”, terminologia utilizada no campo da gravura, mas, também, pode ser<br />

a abreviatura de “Para Ação”, ao assumir múltiplas ações exercidas pelo corpo, como sentar,<br />

apoiar, pendurar, recostar, subir, sustentar e até mesmo deitar.<br />

A obra, que utiliza a linha como elemento visual, numa operação aparentemente simples, como<br />

um desenho realizado sem retirar o lápis do papel, num traçado único, é de aço inox, acrílico<br />

e madeira, com pintura em poliuretano emborrachado, e tem, aproximadamente, 20 metros<br />

de extensão e oscilações de altura respaldadas por tabelas antropométricas. Este é o conceito<br />

fundamental do projeto, pois estas alterações de alturas determinam a função ou a ação que<br />

pode ser exercida pelo espectador-usuário. A obra propicia a interação dos visitantes do museu,<br />

que podem experienciar as situações propostas pelos designers. Essa ação, não usual num museu,<br />

aproxima o espectador do terreno da arte e do design. “Há um uso real, não é ficção. O trabalho<br />

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foi pensado para funcionar”, afirma Gerson. O procedimento de variar alturas foi resgatado da<br />

mesa Camelô, de 1998, premiada com menção honrosa na 10ª edição do Prêmio <strong>Design</strong> Museu da<br />

Casa Brasileira.<br />

Figura 5: Vista parcial do Projeto P.A. – MAM SP.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

A linha, além das variações de alturas, também apresenta variações de espessura, o que confere<br />

resistência ao material que recebe a carga do corpo para as diferentes ações cotidianas e agrega<br />

valor ao desenho do objeto. Cabe colocar que foram utilizados alguns Huevos Revueltos na<br />

composição da instalação, sobre a qual comenta Gerson: “O trabalho veio da ideia de que existem<br />

diferentes alturas para essas ações referenciais do corpo”. A obra-objeto integra a coleção do<br />

Museu de <strong>Arte</strong> Moderna de São Paulo.<br />

Ainda em 2005, os designers retornam ao Prêmio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira, então na 19ª<br />

edição, quando recebem três premiações: o primeiro lugar, na categoria utensílios, com Huevos<br />

Revueltos – objeto de investigação desta pesquisa; uma menção honrosa, na mesma categoria,<br />

com Box in the Box; e na categoria Mobiliário residencial, um 2º lugar com a cadeira Terceira.<br />

Luciana e Gerson conheceram-se no final dos anos de 1980, na USP, no espaço da ECA, Escola<br />

de Comunicação e <strong>Arte</strong>s, especificamente, no curso de cinema, ambiente que proporcionou<br />

e possibilitou as primeiras experiências lúdicas e sensoriais com o espaço vivenciado por seus<br />

personagens imaginários. Desta formação em cinema, percebe-se a transposição de elementos<br />

textuais para a linguagem visual, como movimentos, direção, enquadramentos; o uso de recurso<br />

da memória imagética, ações lúdicas, articulações da forma e um intenso exercício de gravar,<br />

velar, revelar, conceitos constituintes de seus objetos.<br />

A transposição também se realiza ao se permitir que a projeção da película cinematográfica se<br />

desprenda do plano vertical da projeção e invada a malha urbana, proporcionando experiências<br />

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sensoriais em espaços públicos e privados. Hoje, este cenário passa a ser a casa inserida no espaço<br />

urbano, vivenciada por usuários que valorizam ações lúdicas e que privilegiam a reflexão no uso<br />

atribuído aos objetos que compõem seu habitat particular, seu espaço reservado no universo – sua<br />

casa.<br />

Figura 6: Cabideiro Huevos Revueltos e Cadeira Cadê.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

Os objetos dos designers Luciana Martins e Gerson de Oliveira, selecionados para comentários<br />

mais aprofundados, neste artigo, foram delimitados pela classificação: 1º lugar no Prêmio <strong>Design</strong><br />

Museu da Casa Brasileira; para a cadeira Cadê, contemplada, em 1995 com o Prêmio Joaquim<br />

Tenreiro na categoria Mobiliário Residencial; e o cabideiro Huevos Revueltos, premiado, em 2005,<br />

na Categoria Utensílios.<br />

Cadeira Cadê<br />

Nome perfeito para definir um cubo em tecido elástico, com estrutura em vergalhões de aço.<br />

Este produto é carregado de valores sígnicos e questionadores, pois proporciona a investigação do<br />

usuário em relação ao objeto, a iniciar-se pelas questões: “Por onde devo me sentar?”, “Cadê a<br />

frente?”, “Cadê o encosto?”<br />

O objeto fascina por esse questionamento que a forma proporciona ao espectador-usuário,<br />

reforçado pelo espaço negativo gerado pelo corpo do mesmo. Assim, remete à definição de forma<br />

negativa, em que o espaço delimita a forma. A forma será configurada pela interação do usuário<br />

com o objeto: o elastano, material resiliente, carregado de memória, retorna ao estado físico<br />

inicial assim que o usuário se levanta, ou seja, à configuração do cubo. Esta ação reaparecerá na<br />

mesa Mientras Tanto, premiada na 4ª edição do “Brasil Faz <strong>Design</strong>”, em 2000.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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,OVO – O hibridismo no design brasileiro contemporâneo<br />

A cadeira foi desenvolvida a partir de uma brincadeira lúdica com a afilhada da dupla e atua no<br />

campo da arte, quando se considera a forma como massa ocupando o espaço, conceito clássico<br />

herdado da escultura e ato relacionada à performance ou body art, ao delimitar o espaço negativo<br />

do sentar-se.<br />

Segundo Borges (1996)<br />

A Cadê subverte o dogma da Bauhaus de transparência da construção, a<br />

idéia de que a forma de um produto deve levar a uma rápida percepção<br />

de sua função e de seu modo de uso. [...] O projeto transcende a<br />

contestação com bom humor e soluções técnicas apuradas, resultando<br />

numa poltrona confortável. Depois do prêmio do Museu, a Probjeto<br />

decidiu produzi-la. (BORGES, 1996, p.70)<br />

Figura 7: Cadeira Cadê.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

Esta atitude da Probjeto é confirmada pelo Professor Auresnede Pires Stephan, em entrevista ao<br />

autor, no Museu da Casa Brasileira, quando disse que o Prêmio confere uma chancela aos produtos<br />

e aos designers, o que influencia o seu ciclo no mercado e lhe agrega valor. A cadeira Cadê também<br />

recebeu prêmio na mostra Brasil Faz <strong>Design</strong> em Milão, em 1995, e está publicada na renomada<br />

edição suíça 50 Chairs de Mel Byars, de 1997.<br />

Huevos Revueltos<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Os Huevos Revueltos, produto premiado com o primeiro lugar, na categoria utensílios, no 19º<br />

Prêmio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira, em 2005, traz aproximações com as práticas dos ready<br />

made de Duchamp. Neste caso, em específico, os designers não se apropriam diretamente dos<br />

objetos, as bolas de bilhar, mas as utilizam como referentes para exercer um procedimento<br />

projetual de espaço e tempo. Como aponta Milliet (1995)<br />

Como elo de ligação entre arte moderna e as manifestações contemporâneas<br />

é impossível não destacar a atitude irônica e premonitória de Marcel<br />

Duchamp: as apropriações de objetos industrializados – os ready-madepromovidos<br />

ao universo da arte. Deslocou com seu gesto a função social<br />

do artista, não mais o gênio criador de obras únicas ou modelos para a<br />

indústria mas alguém capaz de escolha, de crítica, de interação criativa<br />

com o seu entorno. (MILLIET, 1995)<br />

Figura 8: Huevos Revueltos, interação do usuário com objeto.<br />

Fonte: (MARTINS e OLIVEIRA, 2009).<br />

O redimensionamento do objeto faz parte do processo de construção de Huevos Revueltos – as<br />

bolas de bilhar, para exercerem a função de cabide, sofrem alterações no seu dimensionamento; a<br />

transposição de planos é definitiva nessa produção, pois há um deslocamento do plano horizontal<br />

do jogo para uma ação lúdica de interação com o sujeito, que tem total liberdade para exercer<br />

a instalação do produto, de modo a simular ou não uma jogada no plano vertical de uma sala<br />

de jantar, de jogos ou mesmo em um escritório e, quem sabe, é a bola oito para uma decisão<br />

comercial. Sem dúvida, Huevos Revueltos contempla ações interativas e retoma o senso de humor<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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característico da linguagem dos designers, num extremo refinamento entre a poética e a produção<br />

industrial.<br />

Considerações Finais<br />

A produção da dupla Luciana Martins e Gerson de Oliveira, desde o início, apresenta uma linguagem<br />

instigante e carregada de fortes valores indiciais, que transcende o seu uso pragmático. Essa<br />

qualidade estética diferenciada é reconhecida, no mercado, pela singularidade de sua linguagem<br />

ímpar, oriunda das artes visuais, como consequência do repertório de formação acadêmica em<br />

cinema de seus autores.<br />

A cadeira Cadê carrega, em seu corpo matérico, questões imagéticas relacionadas ao repertório<br />

da escultura, tais como, massa, peso e espaço. Já o seu uso, que está subentendido num primeiro<br />

olhar, remete a questões da performance, ou ainda, da body art, ao se considerar a interação do<br />

usuário com o produto. No campo da arte, a relação que se estabelece entre o sujeito e o objeto,<br />

por meio do olhar, propicia um diálogo enigmático e desafiador, que coloca em cheque a função<br />

primeira do produto e abre inúmeras possibilidades de interpretação. A cadeira Cadê apresenta<br />

características resilientes, proporcionadas pelo uso do elastano, tecido elástico. Somente a<br />

interação com o usuário a transformará e a configurará como um objeto utilitário e não somente<br />

contemplativo.<br />

O cabideiro Huevos Revueltos também possibilita uma interação com o agente-consumidor, ao<br />

lhe proporcionar a experiência de realizar a instalação de diversas maneiras. Nessa ação de<br />

interação e intervenção no espaço, o usuário articula uma configuração para o objeto, de modo a<br />

determinar a sua funcionalidade. A interação e a intervenção são possibilidades presentes na arte<br />

contemporânea, quando esta propicia uma articulação do pensamento em relação à obra-objeto.<br />

Huevos Revueltos é uma produção que remete às reflexões propostas por Duchamp, ou seja,<br />

a transposição da significação original do objeto para uma nova função, fundamentada num<br />

argumento poético, cuja gênese está na memória imagética que esse objeto carrega, como valor<br />

simbólico ocidental. Huevos Revueltos possibilita ainda uma operação de inversão de valores e de<br />

planos, pois o plano horizontal do jogo de bilhar pode assumir uma projeção no plano vertical,<br />

o que resulta numa ação lúdica: o usuário-agente, ao interagir, numa construção criativa, para<br />

configuração e simulação de uma possível jogada, compõe a peça como melhor lhe convém.<br />

A trajetória da dupla é notória e de grande receptividade e reconhecimento no campo do design<br />

e no da arte. Eles atuam em eventos de relevância tanto em espaços públicos quanto privados,<br />

haja vista que Huevos Revueltos são comercializados na sessão de design do MOMA, integram<br />

coleções de importantes museus e figuram em anuários do design internacional como nos produtos<br />

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midiáticos de notoriedade.<br />

Sem sombra de dúvida, as proposições da dupla, Luciana Martins e Gerson de Oliveira, aproximam<br />

os campos das artes visuais e do design de modo a gerar uma miscigenação na operação promovida<br />

pelo usuário. Assim, pode-se perceber a construção de um o diálogo em torno do repertório da<br />

arte transportado para um produto de design, projetado para suprir uma demanda de mercado<br />

de um público alvo ávido por conceitos contemporâneos que traduzam seus anseios de reflexão e<br />

interação com o seu entorno.<br />

Referências<br />

ACAYABA, Marlene Milan (Org.). 11º ao 15º Premio <strong>Design</strong> Museu da Casa Brasileira 1997-2001.<br />

São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2001.<br />

ARGAN, Giulio Carlo. <strong>Arte</strong> moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.<br />

BORGES, Adélia. Prêmio <strong>Design</strong>: 1986-1996. São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 1996.<br />

FERLAUTO, Claúdio. 16º ao 20º Prêmio museu da Casa Brasileira. (Coordenação Adélia Borges).<br />

São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2006.<br />

GAMA, Mara. Sobre a Ovo: Disponível em: . Acesso<br />

em: 04 maio 2009.<br />

GROSSMANN, Martin. Exposição Playground. Galeria Brito Cimino. São Paulo, 2000.<br />

GOMBRICH, Ernest H.. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1999.<br />

GUEDES, Guta. Experimenta design. Lisboa, 2008<br />

MILLIET, Maria Alice. Exposição entre objetos. Galeria Nara Roesler. São Paulo, maio 1995.<br />

MORAES, Dijon de. Análise do design brasileiro: entre mimese e mestiçagem. São Paulo: Edgard<br />

Blücher, 2006.<br />

SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano. São Paulo: Paullus, 2003.<br />

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A prática do ilustrador na construção visual do livro infantil A Seda e a<br />

Chita<br />

Pedro Shalders Porto Mestrando em <strong>Design</strong>, PUC- Rio<br />

pedroporto@gmail.com<br />

Resumo<br />

O presente artigo tem o propósito de apresentar os processos criativos e métodos<br />

de trabalho do ilustrador na criação das ilustrações para o livro infantil A Seda e<br />

a Chita de Paula Acioli. Serão vistos neste estudo alguns conceitos discutidos por<br />

ilustradores e pesquisadores da área de literatura infantil, que serão apresentados<br />

durante a descrição do processo, a fim de demonstrar que algumas destas teorias<br />

desenvolvidas aplicaram-se durante a fase prática do método descrito.<br />

Palavras-chave:<br />

ilustração; livro infantil; design gráfico<br />

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A prática do ilustrador na construção visual do livro infantil A Seda e a Chita<br />

Introdução<br />

Este artigo tem o propósito de narrar o método de trabalho do ilustrador na concepção, elaboração<br />

e finalização de ilustrações para um livro infantil, a partir de um texto proposto pela autora Paula<br />

Acioli. A narrativa deste processo de criação será de forma linear, demonstrando como a evolução<br />

de cada etapa é fundamental para a continuidade do projeto. Aqui, o ilustrador depende de<br />

diversas ações das partes envolvidas para evoluir em seu trabalho.<br />

Serão vistos neste artigo alguns conceitos discutidos por ilustradores e pesquisadores da área de<br />

livro infantil, que serão apresentados durante a descrição do processo, a fim de demonstrar que<br />

algumas destas teorias desenvolvidas aplicaram-se durante a fase prática do método descrito.<br />

Trabalhou-se aqui com a obra, A Seda e a Chita, encomendada ao ilustrador pela editora Memória<br />

Visual, representada pela editora Camila Perlingeiro. Este projeto atravessou uma série de etapas,<br />

para a sua concepção, com o objetivo de tornar-se algo material, ou seja, um livro impresso.<br />

Existiu um longo processo de produção, que envolveu uma equipe de profissionais dedicados à sua<br />

realização. Camila Perlingeiro foi responsável por montar esta equipe de criadores, influenciando<br />

diretamente no processo criativo destes em todas as etapas do projeto. Esta equipe foi formada<br />

por Paula Acioli, autora do livro, Pedro Porto, ilustrador e autor desta dissertação e pela designer<br />

Marcela Perroni.<br />

Primeira reunião do projeto – leitura do texto e esboços<br />

O ponto inicial do projeto foi marcado pela reunião entre a autora e o ilustrador, a fim de que<br />

definissem as características visuais das personagens e a escolha das ilustrações para os momentos<br />

mais importantes da história. O texto do livro foi lido em conjunto e estas marcações, feitas<br />

pela autora, destacaram os trechos que depois viriam a ser as ilustrações do livro. Este processo<br />

iniciou a passagem das descrições verbais da autora para a interpretação em linguagem visual do<br />

ilustrador. O diálogo criativo entre as duas partes transformou as palavras em desenhos, iniciados<br />

por croquis esquemáticos feitos durante a conversa. Este foi um dos momentos em que aflorou a<br />

união criativa entre escritora e artista. O enlace verbo/visual iniciou-se neste diálogo ilustrado e<br />

evoluiu, constantemente, no decorrer do projeto.<br />

É importante ressaltar que esta etapa precedeu a fase de pesquisa de imagens. Portanto, o resultado<br />

obtido, ou seja, o que foi posto no papel pertencia ao repertório imaginário do ilustrador e da<br />

autora. Esses esboços não representavam o que viria a ser a linguagem visual do livro, continham<br />

apenas as ideias e anotações que nortearam o desenvolvimento dos croquis e das ilustrações em<br />

outras etapas.<br />

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A prática do ilustrador na construção visual do livro infantil A Seda e a Chita<br />

Pesquisa visual<br />

A pesquisa visual do projeto não foi apenas uma função do ilustrador, mas também, a autora do<br />

livro se encarregou de pesquisar e fornecer conteúdos para demonstrar suas ideias em forma de<br />

imagens. Ambos se encarregaram da pesquisa iconográfica referencial em periódicos, revistas,<br />

internet, catálogos de moda, livros ilustrados e até tecidos reais.<br />

A partir do momento em que o universo e o estilo das ilustrações foram escolhidos, a pesquisa<br />

em diferentes mídias foi de grande enriquecimento para a concepção do repertório visual do<br />

projeto. Esta etapa foi fundamental para a elaboração das personagens e cenários do livro. Neste<br />

momento, o processo se assimilou àquele descrito pelo autor e ilustrador Rui de Oliveira no qual<br />

“qualquer trabalho que faço passa antes por uma fase de referências e pesquisas. Quando começo<br />

a ler um texto e esboçar as ilustrações, já penso logo qual o estilo apropriado àquelas palavras, e<br />

onde está este estilo” (OLIVEIRA, apud NECYK, 2007, p.113).<br />

A ilustradora Lima (1999) afirmou a importância da pesquisa iconográfica para a construção visual<br />

do livro:<br />

A pesquisa de conteúdo e de imagens é fundamental para o trabalho do<br />

ilustrador. O visual do livro vai sendo construído antes mesmo de chegar<br />

ao papel através de um passeio por diversas imagens pesquisadas que<br />

possam transmitir melhor uma intenção. A criação de personagens<br />

envolve, muitas vezes, um elaborado trabalho de pesquisa para construir<br />

a personalidade que será representada tanto por palavras como por<br />

imagens (LIMA, 1999, p.93).<br />

A história de A Seda e a Chita é passada no Rio de janeiro e diversas cenas do livro mostram a<br />

ação das personagens em diferentes cenários da cidade. Por este motivo, foi necessária a ida do<br />

ilustrador para estes locais específicos para registrar em fotografias estas paisagens. Este registro<br />

foi fundamental para a criação destas ilustrações e será descrito com detalhes no tópico de<br />

finalização das ilustrações, adiante. É importante ressaltar que esta fase não foi necessariamente<br />

fechada, pois ao longo do processo de trabalho alguns questionamentos surgiram, requerendo a<br />

busca de novas referências.<br />

Criação das personagens<br />

As personagens do livro em questão foram concebidas no imaginário da autora, Paula Acioli<br />

e transformadas em linguagem visual pelo ilustrador, Pedro Porto, ou seja, este processo de<br />

transfiguração de linguagens pôde ser considerado um ato criador. Segundo Ostrower (2009, p.9)<br />

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A prática do ilustrador na construção visual do livro infantil A Seda e a Chita<br />

“criar é, basicamente, formar; é poder dar forma a algo novo. Em qualquer que seja o campo de<br />

atividade”. Estas novas configurações geradas deram origem às imagens das personagens e este<br />

processo será descrito neste tópico.<br />

Os primeiros esboços das personagens foram desenvolvidos na presença da autora e antes da<br />

pesquisa de imagens. Nesta primeira reunião foram definidos também, proporções, cor do cabelo,<br />

tom da pele, roupas e acessórios utilizados pelas meninas. Vale ressaltar que o processo de criação<br />

seguiu os conceitos desenvolvidos por Ostrower (ibidem) em que “O ato criador abrange, portanto,<br />

a capacidade de compreender, e esta por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar.”<br />

No processo criativo, foram selecionadas e impressas dezenas de imagens de crianças em<br />

diferentes posições e ações para referenciar os esboços. A pesquisa feita pela autora foi de<br />

grande importância, pois nela havia imagens de crianças pesquisadas e fotografadas por ela, que<br />

condiziam com as características das meninas. O uso do papel vegetal ou da mesa de luz, por<br />

deixar o papel translúcido, facilitou a cópia das proporções em um novo papel sobreposto. Estes<br />

desenhos foram feitos em forma de estudos e serviram como base para muitos dos rascunhos e<br />

ilustrações das personagens do livro, como demonstra figura 1 abaixo.<br />

Figura 1: Pesquisa visual e estudos das personagens.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Os esboços foram iniciados com traços soltos e espontâneos feitos a lápis e uma linha de ação<br />

funcionou como o esqueleto do desenho. Tal linha definiu a atitude e ação das personagens. Formas<br />

geométricas foram utilizadas para definir as proporções deste desenho esquemático, que foi o<br />

primeiro passo para a criação da figura das meninas. Este processo pôde ser comparado à escultura<br />

em argila ou massas de modelar, como se o traço lapidasse a forma geométrica para definir as<br />

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características principais da figura. O uso da mesa de luz e novas folhas foram importantes para<br />

a evolução destes rascunhos, uma vez que, antes de serem finalizados em nanquim, chegou-se a<br />

um croqui definitivo, demonstrado nas figuras adiante.<br />

Figura 2. Estudos e esboços das personagens.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Figura 3. Estudos e esboços das personagens.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Após o desenho a lápis bem definido, iniciou-se o processo de finalização, usando nanquim. As<br />

folhas foram fixadas com fita-crepe na mesa de luz porque nesta etapa os traços do desenho foram<br />

representados com bastante firmeza, utilizando canetas de nanquim. O estilo do traço escolhido<br />

requer precisão, fator fundamental para a o momento de colorir. O software gráfico Adobe<br />

Photoshop C.S3 utilizado para colorir, trabalha com as ferramentas de seleção e preenchimento,<br />

portando, neste momento, não poderia haver falhas nas linhas. Estas têm grande importância por<br />

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prenderem a atenção do leitor e levá-lo a percorrer toda a sua extensão, ao mesmo tempo em que<br />

imprimem ritmo e movimento à imagem, conforme afirmou Biazetto (2008).<br />

As canetas de nanquim utilizadas são descartáveis e suas pontas têm diferentes espessuras, que<br />

variam entre 0.1 mm e 0.8 mm. Uma característica do traço escolhido para o a finalização é<br />

a variação de espessura. O ato de engrossar as linhas e criar massas em preto é um fator que<br />

demonstra volumes e sombras no desenho.<br />

Uma vez digitalizado, em alta resolução, a ilustração finalizada em nanquim necessitou de alguns<br />

ajustes com o uso do software para que o resultado do colorido fosse o melhor possível. Os<br />

contrastes foram modificados para o traço tornar-se mais escuro e qualquer erro que tivesse<br />

ocorrido no momento da finalização pudesse ser consertado. A ferramenta de preenchimento<br />

colore com perfeição os espaços vazios envolvidos pelas linhas - sem falhas. O ilustrador separou<br />

em camadas os traços, os primeiros tons de cores, as sombras e as luzes. As sombras foram feitas<br />

com a sobreposição destas camadas, com uma leve alteração no tom da camada frontal. O mesmo<br />

processo pôde ser feito para adicionar a luz. A estampa foi finalizada em um arquivo separado e<br />

aplicada no momento de finalização da menina em questão.<br />

Figura 4. Finalização e colorido das personagens.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Figura 4. Finalização e colorido das personagens.<br />

Fonte: Do autor.<br />

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Para colorir digitalmente, o ilustrador utilizou uma ferramenta chamada tablet, que é uma caneta<br />

digital sensível ao toque e movimento. O tablet cumpre a função do mouse, simulando uma<br />

caneta, um lápis e até mesmo um pincel.<br />

Uma vez finalizadas, as personagens foram apresentadas para a autora da história. Para que<br />

fossem aceitas, passaram por diversos ajustes até que a aprovação definitiva fosse feita. Como<br />

já visto, autora participou efetivamente do processo criativo da concepção das personagens. As<br />

roupas e acessórios utilizados pelas personagens, por exemplo, foram criadas pela autora, que<br />

utilizou a linguagem da ilustração.<br />

Storyboard<br />

Segundo o autor e ilustrador Uri Shulevitz (1985), o storyboard é um modelo bidimensional, com<br />

todas as páginas desenhadas num pedaço de papel, que permite a visão geral do que será o livro<br />

e como cada página se relaciona com a outra e ao todo. Para demonstrar que esta etapa se refere<br />

a um planejamento prévio, o autor compara o desenho do storyboard com uma planta baixa feita<br />

por um arquiteto, antes de construir uma casa. Segundo o autor, “esta visão geral de todo o livro<br />

facilita o planejamento dos principais elementos visuais” (SHULEVITZ, 1985, p.68). Explica que<br />

para fazer um storyboard basta desenhar retângulos do tamanho de selos em uma folha de papel<br />

para representar as páginas do livro.<br />

Figura 6. Storyboard e marcações no texto.<br />

Fonte: Do autor.<br />

A criação do storyboard do projeto ocorreu em mais uma reunião entre a escritora do livro e<br />

o ilustrador. As anotações dos momentos-chave do texto, feitas anteriormente pela autora,<br />

facilitaram este processo. Este foi mais um momento de união criativa entre ambos, no qual as<br />

duas linguagens, verbal e visual, interagiram e influenciaram-se. Reiterando o que afirma Necyk<br />

(2007), de que o trabalho do ilustrador e do designer não é apenas intuitivo, pois existe um<br />

planejamento com objetivo específico. A autora confere ao texto a base de toda a concepção do<br />

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livro infantil. Diz: “é com base no texto, trabalho desenvolvido por outra pessoa, que o estilo<br />

gráfico é igualmente desenvolvido e aplicado” (NECYK, 2007, p.114).<br />

O diálogo estabelecido possibilitou que diversas ideias fossem esboçadas e escritas para, enfim,<br />

serem sintetizadas em uma única imagem. As representações visuais criadas foram rascunhos<br />

simples e esquemáticos que continham os elementos principais das figuras. Esta etapa definiu o<br />

número de ilustrações principais e vinhetas a serem feitas e foi fundamental para a criação da<br />

boneca do livro.<br />

Criação da boneca do livro<br />

O formato do livro foi definido pela editora em 20x20cm, influenciado por valores de impressão,<br />

produção gráfica e apresentação para o mercado. A editora organizou e distribuiu o texto pelo<br />

número de páginas, também definido por ela. Esses aspectos estabelecidos viabilizaram a criação<br />

da boneca do livro, que foi um modelo que possibilitou a visão do livro como um todo.<br />

Shulevitz (1985) define a boneca como um modelo tridimensional fiel ao formato e ao número de<br />

páginas do livro impresso e afirma que junto com o storyboard, são as principais ferramentas de<br />

pensamento do ilustrador. Um modelo foi criado, tornando-se o principal guia do projeto. Nele<br />

foram ilustrados todos os rascunhos, anotadas as pendências e as revisões a serem feitas.<br />

A produção desta boneca norteou outra reunião entre a autora e o ilustrador, na qual ambos<br />

recortaram pedaços do texto e colaram nas páginas estabelecidas pela editora, o que possibilitou<br />

a produção dos rascunhos em enlace com o texto. O fato reitera o que afirma Shulevitz (1985,<br />

p.73) que “a distribuição das palavras em suas páginas mostra como elas se relacionam com as<br />

imagens”. O autor ainda sinaliza que, folheando as páginas da boneca, o ilustrador experimenta a<br />

progressão da história, como o leitor fará e a relação das páginas umas com as outras.<br />

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A prática do ilustrador na construção visual do livro infantil A Seda e a Chita<br />

Figura 7. Criação da boneca do livro.<br />

Fonte: Do autor.<br />

A boneca do livro foi fundamental para a direção de arte do projeto gráfico, uma vez que essa função<br />

foi executada por outra pessoa. A boneca guiou a programação visual do projeto, demonstrando a<br />

posição das imagens e sua relação com o texto. Vale destacar que a autora também utilizou este<br />

modelo para rascunhar suas ideias e demonstrar a posição de determinadas ilustrações na página.<br />

Finalização das ilustrações principais<br />

Toda a arte-finalização das ilustrações do livro que trata este artigo foi feita com o uso do<br />

software gráfico Adobe Photoshop C.S 3. Este programa tem diversos recursos de edição e pintura<br />

de imagens, que permitem a obtenção de diferentes estilos e resultados finais. Devido à grande<br />

variedade de ferramentas e modos de edição, a descrição dos processos será resumida, e somente<br />

alguns destes comandos serão citados.<br />

Partindo do princípio de que “toda ilustração é uma interpretação”, conforme Hunt (2009), foram<br />

definidos três grupos para as imagens do livro: as ilustrações principais, as vinhetas e os elementos<br />

de apoio. As ilustrações principais, consideradas mais importantes, ocupavam uma ou duas páginas<br />

e tinham um nível de complexidade maior para sua execução, pois contavam com a presença das<br />

personagens interagindo com um cenário. As vinhetas foram ilustrações menores, que ocupavam<br />

apenas um pedaço da página. Os elementos de apoio foram pequenas imagens de flores, pássaros<br />

e borboletas usadas nas composições finais ou para adornar o texto em algumas páginas do livro.<br />

As ilustrações principais foram representadas de acordo com a explicação de Nodelman (1988),<br />

em que “a maioria dos livros infantis se apresentam no sentido horizontal porque a forma humana<br />

é comprida, e o espaço restante é utilizado pelo ilustrador para inserir informações adicionais<br />

sobre ambiente, cenário etc.”. (NODELMAN, apud NECYK, 2007, p.99)<br />

Finalização da ilustração do Morro Dois Irmãos<br />

Existiu uma etapa antes de colorir as ilustrações no computador, que foi um momento de criação<br />

importante para o resultado final, pois parte das cores utilizadas foram feitas manualmente com<br />

pincel e tinta. Neste momento, o ilustrador passou a utilizar apenas os materiais de desenho e<br />

pintura e criou manchas de tinta aquarela, guache e ecoline em folhas de papel específicas para a<br />

técnica de pintura. As tonalidades e os movimentos dados a estas manchas foram escolhidos para<br />

cumprir papéis específicos nas ilustrações. Por exemplo, as manchas azuis foram utilizadas para<br />

água e céu, os tons terrosos para as montanhas e os troncos de árvores, os verdes para a grama,<br />

as folhas e as florestas.<br />

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A prática do ilustrador na construção visual do livro infantil A Seda e a Chita<br />

A criação deste repertório foi feita para enriquecer o resultado gráfico das ilustrações, pois essas<br />

manchas possuem textura e fluidez e dão um caráter mais orgânico aos desenhos. Após este<br />

momento, as ilustrações são digitalizadas para o computador e sua representação passa a ser<br />

em pixels [1], o que permite que sejam editáveis. Este processo de finalização envolve uma<br />

metodologia desenvolvida pelo ilustrador e o seu passo a passo será demonstrado abaixo.<br />

Figura 8. Exemplo de finalização, utilizando o software gráfico.<br />

Fonte: Do autor.<br />

A foto de referência foi impressa para que a silhueta dos morros fosse traçada por cima da<br />

fotografia com nanquim em uma folha de papel vegetal. Este procedimento agilizou o processo<br />

e garantiu a fidelidade do desenho da referência. Em seguida, o traço foi digitalizado para o<br />

programa Adobe Photshop C.S 3 e se iniciou o processo de coloração.<br />

Uma mancha de tom marrom, digitalizada anteriormente, foi inserida no arquivo para representar<br />

a textura de pedra. Ela foi posicionada por cima do desenho em uma nova camada e os pedaços<br />

que ficaram para fora do contorno foram apagados. Uma nova mancha com a tonalidade azul, em<br />

outra camada, foi inserida no arquivo para representar a água. A tonalidade do azul foi escurecida<br />

com a sobreposição de camadas na opção de multiplicação. Esta multiplica as cores das camadas<br />

e a cor resultante é sempre a mais escura. Este efeito é semelhante ao de se passar o marca-texto<br />

várias vezes em cima do mesmo lugar no papel.<br />

Novas manchas de aquarela na tonalidade de verde foram adicionadas na pintura para representar<br />

a mata. A referência fotográfica impressa foi o que baseou o posicionamento das texturas na<br />

imagem, assim como os desenhos das sombras e luzes, feitos em uma nova camada com o uso do<br />

tablet.<br />

O céu é representado por uma mancha de aquarela em uma camada por trás das outras com<br />

sua opacidade em 30%. Uma camada com a ilustração de pássaros voando foi adicionada para<br />

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enriquecer o desenho. Esta imagem representou a paisagem sem a interferência da cidade.<br />

Figura 9. Exemplo de finalização utilizando o software gráfico.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Finalização da ilustração de Ipanema.<br />

Esta ilustração foi definida entre o ilustrador e a autora da história na fase de storyboard. A<br />

autora ressaltou que um elemento muito importante para esta imagem seria o calçadão da praia<br />

de Ipanema, local onde as meninas apareceriam brincando juntas. O cenário da praia também<br />

deveria ser representado e, segundo a autora, não poderiam faltar o quiosque, a ciclovia e os<br />

frequentadores do calçadão.<br />

Foram registradas pelo ilustrador diversas fotografias do local para servir de base para a criação<br />

da imagem final. Este registro foi um importante auxílio para a marcação da perspectiva e para<br />

referenciar o desenho do cenário. Estas imagens foram impressas para que os contornos fossem<br />

desenhados por cima com auxílio da mesa de luz, conforme imagem abaixo:<br />

Figura 10. Finalização em nanquim por cima de fotografia.<br />

Fonte: Do autor.<br />

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No caso da criação do desenho que representou o padrão de pedra portuguesa da calçada, foi<br />

tirada uma fotografia do topo de um edifício situado em frente à praia. Esta imagem referenciou<br />

o desenho deste padrão na vista superior. A ferramenta de distorção do programa gráfico permitiu<br />

que este padrão fosse colocado em perspectiva na calçada da imagem final.<br />

Figura 11. Ilustração e distorção da calçada para a perspectiva.<br />

Fonte: Do autor.<br />

As figuras humanas, os coqueiros e outros elementos pertencentes à cena foram finalizados no<br />

nanquim, separadamente e digitalizados para o computador. Em seguida, utilizando o Photoshop,<br />

a composição do desenho foi montada e iniciou-se o processo de coloração. Esta metodologia de<br />

colorir, utilizando as manchas de tinta digitalizada, descrita no tópico acima, foi utilizada em<br />

todas as ilustrações do livro.<br />

Figura 12. Composição do cenário de Ipanema.<br />

Fonte: Do autor.<br />

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O Morro Dois Irmãos, no fundo, foi finalizado separadamente, como demonstram as figuras 8 e 9.<br />

Esta imagem foi posicionada na composição final, já colorida, assim como as personagens principais<br />

em suas respectivas ações. Alguns detalhes de arte-final referentes à iluminação foram feitos<br />

quando a imagem já estava colorida e composta. Uma nova camada foi adicionada e colorida para<br />

representar o tom alaranjado do pôr-do-sol refletido na calçada e no teto do quiosque. O mesmo<br />

processo foi feito para criar as sombras projetadas na imagem. As personagens, já finalizadas em<br />

arquivos distintos, completaram a composição final da ilustração.<br />

Figura 13. Ilustração final de Ipanema.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Finalização da ilustração da fábrica<br />

Esta ilustração foi referente a um momento de grande relevância no enredo da história. Portanto,<br />

foi definido, a partir da boneca, que seria representada em página dupla. Durante a reunião<br />

do storyboard, a autora do livro ressaltou alguns detalhes que não poderiam deixar de ser<br />

representados e que basearam a pesquisa visual desta imagem. Foi sugerido que as personagens<br />

estivessem em primeiro plano, olhando para a fábrica, que seria representada com a aparência<br />

antiga e com pinturas no estilo Graffiti [2] em suas paredes.<br />

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A partir destas informações, foi iniciada a pesquisa iconográfica referente a esta ilustração. Muitas<br />

imagens de fábricas foram buscadas na Internet, porém não foram encontradas fotografias com<br />

um ângulo de visualização ideal para a representação deste desenho. Esta dificuldade pôde ser<br />

superada com o uso de um software gráfico chamado Google SketchUp 7.0. Este é uma programa<br />

que trabalha com a construção de objetos em 3D no computador. A fachada de uma fábrica virtual<br />

foi criada com o programa, que permite sua visualização em diferentes ângulos. A vista frontal da<br />

imagem foi escolhida para representar a ilustração.<br />

Figura 14. Referências fábrica e modelo criado no Sketchup 7.0.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Em seguida, foi iniciado o processo de finalização e coloração da ilustração. A referência criada<br />

no Sketchup facilitou esta etapa, uma vez que as linhas criadas no programa se assemelhavam<br />

aos traços feitos em nanquim. As texturas utilizadas no software não foram aproveitadas, pois se<br />

diferenciavam da linguagem adotada no livro. As ilustrações que simularam as pinturas em Graffiti<br />

foram criadas separadamente e em seguida aplicadas nas paredes da fábrica, conforme figura 15.<br />

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Figura 15. Coloração da fábrica e aplicação de elementos.<br />

Fonte: Do autor.<br />

As personagens foram esboçadas a lápis, a partir de referências pertencentes à pesquisa de<br />

imagem, finalizadas com nanquim e coloridas em arquivos separados. Este mesmo procedimento<br />

foi feito com a parte da ilustração do cenário que representou o primeiro plano - gramado e<br />

árvore. Nesta imagem, foram adicionadas outras ilustrações, que já haviam sido finalizadas num<br />

momento que precedeu esta etapa: os pássaros, a borboleta e as flores já haviam sido coloridos e<br />

foram acrescentadas apenas no momento da composição final.<br />

Figura 16. Esboço e arte-final das personagens.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Após a reunião entre o ilustrador e a designer do projeto, esta imagem sofreu uma leve alteração<br />

para que o texto fosse posicionado. A fábrica teve que subir na composição para que a mancha de<br />

texto fosse diagramada no local onde está representado o asfalto:<br />

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Figura 17. Ilustração final com a mancha tipográfica.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Projeto Gráfico do Livro.<br />

A programação visual do livro envolve o formato, número de páginas, tipo de papel, tipo de<br />

impressão, encadernação, tamanho das letras, distribuição de texto e imagem e números de<br />

cores de impressão, entre outros. Segundo Morais (2008), esses itens são de grande importância,<br />

pois interferem significativamente no modo de construir o livro. Conforme Oliveira (2007, p.45),<br />

para que o programador visual e o ilustrador dêem um caráter estético e sensorial ao objeto<br />

livro, é necessário um aguçado conhecimento de projeto gráfico. O autor apresenta as dicotomias<br />

palavra/espírito e imagem/corpo para indicar que palavra e imagem são indissociáveis.<br />

Foram realizadas duas reuniões entre o ilustrador e a designer para iniciar a execução do projeto<br />

gráfico do livro. Esta etapa ocorreu durante o processo de finalização das ilustrações e norteou<br />

sua direção de arte, conforme sinaliza Odilon Morais (2008) sobre a crescente importância da<br />

participação do ilustrador na elaboração do projeto gráfico do livro como um todo. Este conceito<br />

discutido por Morais (2008) corrobora as dicotomias de Oliveira (2007, p.45) apresentadas<br />

anteriormente, quando este afirma que “a qualidade de um livro e a condução da sua leitura<br />

dependerão sempre da integração entre a palavra e a ilustração dada pelo design”.<br />

A reunião de criação do projeto gráfico – entre o ilustrador e a designer - ocorreu uma semana<br />

após o início da fase de finalização das ilustrações, o que permitiu que o ilustrador entregasse<br />

algumas imagens finais e elementos de apoio, para que fosse iniciado o trabalho da designer. As<br />

manchas de tinta criadas e digitalizadas também foram fornecidas para compor parte do projeto<br />

gráfico. Os elementos de apoio serviram de adorno ao texto em diversas páginas e foram usados<br />

na composição das ilustrações principais e vinhetas. A importância destes elementos seu deu,<br />

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principalmente, no ritmo do livro e foram utilizados ao longo de todo o projeto. Este encontro foi<br />

importante, pois o ilustrador pôde demonstrar e explicar como os diferentes grupos de ilustrações<br />

deveriam se comportar ao longo do livro. O uso da boneca foi fundamental para esse diálogo, já<br />

que os esboços das ilustrações finais estavam representados nela. Apesar desta direção de arte,<br />

a designer teve liberdade para propor e criar novas soluções para o projeto gráfico. A figura 18<br />

abaixo refere-se à composição entre uma vinheta e os elementos de apoio:<br />

Figura 18. Composição entre elementos de apoio e vinheta.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Nesta etapa, a designer teve as funções de diagramação do texto junto às ilustrações, escolha<br />

da tipografia utilizada e finalização para a produção gráfica. O texto, separado anteriormente<br />

pela editora, foi reorganizado pela designer e harmonicamente posicionado com as imagens. A<br />

ocupação espacial das páginas ocorreu de quatro diferentes maneiras, conforme demonstrado por<br />

Necyk (2007)<br />

A ocupação espacial na página da ilustração em relação ao texto pode se dar de quatro maneiras<br />

principais: a ilustração é aplicada numa área separada do texto; a ilustração é aplicada parcialmente<br />

em união ao texto; o texto é aplicado de modo a intermediar ou se relacionar com a forma da<br />

ilustração; o texto é aplicado dentro da área da ilustração (NECYK, 2007, p.101).<br />

Todas as ilustrações finais e vinhetas foram concebidas pelo ilustrador visando à união com o texto.<br />

Porém, somente com o trabalho da designer em andamento puderam ser observados problemas<br />

referentes aos espaços destinados ao texto nestas composições. Uma reunião para as revisões<br />

desta etapa foi realizada entre o ilustrador, a designer e a autora. Neste encontro, as modificações<br />

foram anotadas na boneca do livro e estas questões puderam ser resolvidas com alterações na<br />

composição das imagens, reorganização do texto nas páginas, ou, em um dos casos, o redesenho<br />

completo de uma ilustração.<br />

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A última etapa de elaboração do projeto gráfico foi a composição da capa. Esta, por tratar-se<br />

de um elemento de extrema importância na relação entre o leitor e o livro, terá o seu processo<br />

descrito no tópico seguinte.<br />

Programação Visual da Capa<br />

A revisão de Fernando Paixão (2008) sobre o livro Era uma vez uma capa, de Alan Powers (2008),<br />

afirma que a capa representa o rosto apresentado ao mundo. A primeira impressão de simpatia ou<br />

não, é obtida através da visualização da capa. Paixão questiona “quantas vezes não abrimos uma<br />

obra justamente porque a capa nos seduz e nos convida para além dela?” (POWERS, 2008, p.1).<br />

Segundo Necyk (2007, p.108), a capa é extremamente importante para que as primeiras relações<br />

entre o leitor e o livro sejam estabelecidas e é a parte “que possui maior chance de receber<br />

investimento mais alto, por se configurar como elemento-chave de venda”.<br />

Powers (2008) afirma que a capa estabelece um importante papel no envolvimento físico do livro<br />

com o leitor. Embora não se possa olhá-la no momento em que o livro é lido, é o contato visual<br />

com a capa que o define como objeto físico a ser apanhado, manipulado, deixado de lado ou<br />

guardado. Atualmente, apesar dos inúmeros recursos de impressão, o grande desafio dos artistas e<br />

designers é atrair a atenção para a capa em meio a tantos estímulos visuais em diferentes mídias.<br />

Devido à sua experiência no mercado editorial, a editora teve importante papel na direção de arte<br />

da capa. O briefing [3] passado para o ilustrador e a designer, foi que a capa deveria representar um<br />

momento-chave, as cores deveriam ser vibrantes e chamativas, a tipografia legível, harmonizando<br />

com as ilustrações das personagens e o fundo e comportando-se conforme a linguagem visual do<br />

interior.<br />

Foi discutido pela equipe de criação do projeto que a principal mensagem do livro é a amizade.<br />

Portanto, as personagens foram representadas abraçadas, com suas roupas originais, em uma<br />

nova ilustração - exclusiva para a capa. Para o plano de fundo desta imagem foi escolhido o<br />

mesmo fundo da ilustração de Ipanema. Essas características justificaram a escolha para o uso<br />

desta representação visual na capa. Esse processo seguiu os conceitos apontados por Nikolajeva e<br />

Scott (2006, p.45) que afirmam que, “em geral, a escolha da imagem da capa reflete a ideia dos<br />

criadores e do editor a respeito do momento mais dramático ou da situação mais interessante da<br />

história”.<br />

Seguindo os conceitos apresentados por Biazetto (2008) de que a cor é o elemento visual com<br />

maior grau de sensibilidade e emoção do processo visual, a imagem da capa foi intensamente<br />

colorida com a função de atrair o leitor. O público-alvo do livro foi determinante para a sua<br />

escolha de cores. Por se tratar de meninas entre 5 e 11 anos de idade, os tons de rosa, lilás, azul<br />

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e laranja predominaram na composição.<br />

A tipografia escolhida pela designer do projeto possuía ornamentos e adornos, que remetiam aos<br />

movimentos de tecidos contra o vento. Estes floreios davam um toque feminino à tipografia, de<br />

boa legibilidade e justificaram sua escolha:<br />

Figura 19. Tipografia e capa.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Conclusão<br />

Assim como a própria descrição deste artigo, o desenvolvimento do projeto teve que respeitar a<br />

interdependência de cada etapa do processo. Pôde-se observar que desde a primeira reunião entre<br />

o ilustrador e a autora, simples esboços foram evoluindo em cada etapa, ajudando a amadurecer<br />

as ideias até tornarem-se ilustrações finalizadas. As reuniões entre a equipe de criação foram<br />

importante para a comunicação das partes, divisão de funções e evolução das etapas.<br />

As diferentes fontes de pesquisa de imagem e sua constante atualização basearam e inspiraram o<br />

ilustrador na concepção das ilustrações, desde seus esboços preliminares até suas artes-finais. A<br />

participação da autora na pesquisa ajudou na visualização de suas ideias pelo ilustrador e foram<br />

determinantes para que as características visuais das personagens fossem definidas.<br />

A criação e a finalização das personagens e das ilustrações seguiram a mesma metodologia:<br />

rascunho a lápis, finalização em nanquim, digitalização e coloração, utilizando o software gráfico.<br />

O uso desta metodologia garantiu um resultado bastante satisfatório e unificado para todas as<br />

ilustrações finais.<br />

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As ferramentas de auxílio criadas - storyboard e boneca - facilitaram a visão do projeto como um<br />

todo e foram os principais guias em todas as etapas. Estas foram fundamentais para a evolução<br />

dos rascunhos e da definição de diferentes grupos de ilustração.<br />

O uso de diversas ferramentas de desenho e pintura, misturadas com os recursos gráficos dos<br />

softwares, possibilitaram uma finalização mais rica e elaborada das ilustrações. Estas ferramentas<br />

auxiliaram também nas dificuldades relacionadas à perspectiva e à composição dos desenhos.<br />

O trabalho em conjunto entre a designer e o ilustrador foi fundamental para a criação de uma<br />

unidade gráfica no projeto gráfico e na capa do livro.<br />

Notas<br />

[1] Um pixel é o menor componente de uma imagem digital.<br />

[2] O Graffiti é a pintura feita com spray, nos muros das cidades.<br />

[3] O briefing é um conjunto de informações passadas em uma reunião para o desenvolvimento de<br />

um trabalho.<br />

Referências bibliográficas<br />

BIAZETTO, Cristina. As cores na ilustração do livro infantil e juvenil. in: OLIVEIRA, Ieda de. O<br />

que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil, São Paulo: DCL, 2008. p.77.<br />

HUNT, Peter. Crítica, Teoria e Literatura Infantil, São Paulo: Cosac Naify, 2009.<br />

LINS, Guto. Livro Infantil? Projeto Gráfico Metodologia e Subjetividade. 2ª Ed. Rio de Janeiro:<br />

Rosari, 2004.<br />

LIMA, Graça. O <strong>Design</strong> Gráfico do Livro Infantil Brasileiro, a década de 70 – Ziraldo, Gian Calvi,<br />

Eliardo França. Dissertação de Mestrado em <strong>Design</strong>: Departamento de <strong>Arte</strong>s e <strong>Design</strong>, PUC- RJ,<br />

1999.<br />

NECYK, Bárbara. Texto e Imagem: um olhar sobra o livro infantil contemporâneo. Dissertação<br />

de Mestrado em <strong>Design</strong>. Rio de Janeiro: Departamento de <strong>Arte</strong>s e <strong>Design</strong>, PUC- RJ, 2007<br />

NIKOLAJEVA e SCOTT, Maria e Carole. How Picturebooks Work. Routeledge: New York, 2006<br />

MORAIS, Odilon. O projeto gráfico do livro infantil e juvenil. in: OLIVEIRA, Ieda de. O que é<br />

qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil, São Paulo: DCL, 2008. p. 50.<br />

OLIVEIRA, Ieda de (Org.). O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil, São Paulo:<br />

DCL, 2008.<br />

OLIVEIRA, Rui de. Pelos Jardins Boboli: Reflexões sobre a arte de ilustrar para crianças e<br />

jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007<br />

OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 24ª Ed. Petrópolis- RJ: Editora Vozes,<br />

2009.<br />

PAIXÃO, Fernando in: POWERS, Alan. Era uma Vez uma Capa. História da literatura infantil. Rio<br />

de Janeiro: Cosac Naify, 2008.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A prática do ilustrador na construção visual do livro infantil A Seda e a Chita<br />

SHULEVITZ, Uri. Writing With Pictures: How to Write and Illustrate Children´s Books. Nova<br />

York: Watson Guptil, 1985.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas<br />

locais<br />

Sheila Cibele Sitta Preto. Mestranda. <strong>Universidade</strong> Federal de Santa Catarina – UFSC.<br />

cibelesittap@gmail.com<br />

Valéria Ilsa Rosa. Mestranda. <strong>Universidade</strong> Federal de Santa Catarina – UFSC.<br />

valeriadesigner2009@hotmail.com<br />

Richard Perassi Luiz de Sousa. Doutor em Comunicação e Semiótica: PUC/SP; Professor do<br />

Pós- <strong>Design</strong> / EGR/CCE: UFSC - perassi@cce.ufsc.br<br />

Luiz Fernando Gonçalves de Figueiredo.Doutor em Engenharia. Docente do Programa<br />

de Pós-Graduação em <strong>Design</strong> - Departamento de <strong>Design</strong> - UFSC. lff@cce.ufsc.br<br />

Resumo<br />

O presente trabalho considera as relações conceituais existentes entre “Naturalismo”<br />

e “Teoria dos Sistemas” e sua aplicação na área de <strong>Design</strong>, enfatizando as<br />

qualidades estético-visuais e simbólicas dos produtos locais e, também, priorizando<br />

a sustentabilidade dos recursos naturais. Por meio do pensamento sistêmico, esse<br />

relacionamento prevê a possibilidade de projetos sustentáveis para comunidades<br />

criativas e locais em ações situadas. Estas comunidades são consideradas sistemas<br />

sócio-produtivos cuja atividade artesanal é desenvolvida com uso de recursos<br />

naturais. Esta atividade pode e deve ser incrementada por meio do pensamento<br />

sistêmico aplicado em projetos de <strong>Design</strong> com o intuito de aprimorar os produtos,<br />

valorizar sua origem cultural, definir e expressar sua identidade. O trabalho<br />

junto às comunidades é amparado por estudos teóricos e pesquisa descritiva, com<br />

observação sistemática da situação. Como resultado do processo, há a produção<br />

conjunta de um mapa sistêmico cuja função é elucidar questões e colaborar no<br />

planejamento dos processos de <strong>Design</strong>. Assim, os conhecimentos obtidos serão<br />

disponibilizados e utilizados na consolidação e ampliação da autonomia produtiva<br />

dos sistemas comunitários.<br />

Palavras-chave:<br />

Doutrina filosófica, sistemas naturais, desenvolvimento sócio-produtivo.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

Introdução<br />

Os princípios da corrente filosófica “Naturalismo” são relacionados à visão sistêmica no contexto<br />

da área de <strong>Design</strong>, com base em pesquisa teórica realizada em fontes secundárias, como livros,<br />

artigos e outros trabalhos acadêmicos. A busca do material de pesquisa e as relações aqui propostas<br />

caracterizaram, previamente, os estudos exploratórios que permitiram a composição e o<br />

relacionamento das ideias apresentadas.<br />

Os conhecimentos teóricos obtidos foram também relacionados com práticas de <strong>Design</strong>. Estas são<br />

desenvolvidas junto a comunidades criativas e locais, consideradas como grupos sócio-produtivos.<br />

A visão sistêmica é adotada na pesquisa e no planejamento da atuação dos designers junto a esses<br />

grupos. A atuação também é precedida de estudos exploratórios para seleção e reconhecimento<br />

das comunidades, prevendo ainda o desenvolvimento de pesquisa qualitativo-descritiva, com o<br />

uso de técnicas padronizadas de coleta de dados, como a observação sistemática. Gil (2007) menciona<br />

que neste tipo de pesquisa um dos objetivos possíveis é a descrição das características de<br />

determinada população.<br />

Os estudos teóricos e o desenvolvimento de pesquisas de campo, como suporte para ação participativa,<br />

buscam incrementar a pesquisa científico-aplicada, com aspectos de pesquisa participante.<br />

Assim, o conhecimento é posto à disposição da comunidade na busca em conjunto de<br />

soluções e oportunidades ao desenvolvimento sócio-produtivo. De acordo com Soriano (2004,<br />

p.25), a pesquisa científica é relevante quando seus objetivos são “[...] identificar problemas e<br />

descobrir inter-relações entre fenômenos e variáveis específicas”. Pois, assim, possibilita-se “[...]<br />

previsões que permitam estruturar políticas e estratégias”.<br />

Neste texto, é apresentada a corrente filosófica “Naturalismo” e, também, suas relações e possibilidades<br />

na área de <strong>Design</strong>, relacionadas à visão sistêmica em <strong>Design</strong>. Isso é considerado nos<br />

estudos realizados em “comunidades criativas” locais, visando desenvolver ações situadas. Apresenta-se<br />

também, um resumo dos estudos e dos procedimentos que são propostos juntos e conjuntamente<br />

com as comunidades.<br />

A reflexão sobre os princípios naturalistas com relação à visão sistêmica promove o aprimoramento<br />

teórico sobre o tema. Esse aprimoramento sedimenta a base teórica que sustenta o planejamento<br />

das ações de pesquisa e a atuação junto às comunidades atendidas, por meio dos projetos<br />

desenvolvidos.<br />

Naturalismo: uma atitude filosófica<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

Para Almeida (2009), “Naturalismo” não é uma teoria homogênea, devido à existência de diversas<br />

teses filosóficas que fazem referência a essa denominação. O conceito mais abrangente propõe<br />

Naturalismo como corrente filosófica que engloba vários pontos de vista, entre esses: Materialismo<br />

e Racionalismo, além de não admitir a existência de nada que seja exterior à natureza.<br />

Os seres humanos, portanto, são percebidos como fenômenos naturais resultantes da evolução<br />

(Evolucionismo). Assim, o conceito de realidade é reduzido à experimentação do mundo natural e<br />

exclui qualquer elemento sobrenatural ou princípio transcendente (Materialismo). Por exemplo,<br />

Deus (existência) é um ser transcendente, mas a ideia (representação) de Deus é transcendental<br />

(ALMEIDA, 2009).<br />

Na concepção naturalista, a moral deve basear-se nos princípios que regem a natureza. Portanto,<br />

os princípios naturais são os fundamentos das regras de conduta dos seres humanos. Os processos<br />

cognitivos também são considerados processos naturais. Assim, a possibilidade de conhecimento<br />

é inerente à natureza humana, não sendo justificada por intervenções, por exemplo, da natureza<br />

divina. “O pensamento naturalista propõe como crença verdadeira que somos capazes de representar<br />

mentalmente o mundo a nossa volta, sejam coisas, processos ou acontecimentos” (DUTRA,<br />

2005, p.83).<br />

Por ter desistido de investigar as causas metafísicas, a ciência moderna assumiu uma posição<br />

materialista e naturalista, desconsiderando questões sobrenaturais. Para Abbagnano (1998), o<br />

verbete “naturalismo” apresenta três diferentes significados<br />

[...] (1) doutrina que considera os poderes naturais da razão mais eficazes<br />

que os produzidos pela filosofia (racionalismo naturalista); (2)<br />

doutrina que desconsidera a existência de qualquer coisa fora da natureza;<br />

(3) doutrina que submete os preceitos culturais (do direito, da<br />

moral e da religião, entre outros) aos parâmetros naturais, com base<br />

nos mesmos conceitos que a ciência usa para explicá-los (ABBAGNANO,<br />

1998, p.712).<br />

Para Matos (2010), a partir das ideias de John Dewey (1859-1952), o pensamento naturalista<br />

aproximou a filosofia das ciências naturais, seja com relação aos resultados ou aos métodos de<br />

pesquisa. Anteriormente, David Hume (1771-1776) já considerava o pensamento como algo natural<br />

ao ser humano, sendo que o conhecimento possível provém da observação direta do mundo.<br />

Nesta perspectiva, pressupõe-se que o homem não determina seu conhecimento, porque esse<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

decorre de um processo natural, do qual ele próprio é um sistema determinado. Como sistema<br />

naturalmente determinado, o ser humano é inserido no contexto sistêmico do mundo natural ou<br />

no ecossistema, sendo percebido em conjunto com outros sistemas naturais, sendo que, neste<br />

escopo, os sistemas culturais também descendem diretamente dos naturais.<br />

A perspectiva sistêmica naturalista abriga a visão evolucionista, sob a qual não há necessidade do<br />

contexto sobrenatural, porque nada foi criado. O próprio planeta Terra e tudo que nele vive ou<br />

progride decorre da evolução, inclusive, os pensamentos humanos e sua cultura (HUXLEY, 1959).<br />

Assim, além da área biológica, a teoria darwinista foi disseminada por todos os campos do conhecimento.<br />

Maturana e Varela (2001) são exemplos de teóricos da área de Biologia que, a partir desse<br />

escopo, tratam da compreensão e do conhecimento humano, considerando a evolução biológica.<br />

Proposta a partir da década de 1920, a “Teoria dos Sistemas” advém igualmente da área de Biologia.<br />

Karl Ludwig von Bertalanffy (1901-1972) foi o fundador da teoria, contrariando a visão analítica<br />

cartesiana. Assim, Bertalanffy (2008, p. 62) propôs que um conjunto sistêmico representa mais<br />

que a soma de suas partes, porque “[...] é um conjunto de partes ou elementos que forma um<br />

todo unitário ou complexo”. Para Bertalanffy (2009, p.15-16), em síntese, “[...] o conceito de<br />

sistema constitui um novo ‘paradigma’”, constituindo-se como uma “nova filosofia da natureza”.<br />

Isso é coerente porque a “Teoria dos Sistemas” também ultrapassou os limites da área de Biologia,<br />

com a identificação dos sistemas físicos ou químicos e dos sistemas políticos ou sociais.<br />

Por fim, na doutrina proposta por Edmund Hurssel (1859-1938), denominada Fenomenologia, assinalou<br />

que se percebe o mundo dos objetos ou fenômenos a partir de um “ponto de vista natural”,<br />

que alimenta a crença de que os objetos existem materialmente e exibem propriedades que são<br />

percebidas (ZITKOSKI, 1994). Essa perspectiva confirma a visão naturalista de que os poderes<br />

naturais da razão são mais eficazes que os produzidos pela filosofia, corroborando também com a<br />

abordagem realista que considera o ser humano capaz de conhecer a realidade, porque é parte<br />

dessa realidade e, portanto, é estruturado de maneira coerente com o mundo que pretende conhecer.<br />

A abordagem fenomenológica fundamenta os métodos baseados na observação e descrição dos<br />

fenômenos. Assim, juntamente com a visão sistêmica, compõe a base de desenvolvimento da<br />

pesquisa descritiva, por meio da observação sistemática da situação, como é apresentada neste<br />

trabalho.<br />

Comunidades Criativas, de Prática e Local<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

O termo “comunidades criativas” pode ser definido como grupos de pessoas que se organizam por<br />

iniciativa própria, para transformar as suas comunidades em locais melhores para viver, trabalhar,<br />

aprender, interagir e resolver problemas socioambientais. Criam pequenas contribuições que se<br />

antecipam a grande mudança necessária para a sociedade reorientar-se para a direção da sustentabilidade<br />

de acordo com Manzini (2008). Para o autor são grupos que possuem<br />

[...] modos de vida em comum, nos quais espaços e serviços são compartilhados;<br />

atividades de produção baseadas nas habilidades e recursos<br />

de uma localidade específica, mas que se articulam com as mais amplas<br />

redes globais (como acontece com alguns produtos típicos locais); [...]<br />

redes que unem de modo direto e ético produtores, e consumidores<br />

(como as atividades do comércio justo), entre outros (MANZINI, 2008,<br />

p.63).<br />

Essas comunidades são classificadas de tal maneira, pois oferecem benefícios sociais. A produção<br />

e o consumo cultural das “comunidades criativas” são realizados na maioria dos casos em centros<br />

históricos, zonas ribeirinhas e espaços vazios que geralmente são cedidos pela prefeitura<br />

da região. Nessas comunidades seus indivíduos são considerados “[...] pessoas que, de forma<br />

colaborativa, inventam, aprimoram e gerenciam soluções inovadoras para novos modos de vida.”<br />

(MERONI, 2007). Por isso são consideradas “comunidades criativas”, pois “[...] aplicam sua criatividade<br />

para quebrar os modelos dominantes de pensar e fazer e, com isso, conscientemente ou<br />

não, geram as descontinuidades locais [...].” (MANZINI, 2008, p.65).<br />

Para tanto, essas comunidades são compostas pelos atores sociais, participantes das atividades ou<br />

colaboradores e tendem a ter uma solidariedade territorial e interesses centrados em projetos de<br />

infraestrutura social, além disso, são consideradas segundo Buarque (2008)<br />

[...] grupos sociais e segmentos diferenciados na sociedade que constituem<br />

conjuntos relativamente homogêneos, segundo sua posição na<br />

vida econômica e na vida sociocultural, e que, por sua prática coletiva,<br />

constroem identidades, interesses e visões do mundo convergentes,<br />

procurando espaços de influenciação no jogo de poder. (BUARQUE,<br />

2008, p.92, grifo do autor).<br />

Essas comunidades também podem ser consideradas uma forma particular de desenvolvimento local<br />

se vinculadas a projetos locais, apresentando tendenciosamente uma grande homogeneidade<br />

social e econômica e capacidade de organização e participação comunitária.<br />

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As ações da localidade contam ainda, com a colaboração da vizinhança, que se organiza na forma<br />

de redes projetuais. Isso pode ser constatado pela participação das pessoas em diversas iniciativas<br />

coletadas durante as visitas e pesquisas de campo feitas em comunidades (há caso de mulheres,<br />

por exemplo, que participam da produção, fazem revezamento de tarefas, e auxiliam conforme o<br />

aumento da demanda, além de colaborarem com outras ações desenvolvidas na região).<br />

Muitas dessas “comunidades criativas” percebem apenas o valor de seus produtos em si, pois<br />

armazenam seus produtos em embalagens de outros produtos já conhecidos no mercado e industrializados,<br />

acarretando assim, um menor valor, além de não poderem ser utilizadas devido às leis<br />

de propriedade industrial.<br />

Por isso, torna-se necessário a partir de estratégias de Gestão de <strong>Design</strong> auxiliar essas “comunidades<br />

criativas” no que se refere à valorização de seus produtos por meio da consolidação de<br />

suas marcas utilizando, sobretudo as funções práticas e estéticas do design como fator de diferenciação<br />

e competitividade.<br />

A partir da criação das marcas, os integrantes dessas comunidades passam a valorizar suas próprias<br />

atividades e as desenvolvidas na região. Elas também servem como identidade que procura representar<br />

a região. Então, se pode concluir que uma “comunidade criativa” não pode ser projetada,<br />

mas o design pode, por ser o elemento que identifica e promove o seu desenvolvimento. Assim,<br />

os territórios regionais podem se beneficiar da aproximação estratégica do design, que é capaz<br />

de ligar as pessoas e lugares numa visão diferente de desenvolvimento, onde os recursos locais e<br />

a criatividade das pessoas são empenhados na tarefa desafiante de cuidar das relações humanas<br />

(MERONI, 2008).<br />

[...] o conceito de comunidade de prática foi construído justamente<br />

em torno da atividade de um grupo e indivíduos com interesses comuns<br />

que, em um dado domínio, compartilham práticas mutuamente negociadas,<br />

compreensões, crenças, opiniões, valores e comportamentos<br />

(FIALHO, 2011, p. 271-272).<br />

O termo “comunidade” é relacionado ao que é coletivo ou comum. Neste caso, indica o que é<br />

comunitário, ou seja, o que pertence ao coletivo.<br />

O termo “local” é relacionado ao conceito de lugar (lócus), sendo que o termo adquiriu um<br />

caráter restritivo, sendo diferente dos termos “regional” ou “nacional”, que são indicativos de<br />

lugares maiores e institucionalizados. Portanto, “local” é um termo que não apresenta um caráter<br />

oficial ou institucional e também não indica grande extensão ou amplitude. Para Bourdin (2001) o<br />

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local construído é visto como<br />

Uma forma social que constitui um nível de integração das ações e dos<br />

atores, dos grupos e das trocas. Essa forma é caracterizada pela relação<br />

privilegiada com um lugar, que varia em sua intensidade e em seu<br />

conteúdo. A questão se desloca então da definição substancial do local<br />

à articulação dos diferentes lugares de integração, à sua importância,<br />

à riqueza de seu conteúdo [...] (BOURDIN, 2001, p.56).<br />

As palavras, “criativa” e “prática”, relacionadas ao termo “comunidade”, assumem sentidos complementares.<br />

Pois, a palavra “criativa” deve ser aqui compreendida como muito próxima ao significado<br />

da palavra “produtiva”. Mas, devido às suas características, essa produção necessita de<br />

alguma inventividade. Todavia, é uma produção de caráter predominantemente material e, por<br />

isso, requer também uma prática.<br />

Etienne Wenger cunhou o termo “comunidades de prática”, considerando que essas são compostas<br />

por pessoas que desenvolvem e discutem a respeito de uma atividade comum: “[...] (1) pode<br />

ser a principal ocupação das pessoas dessa comunidade; (2) pode ser algo que se faz no decorrer<br />

de sua principal ocupação; (3) pode ser algo que se faz nas horas livres” (MACEDO, 2010, p. 143).<br />

A realização de iniciativas locais produtivas é um dos princípios do desenvolvimento sustentável.<br />

Assim, promove-se a criação de comunidades baseadas na cooperação e na solidariedade que, por<br />

meio do trabalho, tentam suprir pelo menos suas necessidades básicas.<br />

Na área de <strong>Design</strong> Sustentável, Manzini (2006, p.2) considera que comunidades criativas são “[...]<br />

grupos de pessoas engajadas para a solução ou criação de novas possibilidades para problemas<br />

comuns, a partir de um processo de construção de um conhecimento social voltado para a promoção<br />

da sustentabilidade social e ambiental”. Há diferentes ambientes em que são desenvolvidas<br />

essas soluções, podendo ser no lar (co-housing), “[...] nos bairros (como projeto de mobilidade<br />

compartilhada), movimentos sociais ou cooperativas (como produção de alimentos orgânicos e<br />

reciclagem de materiais)”. Assim, cabe aos designers “identificar essas inovações e reorientações<br />

sociais”, compreendendo como podem servir para a promoção da sustentabilidade.<br />

De acordo com a ampliação da percepção, a conscientização e a iniciativa dos seus integrantes,<br />

as comunidades criativas promovem soluções mais rápidas, eficientes e duradouras para os problemas<br />

que surgem constantemente dentro de seus contextos. Isso ocorre a partir do desenvolvimento<br />

de diretrizes e, entre essas, estão as de sustentabilidade ambiental, econômica e social.<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

Os projetos desenvolvidos no âmbito da comunidade devem ser realizados com intuito de envolver<br />

os seus mais diversos atores. O objetivo é criar comunidades criativas e autônomas, capacitadas<br />

para autogestão. Além de serem igualmente capazes de integração e colaboração com outras<br />

comunidades, conseguindo resolver de maneira criativa os seus problemas.<br />

Sobre o aproveitamento de oportunidades em comunidades criativas, Alcoforado (2010, p.10)<br />

menciona o uso dos recursos que a natureza ou o ambiente oferecem para desenvolver produtos.<br />

Para tanto, as comunidades aproveitam a tecnologia e o conhecimento decorrentes da tradição e,<br />

assim, conciliam a necessidade de sobrevivência com a preservação cultural.<br />

A Visão Sistêmica<br />

O termo “sistema” é de origem grega (synístanai), indicando “colocar junto ao mesmo tempo”.<br />

Assim, systema passou a designar a “reunião de diversas partes diferentes”, significando também<br />

“combinar” ou “ajustar”, “formar um conjunto”.<br />

A abordagem sistêmica do conhecimento considera que os sistemas apresentam algum grau de<br />

abertura e, assim, relacionam-se entre si, compondo o macro-sistema natural. Isso propõe o pensamento<br />

sistêmico como uma dinâmica integradora e, também, funda um processo metodológico<br />

adotado em diversos campos de estudo, incluindo os sociais. Para Senge (1995, p.23), “[...] o<br />

compor-tamento de todos os sistemas segue certos princípios em comum, cuja natureza está<br />

sendo descoberta e articulada”.<br />

Por sua vez, Seleme (2006, p.94) considera que o método sistêmico é o conjunto de passos que<br />

permite o entendimento de uma situação de transformação organizacional (ou social) e a construção<br />

de ações sustentáveis.<br />

O fenômeno percebido como um sistema apresenta uma dinâmica em que os estados internos<br />

são alterados por influências externas. Porém, a dinâmica interna também influencia o ambiente<br />

externo. Portanto, a abordagem sistêmica propõe a observação desse duplo fluxo de influências.<br />

“O pensamento sistêmico abrange diversos métodos, ferramentas e princípios, os quais têm como<br />

objetivo examinar a relação entre as forças interiores a um sis¬tema e seu ambiente externo<br />

(PASTORE et al., 2009, p.16).<br />

A partir disso, é possível construir conhecimentos capazes de promover a regulação do sistema a<br />

partir da definição dos problemas, da configuração de objetivos e do desenvolvimento de soluções<br />

coerentes. Nesse processo, é possível recriar o próprio meio ambiente.<br />

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Foi dito que a doutrina naturalista considera “os poderes naturais da razão” como sendo superiores<br />

aos processos produzidos pela filosofia racionalista. Por sua vez, a teoria fenomenológica<br />

propõe primeiramente a suspensão dos juízos no momento da percepção do fenômeno. Assim, há<br />

um contato direto entre a sensibilidade e a realidade, propiciando sua apreensão pelos “poderes<br />

naturais da razão”. Esse conhecimento tácito (ou estético) é necessário para a posterior explicitação<br />

lógica do fenômeno percebido.<br />

Nonaka e Takeuchi (1997) propõem que a trans¬missão do conhecimento tácito requer o aprendizado<br />

mediante a experiência direta, valorizando a interação entre o indivíduo e o mundo e dos<br />

indivíduos entre si (interação intersubjetiva).<br />

A compreensão dessa vivência interativa pode ser representada em palavras e outros esquemas<br />

conceituais, configurando o processo (hermenêutico) de explicitação do conhecimento apreendido,<br />

para que esse possa ser comunicado. Assim, apesar de serem entidades separadas, o conhecimento<br />

tácito (propiciador dos poderes naturais da razão) e o conhecimento explícito (decorrente<br />

da razão lógico-filosófica) são complementares. Isso gera a possibilidade de compartilhamento de<br />

experiências e permite que o intangível seja representado e se torne tangível.<br />

Como é proposta no desenvolvimento do trabalho junto às comunidades, a pesquisa descritiva faz<br />

interagir a percepção sensível (conhecimento tácito) com a interpretação e a descrição lógica do<br />

fenômeno estudado (conhecimento explícito). Por sua vez, a observação sistemática da situação,<br />

organiza logicamente e previamente um plano de apreensão ordenada da realidade. Portanto, os<br />

momentos de percepção e vivência são regidos pela suspensão dos juízos, visando o conhecimento<br />

tácito e o uso dos poderes naturais da razão. Contudo, esses momentos são previamente planejados<br />

de acordo com a razão metodológica da pesquisa. Os conhecimentos apreendidos também<br />

são explicitados por meio de linguagens lógicas, com o uso de palavras e de esquemas, como o<br />

mapa sistêmico.<br />

O mapa sistêmico tem como função a construção de uma estrutura sistêmica que determina “[...]<br />

os padrões de comportamento da organização (ou comunidade) por meio da identificação das relações<br />

causais entre fatores e sobre a situação de interesse” (ANDRADE, 2006, p.112).<br />

O planejamento da produção coletiva e o enfrentamento dos problemas comunitários com soluções<br />

conjuntas, visando a sustentabilidade do processo requerem que os conhecimentos apreendidos<br />

por cada indivíduo sejam explicitados e compartilhados. Portanto, as comunidades em estudo são<br />

grupos de conhecimento compartilhado que se apóiam nos processos de aprendizagem.<br />

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O processo de aprendizagem depende dos processos de informação e comunicação, que permitem<br />

o compartilhamento das vivências e dos conhecimentos e, também, reflexões e discussões sobre<br />

significados, distinções, uni¬ões e relações entre efeito-causa-efeito. Pois, além do plano individual,<br />

isso deve ocorrer no plano coletivo, fixando princípios, identificando problemas e propondo<br />

objetivos comunitários, de maneira que ideias e soluções sejam coerentes e convergentes com os<br />

propósitos comuns. “A aprendizagem é um processo trans¬formador das relações entre as partes<br />

de um sistema, isso não resta dúvida. Entretanto, ela não vem de um motivo gratuito.” (PASTORE<br />

et al., 2009, p.17).<br />

<strong>Design</strong> Sistêmico<br />

Como campo modernista de estudos e atividades, a área de <strong>Design</strong> foi decorrência da Revolução<br />

Industrial e, como essa, é descendente direta do pensamento racionalista-positivista. Em princípio,<br />

a missão proposta foi o planejamento da própria sociedade industrial, projetando os produtos<br />

que caracterizariam essa realidade. Portanto, havia um macro-sistema em emergência e sua<br />

configuração estava também a cargo dos designers. Isso promoveu a visão idealizadora (idealista)<br />

da atuação do designer que se dispunha a projetar (modelar) por meio dos produtos a própria<br />

realidade.<br />

A consolidação da sociedade industrial e a configuração desta era denominada de pós-industrial<br />

determinaram uma realidade complexa, que deve ser considerada no seu todo, sempre que se<br />

pensa em tratar alguma de suas partes. Isso provocou a necessidade da visão estratégica que,<br />

seguindo a perspectiva sistêmica, considera a totalidade como unidade complexa, a qual não<br />

permite o tratamento de situações isoladas ou descontextualizadas. Sobre isso, Krucken (2008)<br />

considera que<br />

Inicialmente centrado no projeto de produtos físicos, seu escopo vêm<br />

evoluindo em direção a uma perspectiva sistêmica. O principal desafio<br />

do design na contemporaneidade é, justamente, desenvolver e/ou<br />

suportar o desenvolvimento de soluções a questões de alta complexidade,<br />

que exigem uma visão alargada do projeto, envolvendo produtos,<br />

serviços e comunicação, de forma conjunta e sustentável (KRUCKEN,<br />

2008, p.23).<br />

Esse pensamento identifica a dimensão estratégica do design, considerando a relação entre o local<br />

e o global e propondo pensar, conjuntamente, os diversos saberes de uma organização social,<br />

sua cultura ou tradição, seus desdobramentos futu¬ros, seus valores, seus conflitos e suas neces-<br />

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sidades, entre outras possibilidades.<br />

A visão sistêmica permite o planejamento de estratégias para compor siste¬mas do tipo produtoserviço.<br />

Para sua concretização, as estratégias devem ser desenvolvidas por meio de táticas que<br />

coordenam as operações do design. Como um sistema, o processo do design atua como processador<br />

de informações, incorporando inputs ou sinais de entrada e produzindo outputs, como<br />

soluções de saída (Figura 01).<br />

Figura 01: <strong>Design</strong> como um sistema processador de informações Fonte: Adaptada de Santos (2000, p.24).<br />

A abordagem sistêmica oferece um escopo ampliado para o processo de projetação em <strong>Design</strong>. A<br />

abordagem sistêmica se estabelece a partir dos dados obtidos no decorrer do processo ampliado,<br />

para obtenção de um conhecimento específico. Isso propicia a previsão das validações necessárias<br />

e orienta a busca da eficácia e da eficiência do projeto.<br />

Com o olhar voltado para a comunidade, os designers podem identificar possibilidades ou constatar<br />

iniciativas criativas empreendidas pelos indivíduos. Isso caracteriza as “comunidades criativas”,<br />

como grupos de pessoas que (1) se organizam localmente; (2) resolvem problemas de<br />

maneira colaborativa; (3) geram soluções sustentáveis. Manzini (2008) considera que essas ações<br />

comunitárias repercutem socialmente, porque oferecem pequenas contribuições para orientar a<br />

sociedade como um todo na direção da sustentabilidade. Para Manzini (2008), há três modos de<br />

interação dos designers com a comunidade. (1) A primeira se estabelece a partir da base (bottomup),<br />

com a participação ativa das pessoas internamente interessadas; (2) a segunda ocorre pela<br />

intervenção de instituições externas, acontecendo de fora para dentro ou de cima para baixo<br />

(top-down); (3) a terceira é caracterizada por trocas de informações entre organizações similares<br />

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(peer-to-peer).<br />

Inserido na realidade das “comunidades criativas”, o papel profissional do designer é compreender<br />

as peculiaridades do ambiente, com a finalidade de inserir o design de maneira colaborativa e<br />

eficiente, visando o aprimoramento ou desenvolvimento dos processos comunitários informativocomunicativos<br />

e produtivos.<br />

No decorrer de sua prática, a abordagem sistêmica produziu instrumentos de planejamento que<br />

auxiliam o trabalho com as comunidades. Um desses instrumentos é o mapa sistêmico, cuja estrutura<br />

determina “[...] os padrões de comportamento da organização por meio da identificação das<br />

relações causais entre os fatores e sobre a situação de interesse” (ANDRADE, 2006, p.112).<br />

O Mapa Sistêmico<br />

A profissionalização dos processos produtivos necessita dos recursos do design. As comunidades<br />

trabalham com recursos naturais ou com materiais sustentáveis, apresentando contribuições e<br />

orientações para a sociedade. Porém, necessitam também de orientações e recursos para inserir<br />

sua produção na sociedade.<br />

O mapa sistêmico auxilia na função de elucidar os participantes das “comunidades criativas”, de<br />

práticas e locais, sobre o processo necessário para o desenvolvimento do processo produtivo, solucionando<br />

problemas e profissionalizando a inserção dos produtos fabricados na sociedade.<br />

A partir de uma estruturação básica e versátil, o mapa sistêmico indica as etapas necessárias ao<br />

processo produtivo, permitindo ainda a expressão de alterações ou modificações no processo em<br />

planejamento, inclusive, com a inserção de novas etapas (Figura 02).<br />

Pesquisa aplicada das comunidades criativas<br />

Acerca desta visão operacional, do produto final, a intervenção do design pode atuar na adaptação<br />

dos produtos às necessidades, preferências e tendências dos usuários dotando ao produto características<br />

estéticas, funcionais, formais, simbólicas, culturais, ergonômicas, entre outras, e influenciando<br />

em questões como qualidade aparente, identificação, valorização e transmissão dos<br />

atributos e diferenciação.<br />

Além disso, a organização destes pequenos produtores familiares em grupos produtivos familiares<br />

(“comunidades criativas”) tem demonstrado ser uma das alternativas no setor para viabilizar inú-<br />

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meras questões relativas à escala de produção, margem de lucro, questões culturais, comercialização,<br />

permanência no meio rural, entre tantas outras.<br />

Sendo assim, nota-se que as “comunidades criativas”, principalmente, têm buscado verticalizar<br />

suas atividades, processando seus produtos e os comercializando já em condições de serem consumidos,<br />

o que vêm proporcionando maior valor agregado aos produtos.<br />

O desenvolvimento de uma identidade para os produtos de comunidades locais permite mais que a<br />

unificação da comunicação de produtores independentes, também abre caminhos para que toda a<br />

região passe a trabalhar sistematicamente os valores transmitidos pela marca criada – qualidade,<br />

tradição, seriedade, profissionalismo etc. Isso só tende a auxiliar na adição de valor dos produtos<br />

constituindo uma forma eficaz de elevar a renda dos pequenos produtores, fixando-os assim,<br />

em suas comunidades, sem dar margem para que pensem em deixar seu trabalho ou seu local de<br />

origem para obter melhores condições de vida e financeiras. “Nesta valorização e comunicação,<br />

o <strong>Design</strong>, especificamente o gráfico, vem contribuindo de forma decisiva com soluções efetivas,<br />

que se manifesta na interface visual dos produtos.” (PEREIRA, 2004, p.14).<br />

As principais funções das marcas comerciais são identificar o produto e o fabricante, diferenciar<br />

um produto dos concorrentes, permitir ao consumidor reconhecer o produto e repetir a compra,<br />

além de proteger o produto de imitações. Segundo Pereira (2004, p.12) “Sabe-se que a apresentação<br />

dos produtos nas gôndolas é fundamental para reforçar os atributos de marca e para aumentar<br />

a probabilidade de sucesso das vendas.” Pois assim, a partir de uma utilização adequada<br />

e consciente do design, este pode possibilitar uma suposta melhoria na percepção dos possíveis<br />

compradores/clientes, contribuindo para a competitividade do produto no mercado. Por isso,<br />

torna-se de suma importância a participação dos próprios produtores na definição das propostas<br />

escolhidas e também no refinamento das definitivas para que apontem ideias e demonstrem a<br />

percepção que possuem dos produtos que elaboram. Além dos próprios produtores também se faz<br />

necessário a participação dos clientes nesta etapa criativa que envolve a criação das identidades<br />

e uma nova aparência para os produtos destas comunidades devido à análise de preferências e<br />

gostos pessoais em busca de harmonia e equilíbrio entre a relação cliente inicial [produtores] e os<br />

clientes finais [consumidores].<br />

A busca da identidade dentro da homogeneidade é, portanto, o espaço de valorização das particularidades,<br />

ressaltando os atributos próprios dos locais, sua especificidade e, por último, sua<br />

vantagem competitiva. (BUARQUE, 2008, p.38, grifo do autor).<br />

Este acompanhamento e trabalho consistem em seguir e cumprir os seguintes objetivos: promover<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

ações relacionadas ao design para potencializar as atividades dessas comunidades na busca da<br />

sustentabilidade; promover a integração entre o desenvolvimento econômico, social e cultural;<br />

desenvolver produtos mais adequados à realidade de mercado por meio do design; promover<br />

a transformação social por meio da valorização do produto e do design; transferir tecnologias<br />

de design para as comunidades de entorno; identificar e integrar os grupos produtivos locais no<br />

processo para desenvolvimento local; buscar a Gestão de <strong>Design</strong> que mais se adéque a realidade<br />

local; revisar processos gerenciais internos; identificar os condicionantes físicos relacionados ao<br />

trabalho dentro das comunidades.<br />

Os procedimentos para o desenvolvimento dessas atividades têm seu foco em metodologias colaborativas<br />

associadas a metodologias de design, pesquisas participativas e pesquisa social. Além<br />

disso, para melhor andamento do projeto devem-se aliar os aspectos práticos e não somente<br />

permanecer na teoria. O profissional de design que está inserido nessas comunidades acompanha<br />

os participantes no que se referem às suas culturas, histórias, processos etc. A partir dessas experiências<br />

de convívio, conversas e trocas de informações é que são elaboradas as identidades<br />

visuais dessas “comunidades” visando à inserção destas no mercado e também agregação de valor<br />

aos seus produtos. Então, buscam-se elementos oriundos dessas culturas devido à identificação<br />

de gostos, costumes, para não gerar certo afastamento de suas origens. Sendo assim, o design apresenta-se<br />

como um valor transformador inserido no contexto de uma sociedade contemporânea<br />

que está em constante processo de transição.<br />

Essas comunidades também podem ser consideradas uma forma particular de desenvolvimento<br />

local se vinculadas a projetos locais, apresentando tendenciosamente uma grande homogeneidade<br />

social e econômica e capacidade de organização e participação comunitária. As ações da<br />

localidade contam ainda, com a colaboração da vizinhança, que se organiza na forma de redes<br />

projetuais. Assim, os territórios regionais podem se beneficiar da aproximação estratégica do<br />

design, que é capaz de ligar as pessoas e lugares numa visão diferente de desenvolvimento, onde<br />

os recursos locais e a criatividade das pessoas são empenhados na tarefa desafiante de cuidar das<br />

relações humanas (MERONI, 2008).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

Figura 02: Mapa Sistêmico. Fonte: do autor.<br />

De modo geral, o processo de atuação inicia com o reconhecimento da realidade física e simbólico-cultural<br />

da comunidade e, também, de sua produção. Isso permite o reconhecimento e a<br />

configuração da identidade comunitária que, de modo sistêmico, é relacionada à identidade dos<br />

produtos. Portanto, a composição do mapa tem origem na descrição dessa identidade e dos temas<br />

de interesse da comunidade.<br />

Posteriormente, são discutidos os temas e os conceitos de interesse, de modo individual e coletivo,<br />

promovendo o alinhamento dos conhecimentos entre os participantes da comunidade. A coleta,<br />

a descrição e a interpretação das informações compõem o panorama conceitual (briefing) para a<br />

projetação das ações e dos produtos de <strong>Design</strong>, considerando-se principalmente duas vertentes,<br />

sendo a primeira composta pelos recursos naturais e a segunda pelo processo produtivo. Pois, a<br />

proposta de sustentabilidade requer a complementaridade entre as duas vertentes.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

Por fim, o projeto do conjunto de produtos ou do produto final, que foi previamente proposto e<br />

desenvolvido como projeto sustentável, deve também mostrar-se culturalmente identificado com<br />

a comunidade. Isso orienta e permite a confecção de um sistema de identificação (por exemplo,<br />

rótulos) e proteção (por exemplo, embalagens) para a produção local. Há uma diversidade de<br />

produtos de diferentes naturezas que podem ser projetados e desenvolvidos a partir das atividades<br />

de <strong>Design</strong>. Mas, geralmente, os produtos de identificação, comunicação e proteção são prioritários.<br />

Considerações finais<br />

Em comparação com a doutrina positivista, a perspectiva naturalista se alinha ao viés materialista.<br />

Porém, ao investir radicalmente na imanência do conhecimento, a partir do mundo natural, o<br />

pensamento naturalista rompe com o racionalismo idealista cartesiano. Pois, aceita que a razão<br />

naturalista, cuja base é sensível-intuitiva, é mais poderosa que a razão filosófica (especialmente<br />

a cartesiana).<br />

Os pressupostos da doutrina naturalista fornecem a base para uma perspectiva biológica do conhecimento,<br />

sustentando teoricamente a abordagem evolucionista da realidade e do conhecimento<br />

e, do mesmo modo, sustenta a teoria e a abordagem sistêmica. Por sua vez, a teoria sistêmica<br />

considera a totalidade indissociável em partes (o todo é maior e mais complexo que a soma das<br />

partes). Assim, repudia a possibilidade analítica que, também, foi proposta por Descartes.<br />

A valorização da razão naturalista aproxima-se conceitualmente da proposta fenomenológica,<br />

cuja perspectiva abriga as modalidades de pesquisa qualitativa e interpretativa. Portanto, a<br />

abordagem sistêmica e a pesquisa descritiva, adotadas na pesquisa desenvolvida nas “comunidades<br />

criativas”, são direta e indiretamente sustentadas no pensamento naturalista.<br />

Atualmente, está em curso o processo de revisão da relação entre a cultura e a natureza, mediada<br />

pela ideia de sustentabilidade e pelas práticas de produção sustentáveis, privilegiando a<br />

preservação dos recursos naturais. Isso recoloca a visão naturalista na qual a natureza é fonte da<br />

vida e do conhecimento, no foco das preocupações sociais. Assim, o pensamento focado no mundo<br />

natural é princípio e fim da abordagem prevista no processo de pesquisa e participação relatado<br />

neste texto.<br />

O pensamento e os procedimentos voltados para a sustentabilidade ecológica e econômica das<br />

“comunidades criativas locais” propõem a produção, a organização e a aplicação de conhecimentos<br />

extraídos do ambiente comunitário.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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<strong>Design</strong> e Naturalismo: sustentabilidade sistêmica em comunidades criativas locais<br />

Os conhecimentos são utilizados no aprimoramento e desenvolvimento de atividades produtivas<br />

como, por exemplo, na produção de artesanato. Com base na tradição cultural comunitária, o<br />

processo produtivo, geralmente, advém de conhecimentos empíricos que, em parte, são transmitidos<br />

de maneira intersubjetiva, de modo tácito.<br />

Os processos produtivos subsidiam parcialmente a vida comunitária. Mas, de modo geral, carecem<br />

de intervenções formais que colaborem na explicitação, na organização, no desenvolvimento e na<br />

profissionalização dos processos produtivos. Isso é obtido com o auxílio do design, esclarecendo e<br />

valorizando os pontos fortes da produção e dos produtos locais.<br />

A produção de grande parte das comunidades depende dos produtos naturais, como a flora local.<br />

Assim, os processos de fabricação respeitam os ciclos naturais de produção da matéria-prima, que<br />

são relacionados à prática da sustentabilidade ambiental. Os processos se desenvolvem em ciclos,<br />

como o ciclo de vida dos agentes sociais, da vida dos produtos e das próprias comunidades, porque<br />

os sistemas são cíclicos.<br />

Como sistemas abertos, as comunidades criativas são cíclicas e permeáveis. Essa permeabilidade<br />

permite a participação da cultura do design no ciclo de vida cultural-produtivo das comunidades.<br />

Sob a abordagem sistêmica, a participação do design busca desenvolver uma espiral de profissionalização<br />

e progresso sustentável no processo criativo-produtivo das comunidades. Assim, a influência<br />

do design propõe elevar o nível do processo produtivo comunitário, atuando na mediação<br />

e na organização das relações internas e externas ao sistema comunitário.<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

Teresa Cristina Santos Rebello Mestranda em <strong>Design</strong> - <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong> –<br />

São Paulo – SP tete.rebello@gmail.com<br />

Resumo<br />

Nos últimos anos, percebeu-se um crescimento no acesso à internet no mundo<br />

todo e a participação de grande parte de seus usuários em redes sociais como<br />

Orkut, Facebook, Twitter, etc., que proporcionam o compartilhamento de ideias e<br />

experiências, e a criação de vínculos em torno de interesses comuns, traduzidos<br />

em relacionamentos pessoais, formais e informais. O contexto comunicacional e<br />

também cultural dessas redes, atraiu a atenção de marcas que viram nesse espaço,<br />

mais uma forma de dialogar com seus consumidores e, mais recentemente,<br />

de vender seus produtos e serviços, configurando um contexto de interação social<br />

com a possibilidade de consumo do e-commerce. O presente artigo tem como<br />

proposta apresentar o aplicativo LikeStore, uma plataforma independente de e-<br />

commerce dentro do Facebook, como forma de justificar uma nova experiência de<br />

compra por parte dos usuários dessa rede, moldada por estratégias para envolvêlo<br />

de uma forma mais integrada com as marcas ali presentes.<br />

Palavras-chave:<br />

redes sociais, consumo, e-commerce, LikeStore.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

Introdução<br />

Nos últimos anos, percebeu-se um crescimento do acesso à internet no mundo todo, e, a<br />

participação de grande parte de seus usuários nas chamadas redes sociais, como Orkut, Facebook,<br />

Myspace, Twitter, Linkedin, dentre outras. Essas redes sociais proporcionam a seus usuários o<br />

compartilhamento de ideias e experiências e a criação de vínculos em torno de interesses comuns,<br />

traduzidos em relacionamentos pessoais, formais e informais. Este contexto comunicacional e,<br />

portanto, cultural, atraiu a atenção de marcas, que viram nas redes sociais mais uma forma de<br />

dialogar e interagir com seus consumidores. Mais recentemente, o desenvolvimento de aplicativos<br />

vem tornando possível vender produtos e serviços dentro dessas redes, configurando um contexto<br />

de interação social com a possibilidade de consumo. Esta estratégia, denominada social commerce,<br />

emprega ferramentas colaborativas de redes sociais para auxiliar no processo de consumo de<br />

produtos e serviços online.<br />

Castells (1999, p.78-79) já afirmava no final da década de 1990, que as tecnologias da informação<br />

iriam remodelar a base material da sociedade em ritmo acelerado e que as redes interativas de<br />

computadores cresceriam exponencialmente, criando novas formas e canais de comunicação,<br />

moldando a vida e, ao mesmo tempo, reconfigurando-se pela convergência entre mídias. Nesse<br />

sentido, para o autor, a sociedade vem se constituindo pelo exercício de acesso à informação<br />

como matéria-prima; da flexibilidade das organizações e instituições em processos reversíveis<br />

de modificação; da capacidade de reconfiguração, tornando possível reprogramar-se devido às<br />

constantes mudanças; e, a lógica das redes, implantando materialmente processos e organizações.<br />

Saad (2003, p.23) já afirmava que, estudar os impactos de uma inovação tecnológica de ruptura<br />

e propor formas de atuação empresarial adequadas para fazer desta inovação um componente<br />

de competitividade, exige uma boa dose de adaptabilidade de pesquisadores, estrategistas e<br />

empresários. Segundo a autora, estamos tratando de uma ambiente em constante mudança:<br />

tecnológica e de produtos e serviços; um ambiente que vivencia velocidade e instantaneidade.<br />

Ugarte (2008), por sua vez, discorre sobre como a mudança na estrutura da informação marcada<br />

pelo surgimento das ferramentas pessoais de computação (os computadores pessoais) e de uma<br />

rede global distribuída de comunicações (a internet), que conectou milhões de computadores<br />

hierarquicamente iguais, contribuiu para uma nova distribuição de poder, fase que ele denominou<br />

Era das Redes Distribuídas. Para o autor<br />

as redes distribuídas são um sistema pluriárquico, onde ninguém<br />

depende de ninguém para fazer circular mensagens, ou seja, não há<br />

hierarquia e que, quanto mais membros existem em uma rede, maior<br />

valor ela terá para um não-membro, conferindo consequentemente<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

maior valor ao produto (UGARTE, 2008, p.40-43).<br />

o que ele chama de Efeito Rede. Sobre isso, Sibilia (2008, p.21) chama atenção para o rápido<br />

crescimento da rede social Facebook em seus três primeiros anos de vida, o que levou a Microsoft<br />

a comprar, em 2007, 1,6% de seu capital, justificando a transação pelo potencial que o crescente<br />

número de usuários do serviço representava em termos publicitários. Neste sentido, a estratégia<br />

do Facebook estaria em converter cada usuário da rede em um eficaz instrumento de marketing<br />

para dezenas de companhias que vendem produtos e serviços na internet. Para a autora, isso<br />

permitiria o monitoramento das transações comerciais realizadas pelos usuários da grande<br />

comunidade virtual. Seria então uma nova forma de conexão e compartilhamento de informações,<br />

permitindo aos usuários manterem seus amigos melhor informados sobre seus interesses, além de<br />

servir como referência confiável para a compra de algum produto.<br />

Seguindo a tendência que sugere o engajamento dos indivíduos em um processo de promoção<br />

da marca que potencialize o próprio consumo, em maio de 2011, é lançado um aplicativo de<br />

e-commerce para o Facebook, o LikeStore[1],<br />

tornando possível vender produtos e serviços nessa rede, unindo a força da interação entre amigos<br />

nas redes sociais, com o poder de conversão de vendas do e-commerce.<br />

Nesse sentido, o presente artigo tem como proposta apresentar o aplicativo LikeStore como forma<br />

de justificar uma nova experiência de compra para os usuários da rede social Facebook, moldada<br />

por estratégias para envolvê-lo de uma forma mais integrada com as marcas e empresas presentes<br />

na rede, no sentido de firmar um maior elo de afinidades entre as partes.<br />

As Redes Sociais<br />

Os anos 1990, marcados pelas redes digitais de comunicação, configuraram um processo de<br />

interconexão crescente no qual as pessoas passaram a ter acesso simultâneo a diversas mensagens,<br />

individualizadas ou coletivas, em diversos meios. Nesse sentido, as redes sociais proporcionaram<br />

mudanças culturais na maneira como interconectados, nos construímos, interagimos e nos<br />

comunicamos; nos expressamos; e, nos apresentamos para o mundo. Este processo de comunicação,<br />

contínuo e colaborativo entre seus usuários demandou uma nova postura de atualização por parte<br />

das empresas que devem saber fazer uso das informações que circulam ali de forma efetiva na<br />

geração de ideias criativas e inovação para os negócios.<br />

Segundo Jenkins (2008, p.47) ver um anúncio e comprar um produto já não basta, assim, uma<br />

empresa deve convidar o público para entrar na comunidade da marca. Para Spyer (2007), as<br />

redes sociais como são conhecidas hoje, teriam sido uma evolução dos sites de relacionamento,<br />

populares até o final dos anos 1990, que ajudavam as pessoas a encontrar parceiros. Essas redes<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

teriam surgido para atender a demanda por relacionamentos em outros níveis como o profissional e<br />

o social, ou ainda, por temas de interesse específico. Para o autor, a característica diferenciadora<br />

dos novos social networking services é que eles não se limitaram a cruzar informações para<br />

aproximar desconhecidos com potencial de relacionamento, mas também oferecer possibilidades<br />

de reconstrução social na internet, potencializando a rede de familiares, amigos e colegas. Nesse<br />

sentido,<br />

O programa funciona como uma agenda de endereços coletiva: cada<br />

usuário cria seu perfil preenchendo um formulário e, a partir daí,<br />

procura conhecidos que também estejam cadastrados no sistema. Na<br />

medida em que você encontra essas pessoas, pode convidá-las a fazer<br />

parte da sua rede de contatos, que funciona como uma caderneta de<br />

endereços: uma relação de nomes de conhecidos e suas informações<br />

pessoais, com a diferença de que essas cadernetas se interconectam<br />

permitindo que uma pessoa explore a lista de conhecidos das outras<br />

(SPYER, 2007, p.71).<br />

Recuero (2009, p.24) também evoca reflexões sobre as mudanças que a internet trouxe para a<br />

sociedade contemporânea. Para a autora, a mais significativa é a possibilidade de expressão e<br />

sociabilização através das ferramentas de comunicação mediada pelo computador. As pessoas<br />

envolvidas na rede, nomeada de “atores” pela autora, em processos de construção, interação e<br />

comunicação com outros atores, deixam rastros ou pistas que permitem o reconhecimento dos<br />

padrões de suas conexões e a visualização de suas redes sociais. Para Recuero (2009), uma rede<br />

social é definida como o conjunto de dois elementos: de atores (pessoas, grupos ou instituições)<br />

e de suas conexões (interações e laços sociais).<br />

Neste sentido, os atores nas suas representações (seja um blog, um perfil no Orkut, um fotolog,<br />

etc.) ou construções identitárias (considerando que nem sempre eles são discerníveis), vão moldar<br />

as estruturas sociais através da interação e da constituição de laços sociais (RECUERO, 2009,<br />

p.24-25). A partir da observação dessas interações, é possível perceber elementos como o grau<br />

de intimidade entre os interagentes, a natureza do capital social trocado e outras informações<br />

que auxiliam na percepção da força do laço que une cada par, demonstrando que os laços sociais<br />

ajudam a identificar e compreender a estrutura de determinada rede social (IBIDEM, p.43).<br />

Percebe-se então, as redes sociais como fluxos informacionais que refletem a conexão em rede<br />

proposta por Castells (1999); uma outra forma de interação social; uma outra mídia, na qual a<br />

informação circula, é filtrada e repassada; conectada à conversação, onde é debatida, discutida,<br />

gerando a possibilidade de outras formas de organização social baseadas em interesses das<br />

coletividades (RECUERO, 2011, p.15-16).<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

O Brasil é um dos dez países que mais acessam redes sociais, de acordo com pesquisa realizada<br />

em abril de 2010 pelo IBOPE Inteligência em parceria com a Worldwide Independent Network of<br />

Market Research (WIN)[2]. Os resultados mostram que 87% dos internautas brasileiros acessam<br />

redes sociais, com tendência de crescimento, já que 20% da população pretende entrar no mundo<br />

das redes sociais num futuro próximo.<br />

Já o levantamento da empresa comScore [3] aponta o Brasil como o quinto país do mundo no<br />

uso das redes sociais. Na comparação entre os meses de julho de 2009 e julho de 2010 o país<br />

teve crescimento de 47% no acesso a esse tipo de site (de 23.966 milhões para 35.221 milhões<br />

de visitantes únicos) [4].Esses dados chamam a atenção das empresas que enxergam nas redes<br />

sociais uma oportunidade de mercado, mas que, mesmo assim, demandam alguns cuidados, já<br />

que estar presente nelas significa entrar em território ainda pouco conhecido; uma adaptação<br />

a outras formas de diálogo e conversação com seus consumidores; e, um indicativo para outras<br />

formas de serviços, marketing, publicidade e vendas, agora mais direcionados e conversacionais,<br />

considerando que estes consumidores estão em rede, curtindo, comentando, discutindo,<br />

participando, compartilhando e comprando.<br />

O Social Commerce<br />

Com a diversificação dos suportes comunicacionais, das técnicas e modos de contato e de<br />

relacionamento com o consumidor, facilitados pelas tecnologias digitais e mapeados na internet,<br />

um varejista deixou de ter somente a loja de vizinhança como concorrente para enfrentar muitos<br />

outros. Essa diversificação fez surgir o varejo sem loja, por exemplo, tendo o comércio eletrônico<br />

como um de seus expoentes. Para dar conta dessas mudanças, uma empresa, independente de seu<br />

porte, passou a atuar em multicanais de vendas, com o objetivo de atender seus consumidores onde<br />

quer que eles estejam, da forma mais conveniente, através de abordagens mais diversificadas, de<br />

discursos mais específicos (segmentados), se fazendo mais presente no seu cotidiano.<br />

Jenkins (2008) concorda que o comportamento do consumidor é outro a partir dessas mudanças.<br />

Para ele,<br />

Se os antigos consumidores eram tidos como passivos, os novos<br />

consumidores são ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis<br />

e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos consumidores são<br />

migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a<br />

meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos<br />

isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o<br />

trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

consumidores agora são barulhentos e públicos (JENKINS, 2008, p.45).<br />

Percebe-se que os consumidores se tornaram mais vulneráveis, curiosos e exploradores graças à<br />

grande quantidade de informação disponível na rede, o que também gerou insegurança, devido às<br />

dificuldades de escolha, de conhecimento, de orientação, de familiaridade e de confiança diante<br />

de ofertas sempre renovadas e modificadas.<br />

Como forma de minimizar essas dificuldades, o consumidor passou a recorrer à internet para<br />

checar a opinião de outros consumidores sobre determinada marca, produto ou serviço, no intuito<br />

de tomar uma decisão de compra mais acertada, endossada e validada por alguém com quem<br />

compartilhe interesses, valores e opiniões.<br />

Segundo Spyer (2007, p.148), graças à internet, o consumidor tem encontrado formas para<br />

contra-argumentar a opinião especializada sobre produtos, que muitas vezes reflete somente os<br />

interesses dos fabricantes. Segundo o autor, a ideia se popularizou principalmente com a Amazon.<br />

com [5], que desde o início estimula seus usuários a compartilharem opiniões com a comunidade<br />

compradora.<br />

É sabido que, na situação de compra, o consumidor age em decorrência de várias influências de<br />

ordem interna e externa, que se combinam, se excluem e se somam, no intuito de criar nele, uma<br />

atitude favorável em relação a uma marca, produto, serviço ou ideia.<br />

Para Kotler e Armstrong (2000, p.77), essas influências podem ser de ordem psicológica, pessoal,<br />

social e cultural. Kotler e Keller (2006) colocam que, dentre outros fatores, o comportamento<br />

do consumidor é influenciado sobremaneira por fatores sociais, como grupos de referência,<br />

família, papéis sociais e status. Para Churchill e Peter (2000, p.160), os grupos de referência são<br />

aqueles grupos de pessoas que influenciam os pensamentos, os sentimentos e o comportamento<br />

do consumidor. Segundo Kotler (1998) existem os grupos de afinidade denominados primários e<br />

secundários. Os grupos primários são constituídos pela família, pelos amigos, pelos vizinhos e pelos<br />

colegas de trabalho; com estes grupos a pessoa interage mais continuamente e informalmente. Já<br />

os grupos secundários são constituídos pela religião, sindicatos e profissões, os quais tendem a ser<br />

mais formais e exigem interação menos contínua (KOTLER,1998, p.177).<br />

Levando em consideração essas definições, percebe-se a importância que os grupos de referência<br />

têm sobre o comportamento das pessoas envolvidas, já que influenciam a auto-imagem e<br />

constituem referência para as mesmas. Essa curadoria ou o endosso de uma marca, produto ou<br />

serviço que acontece hoje nas redes sociais digitais, também sugere uma nova experiência de<br />

compra, moldada por estratégias para envolver o consumidor de uma forma mais integrada com<br />

a marca.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

Nesse sentido, ganha força um tipo de transação comercial, inserido nas redes sociais digitais,<br />

o Social Commerce (fusão dos termos social media + e.commerce); uma vertente do comércio<br />

eletrônico (e-commerce) que emprega ferramentas colaborativas de redes sociais para auxiliar no<br />

processo de consumo de produtos e serviços online.<br />

Segundo Marsden (2010), o social commerce teria como principais vantagens a monetização da<br />

mídia social, a otimização das vendas online e a inovação do modelo de negócio. Sugere, portanto,<br />

um reforço na conscientização sobre a descoberta de um produto, um acelerador na seleção do<br />

mesmo e um ativador de defesa, já que funciona como um referencial a outros consumidores.<br />

Ainda segundo o autor, o social commerce apresenta duas estratégias principais: ajudar as pessoas<br />

a se conectarem aos lugares onde elas compram (como o exemplo da Amazon, que convida seus<br />

usuários a opinar e discutir sobre produtos em seu próprio site de e-commerce), bem como ajudálas<br />

a comprar nos lugares onde estão conectadas (como, por exemplo, a rede americana de<br />

eletrônicos Best Buy, com uma plataforma de vendas dentro do Facebook) (MARSDEN, 2010, p.2).<br />

Considera-se então, que o social commerce ajuda na conquista de novos consumidores para<br />

impulsionar vendas (já que tem acesso à rede de amigos dos clientes); diminui a distância entre<br />

clientes e empresa (já que a venda é baseada na recomendação de pessoas que conhecemos,<br />

acompanhamos e/ou confiamos); maximiza o tempo dos usuários e a troca de experiências entre<br />

eles; reduz os riscos de uma compra inadequada; além de propor soluções baseadas em interesses<br />

comuns (IBIDEM, p.7).<br />

Segundo o relatório Webshoppers 23ª edição elaborado pela e-bit, foram faturados R$ 14,8<br />

bilhões em vendas de bens de consumo no e-commerce brasileiro em 2010, o que significou um<br />

acréscimo de 40% comparado aos R$ 10,6 bilhões registrados em 2009. Em 2010, mais de 23<br />

milhões de consumidores fizeram, ao menos, uma compra online, com 40 milhões de pedidos<br />

em todo território nacional. No primeiro semestre de 2011, a estimativa é de um faturamento<br />

em torno de R$ 8,8 bilhões, valor maior que todo o faturamento do ano de 2008, que foi de R$<br />

8,2 bilhões. Esses dados apontam que as pessoas de fato vêm fazendo compras online, nas mais<br />

variadas categorias de produtos. O mesmo relatório aponta que os itens mais vendidos em 2010<br />

foram eletrodomésticos (14%), livros, assinaturas de revistas e jornais (12%), saúde, beleza e<br />

medicamentos (12%), informática (11%), e eletrônicos (7%).<br />

Uma outra pesquisa [6] realizada com 679 brasileiros entre abril e maio de 2011 pela Oh! Panel<br />

para o Mercado Livre e divulgada em 30 de junho no site da Revista Veja, aponta que 56% dos<br />

usuários de internet no Brasil já usam as redes sociais na hora de adquirir produtos e serviços, fato<br />

que corrobora com as tendências aqui apontadas. Além disso, cerca de seis em cada dez usuários<br />

de internet do país realizam pesquisas nas redes sociais antes de comprar produtos e serviços.<br />

72,8% dos entrevistados disseram confiar mais na recomendação dos amigos presentes em redes<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

como Facebook, Twitter e Orkut, do que na análise de um especialista. A boa notícia para as<br />

empresas que investem ou que pretendem investir em mídias sociais é de que 40% dos brasileiros<br />

entrevistados acompanham a atuação de suas marcas favoritas nas redes para conhecer novos<br />

produtos (81%) e encontrar novas ofertas (75,6%).<br />

Também nos Estados Unidos, um relatório [7] recém divulgado pela Barkley em parceria com o<br />

Boston Consulting Group constatou que a geração denominada millennial ou geração Y [8], na<br />

sua grande maioria, precisa da ajuda de amigos e familiares antes de tomar qualquer decisão de<br />

compra, inclusive em qual restaurante comer. Eles usam as redes sociais e a tecnologia móvel para<br />

recolher essas opiniões. O estudo apontou que 68% deles não irão tomar uma decisão importante<br />

sem consultar sua rede de contatos primeiramente.<br />

Motivadas por estes indicadores, muitas empresas, principalmente as de pequeno porte, vêm<br />

utilizando o Facebook, considerada a maior rede social do mundo [9], para interagir com seus<br />

consumidores, divulgar suas ações e promover sua marca, produtos, serviços e ideias, devido,<br />

muitas vezes, à escassez de recursos financeiros para investir em outras mídias e manter seus<br />

websites atualizados, o que demanda mão-de-obra especializada e, por conseguinte, cara e nem<br />

sempre acessível.<br />

Nesse sentido, o Facebook disponibilizou para seus usuários brasileiros, a partir de maio de 2011,<br />

um aplicativo de e-commerce denominado LikeStore, para explorar as possibilidades do social<br />

commerce, tornando possível vender produtos e serviços nessa rede, unindo a força da interação<br />

entre amigos nas redes sociais, com o poder de conversão de vendas do e-commerce.<br />

O aplicativo LikeStore<br />

Manovich (2008, p.2) já afirmava que, no final do século XX, o homem adicionou uma nova dimensão<br />

à sua cultura: a dimensão do software e de seus aplicativos desempenhando um papel central na<br />

formação de elementos materiais e nas estruturas imateriais que constituem a cultura. O autor<br />

chama a atenção para as empresas de TI (tecnologia da informação) que, mais do que produtos ou<br />

serviços, produzem softwares e o contexto dos aplicativos, ferramentas, plataformas, etc., que<br />

atuam no centro da economia, da cultura, da vida social e da política em todo o mundo.<br />

Para Preece, Rogers e Sharp (2005)<br />

Com os desenvolvimentos tecnológicos nos anos 1990 (redes, computação<br />

móvel e sensores infravermelhos), a criação de uma diversidade de<br />

aplicativos para todas as pessoas tornou-se uma possibilidade real.<br />

Todos os aspectos da vida de um indivíduo (em casa, em movimento, no<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

lazer e no trabalho, sozinho, com a família ou os amigos) começaram<br />

a ser melhoradas e estendidas projetando-se e integrando várias<br />

combinações de tecnologias computacionais. Novas formas de aprender,<br />

comunicar, trabalhar, descobrir e viver começaram a ser pensadas<br />

(PREECE, ROGERS e SHARP, 2005, p.30).<br />

O LikeStore é um desses aplicativos, uma plataforma independente de e-commerce dentro do<br />

Facebook, que tornou possível vender produtos e serviços diretamente das páginas dessa rede<br />

social.<br />

Segundo informações da empresa[10], o aplicativo apresenta como principais funcionalidades o<br />

fato de que toda a experiência ocorre dentro da fan page[11] da loja no Facebook e que cada<br />

venda efetuada é divulgada no mural[12] do comprador, ampliando a divulgação da loja, já que,<br />

mesmo sem comprar, os usuários podem curtir as ofertas e compartilhá-las em seus murais.<br />

O aplicativo disponibiliza ainda, um gerenciador para controle de estoque e gestão de pedidos<br />

em tempo real e assegura transações seguras para seus usuários através do MoiP Pagamentos<br />

(desenvolvido pela MoiP, empresa integradora de meios de pagamento), que servirá como um<br />

caixa para realizar os pagamentos feitos pela rede social, possibilitando uma análise por parte<br />

do vendedor na hora da compra, que poderá verificar de maneira rápida, se há algum risco<br />

em determinada transação comercial[13]. Já para o comprador, a ferramenta dá a opção de<br />

parcelamento nas principais bandeiras de cartões de crédito, além da opção de pagamento com<br />

boleto bancário ou débito em conta corrente.<br />

Segundo o diretor e idealizador do serviço, Gabriel Borges, inicialmente serão firmadas parcerias<br />

com marcas estratégicas para acostumar o consumidor brasileiro à ideia de comprar dentro de<br />

uma rede social, para, em um segundo momento, disponibilizar o serviço às demais empresas<br />

interessadas, que poderão transformar suas fan pages em uma vitrine de produtos, acrescentando<br />

a ela, descrições e imagens. Os usuários também poderão compartilhar compras que foram feitas,<br />

o que vai gerar buzz[14], que é a grande característica das redes sociais[15].<br />

A tecnologia e a arquitetura empregadas no projeto foram concebidas considerando evoluções<br />

futuras do aplicativo e integrações com outras redes sociais, além de customizações para futuros<br />

clientes que queiram se integrar à loja.<br />

Para Spyer (2007, p.96-97), a arquitetura da informação indica a maneira de organização da<br />

informação no espaço segundo um padrão que permite a busca e a recuperação de dados específicos.<br />

Nesse sentido, ela facilita a navegação do usuário. Para o autor, um website é composto por<br />

páginas e links dispostos em uma hierarquia que facilite a movimentação do usuário pelo espaço.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

Nesse sentido, o desenvolvimento de um ambiente hipermidiático sugere o mapeamento das áreas<br />

de navegação para determinação dessa hierarquia da informação. O conceito de usabilidade,<br />

exercitado no contexto do <strong>Design</strong> de Interação[16], vem assegurar que um produto seja eficaz no<br />

seu uso, eficiente, seguro, útil, agradável, fácil de aprender, memorizar e de usar, sempre sob a<br />

perspectiva do usuário.<br />

O designer deve pensar na distribuição e formato dos elementos constituintes de cada página<br />

do website, pensando nos diversos contextos em que serão acessados: se no monitor de um<br />

computador, ou na tela pequena de um celular, por exemplo. Nesse sentido, ele projeta ou adapta<br />

um logotipo para a versão online, estabelece padrão de cores e cria o look and feel (aparência e<br />

sensação de uso) (SPYER, 2007, p.97).<br />

A partir de algumas figuras que ilustram o tutorial de instalação do LikeStore, pretende-se fazer<br />

uma análise referente a usabilidade e design do aplicativo, sob a ótica de Preece, Rogers e Sharp<br />

(2005), no tocante a seus princípios mais comuns: visibilidade, feedback, restrições, mapeamento,<br />

consistência e affordance. A visibilidade, para as autoras, deve deixar as funções visíveis para<br />

que o usuário saiba como proceder, como por exemplo, no painel de um carro sabemos que<br />

botões acionar para ligar o pisca-alerta, os faróis, etc. Na interação com o aplicativo LikeStore,<br />

percebeu-se que sua visibilidade é adequada, considerando que os controles para as diferentes<br />

operações são claramente visíveis (figura1).<br />

Figura 1: Visibilidade do Painel de Controle do aplicativo LikeStore (Foto: Reprodução/Camila<br />

Porto)<br />

Fonte: http://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/noticia/2011/07/aprenda-como-montar-<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

um-e-commerce-dentro-do-facebook.html.<br />

O feedback, relacionado ainda ao conceito de visibilidade, refere-se ao retorno de informações a<br />

respeito de que ação foi feita e do que foi realizado, permitindo à pessoa continuar a atividade.<br />

Na interação com o aplicativo, o feedback, se mostrou tátil e visual, já que o usuário clica nas<br />

opções desejadas em cada um dos passos dados para a criação da loja online.<br />

Figura 2: Feedback referente a alteração do nome da aba Minha Loja (Foto: Reprodução/Camila<br />

Porto)<br />

Fonte: http://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/noticia/2011/07/aprenda-como-montarum-e-commerce-dentro-do-facebook.html.<br />

O conceito de restrição, por sua vez, refere-se à determinação das formas de se delimitar o tipo<br />

de interação que pode ocorrer em determinado momento. A ideia deste princípio é restringir<br />

as ações dos usuários somente às permitidas naquele estágio da atividade, impedindo que ele<br />

selecione opções incorretas e erre. Na interação com o aplicativo, percebemos que alguns ícones<br />

ficam apagados, demonstrando que não serão utilizados naquela etapa da operação, situação que<br />

também pode ser observada na figura 2.<br />

Já o mapeamento refere-se à relação entre os controles e seus efeitos no mundo, como as setas<br />

utilizadas para representar o movimento para cima ou para baixo do cursor em um teclado de<br />

computador. A consistência, por sua vez, refere-se a projetar interfaces de modo que tenham<br />

operações semelhantes para a utilização de tarefas similares. Elas seguem regras, tais como o uso<br />

da mesma operação para selecionar todos os objetos, como, por exemplo, clicar sempre com o<br />

botão esquerdo do mouse para realizar operações. Na interação com o aplicativo, o mapeamento<br />

e a consistência, por sua vez, foram considerados adequados, já que seguem os padrões pré-<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

concebidos em tarefas similares.<br />

E, por fim, o affordance, que é um termo utilizado para se referir a um atributo de um objeto que<br />

permite às pessoas saber como utilizá-lo. A ideia é dar uma pista sobre o objeto, no intuito de<br />

facilitar a interação, através de, por exemplo, botões, ícones, links e barras de rolagem (PREECE,<br />

ROGERS E SHARP, 2005, p.43-47).<br />

Na interação com o aplicativo, consideramos o affordance adequado, já que o aplicativo é de<br />

fácil entendimento por parte do usuário, através de botões, links e ícones que indicam o que este<br />

deve fazer em cada uma das etapas de implantação da fan page. A figura 3 demonstra o uso, por<br />

exemplo, de botões que indicam a ação que o usuário deve fazer para criar a associação com o<br />

aplicativo.<br />

Figura 3: Confirmação da associação de página (Foto: Reprodução/Camila Porto)<br />

Fonte: http://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/noticia/2011/07/aprenda-como-montarum-e-commerce-dentro-do-facebook.html.<br />

Considerações Finais<br />

É inegável que o surgimento e a difusão da internet expandiram os horizontes das pessoas a partir<br />

do momento que elas encontraram motivos e menos dificuldades para acessar e compartilhar<br />

informação. O crescente número de usuários barateia o acesso à tecnologia e expande o alcance<br />

da rede, fatores que chamam a atenção das empresas, que enxergam nas redes sociais, uma<br />

outra forma de interagir com seus consumidores, configurando-se, nesse sentido, como mais uma<br />

oportunidade de mercado. Porém, o assunto não pode ser tratado como um modismo, demandando<br />

por parte das empresas, investimentos em pesquisas qualitativas e técnicas de observação de<br />

usuários em ação nesse ambiente, um território ainda pouco conhecido e explorado. Precisa-se<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

levar em conta que os consumidores passaram por transformações - principalmente da segunda<br />

metade do século XX até nossos dias - que os deixaram mais vulneráveis em relação às suas escolhas,<br />

curiosos e exploradores frente a tantas marcas e opções. São agentes dessas transformações e<br />

não meros observadores, se configurando como autores e atores de suas próprias escolhas de<br />

consumo. São consumidores que querem e precisam ser estimulados, requisitados e seduzidos pelas<br />

marcas, ao invés de serem simplesmente informados como acontecia no passado. Eles querem<br />

outras experiências, sejam elas de vida, de compra ou outras, e, nesse sentido, estratégias são<br />

moldadas para envolvê-los de uma forma mais integrada com as marcas, firmando um maior elo de<br />

afinidades entre as partes. Todos esses fatores somados, exigem uma outra postura por parte das<br />

empresas, que devem se orientar para uma comunicação mais transmidiática; para a adequação<br />

do discurso e do diálogo em cada um dos suportes comunicacionais onde estiver presente, no<br />

intuito de potencializar os pontos de contato com o consumidor, o que também vai demandar<br />

outras técnicas de vendas e outros tipos de abordagens. Além disso, com o acesso facilitado ao<br />

ferramental tecnológico (em especial aos softwares e seus aplicativos), outras experiências são<br />

passíveis de acontecer com estes consumidores e, nesse sentido, o aplicativo LikeStore reflete<br />

a solicitação de um mercado que quer comprar de um jeito diferente, amparado pelas opiniões<br />

e interesses de amigos e grupos de interesse, configurando-se como uma outra experiência de<br />

compra na contemporaneidade.<br />

Notas<br />

[1] Fonte: http://likestore.zendesk.com/entries/20213138-o-que-e-a-likestore. Acesso em<br />

28/06/2011.<br />

[2] Brasil está entre os dez países que mais acessam redes sociais. Disponível em Data de publicação: 23/07/2010. Acesso em 25 de julho de 2010.<br />

[3] Empresa de pesquisa de mercado que fornece dados de marketing e serviços para as maiores<br />

empresas da Internet.<br />

[4] Disponível em http://www.magoweb.com/clinicadigital/2010/08/30/marketing-digitalpesquisa-revela-que-brasil-e-5%c2%ba-do-mundo-em-redes-sociais.<br />

Acesso em 26/09/2010.<br />

[5] Amazon.com é uma empresa de comércio eletrônico dos Estados Unidos da América, com sede<br />

em Seattle, Estado de Washington. Foi uma das primeiras companhias com alguma relevância a<br />

vender produtos na Internet. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Amazon. Acesso em 31/07/2011.<br />

[6] Fonte: http://2nd.com.br/metade-dos-brasileiros-consultam-as-redes-sociais-antes-decomprar-na-internet.<br />

Acesso em 28/07/2011.<br />

[7] http://2nd.com.br/metade-dos-brasileiros-consultam-as-redes-sociais-antes-de-comprar-nainternet.<br />

Acesso em 28/07/2011.<br />

[8] Geração de pessoas nascidas após 1980, época de grandes avanços tecnológicos e prosperidade<br />

econômica. Os pais, não querendo repetir o abandono das gerações anteriores, encheram-os de<br />

presentes, atenções e atividades, fomentando a autoestima de seus filhos. Eles cresceram vivendo<br />

em ação, estimulados por atividades, fazendo tarefas múltiplas. Acostumados a conseguirem o que<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Processos de consumo em redes sociais: o aplicativo Likestore<br />

querem, não se sujeitam às tarefas subalternas de início de carreira e lutam por salários ambiciosos<br />

desde cedo. Uma de suas características atuais é a utilização de aparelhos de alta tecnologia,<br />

como telefones celulares de última geração, os chamados smartphones (telefones inteligentes),<br />

para muitas outras finalidades além de apenas fazer e receber ligações como é característico<br />

das gerações anteriores. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Gera%C3%A7%C3%A3o_Y. Acesso em<br />

31/07/2011.<br />

[9] Fonte: http://www.bbc.co.uk/news/technology-13712375. Acesso em 28/07/2011.<br />

[10] Fonte: http://likestore.zendesk.com/entries/20213138-o-que-e-a-likestore. Acesso em<br />

28/06/2011.<br />

[11] Segundo o Facebook, uma fan page é uma interface específica para a divulgação de uma<br />

empresa, marca, banda, etc. em redes sociais. Ao realizar a criação é possível escolher o objetivo<br />

dela, conseguindo assim, melhor segmentação do público que deseja alcançar. Fonte: http://<br />

publicidadenainternet.andaxi.com/como-ter-uma-fan-page-do-facebook-alias-o-que-e-fanpage/.<br />

Acesso em 01/08/2011.<br />

[12] Tradução literal de bulletin board e se refere ao objeto comum nas escolas e nas faculdades,<br />

usado pela comunidade de alunos, professores e administração para se comunicarem entre si<br />

por meio de recados escritos presos sobre uma superfície perfurável. O mural na web cumpre<br />

essa função – a comunicação grupal – mas se diferencia do físico porque além de disseminar<br />

informação, possibilita que a audiência dialogue entre si a partir dos anúncios (SPYER, 2007, p.46)<br />

[13] A rede social espera realizar cerca de 150 mil transações no primeiro ano de suas operações<br />

no país, com um compra média estimada de R$ 120 por usuário, gerando R$ 18 milhões em<br />

movimentações financeiras Fonte: http://www.oficinadanet.com.br/noticias_web/3854/<br />

likestore-e-loja-virtual-dentro-do-facebook. Acesso em 01/08/2011.<br />

[14] Tradução livre: Burburinho.<br />

[15] http://www.oficinadanet.com.br/noticias_web/3854/likestore-e-loja-virtual-dentro-dofacebook.<br />

Acesso em 01/08/2011.<br />

[16] <strong>Design</strong> de produtos interativos que fornecem suporte às atividades cotidianas das pessoas,<br />

seja no lar ou no trabalho (PREECE, ROGERS E SHARP, 2005, p.24).<br />

Referências<br />

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede – A Era da Informação: economia, sociedade e cultura.<br />

Volume 1, 4ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 1999.<br />

CHURCHILL JUNIOR, Gilbert A.; PETER, J. Paul. Marketing: criando valor para os clientes. São<br />

Paulo: Saraiva, 2000.<br />

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JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Ed. Aleph, 2008.<br />

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2000.<br />

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Pearson Prentice Hall, 2006.<br />

MANOVICH, Lev. Software takes command. Novembro, 2008. Disponível em . Acesso em janeiro, 2011.<br />

MARSDEN, Paul. Social Commerce: Monetizando as mídias sociais. Unique Digital, 2010.<br />

MEDEIROS, Maurício. Retail do Futuro – Como será? Usefashion Journal, ano 7, n.78, Ago, 2010.<br />

PREECE, Jenny; ROGERS, Yvonne; SHARP, Helen. <strong>Design</strong> da Interação: além da interação homemcomputador.<br />

Porto Alegre: Bookman, 2005.<br />

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_________, Raquel. A Nova Revolução: as Redes são as Mensagens. In: BRAMBILLA, Ana (org.).<br />

Para Entender as Mídias Sociais. Creative Commons, 2011.<br />

SAAD, Beth. Estratégias para a mídia digital: Internet, informação e comunicação. São Paulo:<br />

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SIBILIA, Paula. O Show do Eu. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.<br />

SPYER, Juliano. Conectado – o que a internet fez com você e o que ela pode fazer com ela. Rio<br />

de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

416


Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos<br />

trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

Thiago Reginaldo; Graduando em <strong>Design</strong>: UFSC; Bolsista PIBIC/UFSC<br />

thiagoreginaldo@yahoo.com.br<br />

Richard Perassi Luiz de Souza; Doutor em Comunicação e Semiótica: PUC/SP; Professor<br />

do Pós-<strong>Design</strong>/EGR/CCE: UFSC perassi@cce.ufsc.br<br />

Resumo<br />

O desenvolvimento do <strong>Design</strong> acontece de modo múltiplo, dinâmico e interativo,<br />

promovendo diferentes concepções sobre o que seja <strong>Design</strong> e sobre seu campo de<br />

atuação. A indicação de limites que sirvam como parâmetros ao pensamento sistemático<br />

sobre esses temas são necessários para a fundamentação teórica da área<br />

em estudo. Com o intuito de contribuir para discussões correlatas às concepções<br />

do que é design foram avaliados neste estudo os trabalhos de conclusão de curso<br />

(TCC) de Bacharelado em <strong>Design</strong> Gráfico da <strong>Universidade</strong> Federal de Santa Catarina<br />

(UFSC). Foram contabilizados 204 trabalhos apresentados a partir do ano de<br />

2005, os quais foram quantificados e hierarquizados os temas, as palavras-chave<br />

e as fontes teóricas bibliográficas. A partir disso, foram descritos e interpretados<br />

os conceitos de <strong>Design</strong> mais recorrentes nos trabalhos com o intuito de avaliar os<br />

elementos que fundamentam o design a partir do que é disseminado no curso de<br />

<strong>Design</strong> Gráfico UFSC.<br />

Palavras-chave:<br />

Teoria de <strong>Design</strong>, Conceituação, Trabalho de Conclusão de Curso<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

Introdução<br />

O conceito de <strong>Design</strong> está em processo de evolução e, no momento, atravessa uma crise de<br />

identidade, sem que os autores da área consigam recortar com clareza seu objeto, que é<br />

apresentado de maneira ampla e variada. Isso propõe a necessidade de estabelecimento das<br />

bases conceituais, por meio de pesquisas documentais. Uma pesquisa deste tipo foi desenvolvida<br />

e agora é apresentada neste texto.<br />

A base de estudos ou o corpus de pesquisa é composto por 204 trabalhos de conclusão de curso<br />

(TCC), que foram apresentados a partir do ano de 2005 no curso de Bacharelado em <strong>Design</strong> do<br />

Departamento de Expressão Gráfica do Centro de Comunicação e Expressão – UFSC. A questão de<br />

pesquisa é identificar os autores e livros mais citados nesses trabalhos e conhecer seus conceitos<br />

de <strong>Design</strong>.<br />

As bases ou fundamentos da pesquisa em <strong>Design</strong>, propostas no título deste texto, são primeiramente<br />

relacionadas à produção teórica, que é desenvolvida no âmbito departamental, considerando-se<br />

os trabalhos de conclusão do curso (TCC) de <strong>Design</strong> do departamento EGR/CCE/UFSC. Para tanto<br />

houve o desenvolvimento das seguintes ações:<br />

• Pesquisa exploratória, como consulta aos professores do Departamento de Expressão Gráfica,<br />

por meio de um questionário com 06 perguntas sobre o “conceito”, as “áreas”, as “atividades”<br />

e as “características” distintivas de <strong>Design</strong>, como campo de pesquisa e conhecimento. Foram<br />

também coletados e interpretados os conceitos de <strong>Design</strong> extraídos do “Projeto da Semana<br />

Acadêmica de <strong>Design</strong> da UFSC” (CADe, 2006).<br />

• Estudos relacionados à “Classificação Brasileira de Ocupações do Governo Federal” (CBO, 2010)<br />

e às “Diretrizes Curriculares para Cursos de Graduação” (2002).<br />

• Reunião dos trabalhos de conclusão do curso de <strong>Design</strong> Gráfico EGR/CCE/UFSC, que foi<br />

atualizada até o primeiro trimestre de 2011, com a recuperação de trabalhos extraviados,<br />

recuperação e recomposição de dados sobre os trabalhos coletados e organização cronológica<br />

dos trabalhos coletados.<br />

• Estudo, escolha e efetivação dos procedimentos humano-tecnológicos de extração dos dados<br />

dos trabalhos até o ano de 2011. Foram extraídos ou recompostos o título dos trabalhos, o<br />

resumo, as palavras-chave e as referências dos trabalhos produzidos no período entre 2005 e<br />

2011.<br />

• Composição de tabelas e gráficos com os dados obtidos e descrição e interpretação desses<br />

dados, considerando-se, especialmente, as conceituações sobre <strong>Design</strong> Gráfico.<br />

A indicação da “Classificação Brasileira de Ocupações” (CBO, 2010) e das “Diretrizes Curriculares”<br />

(2002), como fontes de dados, foi consequência da leitura do artigo “Contextualizar o <strong>Design</strong>?”<br />

(ALMEIDA JUNIOR e NOJIMA, 2006), no qual seus autores indicam a necessidade de um “debate<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

epistemológico mais aprofundado”. Um aspecto necessário a se enfatizar é que no ano de 2004,<br />

houve outra proposta de diretrizes curriculares, com alterações contundentes nos cursos de<br />

<strong>Design</strong>. Atualmente, essas diretrizes de 2004 foram aprovadas e estão sendo implementadas,<br />

retirando dos diplomas de graduação em <strong>Design</strong> as especificações como <strong>Design</strong> de Produto ou<br />

<strong>Design</strong> Gráfico. Porém, todos os trabalhos considerados nesta pesquisa foram desenvolvidos<br />

dentro do curso específico de <strong>Design</strong> Gráfico. Além disso, as atividades de <strong>Design</strong> ainda são, na<br />

prática, categorizadas e relacionadas aos produtos ou à comunicação gráfico-visual, entre outras<br />

especificidades.<br />

Divergências na conceituação de <strong>Design</strong><br />

A área de design surge como atividade que acumula o maior número de tentativas de conceituação.<br />

Passado quase um século de seu surgimento, a atividade se mantém polêmica e pouco conhecida,<br />

com definições contraditórias, excludentes ou antagônicas:<br />

<strong>Arte</strong>, prática de projeto, matéria tecnológica ou científica, campo de<br />

confluência interdisciplinar, atividade de apoio às técnicas de marketing.<br />

O design tem sido isso tudo ora simultaneamente, ora organizado em<br />

torno da predominância de um ou outro desses aspectos, dependendo do<br />

viés intelectual de quem o aborde como terreno de reflexão (ESCOREL,<br />

2000, p.62).<br />

Na década passada o conceito de design experimentou uma acentuada difusão e popularização,<br />

o que pode ser considerado um fato positivo. No entanto, houve uma estranha limitação aos<br />

produtos de casa, configurando-o como uma atividade de decoração de interiores. A opinião<br />

pública expressa um modismo questionável, no qual <strong>Design</strong> é associado à ideia de complicado, de<br />

curta duração e de individualmente rebuscado, como uma promessa de um glamour instantâneo<br />

(BONSIEPE, 1997).<br />

No âmbito do senso comum, a tentativa de compreender <strong>Design</strong> evoca o preconceito de que sua<br />

função se restringe à cosmética, limitando-se a agregar alguns traços decorativos aos projetos<br />

industriais ou eletrônico-digitais, como um make-up. <strong>Design</strong> é relacionado ao desenho como<br />

projeto ou desígnio. Assim, não é sinônimo de desenho, no sentido deturpado que relaciona a<br />

palavra ao estrito ato de rabiscar. Mas, na opinião pública a atividade do design é estreitamente<br />

associada à capacidade física de desenhar (BONSIEPE, 1997).<br />

Ao indicar a necessidade de conceituação de <strong>Design</strong> Gráfico, Villas-Boas (2003) afirma sobre a<br />

dificuldade de encontrar na bibliografia corrente uma definição precisa de seu significado.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

Definir o design gráfico é essencial, especialmente num momento em que<br />

ele vive uma crise patente – seja pela exaustão dos cânones nos quais se<br />

firmou ao longo do século 20, seja pela vulgarização e pela massificação<br />

de sua prática que acompanham os inegáveis e espetaculares avanços<br />

obtidos através da informatização do processo projetual (VILLAS-BOAS,<br />

2003, p.8).<br />

De acordo com Escorel (2000), entre muitos conceitos que pretendem configurar a área, está o<br />

que considera a área de <strong>Design</strong> sem um contorno ou terreno próprio e, portanto, sem definição.<br />

Isso indica a atividade do design como um amontoado de saberes e aptidões emprestadas de<br />

áreas diversas, utilizando um conjunto de modelos flexíveis e mutáveis, que se ajusta a qualquer<br />

época e circunstância. Assim, haveria um “bom design” no arco e na flecha do índio, nos objetos<br />

artesanais de séculos anteriores e, até mesmo, no caule de uma árvore.<br />

Outra tentativa de definição está correlata a que design se insere no grupo de disciplinas<br />

tecnológicas, pensando talvez, com isso, assegurá-lo da perigosa vizinhança com as formas de<br />

expressão artística ligadas ao artesanato e ao pensamento plástico ocidental (ESCOREL, 2000).<br />

Além das divergências na conceituação de “<strong>Design</strong>”, Villas-Boas (2003) assinala divergências na<br />

própria compreensão do termo “design” e no entendimento do que seja o profissional denominado<br />

como “designer”. Pois, essas são palavras amplamente usadas por aqueles que assim legitimam<br />

uma prática profissional para qual não foram especificamente preparados. Isso esvazia e banaliza<br />

os termos em função de sua popularização desregrada.<br />

Diante dessas incertezas, Löbach (2001) adverte que o conceito de <strong>Design</strong> e sua aplicação dependem<br />

do enfoque estabelecido por aquele que se dispõe discorrer sobre o tema, indicando sua origem e<br />

suas consequências. Assim, a imprecisão no posicionamento do falante determina sua insegurança<br />

e as perturbações no processo de conceituação, especialmente quando sua visão é comparada<br />

com outras conceituações. Para Löbach (2001), é necessário, portanto, considerar cinco pontos<br />

distintos para se pronunciar a respeito do tema: o primeiro deles é determinado pelo usuário, o<br />

segundo pelo fabricante, o terceiro pela crítica, o quarto pelo designer e o quinto pela defesa.<br />

Para o autor este último (defesa) é o mais louvável, pois o designer deveria atuar constantemente<br />

na defesa dos interesses dos usuários. Contudo, os compromissos com o contratante produtor<br />

impedem o <strong>Design</strong>er de realizar plenamente de forma consciente com o campo moral para<br />

privilégio dos usuários.<br />

Conceitos de <strong>Design</strong><br />

De acordo com Azevedo (1998, p.9), a palavra “design”, cuja origem é latina, adquire seu sentido<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

atual a partir da interpretação que “vem do inglês e quer dizer projetar, compor visualmente ou<br />

colocar em prática no plano intencional”. Sendo que “a ferramenta do designer hoje é o próprio<br />

ato de gerar informação” (AZEVEDO, 1998, p.11). De acordo com Löbach (2001, p.16) “o design é<br />

traduzido por nós como configuração (gestaltung)”.<br />

A ideia de “configuração” corrobora o pressuposto que orientou esta pesquisa, o qual propõe que<br />

o objeto de estudo específico de <strong>Design</strong> é a “forma” (gestalt). Isso foi considerado como parte da<br />

interpretação das respostas obtidas nos questionários enviados aos professores do departamento<br />

de Expressão Gráfica (EGR). Propõe-se que os conhecimentos e as atividades de <strong>Design</strong> são<br />

desenvolvidos a partir do estudo, da utilização, da produção, da adaptação, da representação e<br />

da significação das formas.<br />

O termo “forma” é compreendido como “princípio que determina a matéria, fazendo dela<br />

tal coisa determinada: aquilo que, num ser, é inteligível... A forma é aquilo que, na coisa, é<br />

inteligível, podendo ser conhecido pela razão (objeto da ciência)... A matéria é considerada como<br />

um substrato passivo que deve tomar forma para se tornar coisa” (JAPIASSU e MARCONDES, 1990,<br />

p.81).<br />

Flusser (2007) cita a palavra grega morphé, como origem do termo “forma” como sinônimo de ideia<br />

que organiza a matéria (hylé) amorfa do mundo. Portanto, design é o processo de formalização<br />

ou de informação da matéria, tornando-a inteligível e atribuindo-lhe sentido e funcionalidade.<br />

O dicionário de Língua Portuguesa (HOUAISS, 2006), afirma que a raiz etimológica da palavra<br />

“informação” decorre da “ação de formar, de fazer, fabricação; esboço, desenho, plano; ideia,<br />

concepção; formação, forma”. Informar ou dar forma. Para a comunicação, “informação é o ato<br />

de emitir ou de receber mensagens” (RABAÇA e BARBOSA, 1998, p.334). É competência da área<br />

de <strong>Design</strong> o projeto de formas ou mensagens não verbais, investindo características estéticas,<br />

semânticas e funcionais, que habilitam o produto para cumprir as funções de atração, significação<br />

e utilização.<br />

Em <strong>Design</strong> Gráfico, entretanto, investe-se inclusive no tratamento gráfico-morfológico das formas<br />

verbais, como na composição de logotipos, nos quais as formas dos tipos ou das letras e das palavras<br />

são tratadas e organizadas para compor um ícone especial, que identifica uma organização, um<br />

produto ou um serviço, entre outras possibilidades.<br />

A finalidade em <strong>Design</strong> é projetar produtos diversos a partir do estudo das formas. A ideia de<br />

produto como finalidade desqualifica a tradicional distinção entre <strong>Design</strong> Gráfico e <strong>Design</strong> de<br />

Produto, indicando que <strong>Design</strong> propõe diversos tipos de produto, inclusive, os produtos gráficos<br />

de comunicação.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Em síntese, o pressuposto desta pesquisa considera que, em particular, <strong>Design</strong> trata da composição<br />

ou formalização de um produto ou conjunto de produtos com finalidades práticas ou simbólicas,<br />

sendo a forma o principal objeto de estudo e a informação projetual sua atividade por excelência.<br />

Bürdek (2006) relata que a primeira tentativa de compreender a base teórica da área de <strong>Design</strong><br />

ocorreu no ano de 1977, durante o Fórum Congresso do IDZ de Berlim (Alemanha). Considerando<br />

o proposto por Krauspe (1978), Bürdek (2006, p.273) apresenta quatro linhas de interesse que,<br />

naquele momento, orientaram a reflexão sobre teoria de <strong>Design</strong>:<br />

1. Tornar transparente o processo de <strong>Design</strong> e obter métodos operacionais de projetação<br />

(Metodologia de Projeto);<br />

2. Obter controle sobre a quantificação dos fenômenos visuais (Estética da Informação);<br />

3. Desenvolver uma teoria crítica em <strong>Design</strong> (Fundamentação Político-Econômica);<br />

4. Discutir o funcionalismo, visando um “funcionalismo ampliado” (Pragmática).<br />

Para Bürdek (2006) a atividade de <strong>Design</strong> é relacionada aos conceitos de criatividade, fantasia<br />

cerebral, senso de invenção e de inovação técnica. Igualmente, gera expectativas no sentido de<br />

ser um ato cerebral. O processo de <strong>Design</strong> não envolve somente configuração visual, na qual<br />

se brincam livremente com cores, formas e materiais, porque é determinado por condições e<br />

decisões de caráter tecnológico, econômico, político e pragmático. Isso considera o contexto de<br />

desenvolvimento econômico, tecnológico e cultural, os fundamentos históricos, as condições de<br />

produção técnica, os fatores ergonômicos ou ecológicos e as exigências artístico-experimentais.<br />

Ao lidar com design, é necessário refletir acerca das condições que contextualizam o projeto,<br />

considerando-as nos projetos e produtos (BÜRDEK, 2006).<br />

Desenvolver a teoria em <strong>Design</strong> significa interagir com a teoria do Conhecimento. Pois, a área<br />

de <strong>Design</strong> emergiu sob os parâmetros de produção do conhecimento científico, considerando-se<br />

teoria e metodologia, como esforços para aperfeiçoar métodos, regras e critérios próprios para<br />

que <strong>Design</strong> seja pesquisado, avaliado e melhorado (BÜRDEK, 2006).<br />

Retomando a ideia de configuração Löbach (2001) afirma que essa pode ser descrita como<br />

materialização de uma ideia, é o processo já descrito de informação ou formalização da matéria.<br />

Como os conceitos “configuração” e “design” são muito amplos, quando ambos são relacionados,<br />

a definição do objeto a ser configurado permanece em aberto. Assim, sua especificidade depende<br />

da relação entre o conceito “design” e outro conceito, que lhe tenha alguma ascendência,<br />

caracterizando o objeto de design como, por exemplo, “<strong>Design</strong> Ambiental”:<br />

<strong>Design</strong> ambiental significa, como se sabe, configuração do meio<br />

ambiente. O conceito do ambiente se une ao do design. O resultado,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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porém, continua sendo um conceito geral, que se desdobra em vários<br />

tipos de configurações do ambiente. O design industrial [...] é o conceito<br />

geral para as diversas especialidades do design compreendidas na<br />

configuração do meio ambiente. O design industrial é, portanto, uma<br />

especialidade da configuração do meio ambiente (LÖBACH 2001, p.17).<br />

Para Bonsiepe (1997), <strong>Design</strong> apresenta um déficit nos aspectos teóricos. A despeito de sua<br />

presença na vida cotidiana e na economia, <strong>Design</strong> não é um fenômeno devidamente pesquisado,<br />

aparentando um domínio sem a devida fundamentação. Há um déficit no discurso projetual devido<br />

à ausência de uma teoria rigorosa. Diante disso, Bonsiepe (1997) propõe sete caracterizações para<br />

<strong>Design</strong>, além do referencial da boa forma e das referências sócio-pedagógicas.<br />

1. <strong>Design</strong> pode se manifestar em qualquer área do conhecimento ou práxis humana, sendo mais<br />

amplo que as disciplinas projetuais, incluindo a invenção de novas práticas na vida cotidiana.<br />

2. <strong>Design</strong> é voltado para o futuro.<br />

3. <strong>Design</strong> é relacionado à inovação, como palavras que se superpõem mediadas pela ética.<br />

4. <strong>Design</strong> está particularmente ligado ao espaço retinal, mas não se limita a esse, porque seu<br />

conjunto de tarefas inclui acoplar os artefatos ao corpo humano.<br />

5. <strong>Design</strong> visa à ação efetiva, superando denominações como “forma”, “função” e “estilo”,<br />

porque diz respeito a critérios de eficiência da ação e ao comportamento social.<br />

6. <strong>Design</strong> está linguisticamente ancorado no campo dos juízos.<br />

7. <strong>Design</strong> é orientado à interação entre usuário e artefato, como domínio da interface.<br />

Bonsiepe (1997) propôs a ideia de “interface”, como um sistema que faz interagir o usuário<br />

e o artefato em função de uma tarefa. Isso estabelece uma tríade, porque há um usuário que<br />

pretende realizar uma tarefa; há também a tarefa proposta e, ainda, uma ferramenta ou artefato<br />

para efetivar sua execução. De tal modo, o processo de mediação entre essas três instâncias<br />

é denominado interface. As características do produto resultante são previstas e determinadas<br />

na interação entre o caráter do artefato, da tarefa e do usuário. A interface é representada no<br />

“diagrama ontológico do design” (Figura 1).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Figura 1: Diagrama ontológico do design<br />

Fonte: Adaptado de Bonsiepe (1997, p.10).<br />

O conceito de “interface” privilegia a ideia de que a função característica do design é mediar de<br />

maneira ergonômica e eficiente a relação entre o procedimento, o engenho ou a maquinaria e o<br />

usuário. Assim a forma está a serviço da mediação, que permite funcionalidade, considerando-se<br />

a função estética, simbólica ou prática. Outro exemplo proposto por Bonsiepe (1997) é o produto<br />

denominado “percevejo”, que é uma haste de metal fina, pequena e pontuda. Na extremidade<br />

contrária à ponta, o instrumento apresenta um circulo de metal, permitindo o apoio do polegar para<br />

pressionar e fincar o objeto sobre uma superfície. Assim, o círculo de metal atua como interface<br />

eficiente, permitindo o uso do percevejo. Sem essa interface, a haste de metal perfuraria o dedo<br />

do usuário tornando o uso do instrumento doloroso e impraticável.<br />

Enquanto Bonsiepe (1977) ancora sua conceituação nas ideias de ação, inovação e interface, Escorel<br />

(2000, p.14) assinala que “<strong>Design</strong> é uma linguagem”. Assim, Bonsiepe (1977) propõe <strong>Design</strong> como<br />

mídia e Escorel (2000) como linguagem, assinalando que o cinema e a fotografia, manifestam-se<br />

como linguagens da era industrial. Como consequência, a linguagem do design também surgiu<br />

com a indústria na Revolução Industrial, visando à reprodução seriada de um original. Como toda<br />

linguagem, <strong>Design</strong> apresenta propriedades combinatórias e associativas, sendo que as primeiras<br />

estão relacionadas aos aspectos formais (expressivos ou estéticos) e a segunda aos aspectos<br />

simbólicos do produto, o qual é decorrente da combinação desses dois aspectos.<br />

Para Escorel (2000), o amplo campo de <strong>Design</strong> é constituído por duas áreas com características<br />

linguísticas diferentes: (1) a área de <strong>Design</strong> de Produto e (2) a área de <strong>Design</strong> Gráfico. A área de<br />

produto apresenta uma organização mais uniforme, aproximando-se da linguagem fotográfica e a<br />

área gráfica apresenta uma organização mais acidentada, assemelhando-se ao cinema. A autora<br />

defende que as duas áreas, de produto e gráfico, exprimem sua linguagem através do projeto,<br />

uma vez que requerem capacidade de abrangência e de coordenação dos diferentes aspectos<br />

implicados no processo do qual resulta o produto.<br />

<strong>Design</strong> Gráfico<br />

Especificamente sobre <strong>Design</strong> Gráfico, Frascara (2000) considera que sua finalidade é produzir<br />

comunicação visual, estabelecendo uma diferença entre <strong>Design</strong> como processo e o design como<br />

produto. Portanto, neste texto, a palavra <strong>Design</strong>, começando com letra maiúscula, indica uma área<br />

de conhecimento e atividades, que se estabelece como um processo, cujo centro é determinado<br />

pela atividade projetual. Porém, cada projeto define um produto diferenciado, que apresenta um<br />

design específico, cuja palavra escrita começa com letra minúscula, caracterizando o resultado<br />

técnico-funcional, estético e simbólico decorrente do trabalho de <strong>Design</strong> como campo de criação<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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e projetação.<br />

Azevedo (1998) contextualiza historicamente a expressão gráfica, desde a necessidade de um<br />

alfabeto para se comunicar nas civilizações do Mediterrâneo e Egito até o marco histórico<br />

representado pelo uso dos tipos móveis de Gutenberg em 1454. Os primeiros tipos gráficos de<br />

chumbo propunham à letra o caráter de projeto. “Para isso surge o design gráfico, que é a parte<br />

de um projeto que se refere ao material a ser impresso” (AZEVEDO, 1998, p.33).<br />

Villas-Boas (1998) também propôs uma conceituação com base em uma contextualização mais<br />

sucinta:<br />

Em resumo por design gráfico estou me referindo a área do conhecimento<br />

e a práticas profissionais específicas relativas ao ordenamento estéticoformal<br />

de elementos textuais e não-textuais que compõem peças gráficas<br />

destinadas à reprodução com objetivo expressamente comunicacional.<br />

Ele envolve a realização de projetos gráficos (cartazes, revistas, capas<br />

de livros e discos etc.) – projetos serializados, destinados à reprodução<br />

em escala e que têm como suporte (preponderantemente) o papel e<br />

como processo de reprodução e impressão (VILLAS-BOAS, 1998, p.13).<br />

De maneira mais direta, Villas-Boas (1998) ressalta quatro aspectos básicos com relação a <strong>Design</strong><br />

Gráfico, sendo esses: (1) aspectos formais; (2) aspectos funcionais objetivos ou práticos; (3)<br />

aspectos metodológicos, e (4) aspectos funcionais subjetivos ou simbólicos. Além desses aspectos,<br />

são indicadas também quatro delimitações que foram historicamente propostas e ainda repercutem<br />

na sociedade contemporânea:<br />

1. <strong>Design</strong> Gráfico está relacionado à reprodução seriada a partir de um original, portanto, não<br />

produz peças únicas;<br />

2. <strong>Design</strong> Gráfico é dirigido ao contexto da sociedade de massas;<br />

3. <strong>Design</strong> Gráfico está relacionado ao fenômeno da “fetichização” da mercadoria;<br />

4. <strong>Design</strong> Gráfico está submetido a uma metodologia própria de projetação, principalmente, com<br />

relação à produção e à circulação.<br />

Apesar das conceituações não serem consensuais, há concordância quanto à finalidade do design<br />

gráfico, que é a comunicação. Tradicionalmente, entretanto, o designer atua como projetista<br />

e supervisor ou gerenciador do processo de produção gráfica. Assim, encarrega-se de controlar<br />

o processo expressivo-informativo do projeto, definindo a informação ou a mensagem gráfica,<br />

e de supervisionar a produção das cópias. Mas, isso não garante que o produto seja divulgado<br />

ou distribuído e, portanto, comunicado. Atualmente, com a popularização do uso da internet,<br />

há um poderoso canal de comunicação a disposição de todos os incluídos digitais. Isso contribui<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

para que os designers tenham um canal diretamente acessível, para promover a comunicação das<br />

informações que projetam e produzem. Entretanto, Fuentes (2006) assinala que a expressão e a<br />

informação estão intencionalmente vinculadas à comunicação:<br />

A relação entre expressão e comunicação, assim como a nossa tendência<br />

em enfatizar sua vinculação inseparável, certamente surgirá em várias<br />

ocasiões nessa proposição metodológica. A razão é muito simples: este<br />

é o conceito medular, a razão de ser do design gráfico (FUENTES, 2006,<br />

p.31).<br />

Por sua vez, Frascara (2000, p.61) corrobora a ideia de que “a comunicação é a área que fornece<br />

a razão de ser do design gráfico e representa a origem e o objetivo de todo o trabalho”. A palavra<br />

“gráfico” qualifica o termo “design”, relacionando-se à produção de objetos visuais, cujo objetivo<br />

é comunicar mensagens específicas. Usando as palavras de Gorb (2008, p.6-7), Frascara (2000, p.<br />

19) confirma que:<br />

<strong>Design</strong> gráfico, visto como uma atividade é a ação de conceber, programar,<br />

projetar e realizar comunicações visuais, produzidas em geral por meios<br />

industriais e destinadas a transmitir mensagens especificas a grupos<br />

determinados. Um design gráfico é um objeto criado por esta atividade.<br />

(GORB, apud FRASCARA, 2000, p.19)<br />

Por fim, Escorel (2000, p.39) afirma que “o design gráfico é a linguagem que viabiliza o projeto de<br />

produtos industriais na área gráfica possuindo flexibilidade e recursos inumeráveis para transmitir<br />

com eficiência as informações que lhe são confiadas”. Deste modo, a autora conclui que as questões<br />

de design gráfico estão relacionadas à identidade, sejam elas de caráter prático ou simbólico, já<br />

que o objetivo central é determinado pela relação informar e comunicar.<br />

Teoria da disciplina <strong>Design</strong><br />

Ao discutir a teoria de <strong>Design</strong> e sua edificação, Bürdek (2006) constata que ela pode ser pensada<br />

sobre a perspectiva interdisciplinar, multidisciplinar ou transdisciplinar. Porém, o autor alerta que<br />

raramente se cogita a possibilidade de ser também “disciplinar”.<br />

Bürdek (2006) cogita que isso pode acontecer devido ao fato de que os desenvolvedores de teoria em<br />

<strong>Design</strong> são pouco confiantes sobre suas contribuições, necessitando se apoiar em outras disciplinas.<br />

Com isso, a contribuição de diversas disciplinas é muito valorizada, indicando <strong>Design</strong> como área<br />

interdisciplinar, sem haver a devida compilação das contribuições teóricas da área. De tal modo,<br />

“o design sempre teve dificuldade em desenvolver algo específico, em cuja base pudesse cooperar<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

com outras disciplinas. Isto é incompreensível, já que a tão propalada interdisciplinaridade só<br />

pode existir quando as disciplinas individuais podem atuar em conjunto” (BÜRDEK, 2006, p.281).<br />

A perspectiva interdisciplinar é defendida por Vilas-Boas (2003), que considera <strong>Design</strong> como uma<br />

área do conhecimento em estreita ligação com as áreas de Comunicação Social, <strong>Arte</strong>s Plásticas e<br />

Arquitetura. Por outro lado, Escorel (2000) relata a posição interdisciplinar como insustentável, já<br />

que existe uma natureza particular das matérias associadas ao design, que as funde e faz assumir<br />

uma realidade diferente das disciplinas iniciais. Para a autora, por exemplo, no cinema os sistemas<br />

de signos (música, literatura, cenografia e figurinos) são inseridos em uma disciplina particular,<br />

diferenciando-se da música na sala de concerto, do texto literário no livro, da cenografia no<br />

teatro e da vestimenta no desfile de moda. No filme, os signos se alteram por estarem inseridos<br />

em um sistema particular, que é organizado como sistema disciplinar.<br />

As ciências socialmente aplicáveis, como as Ciências Sociais que abrigam a área de <strong>Design</strong>,<br />

caracterizam-se por apresentar um corpus teórico e um corpus de pesquisa. Isso configura um<br />

conjunto de teorias ou conceitos e um conjunto de fenômenos materiais, os quais são primeiramente<br />

observados ou produzidos. A relação entre os dois conjuntos ou corpus é mediada pelo método<br />

científico adotado, de acordo com a razão metodológica considerada.<br />

A área de <strong>Design</strong> é descendente direta da Ciência positiva, entretanto, o método científico foi<br />

adaptado ao processo de projetação dos produtos. Portanto, <strong>Design</strong> desenvolveu uma prática<br />

metódica e sistemática e, continuamente, os representantes da área investem no aprimoramento e<br />

na criação de metodologias. A área também se apropria de teorias de outras áreas do conhecimento<br />

para compor seu corpus teórico. Todavia, há teorias que são consideradas características da área<br />

de <strong>Design</strong>. Além da configuração especializada ou peculiar que uma área de aplicação como <strong>Design</strong><br />

pode propor sobre as teorias adotadas. Para Bürdek (2006), teoria de <strong>Design</strong> se constrói a partir<br />

do campo de Ciências Humanas, para tanto, o design necessita desenvolver algo específico, com<br />

um corpo de conhecimento próprio em sua teoria.<br />

Adotando as ideias de Maser (1972), Bürdek (2006, p.282) relata três categorias sobre as quais<br />

uma ciência se caracteriza, são essas (1) objetivo (meta); (2) objeto (assunto), e (3) método<br />

(procedimento). Apesar de não ter a pretensão de ser Ciência, <strong>Design</strong> pode se basear nessas<br />

categorias para configurar sua teoria e constituir seu caráter disciplinar (BÜRDEK, 2006).<br />

Bürdek (2006, p.283) propõe (1) como “objetivo” da ciência de <strong>Design</strong> “o desenvolvimento de<br />

uma linguagem profissional, quer dizer, formular conceitos e frases de tal forma que sejam válidos<br />

amplamente para a disciplina”. (2) O “objeto” da ciência de <strong>Design</strong> “compreende as questões de<br />

forma e contexto ou de forma e significado, que podem ser descritos com o conceito da função<br />

comunicativa” (BÜRDEK, 2006, p.283). (3) O “método” científico da ciência de <strong>Design</strong> “deve ser<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

procurado no âmbito das ciências humanas, já que não se pode descrever a essência comunicativa<br />

específica do design com a ajuda das ciências naturais ou com os métodos formais das ciências”<br />

(BÜRDEK, 2006, p.283).<br />

Seguindo Habermas (1985), Bürdek (2006) afirma que a língua é a “chave da construção da teoria”<br />

com o qual se pode ter melhor domínio das estruturas do mundo e da vida. Por meio da língua<br />

se esclarece a verdade, que é um aspecto que também diz respeito ao design. “A comunicação<br />

se desenvolve por meio de um processo contínuo de troca, que se baseia sempre em novos<br />

“entendimentos” (convenções). Os produtos não falam por si sós, eles são levados a falar por<br />

meio da linguagem” (BÜRDEK, 2006, p.283).<br />

Material e métodos<br />

O objetivo alcançado foi à identificação das bases conceituais para a pesquisa aplicada em <strong>Design</strong>,<br />

a partir dos trabalhos de conclusão do curso (TCC) de Bacharelado em <strong>Design</strong> da <strong>Universidade</strong><br />

Federal de Santa Catarina (UFSC). Para tanto, foram identificados os trabalhos de conclusão do<br />

curso (TCC) de Bacharelado em <strong>Design</strong>/UFSC, os quais foram apresentados a partir do ano 2005 até<br />

o primeiro trimestre de 2011. Foram quantificados e hierarquizados quantitativamente os temas,<br />

as palavras-chave e as fontes teóricas coletadas nos trabalhos pesquisados. Aqui, são apresentadas<br />

as interpretações decorrentes da análise das recorrências e hierarquizações quantitativas.<br />

Esta pesquisa é caracterizada como “descritiva”, porque registra, observa, analisa e correlaciona<br />

fatos ou fenômenos (variáveis) sem manipulá-los (CERVO e BERVIAN, 1983). A amostragem foi<br />

composta por 204 trabalhos de conclusão do curso (TCC) de <strong>Design</strong>/UFSC, os quais correspondem à<br />

habilitação <strong>Design</strong> Gráfico, que era a única que havia até o ano de 2008. A quantidade de trabalhos<br />

coletados por ano (Gráfico 1) indicou a média de 38 trabalhos entre os anos de 2005 e 2009.<br />

Gráfico 1. Quantidade de trabalho por ano.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Em 2010, foram apresentados apenas nove trabalhos, sendo que, entre os que finalizaram o curso<br />

naquele ano, dois trabalhos foram apresentados no início de 2011. Isso parece ter refletido as<br />

mudanças ocorridas no curso a partir de 2009. Entre essas, houve a criação de mais duas opções<br />

de curso, <strong>Design</strong> de Produto e <strong>Design</strong> de Animação e o prazo de entrega do trabalho de conclusão<br />

de curso foi reduzido, em decorrência das normas estabelecidas para os cursos de graduação. No<br />

momento, o curso de Bacharelado passou por outras mudanças, reunindo as três opções de curso,<br />

Gráfico, Produto e Animação, em uma única proposta sob a denominação geral de Bacharelado em<br />

<strong>Design</strong> (GRADUAÇÃO EM DESIGN, 2011).<br />

O principal banco de dados disponível para a pesquisa foi composto pelo conjunto de cópias<br />

digitais em compact disc (CD) e de cópias impressas em formato de trabalho de conclusão de<br />

curso (TCC), que estão disponíveis na Secretaria do Curso de Graduação no Departamento de<br />

Expressão Gráfica – EGR/CCE/UFSC. Além disso, houve fontes auxiliares como sítios e páginas na<br />

internet e outras fontes de dados relacionados ao Departamento de Expressão Gráfica e ao Curso<br />

de graduação em <strong>Design</strong>.<br />

Depois da coleta dos trabalhos disponíveis, houve pesquisas diversificadas com consulta aos<br />

graduados e descoberta de outras fontes, para cobrir diversas lacunas e falhas de registro, devido<br />

ao extravio ou inexistência de trabalhos nos bancos de pesquisa. Isso resultou na amostragem<br />

de 204 trabalhos dentro de uma previsão de 220 trabalhos. Para o processo de ordenação e<br />

hierarquização foram utilizados o programa Microsoft Word e o programa Excel. Os dados foram<br />

demonstrados em tabelas de frequência e gráficos específicos para cada variável estudada.<br />

Depois de terminada a coleta, houve a interpretação dos dados recorrentes no processo de<br />

quantificação hierárquica, que são relativos ao título, ao resumo, às palavras-chave e às referências<br />

de cada trabalho disponível. O resultado foi a identificação dos autores, as referências e os<br />

conceitos que predominam na amostragem. Esses elementos fundamentam as ideias sobre <strong>Design</strong>,<br />

que são disseminadas no curso e no departamento e recuperadas nos trabalhos finais.<br />

Resultados e discussão<br />

O guia para profissionais da Associação de <strong>Design</strong> Gráfico, “O valor do design” (ADG, 2004), que é<br />

estruturado como um guia para prática profissional de design gráfico foi à publicação mais recorrente<br />

entre os trabalhos pesquisados, aparecendo em 26% da amostragem (Gráfico 2). Em ordem decrescente,<br />

os livros e, consequentemente, os autores mais referenciados foram os seguintes (Gráfico 2): “O que é<br />

(e o que nunca foi) design gráfico” (VILLAS BOAS, 23%); “O efeito multiplicador do design” (ESCOREL,<br />

17%); “Sistema de identidade visual” (PEÓN, 17%); “Sintaxe da linguagem visual” (DONDIS, 15%);<br />

“Diseño gráfico e comunicacion” (FRASCARA, 12%); “Gestalt do objeto” (GOMES FILHO, 12%); “<strong>Design</strong><br />

do material ao digital” (BONSIEPE, 11%); “O que é design” (AZEVEDO, 10%).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

Gráfico 2. Obra literária no total de trabalhos.<br />

As palavras-chave mais citadas no conjunto total dos trabalhos (gráfico 3) foram: <strong>Design</strong> Gráfico<br />

(29%); <strong>Design</strong> (20%); Animação (6%); Identidade Visual (6%); Marketing (6%); <strong>Design</strong> Editorial (5%);<br />

Comunicação (5%); Metodologia (5%) e Marca (4%).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Gráfico 3. Porcentagem das principais palavras chave no geral de trabalhos.<br />

Gráfico 4. Número das principais palavras-chave por trabalho.<br />

As palavras-chave (gráfico 4) mais recorrentes nos trabalhos pesquisados foram: <strong>Design</strong> Gráfico,<br />

<strong>Design</strong>, Animação, Identidade Visual, Marketing, <strong>Design</strong> Editorial, Comunicação, Metodologia,<br />

Marca, Usabilidade. Tipografia, Sustentabilidade, Música, <strong>Moda</strong>, Internet, Hipermídia, Embalagem,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Educação, Comunicação Visual e Branding.<br />

Pelo que foi exposto até aqui, percebe-se que as referências teóricas mais recorrentes confirmam o<br />

foco em <strong>Design</strong> Gráfico. Pois, o livro mais recorrente na amostragem foi publicado pela Associação<br />

de <strong>Design</strong> Gráfico. Além disso, cinco entre os dez títulos mais encontrados foram os seguintes: “O<br />

que é (e o que nunca foi) design gráfico” (VILLAS BOAS, 23%); “Sistema de identidade visual” (PEÓN,<br />

17%); “Sintaxe da linguagem visual” (DONDIS, 15%); “Diseño gráfico e comunicacion” (FRASCARA,<br />

12%); “<strong>Design</strong> do material ao digital” (BONSIEPE, 11%). Todos esses títulos são diretamente<br />

relacionados a <strong>Design</strong> Gráfico. Isso evidencia, de maneira indicial, que o curso de Bacharelado em<br />

<strong>Design</strong>/UFSC, até o ano de 2008, era desenvolvido exclusivamente como curso de <strong>Design</strong> Gráfico.<br />

Além dos produtos de comunicação gráfico-visual, eram estudados apenas os produtos gráficos,<br />

que servem de suporte para a comunicação, como rótulos, embalagens e outros.<br />

Além disso, as palavras-chave mais citadas foram: <strong>Design</strong> Gráfico (29%); <strong>Design</strong> (20%); Animação<br />

(6%); Identidade Visual (6%); Marketing (6%); <strong>Design</strong> Editorial (5%); Comunicação (5%); Metodologia<br />

(5%) e Marca (4%). Essas palavras corroboram a evidência que focaliza <strong>Design</strong> Gráfico, excetuandose<br />

a palavra “animação”. Pois, o termo “animação” pode caracterizar outro tipo de especialidade<br />

em <strong>Design</strong>. Todavia, as animações popularmente denominadas de “2D” (duas dimensões) são<br />

produzidas com base em representações gráficas e, também, as animações digitais são decorrentes<br />

de processos gráficos. Além dessa possível exceção, entretanto, as outras palavras-chave identificam<br />

áreas bem típicas de <strong>Design</strong> Gráfico. Inclusive, sugerindo as áreas que foram privilegiadas nos<br />

trabalhos que representam os dez primeiros anos do curso: “<strong>Design</strong> Editorial” e “Identidade<br />

Visual”. A palavra “Comunicação” é relacionada ao design editorial e à identidade visual. As<br />

palavras como “Marca” e “Marketing” são mais especificamente relacionadas à identidade visual.<br />

As proposições ou discussões sobre os conceitos de <strong>Design</strong> e <strong>Design</strong> Gráfico foram pesquisadas nos<br />

trabalhos mais citados na amostragem. Portanto, consideraram-se os seguintes autores, entre os<br />

mais citados: Azevedo; Bonsiepe; Escorel; Frascara, e Villas Boas. Além desses, Bonsiepe; Bürdek,<br />

e Löbach trataram apenas da conceituação de <strong>Design</strong>, enquanto Fuentes tratou apenas do conceito<br />

de <strong>Design</strong> Gráfico. Assim, entre os autores selecionados, 07 trataram da conceituação de <strong>Design</strong>;<br />

05 trataram da conceituação de <strong>Design</strong> Gráfico.<br />

Das conceituações de <strong>Design</strong>: Azevedo (1998, p.11), propõe que um conceito síntese sobre as<br />

atividades desenvolvidas “<strong>Design</strong> é projetar, compor visualmente ou colocar em prática no plano<br />

intencional”; Bonsiepe (1997, p.10) considera que a “interface é o domínio central do design”;<br />

para Bürdek (2006, p.283), <strong>Design</strong> “compreende as questões da forma e contexto ou forma e<br />

significado, que podem ser descritos como conceito da função comunicativa”; Escorel (2000, p.14)<br />

afirma que “<strong>Design</strong> é linguagem”; Frascara (2000, p.19) que <strong>Design</strong> é “processo de programar,<br />

projetar, coordenar, selecionar e organizar uma série de fatores e elementos tendo em vista a<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

realização de objetos destinados a produzir comunicação visual”; Löbach (2001, p.12) diz que<br />

<strong>Design</strong> “é traduzido como configuração” e por fim, Villas Boas (2003, p.08) considera que “a noção<br />

de projeto é uma das mais caras ao conceito de design”.<br />

Das conceituações de <strong>Design</strong> Gráfico: Azevedo (1998, p.33) diz que é “parte do projeto que se<br />

refere ao material a ser impresso”; Escorel (2000, p.46) indica que “é uma linguagem que viabiliza<br />

o projeto de produtos industriais, na área gráfica”; Frascara (2000, p.19) considera <strong>Design</strong> Gráfico<br />

como “produção de objetos visuais destinados a comunicar mensagens específicas”; Fuentes<br />

(2006, p.31) considera que “o conceito medular, a razão de ser do design gráfico é a relação<br />

entre expressão e comunicação” e por fim, Villas Boas (2003, p.13) considera que “área do<br />

conhecimento e à prática profissional específicas, relativas ao ordenamento estético-formal de<br />

elementos textuais e não textuais, que compõem peças gráficas destinadas à reprodução com<br />

objetivo expressamente comunicacional” denomina-se <strong>Design</strong> Gráfico.<br />

A maior parte dos autores indicados acima está relacionado à área de <strong>Design</strong> Gráfico, uma vez que,<br />

mesmo quando usam a palavra “design” sem a adjetivação do termo “gráfico” são considerados<br />

aspectos especialmente do design gráfico ao conceituar ou qualificar outros elementos que<br />

caracterizam o design.<br />

De modo geral, o emissor da informação ou mensagem gráfica não é o designer, porque o cliente é o<br />

primeiro interessado em se comunicar com o público receptor. Assim, o designer gráfico atua como<br />

codificador, traduzindo na forma gráfica a ideia do emissor capturada no briefing. A necessidade<br />

de tradução indica que há uma linguagem específica do design gráfico. Desta maneira é possível<br />

concordar com Escorel (2000, p.14) que “design é linguagem”. Porém, o produto específico da<br />

linguagem é informação ou mensagem, sendo que compor uma informação é compor uma forma<br />

e expressá-la, seja na tela do vídeo ou impressa no plano do papel.<br />

Por outro lado, em sua totalidade, a mensagem ou informação gráfica não resulta apenas da<br />

relação entre formas, cores e tipografia entre outros elementos visuais. Pois, as características<br />

do suporte de impressão interferem na expressividade e na legibilidade da mensagem visual.<br />

Além disso, para cumprir sua finalidade informativa, a mensagem gráfica deve ser suportada por<br />

material condizente.<br />

Por exemplo, uma placa indicativa com o nome de uma rua precisa durar de maneira eficiente<br />

por muito tempo, mesmo sob as intempéries decorrentes das mudanças climáticas. O emissor da<br />

mensagem espera que o designer responda pela qualidade e eficácia da informação. Mas, espera<br />

também que o designer responda pela qualidade da impressão e do suporte, de acordo com<br />

as finalidades previstas. Portanto, é igualmente possível concordar com Frascara (2000, p.19),<br />

assinalando que o design gráfico é “processo de programar, projetar, coordenar, selecionar e<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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organizar uma série de fatores e elementos tendo em vista a realização de objetos destinados a<br />

produzir comunicação visual”.<br />

Relacionando o que é recorrente ou coerente nas referências estudadas, conceitua-se que:<br />

“design gráfico” é a atividade intencional de projetação do produto gráfico, usando linguagem<br />

específica, para orientar a expressão da forma ou ideia, impressa ou digital, sobre o suporte<br />

planejado, configurando todo o conjunto como informação ou mensagem, de acordo com seu<br />

significado no contexto em que está inserido. O objetivo expresso é constituir uma interface<br />

informativa eficiente, que permita a comunicação entre o emissor e o receptor. Assim, para<br />

cumprir essa finalidade, o designer, como profissional responsável, deve planejar ou realizar<br />

diversas atividades de preparação e supervisão do processo de desenvolvimento do projeto,<br />

até a entrega do produto gráfico.<br />

Considerações finais<br />

Percebendo <strong>Design</strong> como campo de estudos ou área do conhecimento, os pressupostos desta<br />

pesquisa consideram que: o objeto de estudo específico de <strong>Design</strong> é a “forma”; sua atividade é a<br />

“informação”, composta e apresentada como projeto, e sua finalidade é o “produto”.<br />

No caso de <strong>Design</strong> Gráfico, o resultado é o produto gráfico ou produto de comunicação, cuja<br />

natureza é informativa e a finalidade é comunicativa. Entretanto, para cumprir a função<br />

comunicativa, o produto gráfico deve cumprir paralelamente outras funções, como suporte<br />

específico da informação. Assim, apesar de cumprir a finalidade de comunicação, um rótulo,<br />

por exemplo, cumpre primeiramente a função de identificação do produto e uma placa cumpre,<br />

também, a função de sinalização, entre outras.<br />

Os conhecimentos e as atividades de <strong>Design</strong> são desenvolvidos em torno do estudo, da utilização,<br />

da produção, da adaptação, da representação e da significação das formas. O conceito de design<br />

se relaciona com “configuração” (BÜRDEK, 2006), “interface” (BONSIEPE, 1997), “comunicação”<br />

(FRASCARA, 2000; FUENTES, 2000) e “linguagem” (ESCOREL, 2000).<br />

A palavra “configurar” é relacionada ao ato de compor figuras. Para Bürdek (2006), <strong>Design</strong> não<br />

é apenas configuração, porque envolve condições e decisões. É possível concordar com o autor.<br />

Contudo, deve-se pensar que, tradicionalmente, o resultado das condições e decisões se estabelece<br />

como informação ou conjunto de figuras, móveis ou estáticas, planas ou tridimensionais, entre<br />

outras, as quais são reunidas como produto para cumprir determinadas funções.<br />

Löbach (2001) adverte que, “configuração”, é um termo muito amplo e aberto. Do mesmo modo,<br />

“forma” que também é sinônimo de ideia. Portanto, “design” como um termo relacionado à<br />

configuração ou à forma requer uma especificação como, por exemplo, design industrial, design<br />

gráfico ou design de produto. Frascara (2000) e afirma que a palavra “gráfico” qualifica o termo<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Bases conceituais para a pesquisa aplicada em design: estudo a partir dos trabalhos de conclusão de curso UFSC<br />

design e Escorel (2000) assinala que <strong>Design</strong> é composto por duas grandes áreas: gráfico e produto.<br />

Porém, diante da linguagem digital, como propôs Azevedo (1998).<br />

Deve-se considerar, entretanto, que as palavras “forma”, “informação” ou “configuração” não<br />

são unicamente relacionadas ao processo de comunicação. Pois, toda informação propõe algum<br />

tipo de comunicação, ou seja, um produto simbólico-funcional. Mas, a finalidade principal do<br />

ato de informar ou configurar pode ser outra, por exemplo, compor o produto prático-funcional.<br />

Tradicionalmente, o predomínio da função simbólica ou da função prática estabeleceu a diferença<br />

entre <strong>Design</strong> Gráfico e <strong>Design</strong> de Produto.<br />

Por fim, há quem interpreta o termo “design” como “planejamento eficiente”, incluindo a<br />

capacidade de mediação formal ou informação que, ergonomicamente, possibilita e potencializa<br />

a relação entre o funcionamento e o uso, indicando o conceito de interface. Sobre isso, Bonsiepe<br />

(1997, p.15) assinala um potencial ao qual o indivíduo tem acesso na sua vida cotidiana, sendo<br />

que “cada um pode chegar a ser designer no seu campo de ação”. Assim, um bom design pode<br />

ser desenvolvido por todos os profissionais que não são oficialmente designers, por exemplo, um<br />

administrador. Outro exemplo é um geneticista que desenvolveu geneticamente um novo tipo de<br />

maçã e, assim, atuou como designer, porque desenvolveu ou configurou o design da fruta.<br />

A interpretação proposta no parágrafo anterior segue a tendência de transformar o termo “design”<br />

em uma “grande palavra”. Porém, grandes palavras são caracterizadas pela falta de critério.<br />

Assim, “arte”, “ciência”, “religião” e, agora “design”, dizem tudo e não definem nada. Podese<br />

dizer que todo fazer, como administrar ou desenvolver experiências genéticas, é uma arte,<br />

que toda área do conhecimento tem sua ciência e design é tudo que requer planejamento. Mas,<br />

apesar disso, há distinções claras entre artistas, cientistas e designers. Portanto, deve haver<br />

também clareza sobre o objeto de estudo, a atividade e a finalidade de cada uma dessas áreas do<br />

conhecimento.<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento<br />

da criatividade e do conhecimento nas empresas<br />

Giselle Hissa Safar Mestre/<strong>Universidade</strong> do Estado de Minas Gerais<br />

giselle.safar@uemg.br<br />

Camila Gonçalves Castro Mestre/<strong>Universidade</strong> do Estado de Minas Gerais<br />

milatelcontar@gmail.com<br />

Resumo<br />

Este artigo parte da idéia de que o desenvolvimento da capacidade criativa é um<br />

dos caminhos para a geração do conhecimento e realização do potencial humano<br />

e se propõe a investigar e construir bases teóricas para a aplicabilidade, junto ao<br />

meio empresarial, de procedimentos efetivados em organizações artesanais para<br />

o desenvolvimento da criatividade. Pontua métodos importantes praticados nestes<br />

arranjos que podem ser transpostos para empresas brasileiras, assim como sua<br />

semelhança com metodologias de trabalho de empresas orientais.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Arte</strong>sanato, criatividade, potencial humano.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

A realização do potencial humano<br />

As múltiplas faces da sociedade pós-industrial têm sido objeto de investigação para teóricos das<br />

mais diversas áreas, sejam eles, artistas, cientistas ou filósofos. O desafio de um assunto tão complexo<br />

é instigante, porém sucumbir à tentação de ser abrangente é incorrer nos erros extremos<br />

da superficialidade ou da pretensão. Nada impede, contudo, a visão particular de um ou outro<br />

aspecto dessa condição pós-moderna principalmente naquelas questões de interesse imediato.<br />

Há algumas décadas já se especulava sobre o perfil do indivíduo desses novos tempos. Mumford<br />

(apud Manu, 1995, p.23) já sentenciava: “A personalidade ideal para a época que se inicia é uma<br />

personalidade equilibrada: não o especialista, mas o homem por inteiro. Essa personalidade deve<br />

estar em interação dinâmica com cada parte de seu ambiente e de sua herança”.<br />

Quase trinta anos depois as expectativas sobre esse novo homem não haviam sido satisfeitas e<br />

vinha o angustiante alerta: “Um número crescente de pessoas sente o mal do século: sentem sua<br />

depressão; estão conscientes dela, apesar de todos os tipos de esforços para reprimi-la. Sentem<br />

a infelicidade de seu isolamento e o vazio do seu estar junto” (FROMM, apud MANU, 1995, p.25).<br />

Essa angústia pós-moderna podia ser atribuída a diversas causas e os modelos sobre os quais, até<br />

então, se assentava a sociedade progressista passaram a ser questionados, tornando iminente uma<br />

mudança de paradigmas. Entretanto, era ou ainda é, necessário que essa transformação não se<br />

restrinja a esta ou aquela reforma e traga consigo a força impulsionadora de uma motivação forte<br />

– o desenvolvimento do homem.<br />

May (apud Tractenberg, s.d.) reforça: “O ser humano não pode viver muito tempo no vácuo. Se<br />

não estiver evoluindo em direção a alguma coisa acaba por estagnar-se; as potencialidades transformam-se<br />

em morbidez e desespero e eventualmente em atividades destrutivas.”<br />

Mas, como lembra Arbuckle (1995), em qualquer transformação é extremamente difícil para o indivíduo<br />

assumir o controle de seu próprio processo de mudança por que se encontra tão adaptado<br />

às estruturas existentes que perdeu sua adaptabilidade. Para que a mudança aconteça é preciso<br />

que o indivíduo a recupere, mas, num nível diferente. Se as capacidades adaptativas anteriores<br />

se davam primariamente em torno da sobrevivência e da competição, as novas capacidades são<br />

muito mais imaginativas e muito mais criativas. O que se procura hoje em dia são comunidades e<br />

empresas onde a vida valha a pena, onde as pessoas possam se tornar transformadoras, alegres e<br />

criativas produzindo maneiras equilibradas de viver e trabalhar.<br />

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nas empresas<br />

O grande obstáculo é justamente buscar a realização do potencial humano num contexto no qual<br />

a produção de bens materiais, urgente ou não, é a medida aceita do nosso progresso. Onde a<br />

sabedoria convencional se protege do que é inconveniente, caracterizando como imprecisas as<br />

conquistas que envolvem o potencial humano. Como “o produto e o meio para aumentá-lo são<br />

mensuráveis e tangíveis, o que é mensurável é melhor. Como o investimento em indivíduos não<br />

fornece um produto que possa ser visto, nem valorado, é um investimento inferior” (GALBRAITH,<br />

apud MANU, 1995, p.24).<br />

Será que os modelos atuais, sobre os quais grande parte das empresas operam, apresentam efetivamente<br />

uma esperança de solução para uma crise cujo alcance vai além do que pode ser tecnicamente<br />

solucionado? Buscar a realização do potencial humano, muito mais que otimizar pessoas<br />

para a realização de tarefas é colocar em prática<br />

[...] a crença em que a essência de todo viver criativo está em nossa<br />

habilidade para liberar nossas capacidades para moldar o mundo, enxergando<br />

as pessoas como forças transformadoras. Isto pode-se aplicar<br />

[...] a uma organização ou a uma instituição, onde a questão passa a<br />

ser como desenvolver um senso de quem você é como uma empresa, e<br />

começar a construir a si mesmo e o ambiente dentro do qual você opera<br />

(ARBUCKLE,1995, p.32)<br />

O interesse pela criatividade<br />

Temos que nos libertar da crença nos poderes mágicos dos números e<br />

parar de olhar para os cálculos como um substituto adequado para a<br />

capacidade de julgamento, ou para a precisão como sinônimo de verdade;<br />

temos, pelo menos, que suspeitar da idéia de progresso, e não<br />

confundir informação com entendimento (POSTMAN, apud MANU, 1995,<br />

p.36).<br />

As empresas japonesas têm sido o modelo e a fonte nos quais as ciências organizativas buscam<br />

referências de estratégias bem sucedidas. Embora o sucesso de seus métodos e idéias tenham o<br />

respaldo e se justifiquem por uma série de circunstâncias culturais específicas, nada impede a<br />

observação de alguns conceitos e a pertinência de sua aplicação a outros contextos.<br />

A visão japonesa sobre conhecimento, por exemplo, difere da tradição filosófica ocidental na<br />

medida em que opõe à perspectiva exclusivamente objetiva desta, a valorização da experiência<br />

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nas empresas<br />

subjetiva e da inteligência intuitiva. A abordagem japonesa, que funde variados ensinamentos<br />

como budismo, confucionismo e mesmo grandes pensadores ocidentais, acredita na unidade entre<br />

“homem e natureza”, “corpo e mente”, entre o “eu e o outro” (NONAKA e TAKEUCHI, 1977,<br />

p.31-36).<br />

Segundo Nonaka & Takeuchi (ibid, p.57), “o conhecimento ao contrário da informação, diz respeito<br />

a crenças e compromissos; é uma função da atitude, perspectiva ou intenção específica” e<br />

pode ser classificado em dois tipos:<br />

• conhecimento explícito, que pode ser articulado através da linguagem formal, especificações,<br />

manuais, expressões matemáticas etc, podendo ser transmitido formal e facilmente entre<br />

os indivíduos;<br />

• conhecimento tácito, difícil de ser articulado na linguagem formal, sendo o tipo mais importante.<br />

Trata-se do conhecimento pessoal, oriundo da experiência adquirida e envolve fatores<br />

intangíveis como, por exemplo, crenças pessoais, perspectivas e valores. É considerado uma das<br />

principais fontes da competitividade das empresas japonesas.<br />

Nas empresas japonesas o conhecimento acumulado externamente é compartilhado de forma ampla<br />

dentro da organização, armazenado como parte da base do conhecimento da própria organização<br />

e utilizado pelos envolvidos no desenvolvimento de novas tecnologias e produtos. Ou seja,<br />

o conhecimento está na base da inovação. Quando as organizações inovam, elas não só processam<br />

informações de fora para dentro como também criam conhecimentos e informações de dentro<br />

para fora, redefinindo problemas e soluções, num processo dinâmico.<br />

A criação do conhecimento é, para os autores, resultado da interação contínua entre o conhecimento<br />

tácito e o conhecimento explícito para a qual concorreriam as faculdades criativas, pois<br />

a geração do conhecimento é dinâmica e resultante de processos subjetivos como criatividade,<br />

intuição, percepção, insight etc.<br />

Não surpreende, portanto, o vigoroso interesse nas últimas duas décadas pelo tema criatividade,<br />

uma vez que, ela está intimamente vinculada ao trabalho humano e os processos criativos surgem<br />

dentro dos processos desse fazer intencional do homem que é sempre um fazer significativo. Sob<br />

este ponto de vista, o desenvolvimento da capacidade criativa pode ser assumido como um dos<br />

caminhos para a realização do potencial humano.<br />

A idéia inicial deste artigo era uma revisão comparativa da literatura sobre criatividade nas empresas.<br />

O objetivo era contribuir para as investigações sobre a realização do potencial humano,<br />

justificado pela intensificação da competitividade e a conseqüente exigência de aplicação de<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

conhecimentos e inovação na busca permanente de soluções que possibilitassem melhores resultados.<br />

As primeiras leituras se revelaram interessantes principalmente pela confortável familiaridade<br />

que havia em encontrar idéias e práticas relativamente simples e fáceis convertidas em novidades<br />

sensacionais. Com o tempo, porém, os assuntos foram se tornando repetitivos e a entusiasmada<br />

curiosidade foi substituída pela frustração em perceber que grande parte das pesquisas sobre<br />

criatividade empresarial se concentra nos meios para produção rápida de idéias e soluções materializadas<br />

num conjunto de manuais e livros de auto-ajuda empresarial. O caráter reducionista<br />

desta afirmação não desmerece as exceções e nem diminui os méritos desse tipo de abordagem. É<br />

indiscutível a eficácia, ainda que temporária, e os aspectos positivos de recomendações práticas<br />

para que reuniões de trabalho funcionem, exercícios para relaxamento, concentração, fortalecimento<br />

e equilíbrio da mente e cultivo de hábitos mentais para produção de idéias.<br />

De fundamental importância para a mudança de rumo deste trabalho foi o contato com a abordagem<br />

diferenciada dada por Domenico De Masi no livro A Emoção e a Regra no qual foi responsável<br />

pela organização dos trabalhos de vários pesquisadores que exploram as ciências organizativas<br />

não industriais focalizando organizações especificamente voltadas à produção de idéias. Como<br />

observa De Masi (1999), o empreendimento se justificava pela inexistência de qualquer conhecimento<br />

consolidado sobre a estrutura e o funcionamento de grupos criativos que realizam trabalhos<br />

idealizadores e não apenas executivos. A apresentação e a análise, por vários pesquisadores,<br />

de casos concretos de organização do trabalho criativo desenvolvido de forma coletiva revela<br />

algumas constantes nas quais podem se basear posteriores estudos sobre a criatividade e, principalmente,<br />

levantam algumas questões bastante pertinentes em se tratando da realização do<br />

potencial criativo de grupos de trabalho:<br />

Quando é que um grupo pode ser chamado de criativo? Quais as propostas<br />

disciplinares (a sociologia, a antropologia, as ciências organizativas)<br />

que melhor contribuem para nos desvendar os segredos da criatividade<br />

coletiva? Todos os grupos podem ser criativos ou apenas aqueles que<br />

possuem determinadas características? E quais? Que peso exercem sobre<br />

a capacidade criativa de um grupo a motivação, o profissionalismo<br />

e as neuroses de seus membros individuais? [...] Quais são as causas e<br />

as possíveis soluções de conflito que nele surgem? Como se pode avaliar,<br />

de dentro e de fora, o grau de criatividade de um grupo? Como se<br />

formam e como se dissolvem os grupos criativos? Que influência exerce<br />

sobre eles o contexto no qual operam? (De MASI, 1999, p.26).<br />

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nas empresas<br />

Essa abordagem pouco ortodoxa sobre o assunto é quase uma advertência de que qualquer estudo<br />

que pretenda contribuir para o conhecimento dos mecanismos que regulam a vida e a organização<br />

de equipes criativas não pode se restringir aos ensaios, pesquisas e manuais produzidos por peritos<br />

em ciências organizativas, mas estar aberto a outras contribuições apoiadas “no bom senso, na<br />

memória direta e em regras aproximativas”.<br />

O exemplo dos pesquisadores italianos sugeriu uma alteração de rumo - a investigação em outras<br />

áreas ou atividades sobre como a questão da criatividade vem sendo tratada.<br />

A abrangência das possibilidades foi reduzida pela exigência de uma atividade coletiva – onde<br />

as contribuições individuais não se sobrepusessem ao conjunto, e que funcionasse como uma<br />

empresa desde que a produção não fosse apenas de bens materiais. Nesse cenário, a unidade<br />

de produção artesanal se apresentava como uma possibilidade desafiadora. A questão que se<br />

colocava era investigar a aplicabilidade, ao meio empresarial, de procedimentos efetivados em<br />

organizações artesanais para o desenvolvimento de seu potencial criativo.<br />

De que artesanato se trata?<br />

<strong>Arte</strong>sanato é o substantivo genericamente atribuído aos objetos que<br />

resultam do trabalho que envolve habilidades pessoais específicas, bem<br />

como ao processo pelo qual esses são produzidos, constituindo uma das<br />

mais antigas formas do trabalho humano. Utilizando material in natura<br />

ou tecnologicamente pouco sofisticados, na maioria das vezes, de sua<br />

propriedade, o artesão recebe, por meio da tradição cultural, social ou<br />

familiar, a informação e a formação necessárias para dar continuidade<br />

ao artesanato. Pode-se entender o artesanato em campos ou segmentos,<br />

de acordo com a intenção do artesão ou o fim ao qual se destina o<br />

seu trabalho. Entre os mais conhecidos, podemos identificar o artesanato<br />

em categorias que vão desde as utilidades aos ornamentos, passando<br />

pelas comidas, bebidas, vestuário, adornos, instrumentos musicais,<br />

instrumentos e ferramentas necessários ao trabalho e aos processos<br />

artesanais de produção (SANTIAGO, 1997, p.2).<br />

Segundo projeções do IBGE, o número de pessoas envolvidas no setor artesanal deve chegar perto<br />

dos 500.000 em Minas Gerais e 8.500.000 em todo o Brasil. Dos 4982 municípios brasileiros, a<br />

atividade artesanal é fator econômico dominante em 1038. O faturamento em Minas atinge cifras<br />

de um bilhão de dólares por ano e no Brasil perto de trinta bilhões de dólares anuais.<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

Conforme citado em MOSTRA (1981), são objetos produzidos artesanalmente que concorrem com<br />

seus símiles industriais, inclusive em preço e volume de produção onde as vantagens da multiplicação<br />

pela máquina estão substituídas pela grande quantidade de mão-de-obra. Visto por esse<br />

ângulo, o processo artesanal tem, portanto, uma convergência industrial.<br />

O artesanato ao qual se refere este artigo, não é aquele visto apenas como produção cultural e<br />

sim, como atividade econômica viável. Com freqüência, é uma operação familiar ou uma microempresa<br />

que precisa estar integrada ao mercado mantendo, porém, sua especificidade cultural. É<br />

“[...] de natureza contemporânea, cuja motivação de quem produz é basicamente a oportunidade<br />

de gerar uma fonte complementar de renda” (BARROSO NETO, s.d.). É, em última análise, um<br />

negócio que deve ser sensível à inovação, desenvolvimento de produtos, segmentação de mercados,<br />

qualidade e preço. Ao mesmo tempo, é um setor que sempre encontrou sustentação na<br />

imaginação criadora fincada em raízes tradicionais.<br />

A observação de como vem sendo tratada a questão da criatividade nos programas e projetos de<br />

otimização do trabalho e da produção artesanais é uma perspectiva interessante por dar oportunidade<br />

de lidar com dois contextos distintos, porém não excludentes – de um lado uma atividade<br />

onde volume e estabilidade são cruciais e na qual é indispensável que haja fórmulas e técnicas<br />

racionais para garantir o atendimento da demanda. De outro, um criar e um fazer que se baseiam<br />

na maneira de viver, na espontaneidade, na recuperação e na renovação das tradições, enfim, no<br />

potencial criativo humano.<br />

Os programas e projetos<br />

O artesanato é uma forma de expressão da cultura e, como tal, vai<br />

sendo transformada. Não se deve colocá-lo numa redoma de vidro e<br />

querer que o artesão continue fazendo seu trabalho como era feito há<br />

cem anos. Isso é impossível, pois eles estão integrados à sociedade e<br />

devem responder aos impulsos dela (Primeira-dama Ruth Cardoso em<br />

entrevista à Folha de São Paulo em 16/08/99).<br />

Dedicar atenção ao artesanato num país que busca o seu pleno desenvolvimento industrial pode<br />

parecer, a princípio, uma contradição. Entretanto, a realidade do sistema produtivo na América<br />

Latina está muito mais próxima da pequena e microempresa e da produção artesanal, que dos<br />

grandes complexos industriais. Além disso, uma das poucas alternativas de sobrevivência no mercado<br />

global talvez esteja no oferecimento de produtos que tenham como valor agregado a utilização<br />

de elementos singulares do repertório cultural de uma nação ou região.<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

Até bem pouco tempo atrás a condescendência cultural e o paternalismo econômico que pautavam<br />

as poucas ações efetivadas tinham um forte caráter inibidor e o potencial produtivo e<br />

de mobilização social das comunidades artesanais eram ingenuamente ignorados. A conscientização<br />

a respeito das possibilidades que o setor artesanal apresentava de aceitação no mercado<br />

internacional, de criação de oportunidades de empregos e de melhoria das condições de vida é<br />

relativamente nova e tem estimulado tanto o setor público, quanto o setor privado, no mundo, e<br />

principalmente na América Latina a lançarem programas destinados a esse grande segmento da<br />

população economicamente ativa.<br />

Segundo o Programa do <strong>Arte</strong>sanato Brasileiro, o setor artesanal brasileiro, até um passado muito<br />

recente, vinha sendo tratado com o enfoque voltado para a área social, como uma política compensatória<br />

para as camadas sociais menos privilegiadas. Na atualidade, o Brasil, assim como outros<br />

países latino-americanos, tem buscado imprimir ao setor um enfoque diferenciado, colocando-o<br />

como atividade econômica para milhares de produtores, com produtos competitivos para mercados<br />

internos e externos. Assim como outros setores, o artesanato necessita de pequenos ajustes,<br />

tanto no processo produtivo, como nas formas de organização e nas estratégias de mercado.<br />

No entanto, essa nova abordagem do artesanato, se realizada de modo pouco refletido, pode<br />

gerar mais malefícios que vantagens. As ações e eventos:<br />

[...] somente fazem sentido se forem realizados e monitorados de modo<br />

permanente. A descontinuidade deste processo pode deixar o artesão<br />

em uma delicada situação. Pressionado pelo mercado, que exige um<br />

esforço contínuo de renovação, fica sem saber qual caminho seguir. Já<br />

não pode voltar atrás e produzir aquilo que se acostumou a fazer durante<br />

anos. Tampouco consegue isoladamente oferecer produtos novos<br />

e criativos a cada seis meses (BARROSO NETO, s.d.).<br />

Ainda de acordo com o autor uma política pública comprometida com o desenvolvimento do artesanato<br />

deve ser capaz de fazer distinções e definir de modo claro quem deve fazer o que, para<br />

quem, quando e como, sem paternalismo e ingenuidade. Uma coisa é a ação social cuja meta é<br />

promover a melhoria das condições básicas de vida dos excluídos. Outra é dar efetividade aos<br />

processos de produção pré-industriais sem deterioração de sua base cultural autóctone, gerando<br />

novas oportunidades de trabalho e de renda.<br />

No que se refere aos programas, Duque-Duque (1996) observa que, normalmente, são formuladas<br />

quatro estratégias: organização da comunidade e treinamento em produção de trabalhos artesanais;<br />

conservação e uso criterioso de recursos naturais renováveis; pesquisa sócio-antropológica<br />

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nas empresas<br />

para desenvolvimento e marketing de produtos e campanhas de promoção da imagem do setor.<br />

A análise da metodologia empregada pelos projetos mais bem sucedidos até o momento revelam<br />

algumas pontos comuns significativos, entre eles:<br />

• Desenvolvimento de uma metodologia que objetiva a valorização do saber-fazer artesanal<br />

transformando-o em atividade econômica rentável.<br />

• Compreensão do contexto local: fase de avaliação e encontro como base do princípio de<br />

criatividade. Exercício de observação da realidade geográfica, histórica e humana até chegar a<br />

uma produção concreta, informada pelo processo de observação e reflexão.<br />

• Constituição de “espaços” dinâmicos e geradores de idéias para aglutinar, analisar e divulgar<br />

diferentes experiências ou projetos.<br />

• Capacitação como a estratégia para garantir o aperfeiçoamento, a inovação e a criatividade<br />

do produto, facilitando o processo de produção e integração do artesão ao sistema produtivo,<br />

econômico e social.<br />

• Ação vinculada às condições de vida e trabalho do artesão.<br />

• Horizontalidade. Aproximação controlada sem imposição. Abordagem cautelosa. Reciprocidade<br />

de saberes.<br />

• Sustentabilidade e continuidade dos programas (banco de idéias, banco de projetos, encontros,<br />

cursos). Objetivo de resultados a médio e longo prazo.<br />

A análise dos projetos realizados revela que um procedimento unânime é a revitalização do artesanato<br />

a partir das referências locais e do aproveitamento do conhecimento empírico dos artesãos,<br />

promovendo a auto-estima e criando uma estimulação positiva. “Às vezes uma simples conversa<br />

com alguém de fora pode ser suficiente para abrir a cabeça de um artesão isolado num lugar, sem<br />

interlocutores, em relação a novas possibilidades de seu trabalho” (BORGES, 2000, p.18).<br />

Conclusão<br />

É preciso que os gerentes das empresas ocidentais “desaprendam” a<br />

antiga abordagem ao conhecimento, na qual o conhecimento pode ser<br />

adquirido, transmitido e treinado por meio de manuais, livros ou conferências.<br />

Ao invés disso devem prestar mais atenção no lado menos<br />

formal e sistemático do conhecimento e começar a focalizar os insights,<br />

intuições e palpites altamente subjetivos obtidos através do uso<br />

de metáforas, imagens ou experiências (NONAKA e TAKEUCHI, 1997)<br />

O grande desafio dos projetos já realizados para o setor artesanal era colocar o conhecimento<br />

científico e tecnológico à disposição de uma força produtiva acostumada a enfrentar as transfor-<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

mações desafiadoras tendo como única arma a capacidade de invenção, o potencial de criar e<br />

fazer do homem.<br />

À parte os ajustes que se fizeram necessários em cada situação específica, tais projetos foram<br />

felizes porque se pautaram pelo respeito ao homem seja como indivíduo, com sua história de vida<br />

e de trabalho, seja como membro de grupo.<br />

A semelhança identificada entre os princípios de geração do conhecimento do modelo japonês<br />

e as estratégias bem sucedidas aplicadas em comunidades artesanais acenam para as possíveis<br />

contribuições que estas podem trazer à realização do potencial humano já que a investigação dos<br />

procedimentos praticados nas comunidades artesanais brasileiras, por terem uma cultura própria,<br />

possibilitam uma conversão mais “nacional” entre o conhecimento tácito e explícito, bases fundamentais<br />

para a geração do conhecimento organizacional e resultado de todos os quesitos como<br />

criatividade, intuição, insigth etc.<br />

A realização do potencial humano não é algo que se alcance com rapidez, pela aplicação de algumas<br />

técnicas por melhores que estas sejam. A realização do potencial humano, como bem observa<br />

Silva (s.d.), é um movimento de caráter humanista cuja aparente inviabilidade não deve obstaculizar<br />

aqueles que realmente acreditam na possibilidade de uma mudança.<br />

No momento em que a globalização desafia os perfis nacionais, o esforço de uma empresa deve<br />

ser o de definir sua identidade para ter condições de expor-se com o poder de sua criatividade.<br />

As empresas que pretenderem concorrer nesse mercado cada vez mais competitivo terão que<br />

aprender a agregar valor nos seus ativos, buscando no conhecimento os valores intangíveis que<br />

diferenciarão os seus produtos.<br />

O fato é que a velocidade com que as transformações econômicas, tecnológicas<br />

e políticas deste fim de século é tamanha que causa perplexidade<br />

e desorientação até para os mais bem atualizados. Aqueles<br />

que não tiverem flexibilidade, conhecimentos, visão de futuro e criatividade<br />

para se adequar às mudanças de paradigmas perderão a vez<br />

(TRACTENBERG, s.d.)<br />

É preciso mobilizar-se internamente. É preciso ter humildade para aprender com inesperadas<br />

fontes de saber. Uma das maneiras talvez seja observando aqueles que vêem o homem como<br />

o portador do saber cultural, independente de qual cultura se está falando, e o demonstram<br />

elaborando estratégias cuja transposição para o contexto empresarial é perfeitamente pos-<br />

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A contribuição das experiências com projetos artesanais para o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento<br />

nas empresas<br />

sível e até mesmo desejável.<br />

Os dirigentes das empresas, portanto terão que repensar suas posturas diante das transformações<br />

decorrentes das inovações, não direcionando sua atenção apenas para as tecnologias a serem<br />

implantadas para facilitar a busca das informações, mas também, para os recursos humanos, que<br />

sentirão diretamente as mudanças no ambiente.<br />

Valorizar o conhecimento existente, compreender o contexto e criar espaços para troca de idéias<br />

e dinamização deste conhecimento. Aproximar-se cautelosamente sem imposição de métodos<br />

generalistas observando as limitações impostas pela realidade de vida e trabalho de cada um.<br />

Promover, pela capacitação, as condições propícias para o desenvolvimento do homem e por último,<br />

mas não menos importante, criar programas que tenham continuidade e se sustentem num<br />

objetivo que, mais do que a longo prazo, deve ser eterno.<br />

A lição que os projetos bem sucedidos para o setor artesanal nos dão, antes de ser simplória pela<br />

sua aparente obviedade, tem a grandiosidade da redescoberta de um valor que o senso comum<br />

já tinha como seu: que o principal detentor do processo criativo é o ser humano e que a estimulação<br />

da criatividade não pode ser ocasional nem superficial, mas sim baseada na importância<br />

dos valores culturais locais e pessoais. Isso implica no conhecimento do indivíduo e na criação de<br />

oportunidades para o compartilhamento de experiências. É simples, mas é o bastante.<br />

Referencias<br />

Anais/Fórum Internacional <strong>Design</strong> e Diversidade Cultural, 1994. Florianópolis: SENAI / LBDI,<br />

1995. 182 p.<br />

ARBUCKLE, J. C. <strong>Design</strong> da Compaixão. In MANU, Alexander (Org.). Revista da Aldeia Humana.<br />

Florianópolis: SENAI/LBDI, 1995. 120 p.<br />

BARROSO NETO, E. <strong>Arte</strong>sanato e <strong>Design</strong>: as leis de mercado é o que pode ser feito para a conscientização<br />

dos artistas. [online] Disponível em: http:/www.portadigital.com.br/_barroso acesso<br />

em 30 de agosto de 2002<br />

BORGES, A. O Renascimento do <strong>Design</strong>. In Gazeta Mercantil, São Paulo: 6 de out. 2000. Caderno<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

Ed Marcos Sarro Mestre em <strong>Design</strong> e Arquitetura pela FAU-USP/<strong>Universidade</strong> São Judas<br />

Tadeu. edsarro@edsarro.com.br prof.edsarro@usjt.br<br />

Resumo<br />

A discussão sobre a validade de uma estética para as massas e sua veiculação pelo<br />

design permeou os séculos XIX e XX, sem chegar a uma conclusão definitiva. O<br />

século XXI deverá aprofundar essa reflexão diante dos paradoxos da pós-modernidade<br />

nas artes, no design e na cultura de massa, face o risco de empobrecimento<br />

da reflexão artística pelo nivelamento entre arte e produção industrial ou pela<br />

valorização da experiência estética em detrimento da funcionalidade. Este é momento<br />

único para esse tipo de reflexão, representando o ponto de transição de<br />

um sistema lógico fundante e novas formas de estruturar a experiência humana.<br />

Palavras-chave:<br />

Cultura de massa, design, arte.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

Introdução<br />

Chaves (2004) argumenta que o conceito de cultura é muito abrangente e multifacetado, uma vez<br />

que dentro de uma mesma cultura podem conviver diversas sub-culturas. De fato, é necessário<br />

entender primeiro o que é cultura e de qual cultura se fala quando se trata do conceito de design.<br />

No tocante ao conceito de design, (e particularmente quando se trata de design gráfico), o autor<br />

afirma que nem toda a produção gráfica é design, posto que as várias culturas tendam a ter suas<br />

próprias expressões gráficas.<br />

A cultura, segundo ele, é uma manifestação universal humana e cada cultura em particular é um<br />

universo articulado. A cultura é um tecido vivo e simbólico em constante mudança e evolução. No<br />

entanto é um universo limitado: nem toda manifestação simbólica é necessariamente cultural,<br />

ficando aqui algumas áreas cinzentas.<br />

Por ser um organismo vivo, a cultura está sujeita às influências externas, pelos fluxos imigratórios e<br />

mais recentemente pelo grande alcance dos meios de comunicação de massa que tende a esboçar<br />

algum tipo de padronização. De qualquer forma, falar de cultura é falar de pluralidade. Por conta<br />

disso, falar de uma cultura de massa, “massificada”, é redundante e mesmo contraditório.<br />

A cultura de massa, a rigor, ainda no ver de Chaves (2004), não é exatamente uma cultura, porque<br />

não é cultivada espontaneamente dentro de um contexto, mas sim um conjunto de símbolos<br />

que são adotados por certa coletividade como parte do processo de identificação com as normas<br />

comerciais vigentes e explicitadas pela publicidade e pela propaganda.<br />

Assim, se pudéssemos falar de uma cultura na qual o design seria uma manifestação, ela seria a<br />

cultura industrial que segue as leis do mercado e que determina muito do que se faz em termos<br />

de design e também de arte. A cultura industrial (principalmente no mundo Ocidental e nas<br />

outras nações industrializadas) possui um fim em si mesma, sem deixar de dialogar com os outros<br />

gêneros de cultura e com o arcabouço cultural maior onde se insere. Essa relação pode inclusive<br />

trazer ruídos à comunicação entre o designer e o usuário do produto industrial, pois muitas vezes<br />

o repertório do usuário é todo formado de conteúdos simbólicos da cultura imediata ao qual<br />

pertence, com pouca capacidade de transitar pelos códigos da cultura industrial onde se insere<br />

o design. Também as questões ligadas à incorporação de novas tecnologias ao trabalho do design<br />

acabam por influenciar os modos de simbolizar e a semiose no seio da cultura geral.<br />

Assim, como operador simbólico da cultura industrial, o design não é qualquer manifestação<br />

simbólica, senão aquela que busca servir às relações de mercado dentro da cultura industrial.<br />

De qualquer forma, a relação do design com a cultura maior (a cultura étnica, nacional, regional<br />

etc.) não é também tão fria e inviável, podendo sim levar a absorver e incorporar elementos dela<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

no seu repertório.<br />

O evento fundador desta dinâmica é a Revolução Industrial, que consistiu em um conjunto de<br />

mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social.<br />

Iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII expandiu-se pelo mundo a partir do século XIX.<br />

Ao longo deste processo a era da agricultura foi superada e a máquina foi substituindo o trabalho<br />

humano; uma nova relação entre capital e trabalho se impôs e novas relações entre nações se<br />

estabeleceram. Aqui surge então o fenômeno da cultura de massa. O desenvolvimento do conceito<br />

de design decorre, então, da necessidade de um projeto que otimize a produção nas etapas de<br />

execução e a sua reprodutibilidade. É neste contexto de indústria, por exemplo, que acontece o<br />

crescimento da técnica de reprodução de imagens, agilizando e barateando sua multiplicação e<br />

relegando a pintura tradicional de cavalete ao segundo plano. Um dos aspectos mais importantes<br />

da Revolução Industrial foi mudar para sempre a percepção do fazer artístico, dentro do conjunto<br />

de desdobramentos que a produção em série ensejou em diversos segmentos da sociedade da<br />

época. O surgimento de uma “civilização da tecnologia” veio rever o conceito de cultura e, por<br />

consequência, também o teor de sua produção simbólica, nivelando expressão artística e indústria.<br />

Por exemplo, com o advento da tecnologia fotográfica, o papel da arte enquanto mimese da<br />

Natureza passa a ser re-significado, bem como o papel do artista. Ademais, cada nova mudança<br />

de era, com eventos da História, como a Segunda Guerra Mundial, a queda do Muro de Berlim e<br />

o atentado às Torres Gêmeas, representam mudanças de paradigma que ensejam reflexões sobre<br />

novos modos de produção, comportamentos e padrões culturais e estéticos.<br />

O século XX presenciou o começo de um processo de integração das linguagens da arte e da<br />

indústria: Flusser (2007) argumenta que, com o advento das telecomunicações, principalmente<br />

a televisão e seus derivados, assistimos (literalmente) ao surgimento de um novo paradigma em<br />

termos da forma de ler e escrever o mundo; na transição do pensamento linear (baseado na<br />

decifração de números e letras, registrados em linhas) para o pensamento calcado na superfície,<br />

através das imagens. Mais recentemente, com o nascimento da internet e a popularização dos<br />

aparatos informatizados, o avanço da imagem-superfície (texto não-verbal) sobre o texto linear<br />

solapou a realidade da memória e da reflexão baseada na decodificação do texto verbal.<br />

Como de fato as tecnologias tendem a conviver e se completar, após certo conflito inicial, também<br />

a produção simbólica resultante de áreas distintas tendem a desenvolver uma acomodação gradual<br />

dando origem a outras combinações e possibilidades: o projeto Merz, desenvolvido na Alemanha<br />

pós-Primeira Guerra por um grupo de artistas liderado por Kurt Schwitters, se baseava em pinturas<br />

ou colagens feitas com materiais encontrados no lixo, como jornais, impressos, quadrinhos etc,<br />

fragmentos da cultura industrial.<br />

Convém lembrar que o advento de uma cultura industrial (e sua influência no repertório visual e<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

no imaginário coletivo), ocasionou experiências estéticas como o Futurismo italiano de Marinetti<br />

e elementos da Art Decó europeu e do Streamline americano, que introduziram a representação<br />

de velocidade e aceleração no design. O jornalista do jornal The Guardian, Jones (2002) afirma<br />

que a literatura de Gertrude Stein e uma tira de histórias em quadrinhos chamada Katzenjammer<br />

Kids poderiam ter influenciado Pablo Picasso na descoberta mais revolucionária da arte desde a<br />

Renascença: o Cubismo.<br />

Salvador Dalí incorporou em sua obra ícones da cultura mediática de seu tempo (particularmente<br />

o cinema americano), como nos quadros “Homenagem ao noticiário da Fox” e “O rosto de Mae<br />

West” (cuja boca depois o escritório italiano de design Gufram transformou em sofá, figura1). Nos<br />

Estados Unidos, em 1954, Milton Glaser, Seymour Chwast, Reynold Ruffins e Edward Sorel, fundam<br />

o Push Pin Studios. O “Push Pin Style” não se prendia apenas ao que era considerado o “bom<br />

design”, mas praticou um estilo excêntrico muitas vezes inspirado na estética do século XIX e nas<br />

tendências da cultura pop, consideradas decadentes.<br />

Figura 1: Quadro “Face of Mae West which can be used as an apartment” de Salvador Dalí.<br />

Fonte: (SALVADOR, 2007).<br />

Roy Fox Lichtenstein (figura 2) procurou valorizar os clichês das histórias em quadrinhos como<br />

forma de arte, colocando-se contra o movimento que tentou criticar a cultura de massa.<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

Figura 2: “Tintin in the new world” de Roy Lichtenstein.<br />

Fonte: (HENDRICKSON, 2007).<br />

Na Itália, o Archizoom, estúdio de design fundado em 1966 em Florença, produziu um rico conjunto<br />

de projetos em design e arquitetura, desenvolvendo trabalhos que abrangiam desde vestuário a<br />

objetos, móveis e arrojadas soluções arquitetônicas e urbanistas, dentro de uma visão de mundo<br />

que enfatizava um estilo de vida alternativo e criativo e a supressão de barreiras interdisciplinares.<br />

Javier Mariscal, formado em Filosofia e <strong>Design</strong>, desenvolveu a primeira história em quadrinhos<br />

underground da Espanha (“El Rollo Enmascarado”), criou o cachorrinho Cobi (mascote dos Jogos<br />

Olímpicos de Barcelona, em 1992), e desenhou a cadeira Garrini (figura 3) que faz claras citações<br />

a Mickey Mouse. No Japão o movimento kawaii trouxe para a moda e para o estilo de vida dos<br />

jovens os valores estéticos da cultura pop japonesa, influenciada pelo mangá e pelos animês. No<br />

Brasil, um exemplo contemporâneo é o trabalho de Iran do Espírito Santo que transforma objetos<br />

prosaicos do universo do desenho industrial, como lâmpadas, copos e buracos de fechadura, em<br />

esculturas de materiais como aço e acrílico.<br />

Figura 3: Cadeiras Garrini, criações de Javier Mariscal.<br />

Fonte: (FIELL e FIELL, 2005).<br />

No final do século XX, a cibernética e a revolução tecnológica advinda da disseminação da<br />

informática por praticamente todas as áreas de conhecimento humano, viriam a lançar as bases<br />

da cultura contemporânea, pós-industrial e em constante transição. Nesta primeira década do<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

século XXI, a internet e as mídias sociais, os games interativos, a telefonia móvel, a conectividade<br />

entre mídias (rádio, TV e internet) a indústria do entretenimento, a arte digital, a inserção<br />

de sistemas informatizados em produtos criando objetos inteligentes, além das tecnologias 3D<br />

começam assinalar a colonização do ciberespaço como a nossa nova fronteira. Nesse contexto,<br />

a linguagem visual, e em grande parte o uso da estética da cultura de massa (a toy art; a street<br />

art, o graffiti e ícones da cultura cibernética), passa a ser uma poderosa ferramenta de integração<br />

dos diversos sistemas pela sua grande capacidade de síntese e sua facilidade de penetração em<br />

praticamente todos os níveis sócio-culturais e econômicos.<br />

A pós-modernidade trouxe para a discussão os aspectos positivos e negativos das mudanças<br />

de paradigma que tornaram tênues alguns limites e convenções em áreas tão diversas como a<br />

cultura, as ideologias, os costumes, os valores, a arte e o design. Exemplos disso são eventos tão<br />

distintos como o FILE (Festival Internacional de Linguagens Eletrônicas, que experimenta com<br />

arte e tecnologia), o “Pictoplasma” (encontro internacional sobre criação, confecção de bonecos<br />

e cultura de personagens, na linha da toy art) e a Bienal de Veneza que tem buscado integrar<br />

arte, design, arquitetura, cinema, dança, teatro e música. Essas iniciativas têm proporcionado<br />

o diálogo entre áreas distintas e independentes, mas que compartilham bases de linguagem<br />

estrutural comuns. Por outro lado, o excessivo apelo comercial e ao consumo e o papel da China<br />

enquanto manufatura do mundo podem levar o design contemporâneo a perder força enquanto<br />

informação de primeira mão e gerador de conhecimento de qualidade. E isso não se restringe<br />

apenas ao aspecto prático e instrumental da nossa cultura material, mas reflete também o quadro<br />

maior de nossa visão de mundo.<br />

Cultura de massa, arte e design: um possível diálogo.<br />

Longe de esgotar o assunto em questão, este trabalho visa tão somente propor uma reflexão sobre<br />

o estado da arte da comunicação de massa, e sua relação com as artes e o design. Procuramos<br />

identificar que paradigmas têm norteado o fazer projetual do design contemporâneo dentro do<br />

universo maior da cultura industrial, principalmente no tocante à questão estrutural e à estética.<br />

Também refletir sobre a dialética presente nas relações entre cultura de massa e arte/design,<br />

analisando o papel do design enquanto elemento fundador da massificação da cultura e da arte<br />

(inclusive com o surgimento do kitsch, como variante estética), e também como uma possível<br />

redenção do próprio kitsch. É importante analisar a dinâmica da transformação de cultura de massa<br />

em arte e design verificando se, ao ser re-significada pelo design, a cultura de massa se torna em<br />

arte maior de fato, dentro do processo capitalista de agregação de valor ao produto. Para tanto o<br />

referencial teórico deve buscar ajuda nas ciências da linguagem (Semiótica e Semiologia visual),<br />

na psicologia da forma (Gestalt), nas teorias da comunicação, na teoria e história do design e nas<br />

ciências humanas aplicadas.<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

“Bom” design x “mau” design?<br />

Diante do exposto é importante investigar se existe de fato uma dinâmica de transformação do<br />

design para as massas em design de qualidade. Se sim, quais elementos e instâncias de linguagem<br />

operariam a reestruturação da forma e do significado de modo a alterar a percepção do objeto?<br />

Uma hipótese a confirmar é se, no caso do design, existiriam níveis de design e mobilidade entre<br />

eles dentro do mesmo universo discursivo: o “mau” design se tornando “bom” design. Seria isso<br />

apenas uma questão de viés subjetivo? E no caso da arte, quais elementos ou quais dinâmicas de<br />

re-significação operariam a transformação da arte de “massa”, que está impregnada nos produtos<br />

da cultura de massa, em arte maior, supostamente com mais qualidade? Seria a exclusividade um<br />

elemento transformador da arte para as massas em arte maior? Seria o fato de que a arte boa é<br />

supostamente restrita, personalista e feita para um número limitado de consumidores ao passo que<br />

a arte de massa é, de fato, para as massas, logo com um padrão inferior de qualidade? Pensando<br />

assim, poderiam tanto a boa arte como o bom produto de design ser equiparados ao artesanato,<br />

dado o caráter personalizado e limitado da sua produção? Como explicar o caso das sandálias<br />

Havaianas, que de “calçado de pedreiro” (sendo de fato uma estilização de sandália tradicional<br />

japonesa) passaram a ostentar o status de objeto de consumo cult, sendo hoje apreciadas nos<br />

grandes centros urbanos do mundo? A partir dessa análise, quais mecanismos poderiam ser<br />

sistematizados numa linguagem de projeto, de modo a gerar soluções de design que dialoguem<br />

produtivamente com a estética contemporânea, operando a confluência objetiva entre cultura de<br />

massa, arte e design?<br />

Considerações finais<br />

Concluímos nossa análise entendendo que, de fato, estamos na transição de um conjunto de<br />

paradigmas a outro; com todos os riscos e oportunidades que ela encerra. Ainda restam (e<br />

restarão) regiões cinzentas e linhas tênues delimitando cultura de massa, arte e design que<br />

deverão estabelecer status próprio numa e noutra área, sendo, porém, permeáveis o suficiente<br />

a contaminação mútua. O que podemos afirmar de concreto é que a aceleração e a convergência<br />

deverão enriquecer os saberes humanos na construção de um senso estético inclusivo, com<br />

consequente melhoria na qualidade da produção de soluções artísticas e de design, através do<br />

aprendizado mútuo.<br />

Diante dos desafios da complexidade (Morin, 2001) e da “morte do autor” (Foucault, 1992), a<br />

distinção entre “baixa arte” e “alta arte” (tendo como arcabouço a cultura de massa) deverá<br />

ser cada vez menor, posto que a democratização dos processos criativos e a disseminação da<br />

experiência estética pela internet, via dispositivos móveis (iPhones, Blackberries, iPads, PDAs<br />

etc.), levarão a trocas simbólicas e técnicas em escala planetária como nunca visto antes na<br />

História; inclusive reeditando formas analógicas de expressão (como o a pintura e o desenho) por<br />

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Interfaces entre cultura de massa, design e arte contemporânea.<br />

meio de ferramentas de interface digitais e de colaboração. Isso influirá de modo decisivo nos<br />

modos de projetar e na qualidade do design advindo.<br />

Num primeiro momento, no entanto, isso poderá acarretar certa confusão de juízo e algum conflito<br />

quanto à autenticidade e à validade de algumas iniciativas e movimentos, prevalecendo por fim<br />

aquelas propostas conceitualmente mais bem estruturadas. O ajustamento desse processo passará<br />

fatalmente por mudanças no ensino de arte e design, acarretando mudanças de curriculum que<br />

enfatizem a transdisciplinaridade (não sem algum esforço de pesquisa e reflexão por parte da<br />

academia), visando dialogar com a cultura contemporânea e pós-industrial.<br />

Entendemos haver demonstrado, ainda que superficialmente, a dinâmica das transformações<br />

simbólicas de elementos da cultura de massa em arte e design (e vice versa) a partir da fundação da<br />

sociedade industrial. O estudo procurou propor uma reflexão sobre os caminhos destas interações<br />

entre a cultura de massa, a dita alta cultura (via artes) e o desenho industrial dentro dos novos<br />

paradigmas da pós-modernidade, analisando riscos e possibilidades destas relações. De fato essa<br />

análise pode ser ampliada para uma abordagem muito mais ampla, abrangendo o próprio conceito<br />

de cultura de massa e seu impacto sobre a produção material e simbólica contemporânea,<br />

refletindo sobre as implicações desta dinâmica para o desenvolvimento estético e espiritual da<br />

sociedade pós-moderna. Esperamos ter começado aqui uma investigação que vá além, analisando<br />

o impacto da cultura de massa sobre a produção simbólica da sociedade contemporânea como um<br />

todo, permitindo assim a elaboração de um corpo conceitual que enseje o desenvolvimento de<br />

uma metodologia aplicável a projetos de arte e design.<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

Roberto Carlos Sorima Mestrando em <strong>Design</strong>; <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>.<br />

rcsorima@hotmail.com<br />

Gisela Belluzzo de Campos Profa. Dra.; <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>.<br />

giselabelluzzo@uol.com.br<br />

Resumo<br />

O presente artigo aborda parte da produção artística de Fernanda Talavera, mais<br />

especificamente seus “Bichos Tipográficos”. Parte-se da hipótese de que o trabalho<br />

desta artista traz uma série de elementos conceituais e formais que o alinham<br />

de maneira inequívoca à agenda de temas debatidos pela arte contemporânea,<br />

dentre eles a colagem, a desconstrução e o hibridismo. Para a fundamentação<br />

desta pesquisa, foram consultados autores que, em suas obras, descrevem e discutem<br />

conceitos artísticos da modernidade, da pós-modernidade e da contemporaneidade,<br />

bem como depoimentos da própria Fernanda Talavera.<br />

Palavras-chave:<br />

Fernanda Talavera, bichos tipográficos, design gráfico, arte contemporânea.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

Introdução<br />

Fernanda Salinas Talavera nasceu em São Paulo, em 1979. Filha de pais mexicanos, recebeu, em<br />

sua formação artística, fortes influências tanto da cultura brasileira quanto da cultura mexicana,<br />

dois focos privilegiados de mestiçagens e hibridismos culturais (GRUZINSKI, 2001). Talavera expôs,<br />

pela primeira vez, em São Paulo, na Galeria Choque Cultural, em 2005. Em 2006, viajou pela<br />

Europa e participou de mostras coletivas e individuais na Alemanha, Áustria, Espanha, Bélgica e<br />

Rússia. Rapidamente, consolidou sua reputação no campo artístico e hoje tem a qualidade de seu<br />

trabalho reconhecida por pares, críticos e tipógrafos, expondo nas ruas, em galerias, em mostras<br />

em espaços públicos e também na internet.<br />

Apesar de haver recebido uma formação tradicional, ao cursar <strong>Arte</strong>s Plásticas na Fundação Armando<br />

Álvares Penteado (FAAP), Fefê, como a artista também é conhecida, reconhece um processo de<br />

desgaste e de “bloqueio” nesse período, provocado pelas restrições e pelo enraizamento excessivo<br />

das propostas artísticas acadêmicas em conceitos muitas vezes advindos de uma tradição que já<br />

não reflete mais os anseios do artista contemporâneo. Em entrevista a Moraes (2009) a artista<br />

afirma<br />

Aprendi que, para ser artista, você precisa ser livre, não precisa de uma<br />

faculdade. Ela me limitou muito, eu entrei lá livre e saí completamente<br />

bloqueada [...]. Já na rua é outra história, não existem regras. Se<br />

você quiser expor seu trabalho, você vai lá, faz e pronto, está lá, à<br />

disposição de quem quiser ver. A quantidade de gente que vê o seu<br />

trabalho é enorme, e o mais legal é que não é só a galera que frequenta<br />

galerias de arte, mas o jornaleiro, a senhorinha que lava os banheiros<br />

do hospital, o porteiro, e até mesmo o curador da Bienal. Na rua, a<br />

gente tem mais possibilidades de aproveitar o espaço, de fazer cada<br />

vez maior e de experimentar diferentes tipos de superfícies (TALAVERA,<br />

apud MORAES, 2009).<br />

Fernanda apresenta alguns temas recorrentes ao longo de sua produção criativa, entre os quais<br />

destaca-se a figura do monstro, o animal limítrofe, a criatura que não pode ser nomeada e que,<br />

segundo autores como BELLEI (2000), serve, nas artes, como representação do desconhecido e<br />

dos processos inconscientes que desorganizam as certezas e os limites estabelecidos pela cultura.<br />

Dentre suas produções, destacamos os Bichos Tipográficos, tema deste artigo, que consistem em<br />

construções realizadas com recortes de lambe-lambe – cartazes de divulgação de baixo custo,<br />

veiculados ao serem colados nos muros das cidades. Talavera constrói painéis em tamanhos<br />

diversos com partes desses cartazes em diferentes suportes, tais como muros e telas.<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

Figura 1: Bicho Tipográfico. Capa da revista Tupigrafia n. 6, 2005.<br />

Fonte: http://www.flickr.com/photos/marinachaccur/page143/<br />

Figura2: Bicho Tipográfico. Colagem sobre muro.<br />

Fonte: http://atitudeartwalk.blogspot.com/2010/08/fefe-talavera-e-seus-monstros.html<br />

Por pintar nas ruas, seu trabalho costuma ser relacionado ao grafite; do mesmo modo, em virtude de<br />

sua ascendência mexicana, muitas vezes sua obra é chamada de mural. Fernanda, porém, afirma,<br />

na mesma entrevista, preferir ser chamada de “artista” ao invés de “grafiteira” ou “muralista”,<br />

e diz não pintar apenas sobre muros, mas sobre quaisquer suportes que encontre. A respeito dos<br />

Bichos Tipográficos, a artista afirma, ainda, na mesma entrevista<br />

Fazer os bichos tipográficos para mim foi um grande passo na minha<br />

carreira de artista. Comecei pintando em pôsteres velhos e colando na<br />

rua, daí percebi que esses pôsteres por si só já eram uma obra de arte.<br />

Aquelas letras tinham vida para mim, eram tão bonitas que eu comecei<br />

a recortá-las em grande quantidade e, como eu já fazia os monstros,<br />

resolvi tentar com a colagem, e deu certo (TALAVERA, apud MORAES,<br />

2009).<br />

Interessa-nos investigar o modo como essas realizações de Talavera, os Bichos Tipográficos¬,<br />

esvaziam o sentido original do signo tipográfico e usam seus aspectos gráficos para reconstruílo,<br />

numa plástica visual que possibilita pensar em várias questões importantes para a arte<br />

contemporânea. Talavera opera na fronteira entre aquilo que se costuma nomear e catalogar<br />

como arte e o que se costuma nomear e catalogar como “não arte”. Os Bichos Tipográficos ocupam<br />

espaços destinados a peças gráficas, os citados cartazes lambe-lambe; mais do que isso, usam os<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

materiais e os elementos desses cartazes, transformando, porém, esses elementos, em outra coisa,<br />

mais especificamente em obras particulares, não reprodutíveis, individuais, feitas, projetadas e<br />

concebidas por uma única pessoa, sem nenhuma finalidade comercial ou utilitária, características<br />

habitualmente atribuídas a realizações artísticas. Entretanto, a presença desses elementos<br />

emprestados traz ecos e traços daqueles cartazes, tornando-os, de algum modo, presentes. No<br />

momento em que essa presença é identificada na peça de Talavera, podemos dizer que os Bichos<br />

estabelecem uma ligação com essas peças gráficas que, por sua vez, são, em geral, anônimas, sem<br />

autoria reivindicada ou assinatura; não possuem qualquer acabamento ou produção relacionada<br />

a um rigor artístico ou gráfico; não são, tampouco, bonitas no sentido usual do termo. Trata-se,<br />

deste modo, de trazer, para o universo artístico, elementos de uma cultura urbana, do universo<br />

gráfico da cidade, o que caracteriza claramente a instauração de novas categorias conceituais,<br />

de novas abordagens do espaço, de novas configurações de linguagem e de novas relações da arte<br />

com a cultura e a sociedade.<br />

Imagem, design gráfico e arte<br />

A modernidade pode ser entendida como um universo formado por vozes distintas que têm traços<br />

em comum, tais como a predisposição para dissolver tribos, raças, credos e classes sociais em<br />

nome de um ideal capaz de libertar o ser humano das marcas da tradição, de fundar a consciência<br />

soberana do indivíduo e, contraditoriamente, legitimar o poder invencível de sua representação<br />

coletiva, a massa (LÖWY, 2009). Nesse sentido, afirma Pevsner (1996), que<br />

o século XX é o século das massas: educação, lazer e transporte de<br />

massa, universidades com milhares de estudantes, escolas polivalentes<br />

para milhares de crianças, hospitais com milhares de leitos, estádios<br />

para centenas de milhares de espectadores. Este é um aspecto. O outro<br />

é a velocidade de locomoção, com cada cidadão dirigindo um “trem<br />

expresso particular” e alguns pilotos viajando mais depressa do que<br />

o som. Ambos são expressões do fanatismo tecnológico da época, e a<br />

tecnologia é apenas uma aplicação da ciência (PEVSNER, 1996, p.7).<br />

Essa ascendência das massas faz acontecer e traz consigo o contexto do cenário urbano; com este<br />

vêm os cartazes e os impressos de todos os tipos que irão compor grande parte do universo do<br />

que denominamos, hoje, design gráfico. São peças gráficas elaboradas com o intuito de preencher<br />

o espaço urbano e informar o transeunte, por meio de texto, mas principalmente com imagens,<br />

quer sejam fotos ou ilustrações, sobre a última guerra, o último espetáculo ou o produto medicinal<br />

mais eficiente no combate aos males recém-adquiridos (HILLER, 1969). Pôsteres são fixados nas<br />

paredes e, na sequência, novos pôsteres são colocados sobre os primeiros, formando uma espessa<br />

camada de papel capaz de derrubar o reboco dos muros, o que frequentemente acontecia. À leveza<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

pesada dos pôsteres somam-se os cadernos dos periódicos locais, regionais e internacionais, cada<br />

vez mais numerosos, lidos por um número cada vez maior de pessoas; os catálogos de produtos<br />

sem-fim, as brochuras de literatura pulp, livros cada vez menores, escritos por motivos cada vez<br />

menos relevantes, acarretando uma transformação conceitual que visa a atender um público<br />

cada vez mais deslumbrado pelas luzes elétricas dos parques de diversão (SEVCENKO, 2001), e<br />

incrementando a comunicação visual e o início do que hoje denominamos design gráfico.<br />

A imagem – quadro, fotografia, colagem, ilustração – multiplica o acesso, a constituição de<br />

olhares e os testemunhos modernos sobre o que, cada vez mais, se pode ver. A era da imagem<br />

é também a era da “obra aberta” comentada por Benjamin (1989, p.12-13), a obra inacabada,<br />

que permite a incorporação de novas partes e vários modos de interpretação. Essa abertura seria<br />

potencializada pela imagem, pelo uso irrestrito de códigos ressignificados e traduzidos, pela perda<br />

da experiência comum, pelo desinteresse na contextualização, pela ausência de uma referência<br />

que possa informar de onde certos objetos e valores vieram e, finalmente, pela desconsideração<br />

de uma tradição.<br />

Ainda segundo Benjamin (Ibid, p.16-19), com a modernidade, a noção histórica de verdade se<br />

perde, em grande parte devido ao acúmulo de comentários, notas, informações, compêndios<br />

complementares e imagens que rapidamente se somam à versão original. Essa perda da verdade,<br />

que se assenta numa única versão histórica considerada, é percebida e discutida, na literatura e<br />

nas artes visuais.<br />

Como uma resposta à constatação desse fato e à impossibilidade de uma retomada literal da<br />

tradição e do passado, a pós-modernidade nasce com uma proposta de desconstrução mais ou<br />

menos sistemática da imagem em si e de todos os conceitos que sustentavam a dicotomia imagem<br />

“versus” coisa representada pela imagem. A pós-modernidade e sua expressão, ainda presente na<br />

contemporaneidade, problematizam o uso da imagem massificada, bem como as intenções por<br />

trás de seus usos, desarticulando fronteiras e definições tradicionais e reorganizando a própria<br />

noção de tempo e espaço a partir de um enquadramento em que tudo parece cada vez mais veloz,<br />

próximo, instável e lúdico, conforme denunciam Debord (1997), Sennett (2004), Bauman (2001),<br />

Zizek (2003), Sevcenko (2001) e Cardoso (2000) entre outros autores. Esse novo enquadramento,<br />

capaz de provocar uma fratura no tempo, proporcionada pela ruptura nas memórias materializadas<br />

em registros, leis, tradições etc., ocorre durante a modernidade e abre caminho para novas regras<br />

incorporadas na contemporaneidade.<br />

Cardoso (2000) discorre sobre essa tendência no design gráfico ao afirmar que:<br />

o primeiro impacto das transformações conceituais se deu no campo<br />

do design gráfico, no qual vem se sucedendo, ao longo dos últimos<br />

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Os Bichos tipográficos de Fernanda Talavera<br />

quinze a vinte anos, uma série de iniciativas dedicadas explicitamente<br />

á substituição de preceitos funcionalistas do passado por uma visão<br />

eclética e híbrida. Sem medo de empregar em seus projetos a desordem,<br />

o ruído e a poluição visuais (CARDOSO, 2000, p.213-214).<br />

Podemos, aqui, levantar a hipótese de que esses desdobramentos do comportamento, do uso e da<br />

interpretação das imagens, em situações de grande exposição – quer sejam imagens comerciais ou<br />

artísticas – fazem com que categorizar produções imagéticas como por exemplo, em artísticas e<br />

não artísticas, de massa ou exclusivas [1], perca, muitas vezes, sua razão de ser.<br />

Colagem, desconstrução e hibridismo<br />

Colagem, desconstrução e hibridismo são conceitos importantes não apenas para compreender a<br />

arte contemporânea, mas também outros fenômenos culturais relacionados ao uso da imagem.<br />

Usamos, aqui, o conceito de colagem em seu sentido mais usual no contexto das artes plásticas:<br />

o de uma composição configurada a partir do uso figuras, imagens e materiais de diversas<br />

procedências, superpostos ou colocados lado a lado.<br />

O termo “desconstrução”, no contexto deste artigo, é usado como processo crítico que visa à<br />

redefinição de conceitos baseados em oposições tradicionais, como “certo e errado”, “bonito<br />

e feio” etc. Trata-se, assim, de uma desconstrução “crítica” da razão tradicional, conforme<br />

entendida por Vilalba (2006).<br />

O conceito de hibridismo, por sua vez, é trabalhado por vários autores; para Couchot (2005), por<br />

exemplo, hibridação ou hibridização, no campo da arte, consiste no cruzamento entre técnicas<br />

heterogêneas, elementos estéticos e semióticos. São exemplos de hibridização, na arte, a colagem,<br />

as combine paintings, as performances e os produtos resultantes das tecnologias que envolvem o<br />

uso da palavra, do texto e do som simultaneamente.<br />

A arte produzida por meio das técnicas da colagem cria, no campo conceitual, algumas novas<br />

categorias e sensações, a saber:<br />

• A criação do sample/simulacro, ou seja, o surgimento de um tipo de objeto que, por suas<br />

características reprodutivas e estéticas, não pode ser considerado novo ou velho, bonito ou feio,<br />

original ou cópia, real ou fantasioso nos termos tradicionais. Com a massificação que origina o<br />

sample/simulacro, ocorre também um apagamento do percurso técnico produtivo, que acaba por<br />

gerar, junto às multidões que consomem esses objetos, um reencantamento “mágico” pela obra,<br />

o que fica muito claro no caso de produções cinematográficas como “Avatar” (2010), que abusam<br />

dos efeitos especiais e de referências a outras obras. Em sentido inverso, a contemporaneidade<br />

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testemunha o surgimento de obras cada vez mais dependentes da conceituação expressa e de uma<br />

formação cada vez mais especializada para serem apreciadas conforme as expectativas de seus<br />

realizadores, o que confunde o apreciador leigo justamente porque tais obras não estabelecem<br />

fronteiras claras entre si mesmas e os comentários que lhes servem de legitimação. Como pode<br />

facilmente ser compreendido, o sample estará, inevitavelmente, relacionado à produção artística<br />

baseada no conceito de colagem, uma vez que toda edição e ressignificação de referências é, em<br />

certo sentido, uma colagem.<br />

• A vertigem provocada por aquilo que não admite ser pensado nos cômodos termos das categorias<br />

conceituais tradicionais – estabilizadas pelos opostos, exatamente o que não existe nas novas<br />

categorias conceituais – e sua metáfora, a montanha-russa, usada por Sevcenko (2001, p.11-<br />

17), por exemplo, para comentar a construção e dissolução não só de certezas, mas também<br />

de uma visão progressista e certeira sobre os benefícios do progresso. A apropriação visual do<br />

cenário urbano apresentado na obra de muitos artistas gráficos que fazem uso de colagens em<br />

seus trabalhos, como Fernanda Talavera, estaria dentro desse conceito de vertigem.<br />

• O primado da imagem e de sua abertura interpretativa, atuantes, desde a modernidade,<br />

mesmo quando a imagem se apropria de códigos em princípio mais fechados, como os da<br />

linguagem verbal. Neste sentido, a tipografia e seus usos como imagens são exemplares.<br />

Weingart (2004, p.9), em uma de suas palestras proferidas em 1972, afirma que “tipografia<br />

pode ser também algo que não precisa ser lido. Se você gosta de transformar partes dessa<br />

informação em algo mais interessante, pode fazer algo ilegível para que o leitor descubra a<br />

resposta”. Nesse sentido, arriscamo-nos a afirmar que a obra de Talavera expressa e realiza a<br />

opinião de Weingart.<br />

• A serialização e a reprodutibilidade incessantes, bem como o uso cada vez maior de referências<br />

multiculturais, híbridas e mestiças, segundo os dizeres de Gruzinski (2001) e Ginsburg (2001),<br />

que aos poucos apagam a autoria e a clareza quanto ao processo criativo envolvido na execução<br />

da obra.<br />

• A multiplicação dos espaços de execução e de exposição artística e a discussão sobre o papel do<br />

museu, da arte de rua e da cidade como suportes para representações simbólicas, a exemplo<br />

do que propõem autores como Canevacci (1993) e Denise Scott Brown (2003), e artistas como<br />

Stephan Doitschinoff, os Gêmeos e Fernanda Talavera.<br />

• A apropriação artística no lugar da autoria artística, problematizada pelo sample/simulacro. O<br />

primeiro passo da apropriação artística é a nomeação. Dar um nome a algo é sempre uma forma<br />

de deter o controle. Diante do novo, do inédito, de uma possibilidade ainda não explorada,<br />

a nomeação funciona como uma tentativa de ajuste àquilo que já é conhecido. Depois da<br />

nomeação, a referência artística é captada e ressignificada dentro de outro contexto, em<br />

que essa referência articula-se com outras referências, num arranjo (colagem) proposto pelo<br />

artista (GAYLOR, 2008; CREATIVE COMMOMS).<br />

• A reelaboração cronológica, baseada na reminiscência, o que, segundo Benjamin (1989, p.36-<br />

37), oferece possibilidade artística de explorar os infinitos caminhos da lembrança, num fluxo<br />

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criativo muito mais fértil do que uma investigação apurada sobre o vivido (lembrado versus<br />

vivido) – a reconstrução minuciosa do lembrado, a apropriação artística do fluxo do tempo<br />

e, nessa apropriação, os fatores historiográficos, as certezas e as regras que modelam o<br />

comportamento social e que se misturam à própria variação da consciência.<br />

Seguindo essa proposta, o trabalho de Fernanda Talavera pode ser apreciado como uma experiência<br />

de reminiscência tipográfica em que se propõe que o tipo não seja pensado como algo vivido –<br />

seu uso, suas regras de aplicação, sua forma exata e a justificativa para essas formas, presentes<br />

no projeto do designer – mas como algo lembrado, fragmentos de seu contorno, o que permite a<br />

abertura interpretativa de sua gestalt, a livre associação de sua forma com elementos concretos,<br />

tais como imagens de animais.<br />

A criatura gráfica de Fefê Talavera – complexa, nem animal nem letra – apresenta-se, sobretudo,<br />

pela desconstrução seguida de hibridismo em vários níveis, como signo estético exemplar da pósmodernidade,<br />

e presente na produção contemporânea. A desconstrução e o hibridismo podem ser<br />

detectados em vários momentos, alguns dos quais são mencionados a seguir.<br />

• A desconstrução da imagem que orienta suas decisões criativas no nível formal resulta em<br />

hibridismo entre o figurativo e o abstrato, entre o sample e a produção autoral, entre a arte<br />

e a não arte.<br />

• A desconstrução técnica da tipografia transforma a letra em signos icônicos, abertos a múltiplas<br />

interpretações.<br />

• A desconstrução do espaço expositivo tradicional – a galeria, o museu, e a adoção da rua como<br />

espaço artístico.<br />

• A desconstrução da categorização que legitima e hierarquiza produções de imagens e obras – o<br />

uso de peças de design gráfico em contextos artísticos.<br />

• O hibridismo temático – o obliteramento dos limites entre o folclore, a mitologia e a cultura<br />

popular.<br />

O caráter proposital dessa orientação artística voltada à desconstrução e à hibridação fica<br />

evidente, em outra resposta dada a Moraes (2009)<br />

A real é que eu nunca fui grafiteira, pintar com o spray para mim é<br />

só mais uma técnica como qualquer outra. As pessoas é que adoram<br />

classificar tudo, dizer que a Fefê é isso ou aquilo… Eu pinto junto<br />

com artistas que grafitam há anos, e nunca pensei em me tornar uma<br />

grafiteira, primeiro porque não faço bomb, segundo porque a minha<br />

técnica no graffiti é péssima! Também não sigo nenhuma doutrina do<br />

graffiti, acho muito pequeno se fechar num mundinho em que você só<br />

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pinta com essas pessoas ou só escuta esse tipo de música, ou só sai<br />

com essa galera… fica muito vazio. É tão mais interessante conhecer<br />

outras técnicas, outras culturas, outras ideias, do que ficar nesse<br />

círculo vicioso que não ensina nada. Eu não só pinto muro como pinto<br />

qualquer suporte que eu encontre. Prefiro ser chamada de artista do<br />

que de muralista, ou grafiteira, ou qualquer outra coisa (TALAVERA,<br />

apud MORAES, 2009).<br />

Considerações finais<br />

Com a produção de monstros – “criaturas”, “bichos tipográficos”, “seres sem nome” –, a artista<br />

reconhece a importância de experimentar, na arte, novas possibilidades de significação, abordando<br />

o objeto (tema) que não permite ser completamente compreendido e que, justamente por esse<br />

caráter fugidio, representa muito bem as rupturas formais, espaciais, técnicas, e temáticas<br />

que devem se processar no interior do campo artístico – e, por que não, em outros produtos<br />

culturais, como o design – para que esse não perca a sua capacidade de provocar identificação e<br />

deslumbramento no indivíduo.<br />

Diante dessas diversas considerações sobre a imagem, seus usos e suas interpretações, diante<br />

dessas imagens remexidas, transmutadas, interpretadas e reinterpretadas, pelas artes em suas<br />

diversas manifestações, não apenas as artes plásticas, mas todas as artes que trabalham com<br />

imagens, entre elas o design e as artes gráficas, enfim, de todos os usos da imagem nestes últimos<br />

120 anos, podemos afirmar que, hoje, em pleno século XXI, um produção artística como os Bichos<br />

Tipográficos ajuda-nos a pensar na possibilidade de uma não-categorização tão enfática, em uma<br />

zona fronteiriça entre o que chamamos de design gráfico, arte gráfica e arte plástica.<br />

Notas<br />

[1] Não sabemos aqui, ao certo, qual é a oposição atual à categoria “massa”, já que tudo, hoje,<br />

é, de algum modo, massificado, sobretudo no sentido de banalizado.<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

Andrea Pereira Gomes de Souza Mestranda em <strong>Design</strong>; <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

souzaza @terra.com.br<br />

Gisela Belluzzo de Campos Professora Doutora; Mestrado em <strong>Design</strong> da <strong>Universidade</strong><br />

<strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong> giselabelluzzo@uol.com.br<br />

Resumo<br />

O objetivo central deste artigo é observar e enfatizar a importância do material<br />

iconográfico da Exposição Nacional de 1908, apresentado em meios como a fotografia,<br />

o cinematógrafo, o bilhete-postal, a estampa de tecidos e os impressos.<br />

Esta observação realiza-se a partir da visita à exposição intitulada “Mostra 1908,<br />

Um Brasil em Exposição”, organizada por Margareth da Silva Pereira. A autora do<br />

projeto apresenta a Exposição de 1908 como veículo de educação dos sentidos,<br />

propulsor de uma extensão do repertório visual perante a nova sociedade que<br />

estava sendo constituída. Atentamos para o fato de que a Exposição Nacional, tal<br />

como foi documentada e exibida na mostra de 2011, no espaço expositivo Caixa<br />

Cultural São Paulo, caracteriza-se como uma importante referência para compreender<br />

os primórdios do design gráfico no Brasil.<br />

Palavras-chave:<br />

Exposição Nacional de 1908, material iconográfico, design brasileiro.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

Introdução<br />

Este artigo tem como ponto de partida a mostra 1908, Um Brasil em Exposição, realizada no espaço<br />

expositivo Caixa Cultural São Paulo, em 2011, que, juntamente com o catálogo da historiadora e<br />

arquiteta Margareth da Silva Pereira, são referências importantes para conhecer e compreender<br />

melhor esta Exposição Nacional e aguçar o interesse sobre a presença brasileira nas Exposições<br />

Nacionais do início do século XX. Para complementar essa compreensão inicial sobre a importância<br />

dessa presença nacional, foram consultadas referências sobre as Exposições Universais do século XIX<br />

e XX, apoiando-se em Schwarcz (1998). Para relacionar esses eventos e seu material iconográfico<br />

com o design, foram consultados os autores Cardoso (1998 e 2004) e Meggs (2006).<br />

As Exposições Universais e o Brasil como figurante<br />

A primeira Exposição Nacional que se tem datada ocorreu na França, em 1798, onde foram<br />

apresentados aos visitantes produtos industrializados de âmbito local. Devido à grande repercussão<br />

dessa primeira mostra, ocorreram, em outros países, exposições seguindo a mesma temática: o<br />

comércio e a indústria. Em 1851, Londres realizava a primeira exposição, que compreenderia<br />

o circuito internacional, a ‘Grande Exposição dos Trabalhos de Indústria de Todas as Nações’<br />

(CARDOSO, 2004). O edifício sede da primeira exposição universal apresentava uma arquitetura<br />

moderna, tendo em sua estrutura o ferro e o vidro, uma técnica inovadora para a época. Mesmo<br />

sendo visto como uma monumentalidade arquitetônica, ele podia ser montado e desmontado com<br />

a mesma facilidade com que fora edificado. Projetado pelo arquiteto londrino Joseph Paxton, foi<br />

denominado Palácio de Cristal, devido aos materiais presentes na edificação. Entretanto, essa<br />

“monumentalidade” apresentada na arquitetura foi uma característica marcante não apenas no<br />

“Palácio de Cristal”: nas exibições posteriores, outros países elaboraram grandes construções,<br />

geralmente efêmeras que logo após o término da exposição eram destruídas.<br />

A arquitetura desses edifícios e pavilhões não seguia apenas um padrão, mas sim uma variedade<br />

de estilos que apresentavam elementos do Ocidente e do Oriente, com características que<br />

englobavam desde a Grécia até o Art Nouveau. A ideia principal era olhar o mundo naquele<br />

espaço físico restrito à exposição como um retrato das civilizações e povos, de distintas épocas<br />

e diferentes lugares; o espaço físico expositivo era constituído por estandes de diferentes países<br />

e, podemos dizer, que o visitante percorria o mundo em poucas horas. Schwarcz (1998) aponta os<br />

quatro grupos que classificavam as exposições: manufaturas, maquinarias, matéria-prima e belas<br />

artes. Esse tipo de classificação garantia que todos os países participassem e contribuíssem de<br />

diferentes maneiras para o sucesso da feira.<br />

O caráter universal completava-se no conceito de se compreender o mundo e suas infinitas<br />

possibilidades no que diz respeito à apresentação de objetos, produtos, variedades gastronômicas,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

espetáculos de música e arte exibidos por diferentes países naquele local onde se realizava o<br />

evento.<br />

Sendo assim, não eram apenas os países em pleno vigor da Revolução Industrial que participavam.<br />

O Brasil, por exemplo, por mais que tentasse apresentar suas invenções, foi sempre reconhecido<br />

pela produção de matérias-primas como o café, o chá, a erva-mate, o arroz, a borracha e o<br />

tabaco; dessa maneira o país apresentava à cena externa aquilo que produzia e assim mantinha<br />

presença nas exposições seguintes.<br />

A organização para escolher os produtos que representariam o Brasil nas exposições universais<br />

tinha como ponto de partida uma seleção em uma pré-feira, na qual os produtos selecionados<br />

eram encaminhados a uma exposição nacional, e depois seguiam para a mostra internacional.<br />

As exposições nacionais eram, por sua vez, organizadas e patrocinadas<br />

diretamente pelo imperador, que distribuía quatro categorias de<br />

prêmios: medalha de prata, medalha de cobre, menção honrosa e<br />

prêmio extraordinário e fora do comum. E essas mostras não eram<br />

pequenas. Em 1861, por exemplo, 5 mil pessoas visitaram a Exposição<br />

Nacional do Rio de Janeiro, e 76 expositores mostraram 750 objetos<br />

divididos entre seções (SCHWARCZ, 1998, p.394).<br />

Os investimentos nas exposições nacionais tinham um caráter visionário, e o objetivo do Brasil era<br />

projetar sua visibilidade perante as mostras internacionais e seu possível retorno comercial. Era<br />

uma forma do país afirmar-se como nação e demonstrar suas possíveis potencialidades, mesmo<br />

que os produtos apresentados na exposição não confirmassem um avanço na área industrial. O<br />

Brasil assumia, na época, diante dos países desenvolvidos, a imagem de um país exótico, agrícola,<br />

escravocrata e monárquico e a finalidade era transformar esse conceito para um país que visava<br />

a modernidade.<br />

Apesar de não merecer qualquer destaque especial, a regularidade da<br />

participação brasileira chama a atenção. Até o final da monarquia, o<br />

Brasil estaria presente nas exposições de 1862 (Londres), 1867 (Paris),<br />

1873 (Viena), 1876 (Filadélfia) e 1889 (Paris), enquanto outros países da<br />

América Latina não tomariam parte sequer de uma feira, ou melhor, a<br />

Argentina entrou apenas na de 1889 (SCHWARCZ, 1998, p.397).<br />

As exibições indicavam fortemente a presença da ciência e da tecnologia cada vez mais atuantes<br />

com a Revolução Industrial. Além de demonstrar a importância econômica e sociocultural diante<br />

de outras nações eram consideradas verdadeiros espetáculos de exaltação à modernidade.<br />

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As exposições eram organizadas em vitrines de maneira enciclopedicamente didáticas. Pereira<br />

(2011, p.10) menciona que o público, ao percorrer esse espaço expositivo, caminharia, com o<br />

olhar, desde a máquina até o exótico, das inovações tecnológicas aos produtos agrícolas. Essas<br />

feiras representavam um dos mais importantes espaços educativos de cultura do século XIX,<br />

“ensinando massas urbanas a observar as cidades, povos e culturas, e também a hierarquizá-los a<br />

partir de uma visão única e evolucionista de desenvolvimento e história” (PEREIRA, 2011, p.10).<br />

Benjamin (2006, p.57) observou que o novo cenário estava montado para o homem mo¬derno<br />

ocupar o seu lugar. Esse homem, movido pelo frenesi de uma nova época, circulava acelerado<br />

esperando a festa cujo espetáculo eram as técnicas industriais. O filósofo entendeu esses grandes<br />

eventos como “centros de peregrinação ao fetiche mercadoria” nos quais as pessoas alienavam-se<br />

ao contemplar o espetáculo da indústria capitalista.<br />

A Exposição Nacional de 1908 agregou à sociedade um novo trinômio social que Pereira (2011, p.14)<br />

apresenta como: “Exibir, Admirar e Consumir”. O fato de as exposições transformarem-se, mudando<br />

de estandes para pavilhões nos quais os produtos e/ ou invenções exibidos ampliavam cada vez<br />

mais as opções de escolha, atraía a admiração do público pela variedade e, consequentemente,<br />

essa gama de opções consolidava o consumo.<br />

As circunstâncias da época foram determinantes para a evolução e propagação do design. O<br />

pioneirismo diante dos processos e concepções dos produtos favoreceu a aproximação entre os<br />

objetos e o público visitante, fez surgir não apenas o ato intelectual de projetar e fabricar,<br />

mas agregou, a esse procedimento, o artefato e o desejo de possuí-los, favorecendo, naquele<br />

momento, o fetichismo dos objetos tal como conceitua Cardoso (1998) no artigo sobre o tema.<br />

Ao longo do século XIX e início do XX, as exposições universais aproximaram o público do que<br />

havia de novo, fazendo-o compreender e observar, de perto, o processo de industrialização e os<br />

novos inventos. Era como se a sociedade vivenciasse o futuro, visto que o público estaria, naquele<br />

período de exposição, conectado com o progresso além de integrado com as outras nações.<br />

A Exposição Nacional de 1908<br />

A exposição Nacional teve como cenário a cidade do Rio de Janeiro, tendo sido realizada na Praia<br />

da Saudade, no Bairro da Urca. Segundo Pereira (2011, p.31), a revista Kosmos [1] apresentava, de<br />

maneira deslumbrada, as construções surgidas em um curto espaço de tempo, de janeiro e agosto<br />

de 1908. “Parece-nos, ainda, um sonho, esse inesperado aparecimento da pequenina cidade de<br />

palacetes nos areais da Urca [...]” . Pereira (Ibidem) comenta que a Exposição Nacional de 1908<br />

foi a sétima exposição nacional no Rio de Janeiro; porém, ao comemorar o Centenário da Abertura<br />

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dos Portos, tem-se a clara intenção de reforçar a imagem do país no mercado internacional e<br />

apresentar essa imagem também para os próprios brasileiros.<br />

Na verdade, a proclamação da República e, sobretudo, as reformas<br />

urbanas da Capital Federal, realizadas pelo Ministério de Viação e<br />

Obras, e pela Prefeitura do Distrito Federal, marcaram novos tempos<br />

na história do país. Em consonância com os mecanismos simplistas de<br />

exibição e leitura do desenvolvimento dos países instituídos com as<br />

Exposições Universais, a modernização da arquitetura da área central<br />

e do Porto do Rio de Janeiro era percebida como se o Brasil inteiro,<br />

em um passe de mágica, houvesse modernizado o conjunto de suas<br />

instituições e a própria mentalidade e os hábitos dos seus habitantes<br />

(PEREIRA, 2011, p.22-23).<br />

O Brasil pretendia, nessa época, apresentar-se como um país próximo do capitalismo e desvincularse<br />

de sua imagem colonial. O Rio de Janeiro era o palco propício para firmar essa nova imagem<br />

de modernidade e industrialização. A cidade, capital do país naquele momento, passava por<br />

um processo de urbanização, adotado pelo então prefeito, Pereira Passos, e de saneamento<br />

capitaneado por Oswaldo Cruz.<br />

A Porta Monumental, idealizada pelo arquiteto francês René Barba, marcava a entrada principal<br />

de acesso do público à exposição, e foi aberta aos visitantes no dia 11 de agosto de 1908. Teve<br />

como inspiração a Porta Triunfal da Exposição Universal de 1900 em Paris; logo na entrada, já<br />

era compreendida a grandeza e a variedade de estilos que abrangia uma área expositiva com<br />

182.000m [2].<br />

A efemeridade e o ecletismo compunham o cenário arquitetônico da Exposição Nacional.<br />

Do Pórtico monumental de entrada – com as armas da república – aos<br />

pavilhões, desfilou uma infinidade de neos (manuelino, gótico, francês,<br />

romano etc.), além de construções românticas, art nouveau e Luís XVI.<br />

Quase todos os pavilhões foram demolidos imediatamente depois da<br />

exposição, exceto o Palácio das Indústrias, atual CPRM (CZAJKOWSKI,<br />

2000, p.133).<br />

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Figura 1. Porta Monumental: entrada da Exposição Nacional de 1908, Rio de Janeiro.<br />

Figura 2. Porta Triunfal da Exposição Universal de 1900, Paris.<br />

Fonte: http://www.skyscrapercity.com. Brooklyn Museum Archives, Goodyear Archival<br />

Collection.<br />

Dando sequência à Porta Monumental, a pequena cidade criada para esse evento apresentava a<br />

importância de cada estado. A arquitetura dos edifícios era a vitrine e o reflexo da grandiosidade<br />

econômica e social de cada local. No entanto, os estados da Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro<br />

e São Paulo apresentavam uma grandiosidade arquitetônica que se destacava dos demais<br />

pavilhões. “Os edifícios se sobressaíram com mensagem de magnificência, sobriedade, elegância,<br />

monumentalismo, luxo ou rusticidade, mostravam-se, em alguns casos, complementares, mas,<br />

sobretudo, contrastantes [...]” (PEREIRA, 2011, p.37-38). Um desses casos contrastantes foi o<br />

chalé de Santa Catarina, modesto diante dos 1500 m² do pavilhão de São Paulo, que causava<br />

impacto aos visitantes.<br />

Figura 3. Vista dos Pavilhões de Minas Gerais e de São Paulo. Foto de Augusto Malta<br />

Figura 4. Pavilhão de Santa Catarina. Foto de Augusto Malta<br />

Fonte: Arquivo Histórico do Museu da República<br />

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Outra característica era como se compreendia o evento, um “inventário”, uma vitrine para ser<br />

vista e percebida não só pelos brasileiros, mas também por outros países.<br />

É a partir desse Brasil em exposição que o país passa a ser visto de<br />

dentro, e uma visão ‘interna’ do território nacional também começa a<br />

ganhar forma. Mais do que isso, começa-se a definir com mais clareza<br />

políticas consequentes para suas cidades e regiões (PEREIRA, 2011,<br />

p.22).<br />

A exposição não se restringia apenas em demonstrar diferenciadas formas arquitetônicas em seus<br />

edifícios. O intuito era manter uma aproximação do progresso com a sociedade e do Brasil com a<br />

modernidade. Não apenas na delimitação física da área do evento, mas também na mudança de<br />

valores sociais e econômicos, como readequações de espaços urbanos. Uma nova infraestrutura<br />

era criada em torno do local da exposição, com criação de avenidas, planejamento de transportes,<br />

serviços públicos, além de uma aceleração nos processos industriais e comerciais.<br />

A Exposição Nacional de 1908 contribuiu para o público compreender o “Brasil por dentro” (PEREIRA,<br />

2011). Não apenas flanar pelas vitrines e variedades que o país oferecia em seus pavilhões, mas<br />

aliado às imagens, esse evento era apresentado como espetáculo, e seduzia e incorporava à<br />

sociedade o ato de consumir.<br />

Mesmo com o término da exposição, em novembro de 1908, o ritmo de modernização continuou,<br />

a indução ao consumo permaneceu, o público pós- exposição tornou-se atuante ao admirar o<br />

progresso da indústria e manifestar os seus desejos diante do encantamento com o novo, quer ele<br />

estivesse inserido no contexto industrial, artístico, ou representado em um produto e/ou objeto,<br />

“aproximando-se, assim, do espetáculo e do hábito moderno de olhar como forma de consumir”<br />

(PEREIRA, 2011, p.17-19).<br />

O caráter precursor do material iconográfico na Exposição Nacional de 1908<br />

A partir da Revolução Industrial, há, no contexto mundial, uma inovação e aceleração no uso da<br />

imagem. A crescente urbanização, o aumento da produção e da oferta de produtos aliados ao uso<br />

da litografia e da fotografia que, ao longo do tempo, expandiu de simples curiosidade tecnológica<br />

a uma técnica presente na representação gráfica, contribuíram para essa expansão da imagem<br />

no universo do impresso. Como assinala Meggs (2006), essa sociedade, cada vez mais urbana e<br />

industrializada, produziu uma expansão rápida de impressos diversos e materiais publicitários,<br />

tais como cartazes e anúncios. Os impressos antes da urbanização estavam inseridos apenas em<br />

livros e pequenos folhetos. Com a demanda de informações para anunciar ora o produto, ora o<br />

espetáculo, houve a necessidade de desenvolver outros veículos de comunicação como o cartaz. O<br />

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espaço público, os recursos gráficos e tipográficos tiveram que ser pensados em novas dimensões<br />

de objetos, uma vez que essas peças passaram a disputar o espaço e a atenção das pessoas. Os<br />

artistas, juntamente com impressores gráficos, recorrem, nesta fase, a uma variedade de estilos<br />

para atrair o olhar do público, auxiliados pelos novos recursos tecnológicos. Uma multiplicidade de<br />

linguagens modernas e inovadoras contribuem para as novas matrizes das artes e dos novos meios<br />

de comunicação, fato que cria um novo repertório visual e a integração da produção artística<br />

com a produção industrial. O resultado dessa variedade de imagens e técnicas está presente na<br />

Exposição Nacional. Pereira (2011) observa<br />

[...] olhar, comparar e julgar: esses atos que nos parecem tão comuns<br />

foram, na verdade, objeto de um longo e intenso processo de educação<br />

dos sentidos e, sobretudo, da visão, desenvolvido particularmente ao<br />

longo do século XIX. Saber ver por imagens e, sobretudo, ensinar a ver<br />

foi uma construção cultural compartilhada por diferentes sociedades<br />

no Ocidente – dentre as quais o Brasil (PEREIRA, 2011, p.10).<br />

Além do caráter didático relacionado a uma nova experiência de leitura visual por parte do público,<br />

nota-se a importância desse evento para a história do design gráfico, pela infinidade de imagens<br />

geradas e expostas. A circulação das novas técnicas de reprodução estava presente e atuante,<br />

apresentada em mídias e peças gráficas diversificadas tais como estereotipias, cinematógrafos<br />

[2], bilhetes postais, estampas de tecidos, levantamentos de dados das cidades e cartazes. A<br />

exposição aproximou o público das imagens estereoscópicas que utilizam o meio fotográfico para<br />

dar a sensação de tridimensionalidade. Essa apreensão da cena dava aos leitores uma variedade<br />

de narrativas não apenas de representações de seu país, como também de fotografias de outros<br />

locais, possibilitando um meio de viajar apenas com o olhar. As imagens geradas pelo estereoscópio<br />

[3], além de dialogarem visualmente com o público visitante da mostra, enquadraram-se como<br />

registro histórico<br />

A série de estereoscopias produzidas especialmente por ocasião da<br />

Exposição de 1908, parte integrante de uma ampla coleção custodiada<br />

pelo Arquivo Nacional, exibe da magnificência dos pavilhões dos<br />

estados às vestimentas de influência francesa que, por muito tempo<br />

ainda, se fariam presentes na moda indumentária. Elas nos dão estratos<br />

da população que visitavam a praia Vermelha: mulheres, crianças e<br />

homens (IBID, p.77).<br />

Os bilhetes postais ampliaram a forma de comunicação e circulação de imagens. As representações<br />

temáticas desses bilhetes transmitiam a importância da época, a partir do sentimentalismo e da<br />

nostalgia, expressos por cânones idealizados desde a beleza e sabedoria de musas gregas. Valores<br />

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tradicionais, como patriotismo e nacionalismo, também estavam representados com figuras<br />

relacionadas a ícones da paisagem local, como por exemplo, o Pão de Açúcar.<br />

Figura 5: Bilhetes Postais. Exposição Nacional de 1908.<br />

Fonte: http://osseresvivosquestaodeevolicao.blogspot.com<br />

O público presente na Exposição Nacional de 1908 também foi apresentado à ilusão do movimento<br />

com o cinematógrafo. As sessões exibidas com este aparelho proporcionaram ao público do evento<br />

uma opção de lazer e também uma nova narrativa visual, além da possibilidade de o público<br />

transportar-se para outras situações, diferentes do seu quotidiano.<br />

Quanto às estampas, a fábrica de tecidos Bangu ocupou um pavilhão com estilo mouro, que exibia<br />

a grandiosidade da era fabril. A fábrica teve caráter significativo na criação e propagação de<br />

imagens inseridas na indumentária, mudando as nuances de cores e padronagens que circulavam<br />

sobre os corpos dos indivíduos modernos. As estampas, dentro do contexto do design, oferecem<br />

um texto visual a partir dos elementos gráficos, desde cores, formas e texturas, como apresenta<br />

Oliveira (2006, p.83). Essa imponência no ramo de tecidos da fábrica Bangu deve-se a um novo<br />

mercado consumidor disponível e aos novos investimentos nos meios de produção em larga escala,<br />

como a inovação tecnológica de máquinas para impressão de estampas, com a qual chegou a<br />

ganhar prêmios por sua qualidade.<br />

[...] criada em 1889 para produzir morins e chitas, e em 1894 já<br />

comercializava seus produtos aos estados brasileiros graças às qualidades<br />

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de tecidos. Em 1903, a empresa inaugura a oficina de gravura, um<br />

marco na modernização; a partir de então, passa a contar com a prensa<br />

tipográfica e um motor elétrico. Esses investimentos fizeram com que<br />

seus tecidos adquirissem alta qualidade (PEREIRA, 2011, p.78).<br />

Figura 6. Pavilhão da Fábrica de Tecidos Bangu.<br />

Foto de Augusto Malta.<br />

Fonte: Arquivo Histórico do Museu da República,<br />

Estava também presente, na Exposição de 1908, uma outra forma de imagem vinculada à informação<br />

quantitativa, no caso, o retrato do país em números. Esses impressos foram apresentados à<br />

população em coeficientes de natalidade, mortalidade, crescimento dos transportes, entre outros.<br />

Tais apontadores eram apresentados de forma figurativa e mostravam os índices de modo atraente<br />

e com uma fácil compreensão de leitura. Por exemplo, quanto maior fosse o número presente na<br />

estatística, maior seria o ícone do desenho.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

Figuras 7 e 8. Coeficientes de Natalidade e de Mortalidade, 1908.<br />

Diretoria Geral de Estatística Rio de Janeiro.<br />

Fonte: Arquivo Histórico do Museu da República.<br />

Os cartazes tinham finalidades variadas, tais como apresentar o produto ao público e divulgar<br />

espetáculos de músicas. Introduziam elementos gráficos igualmente variados, do Art Nouveau<br />

ao Ecletismo. Percebe-se a influência marcante do livro A gramática do Ornamento, de Owen<br />

Jones (1856). Embora o autor fosse inglês, a tendência estilística apresentada na obra, adornos<br />

com influências do Oriente, estendeu-se a outros países, inclusive ao Brasil, tornando-se uma<br />

referência imprescindível para o design da época. Os projetos gráficos deste período apresentam<br />

um grande número de elementos ornamentais e uma vasta variedade tipográfica.<br />

Considerações finais<br />

Atualmente, há um material iconográfico restrito referente à Exposição Nacional de 1908; mesmo<br />

assim, pode-se notar que as imagens são a chave de entrada para compreender a mostra nacional,<br />

tanto no passado quanto no presente. No passado, essa importância foi sobretudo didática, no que<br />

diz respeito à alfabetização visual, à criação de um repertório imagético, ao contato do público<br />

com as novas técnicas da sociedade moderna e ao diálogo entre o pictórico e a tecnologia. Como<br />

acentua Pereira, o verbo “ver” ganha uma nova dimensão devido à velocidade da tecnologia sobre<br />

as imagens e seus diferentes suportes, como a fotografia, o cinematógrafo, o bilhete postal, a<br />

estampa de tecidos e os impressos.<br />

As correlações entre o material iconográfico da Exposição Nacional de 1908 e a época presente<br />

apresentam arranjos diferentes de significações, isto é, a função da imagem muda no tempo e<br />

no espaço, como apresenta Oliveira (2006, p.24). Exemplos como cartazes, bilhetes postais,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

informações quantitativas de pessoas, transportes etc., perdem, na atualidade, sua função<br />

informativa, porém suas funções simbólicas e estéticas permanecem.<br />

No presente, essas imagens revelam-se importantes tanto para o entendimento do imaginário<br />

social da época como para a compreensão e o conhecimento das informações e peças gráficas<br />

representadas no evento. Percebemos a relevância da Exposição Nacional de 1908, para a<br />

história do design brasileiro, a partir do seu material físico, textual e iconográfico. Os relatos<br />

e imagens gerados pela Mostra além de apontarem padrões estéticos e refinamento do gosto, a<br />

exposição reflete em especial a uma nova consciência acerca da cultura material e instruem o<br />

público a partir de um rico contexto visual e tecnológico do início do século XIX a refletir sobre<br />

essa sociedade industrial que estava sendo formada.<br />

Notas<br />

[1] A Revista Kosmos foi publicada pela primeira vez em janeiro de 1904 e sua última publicação<br />

foi em junho de 1939. Seus artigos tratavam de questões gerais ligadas à arte, ciência, história<br />

e literatura. A revista tinha como modelo publicações ilustradas europeias e norte-americanas.<br />

Disponível em . Acesso em 5 set 2011.<br />

[2] Cinematógrafo - uma espécie de ancestral da filmadora – é movido a manivela e utiliza negativos<br />

perfurados, substituindo a ação de várias máquinas fotográficas para registrar o movimento. O<br />

cinematógrafo torna possível, também, a projeção das imagens para o público. Disponível em<br />

. Acesso em: 10 out 2011.<br />

[3] O estereoscópio é um instrumento destinado ao exame de pares de fotografias ou imagens,<br />

vistas de pontos diferentes, resultando numa impressão mental de uma visão tridimensional.<br />

Disponível em . Acesso em: 5 set 2011.<br />

Referências<br />

BARBUY, Heloisa. A exposição universal de 1889 em Paris. São Paulo: Edições Loyola, 1999.<br />

BENJAMIN, Walter. Passagens. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.<br />

CZAJKOWSKI, Jorge. Guia da Arquitetura Eclética do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro de<br />

Arquitetura e Urbanismo, 2000.<br />

CARDOSO, Rafael. <strong>Design</strong>, cultura material e o fetichismo dos objetos. In: Arcos, número único.<br />

Vol.1, RJ, UERJ/Contra Capa, 1998, pp. 15-39.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. São Paulo: Edgard Blücher, 2004.<br />

MEGGS, Philip B.; Purvis, Alston, W. Uma História do <strong>Design</strong> Gráfico. São Paulo, Cosacnaify, 2006.<br />

NÓVOA, Jorge; FRESSATO, Soleni Biscouto; FEIGELSON, Kristian (orgs.). Cinematógrafo: um olhar<br />

sobre a história. Salvador: EDUFBA; São Paulo: Ed. UNESP, 2009.<br />

PEREIRA, Margareth da Silva. 1908, um Brasil em Exposição. Rio de Janeiro: Casa Doze, 2011<br />

PESAVENTO, Sandra Jatahy. Exposições Universais: espetáculos da modernidade do século XIX.<br />

São Paulo: Editora Hucitec,1997.<br />

RAMALHO E OLIVEIRA, Sandra. Imagem Também se Lê. São Paulo: Ed. Rosari, 2006.<br />

SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São<br />

Paulo: Cia das Letras, 1998.<br />

Websites<br />

Arquivo Histórico do Museu da República.<br />

Disponível em: http://www.republicaonline.org.br/index_site.htm. Acesso em: 21 abr 2011.<br />

As exposições que o Brasil esqueceu: Exposição Nacional de 1908.<br />

Disponível em: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=827148&page=1 Acesso em: 21<br />

out 2011.<br />

A fantástica história do cinema<br />

Disponível em: http://cinepedia.br.tripod.com/historia.htm Acesso em: 21 abr 2011.<br />

Brooklyn Museum Archives, Goodyear Archival Collection.<br />

Disponível em: www.flickr.com/photos/brooklyn_museum/2486856102/in/set-72157604656089762<br />

Acesso em: 21 abr 2011.<br />

Exposições Virtuais.<br />

Disponível em: http://www.exposicoesvirtuais.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.<br />

htm?sid=187>. Acesso em: 21 abr 2011.<br />

Faculdade Assis Gurgacz<br />

Disponível em: http://www.fag.edu.br/professores/vabier/metodos_medidas_mapeamento/<br />

estereoscopio.pdf>. Acesso em: 21 abr 2011,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A Exposição Nacional de 1908: o material iconográfico como expoente<br />

Revista Kosmos<br />

Disponível em: http://www.urbanismobr.org/bd/periodicos.php?id=60> Acesso em: 21 abr 2011.<br />

Universo Filatélico<br />

Disponível em: http://osseresvivosquestaodeevolicao.blogspot.com/2010/05/historia-postal.<br />

html > Acesso em: 21 abr 2011.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

Buggy, Leonardo A. Costa; Mestre em <strong>Design</strong>; <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco;<br />

buggy@tiposdoacaso.com.br<br />

Ferraz, Milena; Bacharel em <strong>Design</strong>; <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco; mika.<br />

ferraz@gmail.com<br />

Gusmão, Saulo; Graduando em <strong>Design</strong>; <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco;<br />

saulojobs@gmail.com<br />

Resumo<br />

Este artigo demonstra como as características plásticas de diferentes processos<br />

gráficos podem ser combinadas para reproduzirem cartazes atraentes, funcionais<br />

e eficientes. Ele aponta alternativas para execução de impressos, relacionando<br />

de forma mais íntima criação e produção sem perder de vista a qualidade, custo,<br />

prazo e operacionalidade.<br />

Palavras-chave:<br />

Cartaz, impressão, produção gráfica<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2011<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

Introdução<br />

O cartaz é a peça gráfica pioneira quando se fala de planejamento visual e design gráfico (MELTZ,<br />

1963). A prática da produção de cartazes é responsável por influenciar o design como conhecemos<br />

hoje; Outdoors, folders, cartões de visita, embalagens e sistemas de identidade visual, se não<br />

completamente derivados do cartaz, devem a ele parte de suas histórias (LIMA, 2008). Cartazes<br />

podem ou não serem pôsteres. O pôster tem um maior apelo estético sendo os cartazes mais<br />

funcionais, devido às informações contidas que pretendem ser absorvidas pelo leitor.<br />

Cartazes como mídia anunciadora - seja com foco em anúncios para venda de algum serviço/<br />

produto, seja apenas para fins informativos - têm a habilidade de querer para si a atenção do<br />

observador requerendo conceito, estrutura adequada e técnica de produção. A praticidade e<br />

eficiência dessa peça - tão chamativo que atraia a atenção dos que transitam, tão direto para<br />

que transmita a mensagem desejada rapidamente e, ao mesmo tempo, simples e convincente -<br />

motivou sua escolha para a divulgação de dois eventos acadêmicos vinculados a instituições de<br />

ensino superior: o início das atividades do Grupo de Estudos Caligráficos e da Oficina de Impressão<br />

Tipográfica. O primeiro, realizado em 2009 na Faculdades Integradas Barros Melo e o segundo, em<br />

2010, na <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco.<br />

A escolha do sistema de impressão não é um processo automático que tem a mesma resposta para<br />

toda e qualquer circunstância (VILLAS-BOAS, 2008). A despeito disto, as tecnologias laser e jato<br />

de tinta têm se mostrado com frequência a solução preferida por inúmeros profissionais para a<br />

realização de pequenas tiragens. Tal fato estreita os horizontes criativos dos designers pois reduz<br />

drasticamente a enorme gama de papéis, formatos, tintas e acabamentos disponível às artes<br />

gráficas.<br />

O relato dos experimentos apresentados neste artigo descreve a combinação de diversos métodos<br />

e técnicas de produção gráfica utilizados em cada projeto. Requisitos, restrições e outros detalhes<br />

relevantes são tratados de forma analítica. A partir disto desdobra-se uma discussão acerca das<br />

circunstâncias de execução dos cartazes e dos resultados obtidos com o seu emprego.<br />

Fundamentação<br />

Tinta preta sobre papel branco, essa foi a resposta recorrentemente adotada pelas artes gráficas<br />

para a concretização das demandas de comunicação visual de um mundo renascido e ingresso no<br />

processo de industrialização (HOLLIS, 2010, p.3). Assim, era produzida toda sorte de impressos<br />

xilográficos e tipográficos que precederam a explosão cromática detonada pela litografia, que<br />

mais tarde daria origem ao offset.<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

A tipografia criada em 1450 por Johannes Gutenberg persistiu como o principal meio de geração<br />

da página impressa durante quatrocentos anos até encontrar exuberante concorrência em meados<br />

do século XIX. Tal embate teve origem no ano de 1796, quando tornou-se desnecessário recorrer<br />

ao alto relevo das fôrmas de metal ou de madeira para transferir grafismos a suportes. Aloys<br />

Senefelder havia inventado a litografia, um sistema de impressão baseado no princípio de repulsão<br />

química verificado entre água e óleo que emprega fôrmas planas. Antes de completar cinquenta<br />

anos, esse sistema evoluiu e viabilizou o uso de cores, recurso caro e lento para os tipos móveis,<br />

e em 1837 Godefroy Engelmann patenteou a cromolitografia (MEGGS; PURVIUS, 2009, p.95-205).<br />

O cartaz foi importante ator neste embate tecnológico. Se por um lado a facilidade com o manejo<br />

das cores pesou em favor dos pôsteres litográficos, por outro, a criação de novas técnicas para<br />

produzir tipos em madeira de tamanhos e estilos diversos favoreceu os tipográficos. Permeando<br />

tais fatores, os avanços no fabrico de papel beneficiavam a produção em larga escala de ambos<br />

sistemas de impressão. Nesse compasso, o ritmo de popularização do cartaz foi determinado<br />

paralelo ao período de expansão da Revolução Industrial pelo mundo. Em verdade, um bom exemplo<br />

da especificidade da comunicação visual aplicada a um determinado contexto social e cultural<br />

(DENIS, 2008, p.49-51). Uma clara expressão da vida nas ruas das crescentes cidades oitocentistas.<br />

Economia, moda, gastronomia, higiene pessoal e diversão foram estampadas em folhas avulsas,<br />

impressas apenas de um lado, com o intuito de apresentar e promover mensagens. Imagens que<br />

refletiam o estilo artístico vigente e palavras de contexto preciso eram cuidadosamente planejadas<br />

e vinculadas a um significado único, fácil de ser lembrado. Assim, os cartazes da época competiam<br />

entre si para atrair público para entretenimentos e compradores para produtos (HOLLIS, 2010,<br />

p.3-5).<br />

Do mesmo modo que em todas as inúmeras formas de materiais visuais, as razões básicas<br />

subjacentes à criação de um cartaz passam pela resposta a uma necessidade humana. Imediata e<br />

prática, ligada às questões triviais da vida cotidiana, ou voltada a aspectos mais elevados de auto<br />

expressão de um estado de espírito ou idéia (DONIS, 2007, p.183). Independente do lado para o<br />

qual penda a origem dessa necessidade, ela precisa ser saciada de forma adequada.<br />

A figura do designer de cartaz surgiu para resolver tal problema, tanto devido às particularidades<br />

do meio quanto à criatividade de pioneiros como Jules Chéret, na França, ou J. H. Bufford e Louis<br />

Prang, nos Estados Unidos (DENIS, 2008, p.51).<br />

O êxito do trabalho desses profissionais, bem como o de outros designers, estava condicionado a<br />

construção da síntese de todos os dados úteis ao desempenho da função do cartaz, traduzidos de<br />

forma dinâmica em palavras e imagens. Até os dias de hoje seu sucesso depende muito da aptidão<br />

do designer na reunião dos princípios básicos da comunicação visual com destreza, experiência<br />

e talento (HURLBURT, 2002, p.94). O resultado esperado deveria exercer uma força capaz de<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

atrair a atenção de transeuntes no ambiente urbano. Os impulsos responsáveis por tal atração<br />

são similares aos que provocam repulsão. Eles existem no âmbito psicológico e formam-se na<br />

experiência de qualquer pessoa que observe uma representação gráfica. Desde que tenham um<br />

ponto de aplicação, uma direção e uma intensidade, estes impulsos preenchem as exigências<br />

estabelecidas para caracterização de forças físicas e tornam-se propriedades genuínas dos objetos<br />

percebidos através de padrões visuais (ARNHEIM, 2002, p.9-10).<br />

Ao longo dos séculos que sucederam, o estabelecimento do cartaz como aplicação urbana e as<br />

funções básicas das artes gráficas – identificar, informar e promover – sofreram poucas alterações<br />

e, em alguns países, o cartaz deslanchou, passando por uma rápida evolução e sofisticação da sua<br />

linguagem. Pode-se afirmar que a força de atração exercida pelos cartazes cresceu nos contextos<br />

de grande atividade comercial em que havia o que divulgar. De forma concomitante, a relação<br />

entre imagem e fundo, espaço com e sem tinta, positivo e negativo, tornaram-se fundamentais<br />

para a estética do conjunto. A área não impressa equiparou-se visualmente a impressa. Suas<br />

proporções e dimensões, sua cor e textura, passaram a ser entendidas por seus projetistas<br />

como parte integrante do design gráfico (HOLLIS, 2010, p.4; DENIS, 2008, p.49-51). Com isso, a<br />

folha impressa adquiriu uma qualidade especial determinante para sua forma e conteúdo. Sua<br />

concepção e produção seriada passou a caracterizar um processo de comunicação altamente<br />

pessoal, colocando seu projetista em contato direto com os cidadãos (HULBURT, 2002, p.133).<br />

A ideia de contato mediado pelo cartaz ganhou força com o estabelecimento da civilização<br />

contemporânea, a chamada civilização da imagem. Nela, a cidade passou a ser compreendida<br />

como uma reunião de ruas e habitações, de objetos e imagens. Um campo semântico de sinais<br />

luminosos e tabuletas de lojas, de injunções e solicitações. Uma paisagem criada pelo homem<br />

na qual o fluxo acelerado de trocas individuais obriga a se tentar fazer passar para o espírito<br />

de receptor mais elementos em menos tempo. Foi neste meio artificial que a imagem se impôs<br />

(MOLES, 2005, p.18-21).<br />

Embora nem sempre visível, a imagem indica hoje algo que toma alguns traços emprestados do<br />

visível. Ela depende da produção imaginária ou concreta de um sujeito, passando por alguém que<br />

a produz ou reconhece (JOLY, 2002, p.13). Aliada às cores que desempenham um papel essencial,<br />

mas não exclusivo, a imagem responde em grande parte pela força de atração do cartaz que passa<br />

a explorá-la em grande escala (MOLES, 2005, p.23).<br />

A possibilidade técnica de ilustrar dessa forma acompanha a evolução da litografia para o offset<br />

que surgiu em 1903, por obra do americano Washington Rubel. O mesmo princípio foi utilizado.<br />

As zonas de impressão das matrizes, agora chapas metálicas planas, conservaram-se lipófilas,<br />

atraindo a tinta gordurosa e repelindo a água. Por sua vez, as zonas não impressoras permaneceram<br />

hidrófilas, atraindo a água e repelindo a tinta (BAER, 2010, p.187-188).<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

Assim, graças às evoluções sentidas nas tecnologias de impressão, relações de consumo e convívio<br />

social, o cartaz foi incorporado à cultura estética e ao cotidiano prático das cidades, narrando<br />

muitas vezes sua própria história. É a partir deste entendimento que os experimentos narrados a<br />

seguir se dão no contexto acadêmico de extensão de nível superior.<br />

Metodologia<br />

Dois experimentos foram promovidos para demonstrar que a produção de pequenas tiragens de<br />

impressos pode, ao menos em parte, prescindir de tecnologias digitais sem que se comprometam<br />

suas funções no âmbito da comunicação visual. A confecção de dois cartazes foi registrada em<br />

forma de relatório através de textos e fotografias que permitiram a posterior análise dos sistemas<br />

de impressão, circunstâncias de produção e limitações projetuais.<br />

Caso 1, Cartaz Grupo de Estudos Caligráficos<br />

O Grupo de Estudos Caligráficos Barros Melo foi montado durante a gestão do Prof. Me. Leonardo A.<br />

Costa à frente da coordenação do Curso de <strong>Design</strong> Gráfico da Faculdades Integradas Barros Melo.<br />

Em Outubro de 2008, alguns professores dessa instituição de ensino pernambucana, chefiados por<br />

seu coordenador, propuseram criar reuniões semanais para compartilhar experiências a respeito<br />

de técnicas e instrumentos de escrita. Nesses encontros diversas possibilidades da caligrafia<br />

enquanto expressão plástica natural aos cidadãos alfabetizados seriam exploradas.<br />

A fim de conquistar adesões ao projeto e dar inicio às atividades desse grupo, mostrou-se necessário<br />

divulgar ao corpo discente e à comunidade vizinha ao campus de Olinda a abertura de vagas para<br />

participar desse grupo de estudos. Para tanto, decidiu-se pela produção de um cartaz.<br />

Tendo em vista a disponibilidade de uma gráfica offset e tipográfica dentro da estrutura do curso<br />

esses sistemas foram naturalmente adotados para a produção do impresso.<br />

Apesar de equipada com uma Catu 510 – impressora offset monocromática; gravadora Skay e<br />

reveladora de matrizes de impressão offset; uma guilhotina elétrica industrial formato BB (66<br />

x 96cm); uma grampeadeira mecânica; seis caixas de tipos móveis e uma Minerva Guarani ¼<br />

– impressora tipográfica com capacidade para imprimir folhas de 33 x 48cm – tal gráfica não<br />

era capaz de realizar todas as etapas da produção de impressos offset, tendo em vista a falta<br />

de equipamentos para geração de fotolitos. A observação dessa limitação sugeriu um espaço<br />

para a experimentação de processos alternativos à obtenção de matrizes de impressão offset em<br />

condições de desempenhar satisfatoriamente sua função.<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

Figura 1: Impressora offset Catu 510<br />

Fonte: Do autor.<br />

Figura 2: Impressora tipográfica Minerva Guarani ¼.<br />

Fonte: Do autor.<br />

O projeto gráfico do cartaz foi pensado de modo a fazer com que os sistemas de impressão offset<br />

e tipográfico atuassem de forma complementar na reprodução das informações necessárias à<br />

comunicação das vagas para integrar o grupo de estudos.<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

Por se tratar de uma atividade caligráfica, a imagem de uma pena sobreposta ao fundo de uma<br />

textura com letras manuscritas foi eleita para ilustrar a peça gráfica. Um esboço foi realizado<br />

manualmente com auxilio de lápis grafite HB e papel sulfite 75 g/m2, considerando essas ilustrações<br />

como impressas em offset. Cada uma delas deveria ser reproduzida em uma cor específica,<br />

implicando em duas entradas de máquina, ou seja, duas impressões que se sobreporiam. As<br />

informações textuais referentes à identificação da atividade, data de início e forma de inscrição<br />

seriam reproduzidas através de uma terceira impressão feita com auxílio de tipos móveis. Assim<br />

foi definida essa disposição para assegurar a integridade da mensagem a ser transmitida, pois o<br />

grupo se destinaria ao estudo das belas formas de letras caligráficas, as quais ainda não eram de<br />

domínio de seus proponentes. Desse modo, a textura de letras manuais ficaria em segundo plano.<br />

O tamanho do cartaz foi definido pela dimensão das folhas que alimentavam as impressoras da<br />

gráfica, ambas limitadas a 33 x 48 cm.<br />

Uma vez definido o projeto, teve início a geração e preparação dos originais, processos que<br />

ocorreram de forma conjugada.<br />

A solução da ilustração de primeiro plano uniu tarefas desempenhadas em ambientes digitais e<br />

analógicos. A ilustração da capa do catálogo da coleção 2001 da digital type foundry brasiliense<br />

Gemada Tipográfica foi digitalizada, importada num arquivo de Adobe Illustrator CS3 e convertida<br />

para curvas. A imagem vetorial resultante foi ampliada até o tamanho originalmente planejado<br />

(7 x 37,5 cm), sua cor de preenchimento retirada e suas linhas de contorno destacadas em preto.<br />

A página do arquivo gerado, correspondente ao formato final do cartaz, foi impressa em uma<br />

Lexmark E120n, impressora laser monocromática. Para tanto, a imagem foi dividida em duas<br />

partes pelo drive da impressora já que a maior mídia suportada por esse periférico é Ofício 1<br />

(21,6 x 35,5 cm). Duas folhas de sulfite 75 g/m2 formato A4 (21 x 29,7 cm) na orientação paisagem<br />

deram conta de realizar a tarefa.<br />

As metades da pena caligráfica foram unidas com auxilio de fita adesiva transparente de 1 cm de<br />

espessura. Assim, o desenho foi recomposto conforme o arquivo digital.<br />

Do mesmo modo que as folhas de sulfite, duas folhas de transparências para impressoras laser<br />

foram coladas uma a outra pelos lados de maior medida.<br />

Os pares de folhas coladas foram sobrepostos ficando o grafismo registrado no suporte opaco por<br />

baixo das lâminas de polímero.<br />

Manualmente os contornos da pena caligráfica foram transferidos para as transparências na<br />

medida em que a ponta de uma caneta preta Pilot de escrita 0,5 mm, tipo marcador permanente,<br />

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percorria a mesma trajetória indicada por seu desenho. Operação concluída, os contornos foram<br />

preenchidos com o mesmo instrumento de escrita. O artefato resultante desempenhou mais tarde<br />

a função de fotolito correspondente à chapa da segunda impressão offset da peça gráfica.<br />

Figura 3: <strong>Arte</strong>fato produzido para substituir fotolito com imagem da pena caligráfica<br />

Fonte: Do autor.<br />

Já o processo de obtenção do artefato que serviu como fotolito da primeira impressão offset,<br />

aquela referente à textura de letras, deu-se ligeiramente diferente.<br />

Pincéis de ponta chata com espessuras diferentes foram utilizados para cobrir o desenho de<br />

caracteres estampados em manuais de caligrafia. A tinta utilizada foi a mesma dos marcadores<br />

permanentes, Pilot TR 37, comercializada em frascos de 37 ml para a recarga das canetas.<br />

Várias formas distintas foram reproduzidas na superfície de um novo par de transparências até que<br />

a área fosse preenchida de modo uniforme por uma textura de letras caligráficas. A composição foi<br />

incrementada com respingos de tinta que preencheram os vazios restantes.<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

Figura 4: <strong>Arte</strong>fato produzido para substituir fotolito para impressão de background com imagem<br />

de letras caligráficas.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Concluídos os ‘fotolitos artesanais’, deu-se inicio o processo de composição tipográfica manual<br />

necessário à terceira impressão, as informações textuais do cartaz.<br />

Duas fontes foram selecionadas para a execução dessa etapa. Grotesca Reforma Meia Preta<br />

Estreita corpo 72 pt. e Grotesca Normal Meia Preta corpo 20 pt. Da Funtimod – indústria brasileira<br />

de máquinas e materiais gráficos. A disponibilidade dos caracteres e o tamanho dos corpos foram<br />

fatores decisivos para adoção das caixas relacionadas.<br />

Texto composto e fixado na rama – quadro de perfil metálico utilizado para fixar verticalmente a<br />

matriz tipográfica em impressoras do tipo Minerva – retomou-se o processo offset.<br />

As chapas de impressão foram gravadas com o uso dos filmes gerados manualmente. Dois minutos<br />

de exposição à luz irradiada pela gravadora foram suficientes, replicando o mesmo tempo<br />

demandado por fotolitos comuns.<br />

Gravadas, as chapas seguiram para o banho de revelação. Retirada a emulsão das áreas de contra<br />

grafismo de ambas, observou-se que o ponto de junção das transparências, sobretudo onde foi<br />

aplicado fita adesiva, havia projetado uma sombra durante a gravação e que tal sombra converteuse<br />

em grafismos indesejados. Esse vestígio da produção artesanal foi apagado com auxílio de<br />

removedor. Logo, a primeira tentativa empreendida para obter as matrizes offset alcançou sucesso<br />

e teve início o processo de impressão propriamente dito.<br />

A chapa contendo a textura de letras caligráficas foi ajustada ao cilindro de impressão da Catu<br />

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510 que foi carregado com tinta WT 1200 Branco Opaco da Printcor. O contraste entre o branco<br />

da tinta e o branco do Papel Offset 75 g/m2, escolhido para produção de 50% da tiragem, ficou<br />

praticamente imperceptível, fato não observado na impressão em Papel Jornal 50 g/m2, designado<br />

para a outra metade da tiragem. Uma formulação de tinta contendo 98% do branco citado e 2% de<br />

Prata Elite, também da Printcor, solucionou o problema.<br />

A primeira das três impressões que comporiam os 100 cartazes pretendidos, 50 em papel jornal e<br />

outros 50 em papel offset, foi realizada.<br />

Para a segunda impressão, a máquina teve de ser completamente limpa e a matriz trocada.<br />

A chapa contendo o desenho da pena caligráfica assumiu o lugar da anterior e a máquina foi<br />

carregada com a segunda tinta, Laranja Pantone 021 da Sun Chemical.<br />

Os papéis já impressos com os grafismos de fundo do cartaz foram posicionados na bandeja de<br />

alimentação da máquina para receber a imagem principal.<br />

Devido à pressão e carga da máquina, calibrada originalmente para o Offset 75 g/m2, verificou-se<br />

uma perda maior de cópias em Jornal 50 g/m2, cerca de 8% da tiragem contra 4% em Papel Offset.<br />

Menor espessura e maior absorvência retiveram mais umidade e provocaram mais atolamentos.<br />

Concluído o processo offset chegou a vez de estampar as informações textuais. A matriz tipográfica<br />

foi ajustada e a impressora de tipos móveis preparada para realizar a terceira impressão.<br />

É importante destacar que a mesma cor do desenho da pena deveria ser reproduzida pela<br />

tipografia e que a oferta cromática de tintas tipográficas no mercado pernambucano resume-se<br />

praticamente a preto, vermelho e verde. Assim, restou preencher o berço de alimentação dos<br />

rolos entintadores da Guarani ¼ com o Laranja Pantone 021 da Sun Chemical – uma tinta offset – e<br />

observar o resultado. A consistência semelhante das tintas usadas pelos dois sistemas assegurou<br />

um bom resultado na impressão relevográfica que ocorreu normalmente, livre de sobressaltos. A<br />

posterior limpeza dos cilindros entintadores e dos tipos também não acarretou problema algum<br />

ao equipamento.<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

Figura 5: Cartaz do Grupo de Estudos Caligráficos<br />

Fonte: Do autor.<br />

Caso 2 (cartaz Oficina de Impressão Tipográfica)<br />

O evento de extensão Oficina de Impressão Tipográfica promovido pelo Projeto Laboratório<br />

de Tipografia do Agreste (LTA) coordenado pelo Prof. Me. Leonardo A. Costa foi realizado na<br />

<strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco em maio de 2010. A oficina propôs utilizar instrumentos<br />

e insumos de produção tipográficos para a reprodução de pequenas tiragens de impressos e<br />

experimentar a plasticidade da livre composição de textos com tipos móveis. Também teve como<br />

objetivo combinar a tipografia aos demais processos de impressão de modo a obter resultados<br />

atraentes, funcionais e eficientes para contratantes e consumidores de design gráfico reconhecendo<br />

os instrumentos e maquinário necessário a produção tipográfica.<br />

O processo de confecção do cartaz, para divulgação do evento enfrentou restrições, pois estava<br />

disponível apenas uma impressora laser monocromática, formato legal (21,59 x 35,56 cm). Haviam<br />

equipamentos tipográficos, contudo a equipe de produção envolvida não era capaz de operá-los.<br />

O universo da tipografia havia de ser abordado de alguma forma e optou-se por uma fotografia<br />

de uma bandeja completamente preenchida de tipos móveis de vinil aplicada, futuramente,<br />

no background do cartaz. A fotografia foi clicada e levada para tratamento digital no Adobe<br />

Photoshop CS3 onde retirou-se a saturação da imagem e a submeteu a ajustes de contraste para<br />

que as formas em preto e branco fossem bem definidas. Por se tratar de um cartaz de meia folha<br />

BB (48 x 66 cm) e a existente limitação de equipamentos que não supriam o preenchimento total<br />

dos grafismos planejados em toda a superfície da área a ser utilizada, a imagem foi submetida à<br />

composição por quadrantes de tamanho A4 para posterior impressão espelhada em laser preto e<br />

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branco para a composição da técnica de estampa química que compusera o background do cartaz.<br />

Um protótipo digital definiu o layout aprovado.<br />

Figura 6: Layout digital aprovado<br />

Fonte: Do autor.<br />

O título Oficina de Impressão Tipográfica escrito com a fonte Ziggurat Black foi idealizado em<br />

Stencil de cor laranja devido ao contraste e para permitir a transparência entre a sobreposição<br />

do título com a textura. O olho dos caracteres foi omitido para um resultado plástico de impacto<br />

e eficiência da técnica.<br />

Deu-se início à produção da pequena tiragem de 6 cartazes em papel Offset 120g/m² e Color Plus<br />

amarelo, salmão e bege 120g/m². A fôrma que daria origem ao stencil do título foi projetada em<br />

folhas de transparência de radiografia, limpas com água sanitária, e cortada com auxílio de bisturi<br />

e tesoura pequena de ponta fina para as partes curvas e minúsculas.<br />

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Figura 7: Fôrma do Stencil.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Os contornos do título foram impressos em quadrantes A4 e montados para orientar o corte do<br />

Stencil.<br />

O cartaz inova ao utilizar uma tipografia que foge dos padrões mais populares do stencil, usando<br />

formas modernas e de fácil percepção privilegiando os contornos. Uma vez prontas as placas<br />

vazadas com a forma do título do cartaz, a imagem composta por quadrantes foi impressa<br />

espelhada em laser preto e branco e os quadrantes numerados. Cada uma das oito páginas obtidas<br />

foi montada sobre o papel suporte de cada exemplar de cartaz para recompor a imagem de 48 x<br />

66 cm a ser reproduzida. Com o auxílio de estopa embebida de thinner, as partes dessa imagem<br />

de fundo foram transferidas quimicamente das folhas de sulfite A4 para as folhas de offset e<br />

color plus finais caracterizando a técnica da estampa química. Foi constatado durante o processo<br />

o não funcionamento dessa técnica no papel kraft, e possível inabilidade também em papéis<br />

perolados, devido a sua cobertura não porosa. O melhor desempenho do algodão, substituindo a<br />

estopa, também foi constatado devido a melhor absorção do solvente e, consequentemente, mais<br />

uniformidade na distribuição quando se transfere as imagens impressas do sulfite para o suporte<br />

final.<br />

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Figura 8: Quadrantes A4 impressos em laser.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Figura 9 e 10: Início da montagem do background a partir da aplicação da técnica de estampa<br />

química; Término da transferência do primeiro quadrante para o background do cartaz.<br />

Fonte: Do autor.<br />

O stencil foi sobreposto ao suporte estampado e foi utilizado spray Colorgin laranja para a<br />

colorização do título. Foi escolhida a cor laranja, pois apresentava bom contraste com as cores<br />

do suporte antepostas ao background e permitia certo nível de transparência que casava com o<br />

efeito da imagem em segundo plano.<br />

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Figura 11: Sobreposição da fôrma do stencil ao suporte<br />

Fonte: Do autor.<br />

Figura 12: Aplicação do spray laranja.<br />

Fonte: Do autor.<br />

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Figura 13: Resultado da sobreposição do título em spray e a textura do background.<br />

Fonte: Do autor.<br />

O resultado final consiste num pôster com uma textura de fundo extremamente particular, já que<br />

parte do processo é realizado em sistema artesanal, mas sem abandonar os processos formais de<br />

reprodução baseado em técnicas tradicionais do design.<br />

Figura 14. Cartaz da Oficina de Impressão Tipográfica.<br />

Fonte: Do autor.<br />

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Considerações Finais<br />

Os cartazes obtidos através dos processos relatados exploram texturas extremamente particulares<br />

que evidenciam a experiência plástica e técnica que seus projetos proporcionaram no campo<br />

da produção gráfica. Isto deve-se ao fato de grande parte dos processos produtivos terem sido<br />

realizados artesanalmente, impelindo os designers a transcender a etapa de criação e a utilizar<br />

outras ferramentas além dos softwares gráficos.<br />

Todavia, ao menos um dos sistemas tradicionalmente adotados para produção de tiragens médias<br />

foi empregado. O primeiro caso dispôs de uma impressora offset rudimentar que operou produzindo<br />

apenas duas centenas de folhas.<br />

Esse tipo de acomodação indica a possibilidade da incorporação de sistemas industriais à realidade<br />

de pequenas tiragens se observados pequenos fornecedores gráficos. Ao mesmo passo, sugere uma<br />

rica conexão com outros métodos de estampa adequados à confecção de unidades ou dezenas de<br />

peças gráficas.<br />

O molde feito para o stencil do cartaz da Oficina de Impressão Tipográfica usou uma fonte pesada de<br />

fácil percepção, privilegiando contornos arredondados. Os rebaixos dos olhos dos seus caracteres<br />

foram suprimidos para evitar o emprego de ‘pontes’ (conexões entre áreas de contra grafismo<br />

internas e externas, muito freqüentes na construção de moldes vazados). Os testes de papéis<br />

foram fundamentais para o acerto de produção da estampa química nesta peça gráfica.<br />

A transferência da imagem impressa em laser preto e branco é deficiente tanto em papéis cobertos<br />

muito lisos, quanto em papéis descobertos muito ásperos.<br />

É importante destacar que os resultados dos dois experimentos foram bem sucedidos. O cartaz da<br />

Oficina de Impressão Tipográfica, em especial, causou forte impacto visual conquistando grande<br />

simpatia de seu público alvo.<br />

A interação entre as tecnologias e as condições de trabalho impostas aos designers proporcionaram<br />

resultados diferentes daqueles obtidos majoritariamente em ambiente digital. Novas possibilidades<br />

de expressão foram apresentadas ao mesmo tempo que novas soluções para produção de pequenas<br />

tiragens provaram-se viáveis.<br />

Sistemas de impressão em desuso foram resgatados e outros, atuais, foram utilizados de maneira<br />

não convencional.<br />

Métodos de estampa foram trazidos para o contexto do design gráfico estabelecendo conexões<br />

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técnicas e estéticas com os universos do grafite e da colagem. Visualmente, o cartaz emprega<br />

uma linguagem direta com o usuário, porém, a mensagem obtida por este traz diferentes emoções<br />

e reações. Publicitariamente, comunica um produto ou serviço de forma rápida e instantânea.<br />

Artisticamente, sua função carrega consigo sentimentos diferentes em cada elemento impresso.<br />

No tocante a dimensão sintática, o produto do primeiro experimento comportou-se de modo<br />

curioso. Enquanto o uso da tipografia favoreceu sua percepção, o offset a dificultou. Os tipos<br />

móveis imprimiram marcas típicas denunciando seu emprego. Por outro lado, as duas entradas<br />

em máquina do offset reproduziram imagens chapadas com traços irregulares livres de retículas.<br />

O desenho manual com tinta de marcador permanente sobre transparências gerando fotolitos foi<br />

determinante para causar este efeito.<br />

Já os métodos de produção empregados no produto do segundo experimento imprimiram vestígios<br />

contundentes de seu processo de configuração. Sua manufatura preservou traços formais que<br />

denotam as técnicas construtivas adotadas expondo sua sintaxe a um observador mais atento.<br />

Em linhas gerais, nenhum dos dois experimentos dispôs de trâmites convencionais da produção<br />

gráfica contemporânea para obter bons resultados. Todavia, as circunstâncias mais adversas<br />

enfrentadas pela produção do cartaz da Oficina de Impressão Tipográfica geraram a peça gráfica<br />

de maior formato e impacto, o que corrobora o fato de que restrições técnicas são inerentes à<br />

prática do design, mas que não devem cercear o desempenho do designer.<br />

É preciso conhecer as limitações de cada técnicas para obter novos resultados combinando<br />

procedimentos, testando materiais inusitados, etc.<br />

Referências<br />

ARNHEIM, Rudolf. <strong>Arte</strong> e percepção visual: uma psicologia da visão criadora: nova versão. 14.<br />

Reimp. da 1. ed. Tradução de Ivonne Terezinha de Faria. São Paulo: Pioneira Thomson Learning,<br />

2002. Tradução de Artan visual perception.<br />

BAER, Lorenzo. Produção Gráfica. 6 ed. 3ª reimpressão. São Paulo: SENAC, 2010.<br />

DENIS, Rafael Cardoso. Uma introdução à história do design. 3ªedição. São Paulo: Edgard Blücher,<br />

2008.<br />

DONIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. Tradução Jefferson Luiz Camargo. 3ª ed. São Paulo:<br />

Martins Fontes, 2007. Tradução de A primer of visual literacy.<br />

HOLLIS, Richard. <strong>Design</strong> Gráfico: uma história concisa. Tradução Carlos Daudt. 2ª edição. São<br />

Paulo: Martins Fontes, 2010. Tradução de Graphic design.<br />

HURLBURT, Allen. Layout: o design da página impressa. Tradução Edmilson O. Conceição, Flávio<br />

M. Martins. São Paulo: Nobel, 2002. Tradução de Layout: the design of the printed Page.<br />

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Tirando partido das restrições: Estudo de casos da produção de cartazes<br />

JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Tradução Marina Appenzeller. 5ª edição. Campinas:<br />

Papirus, 2002. Tradução de Introduction à l’analyse de l’image.<br />

LIMA, Rafael Leite Efrem de. Te cuida Hollywood! Análise gráfica de cartazes de chanchada de<br />

1957 a 1963. 2008. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em <strong>Design</strong>) – Curso de <strong>Design</strong>,<br />

<strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco, Recife. 2008.<br />

MEGGS, Philip B.; PURVIUS, Alston W. História do design gráfico. Tradução Cid Knipel. São Paulo:<br />

Cosac Naify, 2009. Tradução de: A history of graphic design.<br />

METZL, Ervine. The poster: Its history and its art. New York: Watson-Guptill, 1963.<br />

MOLES, Abraham Antoine. O cartaz. Tradução Mirian Garcia Mendes. 2ª edição. São Paulo:<br />

Perspectiva, 2005. Tradução de L’AffichedanslaSociétéUrbaine.<br />

VILLAS-BOAS, André. Produção Gráfica para <strong>Design</strong>ers. 3ª edição. Rio de Janeiro: 2AB, 2008.<br />

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