Letras Digitais: 30 anos de teses e dissertações
Letras Digitais: 30 anos de teses e dissertações
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<strong>Letras</strong><br />
d i g i t a i s<br />
Teses e Dissertações originais em formato digital<br />
Estudo Sócio-Retórico<br />
do Ofício-Gênero Textual<br />
da Correspondência Oficial<br />
e Empresarial<br />
Maria Inêz Matoso Silveira<br />
2002<br />
Programa <strong>de</strong><br />
Pós-Graduação<br />
em <strong>Letras</strong>
Ficha Técnica<br />
Coor<strong>de</strong>nação do Projeto <strong>Letras</strong> <strong>Digitais</strong><br />
Angela Paiva Dionísio e Anco Márcio Tenório Vieira (orgs.)<br />
Consultoria Técnica<br />
Augusto Noronha e Karla Vidal (Pipa Comunicação)<br />
Projeto Gráfico e Finalização<br />
Karla Vidal e Augusto Noronha (Pipa Comunicação)<br />
Digitalização dos Originais<br />
Maria Cândida Paiva Dionízio<br />
Revisão<br />
Angela Paiva Dionísio, Anco Márcio Tenório Vieira e Michelle Leonor da Silva<br />
Produção<br />
Pipa Comunicação<br />
Apoio Técnico<br />
Michelle Leonor da Silva e Rebeca Fernan<strong>de</strong>s Penha<br />
Apoio Institucional<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco<br />
Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>Letras</strong>
Apresentação<br />
Criar um acervo é registrar uma história. Criar um acervo digital é dinamizar a<br />
história. É com essa perspectiva que a Coor<strong>de</strong>nação do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação<br />
em <strong>Letras</strong>, representada nas pessoas dos professores Angela Paiva Dionisio e Anco<br />
Márcio Tenório Vieira, criou, em novembro <strong>de</strong> 2006, o projeto <strong>Letras</strong> <strong>Digitais</strong>: <strong>30</strong><br />
<strong>anos</strong> <strong>de</strong> <strong>teses</strong> e dissertações. Esse projeto surgiu <strong>de</strong>ntre as ações comemorativas<br />
dos <strong>30</strong> <strong>anos</strong> do PG <strong>Letras</strong>, programa que teve início com cursos <strong>de</strong> Especialização<br />
em 1975. No segundo semestre <strong>de</strong> 1976, surgiu o Mestrado em Linguística e Teoria<br />
da Literatura, que obteve cre<strong>de</strong>nciamento em 1980. Os cursos <strong>de</strong> Doutorado em<br />
Linguística e Teoria da Literatura iniciaram, respectivamente, em 1990 e 1996. É<br />
relevante frisar que o Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>Letras</strong> da UFPE, <strong>de</strong> longa<br />
tradição em pesquisa, foi o primeiro a ser instalado no Nor<strong>de</strong>ste e Norte do País. Em<br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008, contava com 455 dissertações e 110 <strong>teses</strong> <strong>de</strong>fendidas.<br />
Diante <strong>de</strong> tão grandioso acervo e do fato <strong>de</strong> apenas as pesquisas <strong>de</strong>fendidas a partir<br />
<strong>de</strong> 2005 possuirem uma versão digital para consulta, os professores Angela Paiva<br />
Dionisio e Anco Márcio Tenório Vieira, autores do referido projeto, <strong>de</strong>cidiram<br />
oferecer para a comunida<strong>de</strong> acadêmica uma versão digital das <strong>teses</strong> e dissertações<br />
produzidas ao longo <strong>de</strong>stes <strong>30</strong> <strong>anos</strong> <strong>de</strong> história. Criaram, então, o projeto <strong>Letras</strong><br />
<strong>Digitais</strong>: <strong>30</strong> <strong>anos</strong> <strong>de</strong> <strong>teses</strong> e dissertações com os seguintes objetivos:<br />
(i) produzir um CD-ROM com as informações fundamentais das 469<br />
<strong>teses</strong>/dissertações <strong>de</strong>fendidas até <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006 (autor, orientador, resumo,<br />
palavras-chave, data da <strong>de</strong>fesa, área <strong>de</strong> concentração e nível <strong>de</strong> titulação);
(ii) criar um Acervo Digital <strong>de</strong> Teses e Dissertações do PG <strong>Letras</strong>, digitalizando<br />
todo o acervo originalmente constituído apenas da versão impressa;<br />
(iii) criar o hotsite <strong>Letras</strong> <strong>Digitais</strong>: Teses e Dissertações originais em formato<br />
digital, para publicização das <strong>teses</strong> e dissertações mediante autorização dos<br />
autores;<br />
(iv) transportar para mídia eletrônica off-line as <strong>teses</strong> e dissertações digitalizadas,<br />
para integrar o Acervo Digital <strong>de</strong> Teses e Dissertações do PG <strong>Letras</strong>, disponível<br />
para consulta na Sala <strong>de</strong> Leitura César Leal;<br />
(v) publicar em DVD coletâneas com as <strong>teses</strong> e dissertações digitalizados,<br />
organizadas por área concentração, por nível <strong>de</strong> titulação, por orientação etc.<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento do projeto prevê ações <strong>de</strong> diversas or<strong>de</strong>ns, tais como:<br />
(i) <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>rnação das obras para procedimento alimentação automática <strong>de</strong><br />
escaner;<br />
(ii) tratamento técnico <strong>de</strong>scritivo em metadados;<br />
(iii) produção <strong>de</strong> Portable Document File (PDF);<br />
(iv) revisão do material digitalizado<br />
(v) procedimentos <strong>de</strong> reenca<strong>de</strong>rnação das obras após digitalização;<br />
(vi) diagramação e finalização dos e-books;<br />
(vii) backup dos e-books em mídia externa (CD-ROM e DVD);<br />
(viii) <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> rotinas para regularização e/ou cessão <strong>de</strong> registro <strong>de</strong><br />
Direitos Autorais.<br />
Os organizadores
Estudo Sócio-Retórico<br />
do Ofício-Gênero Textual<br />
da Correspondência Oficial<br />
e Empresarial<br />
Maria Inêz Matoso Silveira<br />
2002<br />
Copyright © Maria Inêz Matoso Silveira, 2002<br />
Reservados todos os direitos <strong>de</strong>sta edição. Reprodução proibida, mesmo parcialmente,<br />
sem autorização expressa do autor.
~ Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco<br />
9 Programa <strong>de</strong> P6s-Graduayao em <strong>Letras</strong><br />
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO<br />
CENTRO DE ARTES E COMUNICACAO<br />
DEPARTAMENTO DE lETRAS<br />
PROGRAMA DE PDS.GRADUACAO EM lETRAS E lINGOiSTICA<br />
ESTUDO SCCIO-RETCRICO DO OFiclO - GENERO TEXTUAL<br />
DA CORRESPONDENCIA OFICIAL E EMPRESARIAL<br />
Tese apresentada como requisito<br />
parcial a obten9ao do titulo <strong>de</strong> Doutor<br />
em Lingiiistica.<br />
Profa. Ora. Doris <strong>de</strong> Arruda Carneiro da Cunha<br />
Orientadora<br />
Recife<br />
Outubro <strong>de</strong> 2002
Este trabalho tern como objetivo estudar 0 oflcio, genero textual<br />
tradicional e <strong>de</strong> uso muito frequente na correspon<strong>de</strong>ncia administrativa oficial e<br />
empresarial, consi<strong>de</strong>rando 0 contexto enunciativo <strong>de</strong> sua produyao e recepyao, sua<br />
organizayao retorica, seus aspectos textuais e seus dispositivos retorico-gramaticais.<br />
o estudo fundamenta-se na concepyao socio-retorica <strong>de</strong> genero (Miller, 1984) e<br />
utiliza uma adaptayao dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> amilise <strong>de</strong> genero <strong>de</strong> Swales (1990) e <strong>de</strong><br />
Bhatia (1993). 0 corpus utilizado consiste <strong>de</strong> 48 exemplares <strong>de</strong> oficio, que, para<br />
efeito <strong>de</strong> analise, foram classificados ern 4 tipos <strong>de</strong> oficio, <strong>de</strong> acordo corn os<br />
propositos comunicativos a que servem, tendo-se, assim, 0 oficio <strong>de</strong> solicitafiio, 0<br />
oficio <strong>de</strong> encaminhamento <strong>de</strong> documento, 0 oficio <strong>de</strong> convite para evento e 0 oflcio<br />
<strong>de</strong> informafilo e esclarecimento. A analise da estrutura retorica dos oficios do<br />
corpus revelou a caracteristica mais relevante <strong>de</strong>sse genero - a heterogeneida<strong>de</strong> -,<br />
que aparece mesmo entre os exemplares que se <strong>de</strong>stinarn ao mesmo proposito<br />
comunicativo. A <strong>de</strong>speito disso, foram <strong>de</strong>tectadas algumas regularida<strong>de</strong>s que<br />
assegurarn 0 carater prototipico <strong>de</strong>sse genero. Quanto a analise dos aspectos textuais<br />
e dos recursos retorico-gramaticais, consi<strong>de</strong>rou-se, primeiramente, 0 registro<br />
linguistico ern que se escrevem os oficios - a linguagem burocnitica -, enfatizando<br />
suas principais caracteristicas e suas marcas lingiiisticas na superficie textual dos<br />
exemplares analisados. Quanto as implicayoes pedagogicas da pesquisa, a autora<br />
consi<strong>de</strong>ra que os resultados da analise po<strong>de</strong>m fornecer subsidios relevantes ao<br />
ensino instrumental da lingua materna, especialmente no que respeita ao ensino da<br />
charnada redayao oficial e a escritura <strong>de</strong> oficios, <strong>de</strong>vendo-se enfatizar a eficacia<br />
rerorica atraves da diversificayao e flexibilizayao dos recursos discursivos e<br />
linguistico-gramaticais a<strong>de</strong>quados aos varios propositos comunicativos que 0 genero<br />
ern tela po<strong>de</strong> veicular.
This work aims at studying the official letter as a genre traditionally used<br />
in the correpon<strong>de</strong>nce of business administration not only in official institutions but<br />
also in private corporations. The study consi<strong>de</strong>rs the context of production and<br />
reception of official letters as well as their rhetorical organization, textual aspects<br />
and grammatical <strong>de</strong>vices. The study is foun<strong>de</strong>d on the social-rhetorical conception<br />
of genre (Miller, 1984), and uses an adaptation of genre analysis mo<strong>de</strong>ls <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>d<br />
by Swales (1990) and Bhatia (1993). The corpus used in this research consists of 48<br />
authentic official letters which were classified according to their communicative<br />
purposes (to solicit a favor or service; to invite to an event; to send a document; to<br />
inform and clarify a subject). The rhetorical structuration analysis of the official<br />
letters revealed the most relevant feature of this genre - its heterogeinity, which<br />
appears even in the letters which have the same communicative purposes. Despite<br />
this, some regularities were <strong>de</strong>tected in the texts. These regularities obviously<br />
warrant the prototipical characteristics of the genre. In relation to textual aspects and<br />
to rhetorical and grammatical <strong>de</strong>vices, the author takes into consi<strong>de</strong>ration the<br />
linguistic register used in the official letters - the administrative language, also<br />
known as 'bureaucratese' - and its principal features. The pedagogical implications<br />
of the research are concerned to the 'official language' teaching. Concerning to the<br />
official letters, the emphasis must be put on the flexibility of discoursive and<br />
grammatical <strong>de</strong>vices, giving a substancial relevance to rhetorical aspects, especially<br />
in accordance with the communicative purposes.
LISTA DE CODlGOS UTILIZADOS<br />
PARA A IDENTIFICACAo DOS OFicIOS
• Meus sinceros agra<strong>de</strong>cimentos a minha orientadora Profa. Dra. D6ris <strong>de</strong> Arruda<br />
Carneiro da Cunha que, com competeneia, presteza, eneorajamento e muita<br />
paeieneia me ajudou a veneer as difieulda<strong>de</strong>s e a eonduir este trabalho.<br />
• Aos Professores Dr. Francisco Gomes <strong>de</strong> Matos e Dr. Luiz AntOnio Marcuschi pela<br />
apreciayao eritica <strong>de</strong>ste trabalho e pelas contribuiyoes sugeridas durante 0 Exame <strong>de</strong><br />
Qualifieayao.<br />
• A Profa. Dra. Iran<strong>de</strong> Costa Antunes pela ajuda e pelo ineentivo que me foi dado na<br />
montagem do anteprojeto <strong>de</strong>sta tese.<br />
• Ao meu esposo Luiz Geraldo, a minha filha Karla, a minha sobrinha Fatima e seu<br />
esposo Jose Mareio pela compreensao, apoio e acolhida durante 0 tempo em que me<br />
<strong>de</strong>diquei ao doutorado.<br />
• Aos eolegas professores e professoras do Departamento <strong>de</strong> Metodos e Teenicas <strong>de</strong><br />
Ensino da UFAL que apoiaram 0 meu afastamento para cursar 0 doutorado.<br />
• A Coor<strong>de</strong>nayao, Professores e Funcionarios do Programa <strong>de</strong> P6s-Graduayao em<br />
<strong>Letras</strong> e Lingiiistica da UFPE.
Capitulo 1 - INTRODU
5.5 0 ofieio <strong>de</strong> solieitarao - i<strong>de</strong>ntifica~ao da organiza~ao dos movimentos<br />
retoricos (p. 114)<br />
5.6 Movimentos retoricos e estrategias (p.120)<br />
5.7 0 ojieio <strong>de</strong> eneaminhamento - i<strong>de</strong>ntifica~ao da organiza~ao dos<br />
movimentos retoricos (p.125)<br />
5.8 0 ojieio-eonvite para evento - i<strong>de</strong>ntifica~ao da organiza~o dos<br />
movimentos retoricos (p .131)<br />
5.9 0 ojieio <strong>de</strong> informarao e esclareeimento - i<strong>de</strong>ntifica~ao da organiza~ao<br />
dos movimentos retoricos (p 139)<br />
5.10 Outros elementos <strong>de</strong> diversifica~o nos oficios (p. 148)<br />
5.11 A argumentativida<strong>de</strong> nos exemplares <strong>de</strong> oficio do corpus (p. 152)<br />
Capitulo 6 - ANALISE DOS ELEMENTOS LINGmSTICO-TEXTUAIS E<br />
RETORICO-GRAMA TICAlS DOS OFicIOS (p. 159)<br />
6.1 A linguagem burocrAtica: suas caracteristicas e suas marcas na linguagem<br />
dos oficios (p.159)<br />
6.2 As marcas da formalida<strong>de</strong> (p. 164)<br />
6.3 As marcas da impessoalida<strong>de</strong> (p. 174)<br />
6.4 Outros componentes da textualiza~ao (p. 187)<br />
6.5 As modaliza~oes e suas marcas (p. 188)<br />
6.6 A complexida<strong>de</strong> sintatica e outros aspectos da sintaxe (p.l93)<br />
6.7 Os tempos verbais (p. 197)<br />
Capitulo 7 - CONCLUSOES<br />
(p.201)<br />
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS<br />
(p.208)
1. INTRODU~AO<br />
No ambito do vasto campo da lingUistica aplicada, uma area <strong>de</strong> estudos<br />
linguisticos tern se configurado como preocupada e efetivamente ocupada com as<br />
ativida<strong>de</strong>s da vida real on<strong>de</strong> 0 discurso e essencial para os resultados da intera9ao<br />
entre os individuos nas esferas institucionais. Trata-se da analise do discurso<br />
aplicada, area multifacetada e interdisciplinar, cujo foco nao recai sobre a lingua em<br />
si mesma, mas no uso da lingua em contextos autenticos (Gunnarsson, 1997). Sem<br />
duvida, nesses ultimos vinte <strong>anos</strong>, essa area tern se beneficiado consi<strong>de</strong>ravelmente<br />
dos estudos sobre os generos textuais que se <strong>de</strong>senvolveram a partir nao s6 da<br />
divulga9ao da teoria dos generos do discurso <strong>de</strong> Bakhtin, como tambem das<br />
contribui¢es da nova retorica na vertente norte-americana e, finalmente, dos<br />
trabalhos <strong>de</strong> analise <strong>de</strong> genero que se <strong>de</strong>senvolveram no curso da ultima <strong>de</strong>cada<br />
entre linguistas aplicados comprometidos com 0 ensino instrumental <strong>de</strong> linguas para<br />
fins aca<strong>de</strong>micos e profissionais.<br />
Sabe-se que, tradicionalmente, a n09ao <strong>de</strong> genero tern sido mms<br />
associada aos textos litenirios~ entretanto, tal conceito expandiu-se e, nos dias atuais,<br />
por generos enten<strong>de</strong>m-se quaisquer usos distintivos e tipificados <strong>de</strong> discurso falado<br />
ou escrito que ocorrem em intera90es sociais recorrentes. Assim, subjacente a essa<br />
reconceitua9ao <strong>de</strong> genero esta a concep9ao <strong>de</strong> linguagem como ativida<strong>de</strong> interativa e<br />
inerentemente social.<br />
Apesar <strong>de</strong> estar muito em evi<strong>de</strong>ncia nos estudos textuais e discursivos da<br />
atualida<strong>de</strong>, 0 termo genero nao e novo, e tern sido concebido <strong>de</strong> varias fonnas na<br />
longa tradi9ao oci<strong>de</strong>ntal dos estudos sobre as ativida<strong>de</strong>s linguistico-discursivas.<br />
Com efeito, alem da sua forte e mais divulgada presen9a nos estudos literarios, 0
genero e uma categoria que aparece tambem na retorica antiga, na antropologia e na<br />
etnografia da comunica~ao, e tomou urn novo alento atraves do dialogismo<br />
bakhtiniano, ate ser efetivamente incorporado a linguistica do texto e do discurso.<br />
Neste trabalho, assume uma posi~ao <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque a concepfao socio-retorica <strong>de</strong><br />
genero, na perspectiva <strong>de</strong> Miller (1984), que e uma visao oriunda da fusao <strong>de</strong> varias<br />
ten<strong>de</strong>ncias pos-estruturalistas nas ciencias sociais na segunda meta<strong>de</strong> do seculo XX<br />
e que muito influenciaram os estudos da linguagem e do discurso. Nesta visao, os<br />
generos sao vistos como a~oes retoricas tipificadas baseadas em situa~oes<br />
recorrentes.<br />
Nos recentes estudos sobre genero, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa visao socio-retorica,<br />
convem assinalar mais especificamente a gran<strong>de</strong> contribui~ao que a analise <strong>de</strong><br />
genero vem dando a necessaria tarefa <strong>de</strong> se <strong>de</strong>screverem alguns generos escritos que<br />
circulam nas esferas aca<strong>de</strong>micas e profissionais, cujo dominio e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse<br />
dos individuos que <strong>de</strong>les necessitam para bem <strong>de</strong>sempenharem suas tarefas<br />
comunicativas institucionais. Nesse sentido, ha <strong>de</strong> se ressaltar 0 mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> analise<br />
preconizado primeiramente por John Swales (1990), linguista aplicado que trabalha<br />
na area <strong>de</strong> EAP (English for Aca<strong>de</strong>mic Purposes). Esse mo<strong>de</strong>lo tern sido nao so<br />
utilizado por varios pesquisadores, como tern sido enriquecido por outros, a exernplo<br />
<strong>de</strong> Vijay Kumar Bhatia (1993), outro linguista aplicado, cujos trabalhos se situam<br />
mais na area <strong>de</strong> ESP (English for Specific Purposes), principalmente nos generos da<br />
area juridica.<br />
Isso posto, convern esc1arecer que esta tese valer-se-a da visao<br />
retoricamente concebida <strong>de</strong> genera textual para abordar urn tipo <strong>de</strong> rea1iza~ao<br />
discursiva rnuito presente na correspon<strong>de</strong>ncia administrativa oficial e empresarial -<br />
o oficio -, que e urn tipo especifico <strong>de</strong> carta. 0 presente estudo se ocupara tarnbern<br />
da tarefa <strong>de</strong> analisar esse genero textual, utilizando-se do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> analise<br />
<strong>de</strong>fendido por Swales (1990), seguindo tambem, <strong>de</strong> forma bastante consi<strong>de</strong>ravel, as
sugestoes metodologicas <strong>de</strong> Bhatia (1993), aMm <strong>de</strong> alguns subsidios provenientes da<br />
critica retorica (Gill & Whedbee, 1997).<br />
A justificativa do interesse em se estudar esse genero - 0 oficio - <strong>de</strong>vese,<br />
primeiramente, ao fato <strong>de</strong> inexistir, nos estudos e pesquisas lingiiisticas<br />
realizadas no Brasil, uma preocupa~ao efetiva com os generos abrangidos pela<br />
chamada reda~ao oficial 1 . Esse tipo <strong>de</strong> escrita tem sido marginalizado tanto na<br />
escola basica como na universida<strong>de</strong> 2 . Alias, diga-se <strong>de</strong> passagem, 0 estudo dos usos<br />
da lingua no mundo do trabalho, principalmente no que diz respeito a <strong>de</strong>scrivao e<br />
analise <strong>de</strong> generos, ainda nao <strong>de</strong>spertou urn visivel interesse por parte dos lingfiistas<br />
brasileiros. E verda<strong>de</strong> que os temas "linguagem e trabalho" e "a comunicavao no<br />
trabalho", "a comunica~ao empresarial" e similares tern merecido a aten~ao <strong>de</strong><br />
alguns estudiosos, inclusive <strong>de</strong> alguns lingiiistas, mas as perspectivas adotadas<br />
variam entre a questao da etica na comunicavao e os aspectos organizacionais das<br />
corporavoes? Esses trabalhos, portanto, nao se ocupam <strong>de</strong> uma analise <strong>de</strong> discurso<br />
aplicada aos generos <strong>de</strong> uso efetivo e corrente nas inumeras instancias <strong>de</strong> trabalho.<br />
Ultimamente, tern havido urn interesse consi<strong>de</strong>ravel no estudo e na<br />
analise <strong>de</strong> generos aca<strong>de</strong>micos nos cursos <strong>de</strong> pos-graduavao no Brasil, ate por conta<br />
1 A bem da verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve haver pouquissima pesquisa sobre a analise <strong>de</strong> generos administrativos no Brasil.<br />
o que a autora po<strong>de</strong> citar ern relayao a isso e urn trabalho aca<strong>de</strong>rnico (dissert:ayiio <strong>de</strong> rnestrado <strong>de</strong>fendida na<br />
UFPE) que <strong>de</strong>pois foi publicada em forma <strong>de</strong> livro, mas que, na realida<strong>de</strong>, nao cuida <strong>de</strong>sses generos, mas<br />
preocupa-se corn 0 "burocrates" e propOe algumas rnaneiras <strong>de</strong> se sirnplificar, ou rnelhor, a<strong>de</strong>quar essa<br />
linguagem. Trata-se da obra Desburocratizar;iio lingiiistica - como simplificar textos administrativos, <strong>de</strong><br />
autoria da Profa. Nei<strong>de</strong> <strong>de</strong> Souza Mendonya. (Editora Pioneira, 1987). Urn outro trabalho que tarnbern po<strong>de</strong><br />
ser citado nessa linha e outra dissertayao <strong>de</strong> rnestrado, A linguagem da comllnicar;iio administrativa escrita do<br />
Banco do Brasil- Uma intelpretar;iio sociolingiiistica, <strong>de</strong> Artur Roberto Roman (UFPR, 1993).<br />
2 Hit algumas d6cadas, ate rnais ou rnenos os <strong>anos</strong> 70, as escolas tecnicas <strong>de</strong> comercio <strong>de</strong> nivel rnedio<br />
costurnavarn colocar a redayao Menica cornercial e oficial nos prograrnas <strong>de</strong> lingua portuguesa dos sellS cursos<br />
profissionalizantes. Hoje, corn 0 crescente agravarnento da queda <strong>de</strong> quahda<strong>de</strong> do ensino e corn as<br />
in<strong>de</strong>finiyOes do ensino <strong>de</strong> portugues, terminou vigorando como parametro apenas a preparayao para 0<br />
vestibular, que terminou contarninando ate os cursos tecnicos profissionalizantes.<br />
3 Nurna perspectiva etica da linguagem e da comunicayao na empresa, cite-se 0 ultimo livro <strong>de</strong> F. Gomes <strong>de</strong><br />
Matos (Comllnicar para 0 bem, 2002:76-78). Na area <strong>de</strong> linguagem e organizayao <strong>de</strong> trabalho, citern-se os<br />
artigos <strong>de</strong> lingiiistas que aparecem no livro Linguagem & Trabalho, organizado por Francisco Duarte e Vera<br />
Feitosa (Editora Lucema, 1998).
das influencias das pesquisas realizadas por linguistas estrangeiros, como os que<br />
foram citados nos panigrafos anteriores.<br />
Naturalmente, sem <strong>de</strong>smerecer a importc1ncia<strong>de</strong>sses generos aca<strong>de</strong>micos<br />
(resenhas, resumos <strong>de</strong> dissertavoes, etc.), cujos estudos e amUises <strong>de</strong>verao contribuir<br />
para melhorar a proficiencia dos seus usmirios, ha <strong>de</strong> se convir que 0 dominio dos<br />
generos utilizados na correspon<strong>de</strong>ncia administrativa e empresarial reveste-se<br />
tambem <strong>de</strong> uma importancia fundamental para melhorar a competencia<br />
comunicativa e 0 nivel <strong>de</strong> letramento das pessoas que trabalham ou que se preparam<br />
para trabalhar em ativida<strong>de</strong>s administrativas tanto em repartivoes governamentais,<br />
como em empresas privadas.<br />
Uma outra razao que po<strong>de</strong> ser aventada para 0 estudo e analise dos<br />
generos da correspon<strong>de</strong>ncia oficial e empresarial e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se renovarem os<br />
chamados "manuais <strong>de</strong> redavao tecnica e oficial" que, com raras e honrosas<br />
excevoes, terminam se concentrando apenas nos aspectos normativos, gramaticais,<br />
estiHsticos, ortograficos e <strong>de</strong> formatavao, pouco contribuindo para um certo<br />
"arejamento", ou, talvez, uma certa "<strong>de</strong>smistificavao" <strong>de</strong>sses generos,<br />
principalmente no sentido <strong>de</strong> se conscientizarem os escreventes dos aspectos<br />
enU11ciativos, i<strong>de</strong>o16gicos, argumentativos, pragmaticos e ret6ricos <strong>de</strong> que esses<br />
generos se revestem. Sem duvida, a tomada <strong>de</strong> consciencia <strong>de</strong>sses aspectos muito<br />
contribuiria para uma maior eficacia na escrituravao <strong>de</strong>sses generos, po<strong>de</strong>ndo-se<br />
inclusive renova-los e torna-Ios mais accessiveis, principalmente quando se<br />
dirigirem a audiencias que nao fazem parte da fechada burocracia estatal e<br />
empresarial.<br />
No que respeita ao oficio 4 ,<br />
especificamente, verifica-se que esse genero e<br />
<strong>de</strong> uso muito constante nas ativida<strong>de</strong>s administrativas; mas, ao mesmo tempo,<br />
4 Convem assinalar algumas <strong>de</strong>finiy5es <strong>de</strong> oftcio (como genero da lingua escrita) que aparecem nos<br />
dicionarios: "Carta formal, escrita em papel timbrado, <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong> publica ou privada" (Bi<strong>de</strong>rman, Ma
verifica-se que a habilida<strong>de</strong> dos servidores para a escritura <strong>de</strong> oficios (e, por<br />
extensao, <strong>de</strong> outros generos similares) nos ambientes <strong>de</strong> trabalho e muito rarefeita 5 •<br />
Assim sendo, mesmo convivendo com a real ou potencial necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever<br />
oficios, e mesmo fazendo parte <strong>de</strong> uma cultura disciplinar em que esse genero<br />
circula freqiientemente, 0 fato e que poucos trabalhadores conseguem enfrentar essa<br />
tarefa com uma proficiencia razoavel, geralmente adquirida por esfowo proprio. Isso<br />
so tern contribuido para refor~ar e reproduzir a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever<br />
e algo semelhante a urn "dom" que poucos possuem, e nao como uma competencia<br />
que po<strong>de</strong> ser exercitada por qualquer pessoa que tenha urn nivel <strong>de</strong> escolariza~ao<br />
suficiente para 0 dominio das habilida<strong>de</strong>s basicas <strong>de</strong> ler e escrever.<br />
As principais hip6<strong>teses</strong> <strong>de</strong> trabalho levantadas para 0 estudo do objeto<br />
<strong>de</strong> pesquisa nesta tese - 0 genero textual oficio - foram assumidas principalmente<br />
no sentido <strong>de</strong> se testar a a<strong>de</strong>qua~ao do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> analise <strong>de</strong> genero preconizado por<br />
Swales (1990) e Bhatia (1993) que segue uma ten<strong>de</strong>ncia influenciada pela<br />
concep~ao s6cio-retorica <strong>de</strong> genero. Diante disso, foram <strong>de</strong>lineadas as seguintes<br />
hipo<strong>teses</strong>:<br />
1. 0 oficio, que e urn tipo especial <strong>de</strong> carta, a <strong>de</strong>speito da sua<br />
heterogeneida<strong>de</strong>, ou seja, apesar da varia~ao dos seus conteudos e<br />
propositos comunicativos a que serve na correspon<strong>de</strong>ncia<br />
administrativa, apresenta algumas regularida<strong>de</strong>s prototipicas e<br />
recorrencias nao so em termos <strong>de</strong> seu formato, mas tambem em<br />
Tereza. C. DicionJrio DidJtfco <strong>de</strong> Portugues. S. Paulo, Atica, p.671); "Forma <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>ncia no serviyo<br />
publico oficial, entre entida<strong>de</strong>s da mesma categoria, ou <strong>de</strong> inferiores a superiores hienirquicos" (Houaiss,<br />
Antonio, Pequeno Dicionario Enciclopidico Koogan Larousse. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Editora Larousse do Brasil<br />
S.A., p. 599); "Documento formal que estabelece a comunicayao entre secretarias ou autorida<strong>de</strong>s." (Borba,<br />
Francisco da S. Dicionario <strong>de</strong> Usos do Portugues do Brasil. S. Paulo, Atica, 2002. p.1116).<br />
5 Tendo trabalhado por 22 <strong>anos</strong> como professora da Escola Tecnica Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Alagoas, a autora <strong>de</strong>sta tese<br />
teve tambem a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assumir alguns cargos <strong>de</strong> chefia em setores ligados a. administrayao do ensino,<br />
diretanlente ligados it burocracia administrativa daquela instituiyao. Ao longo <strong>de</strong>ssa experiencia foi passivel<br />
ohservar essa carencia <strong>de</strong> servidores suficientemente competentes para escrever memorandos, oficios, etc.,<br />
apesar <strong>de</strong> a instituiyao oferecer, periodicamente, "cursos <strong>de</strong> redayao oficial" para seus servidores. Esses cursOS<br />
SaD geralmente dados por professores <strong>de</strong> portugues que seguem a tradiyao gramatical. As aulas, portanto,<br />
enfatizavam a ortografia, a concordancia, os pronomes <strong>de</strong> tratamento, etc.
termos <strong>de</strong> suas organiza90es retorico-discursivas, <strong>de</strong> suas formas <strong>de</strong><br />
textualiza9ao e <strong>de</strong> seus dispositivos e recursos lingiiisticos;<br />
2. 0 tipo <strong>de</strong> linguagem utilizada nos oficios - 0 chamado estilo ou<br />
registro burocratico, conhecido como "burocrates" - assume formas<br />
convencionais e peculiares a esse genero, caracterizando-o como<br />
uma forma <strong>de</strong> comlmica9ao<br />
publica e privada;<br />
<strong>de</strong> longa tradi9ao na administra9ao<br />
3. As regularida<strong>de</strong>s apresentadas nos oficios em termos <strong>de</strong> apresenta9ao<br />
estetica, organiza9ao rerorica, textualiza9ao e utiliza9ao <strong>de</strong> recurs os<br />
linguisticos fazem parte do conhecimento socio-cognitivo dos<br />
membros da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso que os utilizam nas intera90es<br />
sociais e institucionais.<br />
1. Objetivo Geral<br />
Estudar 0 genero texwal oficio, tradicionalmente usado na<br />
correspon<strong>de</strong>ncia administrativa oficial e empresarial, consi<strong>de</strong>rando 0<br />
contexto enunciativo <strong>de</strong> sua produ9ao e recep9ao, sua organiza9ao<br />
retorico-discursiva, seus aspectos textuais e seus dispositivos<br />
retorico-gramaticais.<br />
2. Objetivos Especijicos<br />
• I<strong>de</strong>ntificar, analisar e <strong>de</strong>screver as regularida<strong>de</strong>s apresentadas nos<br />
exemplares <strong>de</strong> oficios do corpus em termos <strong>de</strong> seu contexto<br />
enunciativo, sua organiza9ao retorica, suas formas <strong>de</strong> textualiza9ao e<br />
emprego <strong>de</strong> recursos lingfiisticos.
• Fornecer subsidios para urn ensino instrumental mais autentico da<br />
lingua portuguesa, como uma das infuneras formas <strong>de</strong> se melhorar 0<br />
nivel <strong>de</strong> letramento do cidadao profissional e do futuro trabalhador<br />
nas esferas administrativas estatais e empresariais.<br />
A metodologia utilizada neste trabalho consistiu primeiramente <strong>de</strong><br />
pesquisas bibliognificas para aprofundar a fundarnenta
Na verda<strong>de</strong>, esses passos recomendados por Bhatia foram realizados na<br />
pesquisa, mas nao nessa or<strong>de</strong>m acima citada. A maioria <strong>de</strong>les foi seguida <strong>de</strong> forma<br />
bem explicita e outros foram diluidos ao longo da analise. Nessa perspectiva, uma<br />
vez <strong>de</strong>finido 0 tipo <strong>de</strong> genero com que se iria trabalhar, proce<strong>de</strong>u-se a coleta do<br />
corpus, cerca <strong>de</strong> 56 exemplares, cujas fontes foram duas institui~5es publicas<br />
estatais: a Escola Tecnica Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Alagoas (ETFAL), atualmente Centro Fe<strong>de</strong>ral<br />
<strong>de</strong> Educa~ao Tecno16gica <strong>de</strong> Alagoas (CEFET-AL) e a Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
Alagoas (UFAL). Nesta ultima, os oficios foram coletados dos arquivos do<br />
Departamento <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> Classicas e Vernaculas (LCV). Na ETFAL, os exemplares<br />
sao oriundos dos arquivos da Secretaria do Gabinete da Diretoria Gera!. A coleta foi<br />
feita urn tanto aleatoriamente, mas <strong>de</strong> forma que 0 corpus contivesse oficios<br />
emitidos e recebidos pelas institui~5es. Como a coleta foi feita em meados do<br />
segundo semestre <strong>de</strong> 1999, a maioria dos exemplares tern suas datas relativas ao<br />
primeiro semestre daquele ano e alguns <strong>de</strong> 1998, e outros poucos <strong>de</strong> 1997.<br />
Por ocasiao da coleta do material, foram colhidas tambem algumas<br />
informa~oes dos escreventes, ou melhor, dos "escribas", ja que, nessas institui~5es<br />
existem servidores que se ocupam <strong>de</strong>sse mister. Eles recebem a <strong>de</strong>termin~ao da<br />
tarefa <strong>de</strong> seus chefes, geralmente atraves <strong>de</strong> comunicaya:o oral, ou atraves <strong>de</strong> uma<br />
minuta com os dados sobre 0 <strong>de</strong>stinamrio, 0 assunto e 0 prop6sito; outras vezes, 0<br />
oficio ja vem rascunhado pelo chefe. Na ETFAL, 0 oficio e urn dos generos mais<br />
utilizados na correspon<strong>de</strong>ncia entre aquela institui~ao educacional e suas congeneres<br />
e tambem com outras institui~es da administra~ao publica e do setor empresarial<br />
privado. 0 memorando e tambem muito frequente, mas e utilizado internamente,<br />
entre os diversos <strong>de</strong>partamentos, coor<strong>de</strong>nadorias e setores <strong>de</strong>ntro da institui~ao. Ja<br />
na UFAL, os oficios sao utilizados entre a reitoria e os diversos centros e tambem<br />
<strong>de</strong>ntro dos centros, entre as diretorias e seus <strong>de</strong>partamentos, e ainda entre os<br />
<strong>de</strong>partamentos, aMm <strong>de</strong> serem usados para outras institui~5es fora da Universida<strong>de</strong>.
Na UFAL, os "escribas" san servidores do setor administrativo, geralmente<br />
ocupando 0 cargo <strong>de</strong> secremrio; na ETFAL, eles, ou melhor, elas, sao duas<br />
professoras <strong>de</strong> portugues que <strong>de</strong>ixaram a sala <strong>de</strong> aula e foram <strong>de</strong>sviadas para 0 setor<br />
administrativo e trabalham na Secretaria do Gabinete da Diretoria Gera!. Isso<br />
explica 0 cuidado e a atenvao que essas escribas dao nao so a "correvao" da<br />
linguagem, mas tambem a apresentavao estetica dos textos e, principalmente, as<br />
normas: elas disseram seguir as orientavoes das Normas sobre Correspon<strong>de</strong>ncia e<br />
Atos Oficiais do Ministerio da Educavao e Desporto. Por conterem informavoes <strong>de</strong><br />
cunho oficial, os oficios san "lavrados" corn copias para arquivo e recebem<br />
numeravao controlada ann a ano.<br />
o levantamento da literatura sobre 0 genero ern questao foi urn pouco<br />
dificultada pelo fato <strong>de</strong> nao haver (pelo menos nao foi encontrada pela autora)<br />
estudos aca<strong>de</strong>micos que tratem especificamente do genero oficio, a nao ser os<br />
conhecidos manuais <strong>de</strong> reda~ao tecnica e oficial que existem ern quantida<strong>de</strong><br />
consi<strong>de</strong>nivel no mercado editorial brasileiro 7 . Como se sabe, esses manuais se<br />
ocupam mais ern fornecer orientavoes sobre as leis e norrnas oficiais, mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />
texto, aspectos esteticos e gramaticais. Muitos dos subsidios para a pesquisa vieram<br />
<strong>de</strong> trabalhos nacionais (dois <strong>de</strong>les ja citados ern nota <strong>de</strong> roda-pe ern paragrafo<br />
anterior) e <strong>de</strong> obras estrangeiras que tratam da linguagem juridica e do registro<br />
linguistico conhecido como linguagem burocratica (0 burocrates - caudatario do<br />
juridiques), presente nos documentos oficiais e seguido, embora <strong>de</strong> forma urn pouco<br />
amainada, pelas instituivoes empresariais nao-governamentais. Foi <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valia<br />
tambem conhecer-se urn pouco da evolu~ao historica do oficio, atraves do acesso a<br />
algumas obras documentais do acervo do Arquivo Publico do EstadO <strong>de</strong><br />
Pernambuco e outras da sevao <strong>de</strong> obras antigas da Biblioteca Central da UFPE.<br />
7 Existem tambem algumas publicayoes oficiais expedidas pelos 6rgaos superiores da administrayao publica<br />
como 0 Manual <strong>de</strong> Reda
Feitos esses esclarecimentos, cumpre agora apresentar a estrutura em<br />
que esta tese esm organizada. Nessa <strong>de</strong>scriyao serao feitas algumas consi<strong>de</strong>rayoes<br />
que po<strong>de</strong>rao clarificar a metodologia adotada no trabalho. Desse modo, a estrutura<br />
ret6rica <strong>de</strong>sta tese esta organizada em 6 capitulos que vao abaixo <strong>de</strong>scritos.<br />
Logo ap6s esta introduyao, que e 0 primeiro capitulo, vem 0 segundo,<br />
intitulado Texto e Discurso na Lingiiistica, em que se preten<strong>de</strong> apresentar<br />
sumariamente 0 percurso dos estudos lingfiisticos que evoluiu <strong>de</strong> urn paradigma<br />
centrado na analise da lingua enquanto sistema e sua suposta imanencia para urn<br />
paradigma mais voltado para a funcionalida<strong>de</strong> da lingua enquanto ativida<strong>de</strong> social e<br />
interativa que leva em conta todos os entomos dos seus contextos <strong>de</strong> uso. A intenyao<br />
e tambem tentar situar e balizar alguns conceitos basicos que a lingfiistica do texto e<br />
do discurso utiliza, tais como texto, discurso e genero; e ainda outros que muitas<br />
vezes aparecem <strong>de</strong> forma meio indiscriminada, como tipo textual e genero textual.<br />
No terceiro capitulo - A Evolur;110e a Diversificar;110do Conceito <strong>de</strong><br />
Genero - preten<strong>de</strong>-se apresentar as vanas abordagens que 0 genero assume em<br />
quatro importantes ten<strong>de</strong>ncias dos estudos discursivos: a ret6rica antiga, a teoria<br />
literaria, a etnograjia da comunicar;110e 0 dialogismo bakhtiniano. 8 Importante<br />
notar-se que as abordagens <strong>de</strong> genero sumariamente estudadas neste capitulo, apesar<br />
<strong>de</strong> apresentarem caracteristicas diferenciadoras, nao saD totalmente exclu<strong>de</strong>ntes.<br />
Elas tern pontos em comum, pois todas admitem 0 carater <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong> dos<br />
generos, e levam em consi<strong>de</strong>rayao 0 seu aspecto hist6rico e evolutivo (os generos<br />
saD criados, evoluem, <strong>de</strong>caem, misturam-se, <strong>de</strong>saparecem e tambem renascem).<br />
Admite-se tambem que os generos variam <strong>de</strong> acordo com as culturas a que servem,<br />
II A prop6sito, Sw'ales (1990) tambem apresenta as visoes <strong>de</strong> genero em quatro areas: no folclore, na<br />
literatura, na lingiilstica (ou seja, na perspectiva etnografica) e nos estudos da 'nova ret6rica' norte-americana.<br />
Entretanto, ele ignora solenemente a contribui¢o <strong>de</strong> Mikhail Bakhtin, embora outros seguidores da visao<br />
s6cio-ret6rica <strong>de</strong> genero consi<strong>de</strong>rem a teoria bakhtiniana dos generos <strong>de</strong> discurso como urn dos principios<br />
basilares <strong>de</strong>ssa concep¢o, a exemplo <strong>de</strong> Carolyn Miller, principalmente no seu artigo "Rhetorical
em que se mesclam e se transformam para aten<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>mandas da dinamica<br />
sociocultural das comunida<strong>de</strong>s.<br />
o quarto capitulo - A Conceppl0 S6cio-Ret6rica <strong>de</strong> Genero - tenta<br />
aprofundar a concep9ao <strong>de</strong> genero em que esta tese se fundamenta. Alem <strong>de</strong><br />
sumariar as teorias e ten<strong>de</strong>ncias das Ciencias Sociais e dos estudos do discurso que<br />
convergiram para essa reconceitua9ao <strong>de</strong> genero, retoma-se a contribui9ao <strong>de</strong><br />
Bakhtin (1992) e apresentam-se tambem as contribui90es <strong>de</strong> Miller (1994),<br />
consi<strong>de</strong>rando-se esses estudiosos como dois gran<strong>de</strong>s teoricos que embasam essa<br />
visao. Para fundamentar 0 tipo <strong>de</strong> analise utilizada no corpus <strong>de</strong>ste trabalho, sao<br />
apresentados os conceitos <strong>de</strong> genero e os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> analise <strong>de</strong> Swales (1990) e <strong>de</strong><br />
Bhatia (1993) que sao coerentes com a concep9ao assumida.<br />
o quinto capitulo, intitulado Analise da Organiza~iio Retorica dos<br />
Oficios e iniciado com uma analise retorico-enunciativa em que se procura situar 0<br />
oficio no contexto social e institucional em que se da a dinamica <strong>de</strong> sua produ9ao e<br />
recep9ao. Nessa parte do capitulo, 0 aspecto polftico-i<strong>de</strong>ol6gico assume gran<strong>de</strong><br />
importancia por conta das instancias hierarquicas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que ocorrem nas<br />
organiza90es burocraticas das corpora90es estatais e empresariais. Como se sabe, os<br />
generos silo ayoes discursivas que reforyam, legitimam e "naturalizam" 0<br />
pensamento dominante que esta na base das cren9as e das praticas culturais e<br />
institucionais. Nesse quadro contextual, portanto, instaura-se a dinamica enunciativa<br />
da produ9ao e recep9ao dos oficios, cujos componentes sao estudados a luz <strong>de</strong><br />
alguns construtos da crftica ret6rica.<br />
Ainda neste quinto capitulo - Analise da Organiza~lio Ret6rica dos<br />
Oficios - inicia-se a analise linguistica dos oficios do corpus. Nesse nivel,<br />
obviamente, os exemplares foram estudados do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> suas estruturas<br />
community: the cultural basis of Genre" In: Freedman, Aviva & Peter lvfedway, Genre and the new rhetoric.<br />
London, Taylor & Francis Publishers, 1994. pp. 67-78.
discursivas, empregando-se 0 conceito <strong>de</strong> movimento retorieo ("move"), tendo<br />
como ponto <strong>de</strong> partida os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> Swales (1990) e <strong>de</strong> Bhatia (1993). Os<br />
elementos norteadores da analise sao os propositos eomunieativos que dao<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> aos quatro tipos <strong>de</strong> oficios verificados no corpus: 0 ofieio <strong>de</strong> solieitac;ao,<br />
o oficio <strong>de</strong> eneaminhamento, 0 oficio-eonvite para evento e 0 oficio <strong>de</strong> informac;ao e<br />
esclareeimento. Nesses quatro tipos <strong>de</strong> offcio sao <strong>de</strong>tectadas as suas regularida<strong>de</strong>s, a<br />
<strong>de</strong>speito da consi<strong>de</strong>ravel heterogeneida<strong>de</strong> nos esquemas estruturais, que e inerente a<br />
esses generos. Para <strong>de</strong>monstrar essas recorrencias sao utilizados quadros com<br />
numeros e porcentagens, bem como reproduvoes <strong>de</strong> alguns exemplares,<br />
principalmente aqueles consi<strong>de</strong>rados como prototipicos. Devido a natureza<br />
predominantemente argumentativa e persuasiva do discurso presente nos oficios do<br />
corpus, faz-se tambem uma analise <strong>de</strong>ssa argumentativida<strong>de</strong> aplicando-se 0 layout<br />
do argumento pratieo <strong>de</strong> Stephen Toulmin (1958).<br />
o sexto capitulo - Analise dos Elementos Lingiifstieo- Textuais e<br />
Retorieo-Gramatieais dos Oficios - continua a analise lingiiistica, <strong>de</strong>sta vez nos<br />
aspectos mais voltados ao micronivel. Assim sendo, levando-se em consi<strong>de</strong>ravao 0<br />
registro linguistico predominante nos offcios - 0 chamado buroerates -, sao<br />
apontadas as principais caracteristicas da linguagem dos oficios, tendo suas marcas<br />
linguisticas especialmente tratadas it luz <strong>de</strong> uma gramatiea retoriea (KolIn, 1999), ja<br />
que as escolhas gramaticais esffio relacionadas aos componentes do contexto<br />
enunciativo e aos efeitos ret6ricos que se preten<strong>de</strong>m promover na superficie<br />
textualldiscursiva. Para mostrar os levantamentos e apanhados feitos nessa<br />
perspectiva ret6rico-gramatical, sao apresentados quadros numericos; e para a<br />
apresentavao da situavao do co-texto em que as realizavoes gramaticais e estilisticas<br />
ocorrem sao utilizados excertos dos textos dos exemplares <strong>de</strong> oficio do corpus.<br />
A analise do corpus revelou que 0 travo mais caracteristico dos oficios<br />
estudados e a heterogeneida<strong>de</strong> da sua organizavao retorica, mesmo observando-se<br />
algumas regularida<strong>de</strong>s que garantem 0 seu carater prototipico, consi<strong>de</strong>rando-se
principalmente os diversos prop6sitos comunicativos a que servem. Diante disso, as<br />
implica~oes didatico-pedag6gicas apontam para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se trabalhar mais a<br />
flexibilida<strong>de</strong> dos recurs os ret6ricos visando it realiza~ao dos divers os prop6sitos<br />
comunicativos dos oficios, e nao as formas fixasque levam ao "engessamento" do<br />
genero. Aborda-se tambem, nessa perspectiva pedag6gica, 0 acesso ao chamado<br />
'estilo oficial', <strong>de</strong>ntro do qual se insere a linguagem burocratica, como urn dos<br />
fatores relevantes para 0 ensino instrumental da lingua e como urn aspecto<br />
importante do letramento do cidadao trabalhador.
o estudo da linguagem human a tern se revelado, ao longo dos seculos,<br />
uma das mais dificeis empreitadas, dado 0 caniter complexo e multifacetado <strong>de</strong> que<br />
tal objeto se reveste. Por isso, ao longo do <strong>de</strong>senvolvimento da lingufstica,<br />
percebem-se as varias concep90es <strong>de</strong> linguagem e <strong>de</strong> lingua que vao sendo adotadas<br />
nesse campo <strong>de</strong> estudos, <strong>de</strong>finindo e re<strong>de</strong>finindo, <strong>de</strong> forma bastante diversificada, 0<br />
seu objeto <strong>de</strong> investiga~ao.<br />
Longe <strong>de</strong> se preten<strong>de</strong>r apresentar uma retrospectiva hist6rica das ciencias<br />
da linguagem humana, mas consi<strong>de</strong>rando muito sumariamente apenas a evolu~ao da<br />
lingufstica no seculo XX, verifica-se que, praticamente, meio seculo foi <strong>de</strong>dicado<br />
quase que exclusivamente ao estudo da linguagem humana enquanto c6digo ou<br />
sistema autonomo. Tal postura e <strong>de</strong>vida ao projeto iniciado por Saussure (1916) que<br />
preconizou ser "0 verda<strong>de</strong>iro e unico objeto da lingufstica 0 estudo da lingua em si<br />
mesma e por si mesma", preva1ecendo, assim, 0 que 0 lingiiista genebrino<br />
<strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> "langue", em <strong>de</strong>trimento da "parole", ou seja, 0 uso da lingua. Foi,<br />
portanto, essa visao <strong>de</strong> lingua <strong>de</strong> inspira~ao saussureana 0 que <strong>de</strong>terminou 0<br />
programa cUlssico da chamada corrente lingufstica predominante (mainstream<br />
linguistics), cujos princfpios, sumariados por Beaugran<strong>de</strong> (1997:28-29), nortearam a<br />
constru~ao <strong>de</strong> varias teorias <strong>de</strong> lingua:<br />
(a) A lingua e urn fenomeno bastante distinto <strong>de</strong> outros dominios do<br />
conhecimento humano ou ativida<strong>de</strong>.
(b) A lingua <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>scrita separadamente das condi90es sob as quais<br />
osfalantes a usam.<br />
(c) A lingua <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>scrita pelos criterios internos, baseados na lingua<br />
emsi.<br />
(d) A lingua <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada como um sistema abstrato, uniforme e<br />
estavel num <strong>de</strong>terminado estagio <strong>de</strong> sua evolu9ao, isto e, numa<br />
perspectiva 'sincronica', melhor consi<strong>de</strong>rada no tempo presente do que<br />
no seu aspecto evolutivo ou diacronico, ao longo do tempo historico.<br />
(e) A <strong>de</strong>scriyao <strong>de</strong>ve ser exposta num alto grall <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> - 0 que se<br />
aplica a lingua como urn todo ou mesmo 'universalmente' a todas as<br />
linguas.<br />
Nessa perspectiva, os estudos <strong>de</strong>scritivos da lingua no que se<br />
convencionou chamar <strong>de</strong> lingiiistica mo<strong>de</strong>rna centraram-se principalmente nos<br />
niveis fonetico-fonologico, morfologico e sintatico. As unida<strong>de</strong>s basicas <strong>de</strong> estudo<br />
foram evoluindo do fonema para a palavra, <strong>de</strong>pois chegou ao sintagma e dai para a<br />
frase. Urn forte componente mentalistico ocorre na visao inatista da linguagem<br />
preconizada pela teoria gerativo-transformacional, instaurada pela obra Syntactic<br />
Structures, <strong>de</strong> Chomsky (1957), mas, diga-se <strong>de</strong> passagem, ainda se trabalhava<br />
<strong>de</strong>ntro do paradigma estrutura1, ja que "0 gerativismo tambem e uma versao<br />
particular do estruturalismo, no senti do bastante geral do termo" (Lyons, 1981:204).<br />
Ja autores como Dascal (1978:29-<strong>30</strong>), baseando-se na teoria das revoluyoes<br />
cientificas <strong>de</strong> Kuhn (l972) referem-se a teoria gerativo-transformacional como uma<br />
"revoluyao paradigm£itica", embora esse paradigma nao tenha instaurado urn periodo<br />
<strong>de</strong> "ciencia normal", uma vez que a lingiiistica continuou convuIsionada. 0<br />
estruturalismo e 0 gerativismo sao consi<strong>de</strong>rados teorias formalistas, por utilizarem<br />
uma concepyao formal e procedimentos <strong>de</strong> analise igualmente formais da lingua.
As contribuivoes advindas da filosofia da linguagern no periodo<br />
subseqiiente a Segunda Guerra Mundial cornevarn a influenciar os estudos<br />
lingiiisticos a partir das <strong>de</strong>cadas <strong>de</strong> 50 e 60. Esses estudos filosoficos inserern-se na<br />
tradivao britanica da filosofia analitica da qual consi<strong>de</strong>ra-se Ludwig W ittgenstein<br />
(1989) urn irnportante representante, sendo este consi<strong>de</strong>rado "0 pai da filosofia<br />
lingiiistica", que rnuito influenciou 0 charnado Grupo <strong>de</strong> Oxford <strong>de</strong> que John L.<br />
Austin (1962) foi urn dos gran<strong>de</strong>s expoentes. Segundo esses teoricos, a linguagem<br />
<strong>de</strong>ve ser estudada a partir do seu uso, ou seja, a lingiiistica <strong>de</strong>ve se preocupar com a<br />
'linguagern ordinaria' (Souza Filho, 1990:11). E assirn verifica-se uma verda<strong>de</strong>ira<br />
rnudanva <strong>de</strong> paradigma nos estudos lingiiisticos, <strong>de</strong>sviando-se 0 foco das atenvoes<br />
do sistema para 0 discurso, levando os cientistas a consi<strong>de</strong>rarern e analisarem a<br />
linguagern como avao e uma forma <strong>de</strong> produzir e realizar ativida<strong>de</strong>s sociais<br />
significativas. As reflexoes filosoficas que aparecerarn no apos-guerra tambem<br />
tiveram retlexos na antropologia e na sociologia, com retornos importantes nos<br />
estudos da linguagem, fazendo com que os estudiosos se preocupassem com as<br />
ativida<strong>de</strong>s lingiHsticas em seus contextos. Vao se consoli dando, <strong>de</strong>ssa forma, os<br />
estudos dos usos da lingua e seus entornos.<br />
o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> uma lingiiistica formal inspirada na ciencia positiva e rigorosa<br />
influenciada pelos fi16sofos 16gicos do inicio do secu10 e <strong>de</strong>sbancado pela ten<strong>de</strong>ncia<br />
funcionalista na lingiiistica <strong>de</strong>pois dos <strong>anos</strong> 50. A atitu<strong>de</strong> monodisciplinar na ciencia<br />
e substituida pela transdisciplinarida<strong>de</strong> nos estudos cientificos, consolidando a<br />
ten<strong>de</strong>ncia pOs-estruturalista nas ciencias sociais e na lingiiistica. Por isso, po<strong>de</strong>-se<br />
falar em dois principais paradigmas que prevaleceram na lingiiistica no seculo XX: 0<br />
formalismo e 0 funcionalismo. A ten<strong>de</strong>ncia formalista investiga como os elementos<br />
e os padroes da lingua SaDformados ou organizados; ja a ten<strong>de</strong>ncia funcionalista<br />
investiga como esses elementos e padroes SaDpostos em uso. Segundo Beaugran<strong>de</strong>,<br />
(1997):
o forma1ismo beneficiou-se do projeto <strong>de</strong> lingua por si mesma, ja<br />
que as fonnas pareciam ser tranqui1amente uniformes, estaveis e<br />
abstratas, enquanto que os dados funcionais apontam em dire~ao it<br />
questao do uso da lingua, mantendo conectados a lingua, 0 mundo e<br />
a socieda<strong>de</strong> (pAO-41).<br />
Mesmo sem se basear num corpus autentico, surge entao a pragnuitica<br />
como uma disciplina valida para subsidiar as pesquisas sobre os usos da lingua; os<br />
estudos pragmMicos centrais iniciais - a teoria dos atos <strong>de</strong> fala (Austin, 1962;<br />
Searle, 1969) e a teoria dos principios e maximas conversacionais (Grice, 1975)-<br />
lanyam luzes sobre 0 estudo do discurso. Interessante notar-se tambem que as<br />
<strong>de</strong>cadas <strong>de</strong> 60 e 70 foram muito ricas em outros trabalhos <strong>de</strong> cunho transdisciplinar<br />
envolvendo a linguagem como interayao social. Tais pesquisas avanyaram<br />
principalmente nas interfaces <strong>de</strong> varias ciencias sociais (sociologia, antropologia,<br />
etnologia, etnografia) e a lingiiistica. Assim, ocorreu 0 surgimento da<br />
sociolingiiistica, da etnometodologia e da etnografia da comunicayao. Nessa linha,<br />
digna <strong>de</strong> enfase e a analise da conversa9i1o, como urn esfowo bem sucedido para 0<br />
entendimento <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong> tao corriqueira na comunicayao humana. Todos esses<br />
estudos, <strong>de</strong> certa forma, po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados como abordagens da analise do<br />
discurso, conforme a visao <strong>de</strong> Schftfin (1994).<br />
Obviamente, outras ten<strong>de</strong>ncias da analise do discurso frutificaram com<br />
bases te6ricas diversas, conforme as varias concep
historico e nas relayoes <strong>de</strong> forya entre sujeitos, i<strong>de</strong>ologia e or<strong>de</strong>m social<br />
(Maingueneau, 1989).<br />
Muitas outras ten<strong>de</strong>ncias e teorias apareceram no periodo compreendido<br />
entre os <strong>anos</strong> 50 e 80 - epoca <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> efervescencia nas ciencias da linguagem -<br />
tomando-se impossivel cita-Ias todas neste reduzidissimo panorama aqui <strong>de</strong>scrito.<br />
Importante salientar-se, contudo, que a linguistica viveu, nessa epoca, a<br />
consolidayao do discurso como motor para pesqUlsas envolvendo,<br />
consequentemente, os aspectos SOCIalS,mas consi<strong>de</strong>rando tambem OS aspectos<br />
cognitivos implicados nas ativida<strong>de</strong>s discursivas. Dentre muitos estudiosos <strong>de</strong>sta<br />
vertente, citam-se Kintsch & van Dijk (1977, 1978) que se ocuparam da elaborayao<br />
<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los estrategicos para a compreensao do discurso, incorporando conceitos<br />
oriundos da psicologia cognitiva.<br />
A passagem da lingiiistica frasal para a lingiiistica do discurso, nesta<br />
segunda meta<strong>de</strong> do seculo XX, evi<strong>de</strong>ntemente, <strong>de</strong>u lugar a recuperayao <strong>de</strong> uma<br />
entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vital importancia para os estudos lingiiistico-discursivos: 0 texto. As<br />
mais antigas preocupayoes sobre 0 texto remontam a Antigiiida<strong>de</strong> Classica e a Ida<strong>de</strong><br />
Media, atraves dos estudos da retorica 9 , a milenar arte e tecnica do discurso. Os<br />
retoricos, na antiga Grecia e na Roma imperial, <strong>de</strong>dicavam-se a essa disciplina<br />
principalmente para fins <strong>de</strong> treinamento dos oradores publicos. Na Ida<strong>de</strong> Media a<br />
tradiyao continuou atraves do "trivium" (retorica, gramlitica e logica). Quintiliano,<br />
importante gramatico e retorico que viveu no seculo I da era crista, ja preconizava as<br />
9. Convem registrar-se aqui 0 "esquecimento" da ret6rica pelos lingiiistas da primeira meta<strong>de</strong> do seculo xx<br />
Nessa fase, no am <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver 'cientificamente' 0 c6digo lingiiistico, foi-lhe atribuido uma certa autonomia,<br />
<strong>de</strong>sprezando-se os componentes semanticos, discursivos ou ret6ricos. A paltir dos <strong>anos</strong> 60, no entanto, a<br />
ret6rica renasce com for'ta consi<strong>de</strong>mvel com a chamada nova ret6rica, (ou novas ret6ricas, como querem<br />
alguns te6ricos), atraves da ohra sohre a argumenta~o <strong>de</strong> ChaIm Perelman e Lucie Olhrechts-Tyteka, na<br />
Europa. 0 renascimento da ret6rica nos Estados Unidos se <strong>de</strong>u atraves <strong>de</strong> varios estudiosos, como 1 A<br />
Richards e Kenneth Burke, cujos trahalhos envolvem a lingiiistica, a ret6rica e a critica liteciria.
quatro qualida<strong>de</strong>s do discurso: correyao, clareza, a<strong>de</strong>quayao e elegancia. Conforme<br />
Beaugran<strong>de</strong> & Dressler (1981: 16), essas categorias refletem 0 pressuposto <strong>de</strong> que os<br />
textos diferem em qualida<strong>de</strong> por conta da varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurs os utilizados no<br />
processo <strong>de</strong> sua prodw;ao. Nos tempos mo<strong>de</strong>mos, para alguns te6ricos, 0 sucedaneo<br />
da ret6rica mais pr6ximo aos estudos lingiiisticos e a estilistica. 10<br />
Os estudos gramaticais, ret6ricos, filol6gicos e literarios tern uma longa<br />
tradiyao no trato com tipos especiais <strong>de</strong> textos, geralmente com finalida<strong>de</strong>s<br />
prescritivas. Mas, no seculo XX, sob a egi<strong>de</strong> da chamada lingiiistica mo<strong>de</strong>ma, as<br />
iniciativas <strong>de</strong> estudar 0 texto como unida<strong>de</strong> hierarquicamente superior a frase e<br />
como a unida<strong>de</strong> basica da comunicayao humana apareceram entre as <strong>de</strong>cadas <strong>de</strong> 60 e<br />
70, ainda sob alguma influencia do estruturalismo - a lingiifstica textual. Conhecida<br />
nos prim6rdios dos estudos textuais como gramatica <strong>de</strong> texto, analise transfrastica e<br />
ainda como teoria <strong>de</strong> texto, esta disciplina surgiu com 0 prop6sito <strong>de</strong> explicar<br />
fenomenos lingiiisticos impossiveis <strong>de</strong> serem entendidos atraves da lingiiistica<br />
frasal. As tentativas <strong>de</strong> estudar as proprieda<strong>de</strong>s lingiiisticas que vao alem da frase ja<br />
eram percebidas entre alguns estruturalistas, tais como Zellig Harris (1952) e<br />
membros do Circulo Lingiiistico <strong>de</strong> Praga, a exemplo <strong>de</strong> Roman Jakobson, que, ao<br />
re<strong>de</strong>finir e ampliar 0 estudo das funyoes da linguagem, ja prenuncia a dimensao<br />
textual-discursiva nos mo<strong>de</strong>mos estudos da linguagem (Favero & Koch, 1983).<br />
Mesmo tendo <strong>de</strong>las recebido influencias nos seus remotos e mais recentes<br />
antece<strong>de</strong>ntes,<br />
a lingiiistica textual nao e a mesma coisa que analise literaria e<br />
III Grosso modo, na era mo<strong>de</strong>ma, a rerorica ficou conhecida atraves <strong>de</strong> duas gran<strong>de</strong>s ten<strong>de</strong>ncias: a teoria da<br />
argumenta~o e a rerorica liteniria, reduzida <strong>de</strong>pois Ii estiHstica. Mas e tambem a partir <strong>de</strong> disciplinas naolingiiisticas<br />
(a semiologia, a psicanillise) que a ret6rica se volta para a linguagem (Reboul, 1986:32). Esse<br />
autor fala ainda do verda<strong>de</strong>iro "estilha~mento", ou seja, da ftagmentayao que softeu a ret6rica no seculo XX,<br />
dando vez a rerorica da imagem, a rerorica da propaganda, alem da nova ret6rica e da ret6rica das figuras<br />
(Reboul, 1998:82-83).
tambem e diferente da retorica e da estilistica. A tarefa da lingiiistica textual e tratar<br />
"dos processos e das regularida<strong>de</strong>s gerais e especificas segundo as quais se produz,<br />
constitui, compreen<strong>de</strong> e <strong>de</strong>screve 0 fenomeno texto" (Marcuschi, 1983:02). Este<br />
autor, na citada obra, uma das pioneiras sobre lingiiistica textual no Brasil, propoe<br />
"uma <strong>de</strong>finiyao provisoria" <strong>de</strong>sta disciplina, que ainda po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada como<br />
valida e objetiva. Diz ele que a lingUistica textual <strong>de</strong>ve ser vista, genericamente<br />
"como 0 estudo das operayoes lingiiisticas e cognitivas reguladoras e controladoras<br />
da produyao, construyao, funcionamento e recepyao <strong>de</strong> textos escritos ou orais"<br />
(p.12).<br />
Este objeto <strong>de</strong> estudo - 0 texto -, por sua vez, merece urn esclarecimento<br />
minimo quanto ao seu conceito, <strong>de</strong>vido as diversas formas como e abordado por<br />
inumeros estudiosos. Ern obra recente, Beaugran<strong>de</strong> (1997:10) <strong>de</strong>fine 0 texto como<br />
sendo "urn evento comunicativo ern que convergem as ayoes lingiiisticas, cognitivas<br />
e sociais, e nao apenas a seqUencia <strong>de</strong> palavras que SaDfaladas ou escritas".<br />
Tendo ern vista a consolidayao, nestes ultimos trinta <strong>anos</strong>, do paradigma<br />
funcional ou discursivo nos estudos lingiiisticos, alguns conceitos bitsicos passaram<br />
a circular regularmente nesses estudos, cujas fronteiras SaD muito dificeis <strong>de</strong><br />
estabelecer. Por exemplo, os termos texto e discurso, que, nas primeiras obras <strong>de</strong><br />
lingUistica textual erarn concebidos <strong>de</strong> forma conceptualmente bem distinta, hoje em<br />
dia tern seus conceitos cada vez mais imbricados. No entanto, para fins <strong>de</strong> estudo, as<br />
duas entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem ser vistas com suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s teoricamente diferenciadas.<br />
Os avanyos conseguidos pela lingiiistica textual <strong>de</strong>ram conta <strong>de</strong> varios<br />
flltores relativos aos textos, consi<strong>de</strong>rados como unida<strong>de</strong>s comunicacionais por
excelencia. Adam (1986:b3-b6) apresenta tres hip6<strong>teses</strong> que d3.o sustentav3.o ao<br />
quadro te6rico da lingiiistica textual:<br />
1. Os sujeitos (falantes/escreventes) tern uma competencia textual:<br />
as pessoas sabem distinguir, por exemplo, urn romance <strong>de</strong> urn<br />
livro tecnico~ uma carta <strong>de</strong> uma noticia <strong>de</strong> jornal, etc.~<br />
2. Urn texto e 0 produto <strong>de</strong> uma dupla estruturav3.o: primaria (pelo<br />
sistema da lingua) e secundaria (pela colocavao no discurso);<br />
3. A heterogeneida<strong>de</strong> intema <strong>de</strong> todo texto se estrutura<br />
conjuntamente:<br />
• num nivel global (superestruturas e macroestruturas);<br />
• num nivellocal (sequencias)<br />
Mas a heterogeneida<strong>de</strong> dos textos nao se apresenta apenas internamente:<br />
eles diferem tambem extemamente, <strong>de</strong> urn para 0 outro, conforme seus contextos,<br />
usos e suas funvoes sociais, gerando, assim, a polemica questao das tipologias<br />
textuais. A prop6sito, conforme Isenberg (1987:96-98), gran<strong>de</strong> parte dos inumeros<br />
trabalhos <strong>de</strong> lingiiistica textual po<strong>de</strong>m ser agrupados, em primeiro lugar, pelo estudo<br />
das proprieda<strong>de</strong>s gerais dos textos e, em segundo lugar, pelos estudos especiais<br />
sobre tipos concretos <strong>de</strong> texto. Salienta ainda 0 autor que certas caracteristicas da<br />
textualida<strong>de</strong> sao, na realida<strong>de</strong>, caracteristicas <strong>de</strong> certos tipos <strong>de</strong> texto.<br />
No momento em que a linguistica <strong>de</strong> texto se volta para 0 discurso, ja se<br />
percebe urn interesse maior sobre a lingua em contextos autenticos <strong>de</strong> seus usos<br />
sociais, 0 que implica, necessaria e progressivamente, 0 envolvimento <strong>de</strong> elementos<br />
externos a lingua. Essa externalida<strong>de</strong> busca, obviamente, elementos <strong>de</strong> disciplinas<br />
auxiliares para dar conta da complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse binomio texto/discurso.<br />
Com efeito, a ten<strong>de</strong>ncia interdisciplinar, ou melhor, multidisciplinar, dos<br />
estudos textuais faz-se notar ja a partir, por exemplo, do estabelecimento dos
paddles <strong>de</strong> texiualida<strong>de</strong>, ou seja, dos fatores que fazem do texto um texto, quais<br />
sejam: a coesao, a coerencia, a informativida<strong>de</strong>, a situacionalida<strong>de</strong>, a<br />
intertextualida<strong>de</strong>, a intencionalida<strong>de</strong> e a aceitabilida<strong>de</strong> (Beaugran<strong>de</strong> & Dressler,<br />
1981). E importante salientar que, <strong>de</strong>ntre esses sete padroes <strong>de</strong> textualida<strong>de</strong>, quatro<br />
<strong>de</strong>les - a situacionalida<strong>de</strong>, a intertextualida<strong>de</strong>. a intencionalida<strong>de</strong> e a aceitabilida<strong>de</strong><br />
- san voltados para a exteriorida<strong>de</strong> da lingua, ou seja, para a pratica social da<br />
linguagem, para as ayoes discursivas, cuja caracteristica mais marcante e a dinamica<br />
interacional atraves dos usos efetivos da lingua. Segundo os citados autores, a<br />
questao fundamental e saber-se "como os textos funcionam na intera
elavoes efetivas entre a estrutura social e a estrutura da lingua (Fowler and Kress,<br />
1979:185-213).<br />
Ao travar a trajetoria da linguistica textual, Beaugran<strong>de</strong> (1997 :60)<br />
informa que esta disciplina consi<strong>de</strong>rou inicialmente 0 texto como 'urn sistema<br />
uniforme, estavel e abstrato',<br />
isto e, como resquicio do paradigma dominante da<br />
linguistica (mainstream linguistics). Assim, numa gramatica textual, 0 texto <strong>de</strong>veria<br />
ser tratado como urn padrao formal, sujeito a formulavao <strong>de</strong> regras suQjacentes. Tal<br />
visao foi responsavel pela dicotomia entre 'texto' (entida<strong>de</strong> formal baseada na<br />
teoria) e 'discurso' (entida<strong>de</strong> funcional baseada em dados), reeditando, assim, a<br />
conhecida polemica entre a lingua virtual e a lingua real, ou seja, entre teoria e<br />
pnl.tica, ou ainda, lingua como codigo formal versus lingua como uso autentico. Mas<br />
no inicio da <strong>de</strong>cada <strong>de</strong> 80, 0 texto <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser concebido apenas como urn artefato e<br />
<strong>de</strong>senvolve-se 0 conceito <strong>de</strong> textualida<strong>de</strong> como urn "mliitiplo modo <strong>de</strong> conectivida<strong>de</strong><br />
ativado sempre que ocorre um evento comunicativo". Nesse sentido, recupera-se a<br />
"conexao social do texto ao contexto e os produtores e receptores <strong>de</strong> texto a<br />
socieda<strong>de</strong>" (Beaugran<strong>de</strong>, 1997:61).<br />
Consi<strong>de</strong>rando a lingi.iistica textual como uma "ciencia transdisciplinar do<br />
texto e do discurso", Beaugran<strong>de</strong> (1997:61-62) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a reconciliavao entre 'texto'<br />
e 'discurso', assumindo, inclusive, a integravao da linguistica textual a analise do<br />
discurso. Efetivamente, essa integravao se faz legitimamente necessaria na medida<br />
em que se consi<strong>de</strong>ra a interavao linguistica como uma pratica social. No entanto, as<br />
duas entida<strong>de</strong>s - texto e discurso - po<strong>de</strong>m ser concebidas conforme 0 enfoque que<br />
se<strong>de</strong>:<br />
Quando a materialida<strong>de</strong>, a forma e a estrutura da lingua estao em<br />
questao, 0 estudo ten<strong>de</strong> a ser textual; quando 0 conteudo, a funyao e a<br />
significancia social da linguagem estao em questao, 0 estudo ten<strong>de</strong> a ser<br />
do discurso. C ... ) 0 discurso e uma categoria que peftence e <strong>de</strong>riva do
dominio social, e 0 texto e uma categoria que pertence e <strong>de</strong>riva do<br />
dominio lingiiistico. A relayao entre os dois e <strong>de</strong> realizayao. 0 discurso<br />
encontra sua expressao no texto. Contudo, esta nao e jamais uma relayao<br />
direta; um texto po<strong>de</strong> ser a expressao ou realizayao <strong>de</strong> varios discursos,<br />
muitas vezes contradit6rios e competindo entre si. (Kress, 1985:27).<br />
Diante do exposto, mesmo consi<strong>de</strong>rando-se que 0 uso da lingua nas<br />
diversas formas <strong>de</strong> interacao humana se da, em principio, atraves <strong>de</strong> textos, ha <strong>de</strong> se<br />
convir, portanto, que nao se po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>scolar do texto os componentes discursivos, a<br />
fim <strong>de</strong> que se possa consi<strong>de</strong>ra-Io como uma unida<strong>de</strong> social e contextualmente<br />
completa.<br />
o pressuposto do discurso como uma pratica social e cultural estil<br />
presente em varias ten<strong>de</strong>ncias dos estudos discursivos, tanto nas correntes <strong>de</strong> cunho<br />
antropol6gico e etnografico - "discurso e vida social sao tidos como<br />
inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes" (Schffrin, 1994:31) -, como na corrente interacionista s6ciodiscursiva<br />
- "A linguagem e antes <strong>de</strong> tudo uma ativida<strong>de</strong> discursiva, intimamente<br />
ligada it ativida<strong>de</strong> humana, on<strong>de</strong> ela constitui, por sua vez, 0 retlexo e 0 principal<br />
instrumento" (Bronckart, 1985:). Tal concepcao <strong>de</strong> discurso tambem aparece nas<br />
ten<strong>de</strong>ncias voltadas para a enunciarlio, que hoje se conhecem como "ten<strong>de</strong>ncias da<br />
analise <strong>de</strong> discurso francesa", as quais tambem incorporam varios elementos das<br />
ciencias sociais <strong>de</strong> inspirayoes marxistas e foucaultiana (Maingueneau, 1989). Dirse-ia,<br />
ainda, que 0 pressuposto da natureza social do discurso alcanya posiyoes mais<br />
extremas nas ten<strong>de</strong>ncias mais criticas e <strong>de</strong> postura transformadora que privilegiam<br />
as conexoes entre lingua, po<strong>de</strong>r e i<strong>de</strong>ologia, como, por exemplo, em Fairclough<br />
(1995).
E e:x.1remamente relevante esta concepyao <strong>de</strong> discurso como pnitica<br />
social, principalmente porque ela implica consi<strong>de</strong>rar-se a dimensao i<strong>de</strong>ol6gica que<br />
perpassa 0 usn da lingua. Afirma Bakhtin (1981 :96) que "a lingua, no seu uso<br />
pratico, e inseparavel do seu conteudo i<strong>de</strong>ol6gico ou relativo it vida". Sem duvida, as<br />
relayoes entre discurso e i<strong>de</strong>ologia san bastante explicitas em <strong>de</strong>terminados usos<br />
convencionais da lingua na socieda<strong>de</strong>, especialmente quando san veiculados pelas<br />
instituiyoes que estao na base da organizayao social e politica da socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>ma.<br />
Efetivamente, os uswirios da lingua participam das interayoes sociais nao<br />
apenas como falantes, ouvintes, escritores e leitores; eles sao, antes <strong>de</strong> tudo,<br />
membros <strong>de</strong> categorias e <strong>de</strong> grupos sociais; pertencem a organizayoes, profissoes,<br />
comunida<strong>de</strong>s e culturas diversificadas. As relayoes sociais, obviamente, nao san<br />
uniformes, nem muito menos, harmoniosas. Por conseguinte, as praticas discursivas<br />
san igualmente diversificadas, <strong>de</strong>correndo, dai, variayoes nos generos <strong>de</strong> discurso.<br />
AMm do mais, ha <strong>de</strong> se concordar com Fowler et alii (1979:1), quando dizem que 0<br />
usn da lingua nao e meramente urn efeito ou urn reflexo da organizayao social. Esse<br />
uso e parte do processo social, constituindo os significados sociais e dai as pr6prias<br />
pniticas sociais. Assim, as manifestayoes discursivas san insepaniveis dos fatores<br />
SOCIalS e economicos. Ratificando este pressuposto, argumentam Fowler et alii<br />
(1979: 1-2):<br />
Necessariamente, nos falamos, escrevemos, ouvirnos e 1emos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
contextos sociais e interpessoais. Se nosso discurso articu1a significados<br />
sociais, entao 0 ato da articulayao no contexto afeta as situayoes e os<br />
re1acionamentos que fonnaram esses significados ern primeiro lugar.<br />
Muito frequentemente, 0 efeito e a reafinnavao e a consolidayao das<br />
estmturas sociais existentes.<br />
Essa visao <strong>de</strong> discurso como ayao, interayaO e pratica social favorece<br />
sobremaneira<br />
a reflexao sobre os varios tipos e formas <strong>de</strong> discurso, ou tipos <strong>de</strong>
enunciados, como diz Bakhtin (1981: 113), 0 qual afirma serem as estruturas <strong>de</strong>sses<br />
enunciados <strong>de</strong>terminadas socialmente. Alem disso, <strong>de</strong> especial importancia para 0<br />
estudo sobre a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> discurso e a visao <strong>de</strong> lingua <strong>de</strong> Bakhtin<br />
como essencialmente dialogica, em que a ativida<strong>de</strong> discursiva e ininterrupta. Para<br />
ele, quando existem formas <strong>de</strong> vida em comum relativamente regularizadas, os<br />
discursos (ou enunciados, no dizer <strong>de</strong> Bakhtin) assumem formas estereotipadas<br />
reforyadas pelo uso e pelas circunstancias (op.cit.:125).<br />
Os usos sociais da lingua diversificam-se conforme a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
ayoes que se realizam nas interayoes discursivas. Naturalmente, nas socieda<strong>de</strong>s<br />
organizadas, a maioria das situay5es <strong>de</strong> uso interacional da lingua sao<br />
convencionalizadas e reiteradas na propria dinamica das ativida<strong>de</strong>s sociais no<br />
cotidiano da vida humana, tanto no ambito mais privativo, como no plano publico e<br />
comunitario. A nOyao <strong>de</strong> genero textual procura dar conta tambem das ativida<strong>de</strong>s<br />
mais elaboradas <strong>de</strong> cunho cultural e artistico. Do ponto <strong>de</strong> vista cognitivo-social,<br />
uma das caracteristicas mais marcantes do genero textual e a sua pronta<br />
i<strong>de</strong>ntificayao e reconhecimento por parte da maioria das pessoas que vivem nas<br />
culturas em que <strong>de</strong>terminados generos textuais san <strong>de</strong> uso corrente. Noutras<br />
palavras, 0 reconhecimento e a produyao <strong>de</strong> generos textuais fazem parte da<br />
competencia comunicativa do individuo. Do ponto <strong>de</strong> vista empirico, a noyao <strong>de</strong><br />
genero textual e <strong>de</strong> entendimento relativamente pnitico e facil, como se po<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r da seguinte passagem em Canvat (1996:28):<br />
De uma maneira geraI, ninguem escreve nem Ie "textos narrativos",<br />
"argumentativos", "explicativos", etc. Em compensayao, ocorre a<br />
todas as pessoas lerem um "romance", uma "noticia <strong>de</strong> jomal", ou<br />
escreverem um "relato", ou mna "carta".
Do ponto <strong>de</strong> vista teorico, entretanto, 0 conceito <strong>de</strong> genero tern gerado<br />
uma certa polemica. As causas das controversias e mesmo <strong>de</strong> algumas relumncias e<br />
subestimayoes na linguistica sac <strong>de</strong>vidas ao fate <strong>de</strong> 0 termo "genero" veicular<br />
diferentes e difusos significados acumulados ao longo da historia e, especialmente,<br />
no ambito dos estudos litenirios. Alem disso, 0 termo tambem circula no mundo das<br />
artes, como, por exemplo, no cinema e na musica ll •<br />
Vma das reflexoes mais pertinentes e elucidativas a respeito da nOyao <strong>de</strong><br />
genero textual (ou genero discursivo, se se quer), pren<strong>de</strong>-se a imaginayao do quanto<br />
seria <strong>de</strong>sgastante para os usuarios da lingua terem que inventar formas <strong>de</strong> interagir<br />
lingiiistica e discursivamente toda vez que tivessem <strong>de</strong> enfrentar as mesmas<br />
situayoes que ocorrem repetidamente na comunicayao com os semelhantes, na<br />
convivencia diaria, na vida afetiva, familiar, profissional; enfim, na existencia dos<br />
individuos, como pessoas e como cidadaos. 0 dominio dos generos tambem habilita<br />
as pessoas a fazer prediyoes sobre 0 comportamento discursivo dos seus<br />
interlocutores. A seguinte passagem <strong>de</strong> Bakhtin (1997 :<strong>30</strong>2) esclarece bem essas<br />
i<strong>de</strong>ias:<br />
Apren<strong>de</strong>mos a moldar nossa fala as formas do genero e, ao ouvir a<br />
fala do outro, sabemos <strong>de</strong> imediato, bem nas primeiras palavras,<br />
pressentir-lhe 0 genero, adivinhar-lhe0 volume (a extensao aproximada<br />
do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe 0 fim,<br />
ou seja, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 0 inicio, somos sensiveis ao todo discursivo que, em<br />
seguida, no processo da fala, evi<strong>de</strong>nciani suas diferenciayoes. Se nao<br />
existissem os generos do discurso e se nao os domimissemos, se<br />
11 A bem da verda<strong>de</strong>, etimologicamente, a palavm "genero" vem do latim vulgar genenl, acusativo <strong>de</strong> generos<br />
pelo latim classico genus, generis, que significa m~a, origem, tronco; conjunto <strong>de</strong> seres que rem origem<br />
comum e semelhan~ naturais; familia, espeeie. Nesta acep¢o, 0 termo "genero" e usado em histOria natural<br />
(biologia, bomnica, etc.) (Cf. Dicionario Escolar Latino-Portugues, organizado por Ernesto Faria<br />
(Catednrtico <strong>de</strong> Lingua e Litemtura Latinas da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia da Universida<strong>de</strong> do Brasil),<br />
publicado pdo Ministerio da Educa¢o e Cultura - Campanha Nacional <strong>de</strong> Material <strong>de</strong> Ensino, 3" edi¢o,<br />
1962. p. 426. Nos estudos das humanida<strong>de</strong>s, 0 tenno tem sido muito empregado, por exemplo, na teona<br />
literitria <strong>de</strong>signando "familia <strong>de</strong> obras dotadas <strong>de</strong> atributos iguais ou semelhantes".
tivessemos <strong>de</strong> eria-Ios pela pnmerra vez no proeesso da fala, se<br />
tivessemos <strong>de</strong> eonstruir eada um dos <strong>de</strong> nossos enuneiados, a<br />
eomunieayao verbal seria quase impossivel (1992:<strong>30</strong>2).<br />
Urn exemplo simples que po<strong>de</strong> clarificar a nOyao <strong>de</strong> genero ocorre, por<br />
exemplo, quando, no trabalho, as pessoas se dirigem a uma reuniao administrativa.<br />
Ja se po<strong>de</strong> preyer toda a dinamica <strong>de</strong> funcionamento <strong>de</strong>sse genero: sabe-se que a<br />
pessoa que presidira a reuniao vai abrir a sessao, <strong>de</strong>pois vai passar a palavra para<br />
uma pessoa, <strong>de</strong>pois para outra; haveni discussoes, <strong>de</strong>cisoes, etc., ate que a sessao<br />
s~ia dada como encerrada.<br />
Os generos estao presentes, portanto, em todas as circunstancias da vida,<br />
em que as ayoes humanas sac mediadas pela ativida<strong>de</strong> discursiva. Talvez por serem<br />
Hio frequentes e tao "naturais" em todos os niveis e situayoes da vida humana, nao<br />
nos damos conta <strong>de</strong> sua existencia. Como afirma Bakhtin (1997:<strong>30</strong>1)<br />
Para falar, utilizamo-nos sempre dos generos do diseurso, em outras<br />
palavras, todos os nossos enuneiados dispoem <strong>de</strong> uma forma padrao e<br />
relativamente estavel <strong>de</strong> estruturayao <strong>de</strong> um todo. Possuimos um rico<br />
repert6rio dos generos do discurso orais (e escritos). Na prMica, usamo-los<br />
com seguranya e <strong>de</strong>streza, mas po<strong>de</strong>mos ignorar totalmente a sua<br />
existencia te6rica. Como dizia Jourdain <strong>de</strong> Moliere, que falava em prosa<br />
sem suspeitar disso, falamos em v<strong>anos</strong> generos sem suspeitar <strong>de</strong> sua<br />
existeneia.<br />
Alguns generos sac mats livres, como os generos das interay5es<br />
cotidianas; outros sac mais padronizados ou "formatados", como, por exemplo, os<br />
generos falados e escritos usados nas burocracias institucionais. Naturalmente, 0 uso<br />
<strong>de</strong> generos enquanto formas autenticas <strong>de</strong> ayao e interayao s6cio-discursiva, esm
diretamente ligado aos aspectos culturais e i<strong>de</strong>ol6gicos, po<strong>de</strong>ndo surgir, evoluir e<br />
<strong>de</strong>saparecer ao sabor da evoluvao das pniticas sociais das comunida<strong>de</strong>s que os usam,<br />
em todos os ambitos da ativida<strong>de</strong> humana.<br />
Na medida em que 0 conceito <strong>de</strong> texto ja esta mms ou menos<br />
. consolidado, algumas confusoes e controversias comumente aparecem na distinvao<br />
entre texto e genero, havendo 0 risco <strong>de</strong> se tomarem os dois termos como sinonimos,<br />
ou 0 contrario, <strong>de</strong> se distinguirem os dois conceitos, geralmente <strong>de</strong> maneira difusa e<br />
inconsistente.<br />
Para se distinguir texto <strong>de</strong> genero, ha <strong>de</strong> se levar em consi<strong>de</strong>rac;ao,<br />
primeiramente, que a novao <strong>de</strong> texto e mais abrangente, relativa a qualquer<br />
mmlifestac;ao da capacida<strong>de</strong> textual do ser humano. Num sentido bastante amplo, a<br />
novao <strong>de</strong> texto po<strong>de</strong> englobar manifestavoes como urn filme, uma mllsica, uma<br />
pintura, etc. (Favero e Koch, 1983). Do ponto <strong>de</strong> vista da linguagem verbal, 0 texto e<br />
<strong>de</strong>finido nao apenas como uma sequencia <strong>de</strong> palavras faladas ou escritas, mas como<br />
urn evento comunicativo para 0 qual convergem fatores linguisticos, cognitivos e<br />
sociais (Beaugran<strong>de</strong>, 1997:10). 0 discurso manifesta-se atraves <strong>de</strong> textos, que<br />
po<strong>de</strong>m ser falados ou escritos.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente, os generos sao, antes <strong>de</strong> tudo, textos. Como diz Kress<br />
(1993 :36), "a linguagem sempre acontece em forma <strong>de</strong> texto; e como texto, ela<br />
inevitavelmente ocorre numa <strong>de</strong>terminada forma generica. Essa forma generica<br />
emerge da ac;ao dos sujeitos sociais em <strong>de</strong>terminadas ac;oes sociais". Mas cumpre<br />
observar alguns travos caracterizadores do genero que, <strong>de</strong> tao aparentemente 6bvios,<br />
nao eram percebidos ou, pelo menos, nao eram levados em conta, especialmente por<br />
se consi<strong>de</strong>rar que 0 conceito <strong>de</strong> texto era suficiente para dar conta <strong>de</strong> toda a
complexida<strong>de</strong> que envolve os usos reiterados e convencionalizados dos varios tipos<br />
<strong>de</strong> manifesta~oes textuais/discursivas. Alias, po<strong>de</strong> ate parecer algo muito simples,<br />
mas para se enten<strong>de</strong>r a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> genero na comunica~ao lingtiistica, ha <strong>de</strong> ter a<br />
conscientiza~ao do fato <strong>de</strong> que, frequentemente, nas intera~oes sociais, as pessoas,<br />
enquanto usuarios da lingua, nao "inventam", <strong>de</strong> maneira inedita, original, formas<br />
textuais para se relacionarem com seus semelhantes 12 . Na verda<strong>de</strong>, essas formas "ja<br />
estao la". Elas, efetivamente, sao preexistentes aos individuos e disponiveis no uso<br />
social da lingua em toda e qualquer cultura. Desse modo, a fofoca que se faz a urn<br />
parente proximo e a justificativa que urn aluno apresenta a professora por nao ter<br />
entregue uma monografia no dia preestabelecido sao dois exemplos <strong>de</strong> generos da<br />
fala no cotidiano familiar e profissional. Ja uma ata e uma bula <strong>de</strong> remedio sao<br />
exemplos <strong>de</strong> generos escritos. Como se po<strong>de</strong> perceber, os generos estao intimamente<br />
relacionados a situa~oes sociais concretas, repetidas, tipicas e <strong>de</strong>finidas <strong>de</strong> uso<br />
efetivo da lingua (Miller, 1984). Portanto, os generos aparecem em praticamente<br />
todas as esferas da ativida<strong>de</strong> humana em que os discursos ocorrem <strong>de</strong> maneira<br />
reiterada e historicamente consolidadas, "estabilizadas" <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> urna <strong>de</strong>terminada<br />
cultura. Importante salientar que os generos textuais tem uma estabilida<strong>de</strong> relativa,<br />
ou seja, urn equilibrio instavel, pois os generos surgem, mudam, evoluem, <strong>de</strong>caem e<br />
<strong>de</strong>saparecem, conforme sejam as mudan~as culturais, institucionais, politicas e<br />
socio-economicas que interferem nos padroes comportamentais dos individuos<br />
<strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong> (Bakhtin, 1979/1992).<br />
No que respeita a distin~ao entre tipo textual e genero textual, a questao<br />
po<strong>de</strong> ser abordada, inicialmente, esclarecendo-se que a no~ao <strong>de</strong> tipos textuais (ou<br />
12 "0 falante nao e urn Adao que enuncia urn discurso pela primeira vez; 0 seu discurso esta inserido numa<br />
arena em que as diferentes opinioes e pontos <strong>de</strong> vista se encontram e se inter-relacionam dinamicamente"<br />
Machado, 1995:68)
tipos <strong>de</strong> te},.10)se refere a travos linguisticos caracteristicos, tais como a dominancia<br />
<strong>de</strong> certas formas verbais, preferencia por certas estruturas, etc., enquanto os generos<br />
textuais se referem mais a n09ao <strong>de</strong> discurso, <strong>de</strong> uso da lingua em situavoes <strong>de</strong><br />
intera9ao social <strong>de</strong>finidas (Marcus chi, 1997; Bronckart, 1997). Como tambem<br />
salienta Pare<strong>de</strong>s Silva (1999:82), para se fazer a distin9ao entre tipo <strong>de</strong> texto e<br />
genero textual (ou genero do discurso, como prefere a autora), e necessario se<br />
levarem em conta criterios formais e funcionais. Assim sendo, tipos <strong>de</strong> texto sao<br />
"estruturas disponiveis na lingua", ou melhor, sao formas lingiiisticas convencionais<br />
<strong>de</strong> que 0 falante dispoe na lingua quando quer organizar 0 discurso. Essas formas<br />
sao caracterizadas por <strong>de</strong>terminados tra90s linguisticos, "como tempo/aspecto/modo<br />
do verbo, pessoa do discurso predominantemente referida, tipo <strong>de</strong> predicado,<br />
unida<strong>de</strong> semantica basica, unida<strong>de</strong> sinmtica basica". Ja 0 genero <strong>de</strong> discurso e<br />
i<strong>de</strong>ntificado pela autora como "a utiliza9ao <strong>de</strong>ssas estruturas em situa90es reais <strong>de</strong><br />
comtmica9ao - instancias <strong>de</strong> uso em que elas aparecem sob uma organiza9ao tipica,<br />
associadas a diferentes situa90es comunicativas". Desse modo, esclarece ainda a<br />
autora, estruturas narrativas po<strong>de</strong>m aparecer em diferentes generos como uma<br />
estoria ou uma reportagem policial; estruturas procedurais (ou injuntivas) se<br />
realizam tanto numa receita culinaria como num manual <strong>de</strong> instru9ao.<br />
Po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r ainda a questao buscando-se as formas como<br />
tradicionalmente se entendiam os tipos textuais. Isso implica, evi<strong>de</strong>ntemente, a<br />
controvertida e polemica questao das tipologias textuais. As mais antigas tradi90es<br />
dos estudos textuais preconizavam as ja muito conhecidas divisoes entre textos<br />
narraJivos, <strong>de</strong>scritivos e dissertativos, apostando, obviamente, numa suposta<br />
homogeneida<strong>de</strong> textual. Uma vez verificada a constante heterogeneida<strong>de</strong> com que os<br />
textos (ou generos, mais especificamente falando) geralmente se apresentam, Adam<br />
(1993) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> uma tipologia textual baseada em sequencias prototipicas -<br />
<strong>de</strong>scritiva, narrativa, argumentativa, explicativa e dialogal. Werlich (1975)<br />
consi<strong>de</strong>ra ainda a sequencia prescritiva (tambem chamada <strong>de</strong> injuntiva ou
procedural), mas Adam (op.cit.:95) insere este tipo <strong>de</strong> sequencia textual na<br />
<strong>de</strong>scriyao, ou seja, <strong>de</strong>scriyao <strong>de</strong> ayoes. Esta proposta reconhece que nao ha generos<br />
textuais homogeneos, po<strong>de</strong>ndo-se encontrar, num exemplar <strong>de</strong> genero, divers as<br />
sequencias, como por exemplo, urn genero <strong>de</strong> natureza argumentativa com vArias<br />
sequencias narrativas~ ou 0 contnirio, urn genero <strong>de</strong> natureza narrativa recheado <strong>de</strong><br />
avaliay5es servindo-se <strong>de</strong> sequencias argumentativas.<br />
1a foi dito que a nOyao <strong>de</strong> texto na linguistica esta voltada em gran<strong>de</strong><br />
parte para os aspectos lingiiisticos e a nOyao <strong>de</strong> genero e mais atrelada ao discurso,<br />
ao uso efetivo da lingua nas interayoes sociais. Assim, por extensao, os tipos<br />
textuais sao entendidos tomando-se por base os criterios internos, composicionais,<br />
enquanto que os generos textuais sao consi<strong>de</strong>rados primordialmente atraves <strong>de</strong><br />
criterios externos, isto e, ligados aos prop6sitos dos falantes em face ao interlocutor<br />
e a outros fatores <strong>de</strong> natureza extralingiiistica que fazem os entomos das ativida<strong>de</strong>s<br />
discursivas (Biber, 1988:170). Com efeito, reforyando 0 que foi dito em paragrafo<br />
anterior, po<strong>de</strong>-se constatar urn <strong>de</strong>terminado tipo textual entrando na composiyao <strong>de</strong><br />
varios generos; por exemplo, sequencias <strong>de</strong>scritivas po<strong>de</strong>m ser encontradas, em<br />
meio a outros tipos <strong>de</strong> sequencia, em divers os generos como conferencias, cartas,<br />
relat6rios, noticias <strong>de</strong> jomal, resenhas <strong>de</strong> livro, contos, etc. Por isso os generos<br />
te:x1:uaisao, em geral, tipologicamente heterogeneos, ou seja, po<strong>de</strong>m ser observados<br />
vAriostipos textuais inseridos num exemplar <strong>de</strong> urn <strong>de</strong>terminado genero.<br />
Ainda nessa distinyao entre tipo <strong>de</strong> texto e genero textual, COl1vem<br />
assinalar que alguns estudiosos preferem distinguir modalida<strong>de</strong>s retoricas <strong>de</strong> genero<br />
textual (Meurer, 2000). Para esse autor, modalida<strong>de</strong>s ret6ricas "constituem as<br />
estruturas e as fUl1yoes textuais tradicionalmel1te reconhecidas como narrativas,<br />
<strong>de</strong>scritivas, argumel1tativas, procedimel1tais e exortativas. Essas modalida<strong>de</strong>s sao<br />
estrategias utilizadas para organizar a linguagem, muitas vezes in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
das funyoes comunicativas associadas aos generos textuais especificos" (p.150).
Ao longo da exposi9ao ate aqui <strong>de</strong>senvolvida, houve referencia, mais <strong>de</strong><br />
uma vez, a quesmo da diversida<strong>de</strong> dos textos, empiricamente falando, como uma<br />
tarefa extremamente complexa e perseguida na lingitistica textua1. Com efeito, em<br />
vaTias <strong>de</strong>ssas tarefas classificatorias, em primeiro lugar, nao se costumam distinguir<br />
texto <strong>de</strong> genero. Alem do mais, sempre havera inumeras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se<br />
elaborarem tipologias nessa mea textual-discursiva, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo dos criterios que se<br />
queiram adotar. Mas, como diz Schneuwly (1994:155), "a moda das tipologias<br />
ce<strong>de</strong>u lugar ados generos". Face a esse conceito que, apesar <strong>de</strong> bastante conhecido<br />
na retorica classica e na teoria literaria, <strong>de</strong>spontou recentemente na lingiiistica do<br />
discurso, extrapolando, portanto, os tradicionais estudos <strong>de</strong> genero, principalmente<br />
aqueles verificados no campo da literatura, acreditamos ser <strong>de</strong> extrema valida<strong>de</strong><br />
proce<strong>de</strong>r-se a urn estudo sobre as varias formas como 0 genero [oi concebido e ainda<br />
vem sendo concebido em diversas meas nas ciencias da linguagem humana.<br />
Antes, porem, <strong>de</strong> iniciar 0 referido estudo, vale lembrar que 0 termo<br />
'genero' sempre [oi revestido <strong>de</strong> muitos significados, ja que e usado em varios<br />
setores da cultura (literatura, musica, cinema, teatro, folclore, etc.) e das ciencias<br />
sociais e lingUisticas (antropologia, etnografia da comunica9ao, etc.). No que<br />
respeita as manifestavoes lingiiisticas, tradicionalmente, como ja se disse, as<br />
preocupa90es mais conhecidas sobre os generos se relacionam aos estudos ret6ricos<br />
e literarios, e so recentemente a questao tern merecido a aten9ao dos lingiiistas. E<br />
mesmo na teoria literaria, os estudos sobre generos sempre foram um pouco<br />
marginais, perifericos e controversos, po<strong>de</strong>ndo ate ser consi<strong>de</strong>rados por alguns como<br />
inuteis 13 ; mas, na realida<strong>de</strong>, a queSmo e instigante e, conforme reconhecia Moises<br />
(1970:29), "esta longe <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada esgotada".<br />
t3 A propOsito, Todorov, inicia seu importante artigo "A origem dos generos", constante da sua obra AS<br />
Generas do Discurso, (1980), questionando 0 estudo dos generos, dizendo exatarnente que "Persistir em se<br />
ocupar dos generos po<strong>de</strong> parecer atualrnente urn passaternpo ocioso, quiya anacr6nico. Todos sabem que nos<br />
aureos tempos dos classicos havia baladas, o<strong>de</strong>s, sonetos, tragedias e comedias ". Sua argumentayao, no<br />
entanto, se reverte, <strong>de</strong>pois, ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r explicitamente 0 estudo dos generos.
3. A EVOLU(:AO E A DIVERSIFICA(:AO<br />
DO CONCEITO<br />
DE GENERO<br />
o termo genero tern acompanhado os estudos da lingua e do discurso no<br />
oci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Antigiiida<strong>de</strong> greco-latina. A partir do surgimento da retorica<br />
classica, nas suas vertentes juridica e literaria, sistematizada pelos gregos e<br />
consolidada pelos rom<strong>anos</strong>, 0 termo tern sido uma constante na mo<strong>de</strong>rna teoria<br />
literana, aparecendo tambem na sociolingiiistica e, a partir da divulga~ao das obras<br />
<strong>de</strong> Mikhail Bakhtin nos ciclos aca<strong>de</strong>micos oci<strong>de</strong>ntais, a no~ao <strong>de</strong> genero ganhou<br />
uma dimensao consi<strong>de</strong>ravel. Paralelamente, a preocupa~ao da lingiiistica aplicada<br />
com 0 estudo e 0 ensino da lectoescritura, aliada as gran<strong>de</strong>s polemicas envolvidas no<br />
letramento e na etnografia da escrita, reavivou a questao dos generos, incorporandoa<br />
<strong>de</strong>finitivamente nos estudos textuais e discursivos. Atualmente, observa-se, no<br />
ambito da analise do discurso aplicada, ten<strong>de</strong>ncias influenciadas pelo ressurgimento<br />
da retorica, ou melhor dizendo, da nova ret6rica, que promovem certas<br />
reconceitua~oes das i<strong>de</strong>ias sobre 0 genero (Freedman & Medway, 1994a). No bojo<br />
<strong>de</strong>ssa nova ten<strong>de</strong>ncia, aparecem propostas <strong>de</strong> analise <strong>de</strong> genero que tern merecido a<br />
aten~ao <strong>de</strong> varios lingiiistas aplicados, especialmente aqueles comprometidos com 0<br />
ensino instrumental <strong>de</strong> linguas 14 • Vejam-se, pois, a seguir, as varias abordagens <strong>de</strong><br />
genero que tern se verificado ao longo da evolu~ao dos estudos sobre a linguagem e<br />
suas mal1ifesta~oes na pratica discursiva.<br />
14 Essa ten<strong>de</strong>ncia verifica-se claramente no ESP - English for Specific PUlposes (Ingles para Fins<br />
Especificos) e no EAC - English for Aca<strong>de</strong>mic Purposes (Ingles para Fins Aca<strong>de</strong>micos). No Brasil, 0<br />
chamado ing/es instntmenta/ vem se transformando cada vez mais em programas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvo/vimento <strong>de</strong><br />
leitura estrategica.
A retorica constitui 0 mais antigo estudo sobre os usos do discurso,<br />
verificando-se ja, no chamado sistema retorico, a preocupa~ao explicita com os<br />
generos na ativida<strong>de</strong> discursiva. A antiga tradi~ao retorica remonta ha mais <strong>de</strong> 2.500<br />
<strong>anos</strong> e, enquanto disciplina, teve seu sistema primeiramente organizado na antiga<br />
Grecia. Consi<strong>de</strong>rada como arte e tecnica do discurso, as origens da retorica se<br />
confim<strong>de</strong>m com as origens da <strong>de</strong>mocracia grega, em que os usos publicos do<br />
discurso passaram a preocupar os estudiosos da epoca.<br />
A bem dizer, a retorica nao nasceu exatamente em Atenas, e sim em<br />
Siracusa e Agrigento, colonias gregas da Sicilia, por volta <strong>de</strong> 465 a.C., <strong>de</strong>pois da<br />
expulsao dos tir<strong>anos</strong> que haviam dominado aquela regiao. Os cidadaos que foram<br />
espoliados em seus bens passaram a reclama-los, e assim se instalaram varios<br />
conflitos judiciarios. Ao longo <strong>de</strong>ssas contendas, houve, naturalmente, a necessida<strong>de</strong><br />
da <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>ssas causas, 0 que motivou 0 aparecimento <strong>de</strong> "instrutores" que<br />
ensinavam preceitos praticos para ajudar as pessoas que recorressem a justi~a. Por<br />
isso, "Corax, discipulo do filosofo Empedocles, e seu proprio discipulo Tisias,<br />
publicaram entao uma 'arte oratoria' (tekhne rhetorike)", em que ja se estabelece a<br />
primeira <strong>de</strong>fini~ao da retorica como arte da persuasao (Rebou!, 1998:2). Seguindo<br />
este autor, a retorica, portanto, tern uma origem judiciaria e, durante muito tempo,<br />
nao teve alcance literario ou filosofico. So a partir <strong>de</strong> 427 a.c., atraves da atua~ao <strong>de</strong><br />
Gorgias, urn sofista <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> prestigio na epoca, e que "aparece uma nova fonte da<br />
retorica: estetica e propriamente literaria". Gorgias inova a tradi~ao literaria da<br />
epoca, criando uma prosa eloquente, on<strong>de</strong> ja se observava 0 uso <strong>de</strong> figuras. Ate<br />
enmo, os gregos i<strong>de</strong>ntificavam a literatura com poesia (epica, tragica, etc.); a prosa<br />
tinha urn uso puramente funcional (Reboul, 1998:4). A aproxima~ao da retorica com<br />
a filosofia vai se configurar a partir da conhecida arenga ocorrida entre os filosofos,<br />
que pregavam 0 uso da linguagem para a busca da verda<strong>de</strong>, e os sofistas que<br />
<strong>de</strong>fendiam 0 ensino da linguagem para fins praticos, incluindo-se obviamente 0
treinamento para 0 uso eficaz da oratoria. Platao, critico severo dos sofistas, por<br />
exemplo, <strong>de</strong>fendia que a linguagem <strong>de</strong>via estar a servi90 do pensamento, a fim <strong>de</strong> se<br />
atingirem as i<strong>de</strong>ias (Reboul, 1998: 18).<br />
Mas e corn Aristoteles que a retorica antiga encontra, digamos, urn certo<br />
ponto <strong>de</strong> equilibrio entre as "exarceba90es" dos sofistas e a tentativa <strong>de</strong> sua<br />
"anula9ao" por parte <strong>de</strong> Platao. Reconhece 0 estagirita que a retorica e uma tecnica<br />
util e <strong>de</strong>fensavel, mas restringe 0 seu uso para as questOes ern que os argumentos se<br />
baseiam na verossimilhan9a e nao na verda<strong>de</strong>. Para esta ultima, passou-se a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />
a <strong>de</strong>monstra9ao, que pertence ao campo da logica formal. E assim, no seculo XIX, e<br />
estabelecida a gran<strong>de</strong> questao entre as ciencias naturais, <strong>de</strong>monstraveis pela<br />
experimenta9ao, e as ciencias humanas, cujo estudo ten<strong>de</strong> a ser mais fundarnentado<br />
pelo proprio discurso, em argurnentos verossimeis; portanto mais propensos as<br />
tecnicas retoricas, ern que a persuasao ocupa lugar privilegiado. 15<br />
Deve-se a Aristoteles,<br />
na sua Ars Retorica, a primeira sistematiza9ao<br />
<strong>de</strong>sse saber, transformando a retorica numa disciplina corn urn corpo unificado <strong>de</strong><br />
conhecimentos, conceitos e i<strong>de</strong>ias. Esta obra do Filosofo e tida como a fundadora<br />
dos estudos sobre a comunica9ao hmnana atraves do discurso (Foss et alii, 1991:4).<br />
E <strong>de</strong> extrema relevancia observar-se que Aristoteles consi<strong>de</strong>ra a fala (0 discurso)<br />
como forma <strong>de</strong> ar;iio - a9ao especifica e particular <strong>de</strong> persuadir. "A rela9ao<br />
fundamental<br />
do ponto <strong>de</strong> vista da retorica aristotelica, entre orador e ouvinte, e<br />
muito mais a rela9ao <strong>de</strong> a9ao verbal orientadora do que <strong>de</strong> informa9ao transmitida"<br />
(Osakabe,<br />
1979:140-1). Este caniter <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> conferido ao discurso <strong>de</strong> certa<br />
forma encaminha Aristoteles a divisar tres generos discursivos que procuram dar<br />
conta <strong>de</strong> tres instancias <strong>de</strong> atua9ao do cidadao na polis grega, levando-se ern<br />
consi<strong>de</strong>ra9ao os interlocutores (os auditorios), os valores e as inten90es do orador.<br />
Desse modo, temos 0 genero judiciario, 0 genero <strong>de</strong>liberativo e 0 genero epidictico.<br />
15 A prop6sito disso, Bizzell and Herzberg (1999:1092) informam que, segundo Wilhelm Dilthey, as ciencias<br />
naturais buscam a exphc~o, enquanto que as ciencias humanas buscam 0 entendimento.
Respeitante, pois, aos elementos valorativos que estao em jogo, it avao intencionada<br />
pelo orador e ao auditorio que se tem como alvo, os citados generos po<strong>de</strong>m ser<br />
apresentados da seguinte forma:<br />
Intem;ao<br />
Va/ores<br />
Defen<strong>de</strong>r<br />
Acusar<br />
Aconselhar<br />
Desaconselhar<br />
Louvar<br />
Censurar<br />
o Justo<br />
o Injusto<br />
o Util<br />
o Nocivo<br />
o Nobre<br />
o ViI<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente, as mo<strong>de</strong>rnas teorias <strong>de</strong> generos contemplam uma<br />
varieda<strong>de</strong> muito maior <strong>de</strong> situavoes correspon<strong>de</strong>ntes a um gran<strong>de</strong> nfunero <strong>de</strong> formas<br />
discursivas convencionalizadas. Mas, concordando com Reboul (1998:47), "0<br />
merito <strong>de</strong> Aristoteles foi mostrar que os discursos po<strong>de</strong>m ser classificados segundo 0<br />
auditorio e seglmdo a finalida<strong>de</strong>".<br />
As primeiras preocupavoes sobre a sistematizavao dos generos litenirios<br />
tambem remontam it antigiiida<strong>de</strong> classica greco-latina. A mais antiga menvao acerca<br />
do assunto encontra-se na Republica <strong>de</strong> Platao em que, pela primeira vez, aparece<br />
uma divisao tripartite da literatura: a) a tragedia e a comedia, ou seja, 0 teatro~ b) 0<br />
ditirambo, isto e, a poesia Hrica, e c) a poesia epica. Mais tar<strong>de</strong>, Aristoteles, na sua<br />
Pohica, "refere a epopeia, a tragedia, a comedia, 0 ditirambo, a auletica e a<br />
citaristica como expressoes poeticas, mas so se <strong>de</strong>mora no exame da comedia e
especialmente<br />
da tragedia". Entre os latinos, a questao vem a tona, ainda que <strong>de</strong><br />
forma passageira, em Horacio, na sua Arte Poetica (Moises, 1970:29).<br />
Na lda<strong>de</strong> Media, registrou-se uma real pobreza doutrinaria em materia<br />
literaria; mas, em contrapartida,<br />
houve, durante esta epoca, a cria~ao <strong>de</strong> novos<br />
generos literarios. Segundo Moises (1970:<strong>30</strong>), a era medieval "teria sido 0<br />
laboratorio on<strong>de</strong> se preparam alguns generos mo<strong>de</strong>mos", especialmente na poesia<br />
lirica, po<strong>de</strong>ndo-se mencionar tambem a cria~ao <strong>de</strong> alguns generos teatrais, e 0<br />
chamado romance <strong>de</strong> cava/aria (em verso e em prosa). Este genero, que esteve<br />
muito em yoga durante varios seculos medievais, seria urn dos precursores do<br />
romance como 0 enten<strong>de</strong>mos hoje, consoli dado a partir da segunda meta<strong>de</strong> do<br />
seculo XVIII.<br />
o Renascimento, e seu conhecido am <strong>de</strong> revive seer os mo<strong>de</strong>los esteticos<br />
greco-latinos, propiciou 0 cultivo <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> teoricos antigos, como Aristoteles e<br />
Honkio, cujas i<strong>de</strong>ias "foram tomadas como verda<strong>de</strong>iros axiomas, dogmas <strong>de</strong> fe, leis<br />
imutaveis que os escritores so tinham que acatar e por em pratica". Como born<br />
classico e renascentista, Camoes em Os Lusiadas invoca "0 engenho e a arte",<br />
enten<strong>de</strong>ndo-se, assim, que, na cria~ao literaria, e necessario ter-se nao so a<br />
inspira~ao (a arte), mas tambem uma tecnica, urn mo<strong>de</strong>lo, uma formula (0 engenho).<br />
Por isso, conclui Moises (1970:31) que "os generos eram entendidos como formulas<br />
e formas fixas, sustentadas por doutrinas express as em regras diante das quais so<br />
restava aos escritores urn caminho: aceita-Ias e pratica-Ias". Alem do mais, "os<br />
generos preexistem aos escritores <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sua existencia foi verificada e logo<br />
posta em codigo" (Moises, 1970:36).<br />
Os generos literarios come~am a per<strong>de</strong>r a rigi<strong>de</strong>z das formas e formulas a<br />
partir do Romantismo, que se inicia na Europa ja na segunda meta<strong>de</strong> do seculo<br />
XVllI. Por essa epoca, admite-se a mistura <strong>de</strong> generos, aparecendo, assim os
generos "impuros", ao lado <strong>de</strong> recria90es <strong>de</strong> generos anteriores, como ja tinha<br />
acontecido, por exemplo, com a novela, que se originou das can90es <strong>de</strong> gesta. "Urn<br />
novo genero e sempre a transforma9ao <strong>de</strong> urn ou <strong>de</strong> varios generos antigos: por<br />
inversao, por <strong>de</strong>slocamento, por combina9ao", salienta Todorov (1980:46). Assim, a<br />
epopeia, "consi<strong>de</strong>rada, na linha da velha tradi9ao aristotelica, expressao nobre <strong>de</strong><br />
arte, ce<strong>de</strong> lugar a uma fOrma artistica burguesa: 0 romance" (Moises, 1970: 164).<br />
Dado que, mo<strong>de</strong>mamente, nao ha como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, e muito menos<br />
preservar, urna pretensa universalida<strong>de</strong> estetica, como se <strong>de</strong>sejava na maneira<br />
c1assica <strong>de</strong> se conceber os generos literarios, sempre numa perspectiva normativa e<br />
preceptiva, conc1ui-se que<br />
(...) "a teoria mo<strong>de</strong>rna dos generos e manifestamente <strong>de</strong>scritiva. Nao<br />
limita 0 nllmero <strong>de</strong> possiveis generos nem dita regras aos autores.<br />
Supoe que os generos tradicionais po<strong>de</strong>m 'mesclar-se' e produzir urn<br />
novo genero" (Wellek e Austin, 1976:409).<br />
Efetivamente, 0 carMer regulador do genero funciona mats como<br />
orienta9ao e ate mesmo como simplifica9ao. Vale tambem consi<strong>de</strong>rar que os generos<br />
literarios, apesar <strong>de</strong> serem formas relativamente consagradas, "nao sao leis nem<br />
regras fixas; SaD categorias relativas, <strong>de</strong>ntm das quais 0 escritor se move it vonta<strong>de</strong>:<br />
elas e que estao a servi90 <strong>de</strong>le e nao ele a servi90 <strong>de</strong>las" (Moises, 1970:36).<br />
A<strong>de</strong>mais, ha <strong>de</strong> se reconhecer que os generos, na realida<strong>de</strong>, nascem, <strong>de</strong>senvolvem-se<br />
e <strong>de</strong>caem, apesar <strong>de</strong> manterem 0 seu aspecto <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> "estabilida<strong>de</strong>"<br />
enquanto estiverem em vigor numa <strong>de</strong>terminada cultura. Isso e tacitamente admitido<br />
por criticos literarios <strong>de</strong> renome, como Afranio Peixoto, citado por Budin e Elia<br />
(1960:36):<br />
Os generos litenirios SaDapenas modos e modas da expressao: passam<br />
e morrem com a fadiga das emoyoes... Sao fonnas originais
<strong>de</strong>scobertas pe10 genio, imitados, seguidos e abandonados,<br />
esquecidos, talvez reinventados, tempos <strong>de</strong>pois.<br />
Na concep~ao liteniria tradicional, e importante notar-se que os generos<br />
litenlrios sao consi<strong>de</strong>rados, essencialmente, como tipos <strong>de</strong> texto, conforme observam<br />
Freedman & Medway (1994:2), possuindo, naturalmente, 0 carMer <strong>de</strong> recorrencia ou<br />
repetibilida<strong>de</strong>. Sendo, pois, mais convencionalmente vistos como textos,<br />
obviamente, seus aspectos lingiiisticos e formais eram priorizados. No entanto, seria<br />
mais a<strong>de</strong>quado consi<strong>de</strong>rarem-se os generos litenirios como tipos especiais <strong>de</strong><br />
discursos e, portanto, como generos <strong>de</strong> discurso, ja que nao se Ihes po<strong>de</strong> negar 0<br />
carater pragmatico e as proprieda<strong>de</strong>s discursivas que os fazem funcionar como<br />
como ciencia. De fato, a tradi9<strong>30</strong> antropologica e etnognlfica na linguistica passou a<br />
<strong>de</strong>senvolver-se a partir das primeiras <strong>de</strong>cadas do seculo xx atraves <strong>de</strong> estudiosos<br />
americ<strong>anos</strong> como Franz Boas e Edward Sapir; e <strong>de</strong> ingleses, a exemplo <strong>de</strong> A.R<br />
Radcliffe-Brown e Bronislaw Malinowsky. Segundo Saville-Troike (1982:5), os<br />
antropologos amenc<strong>anos</strong> preocuparam-se especialmente com "<strong>de</strong>scri90es<br />
etnograficas das culturas americanas nativas antes que fossem <strong>de</strong>struidas ou<br />
<strong>de</strong>scaracterizadas pela coloniza9ao europeia"; os antropologos ingleses, por sua vez,<br />
principalmente na corrente influenciada por Malinowsky, "preocuparam-se com 0<br />
significado 'cultural' das a90es, eventos, objetos e leis e como eles funcionavam<br />
<strong>de</strong>ntro do contexto cultural imediato ou mais amplo".<br />
o trabalho fundador <strong>de</strong>ssa area <strong>de</strong> estudos coube a Dell Hymes que, com<br />
a publica9ao do artigo "The Ethnography of Speaking" em 1962, lan90u as bases<br />
sintetizadoras do novo campo <strong>de</strong> estudos da linguagem. A proposito, como informa<br />
Figueroa (1994:36), a disciplina recebeu do proprio Hymes varias <strong>de</strong>nomina90es,<br />
como "ethnography of communication", "ethnography of speaking",<br />
"ethno1inguistics" e ainda, "socially constituted linguistics".<br />
A etnografia da comunica9ao e uma abordagem que se situa <strong>de</strong>ntro do<br />
paradigma funcional nos estudos linguisticos. Nessa perspectiva, como se sabe, a<br />
lingua e consi<strong>de</strong>rada como constitutiva <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da vida social e cultural.<br />
Como informa Saville-Troike (1982), alguns dos conceitos basicos da etnografia da<br />
comunica9ao san a competencia comunicativa (conhecimentos e habilida<strong>de</strong>s que<br />
envolvem 0 dominio do codigo lingiiistico e das normas sociais e culturais para urn<br />
<strong>de</strong>sernpenho cornunicativo a<strong>de</strong>quado nas varias situa90es); a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fala (<strong>de</strong><br />
dificil e abrangente <strong>de</strong>fini9ao; mas, grosso modo, po<strong>de</strong> ser entendida como urn<br />
grupo <strong>de</strong> pessoas que compartilham as mesmas regras para a condu9ao e<br />
interpreta9ao da fala, numa <strong>de</strong>terminada varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lingua); as funfoes<br />
comunicativas (que estao diretamente relacionadas aos propositos e as necessida<strong>de</strong>s
comunicativas dos interactantes) e os pad roes <strong>de</strong> comunica9iio (relacionados ao<br />
comportamento linguistico: leis, padroes e restri~oes que po<strong>de</strong>m ser formulados<br />
como 'regras').<br />
Vale enfatizar, <strong>de</strong>ntre as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> analise trabalhadas nos estudos<br />
etnograticos, a no~ao <strong>de</strong> evento <strong>de</strong> fala (speech event) ou evento comunicativo 16 •<br />
Parece relevante, com efeito, comentar-se sobre a rela~ao existente entre ato <strong>de</strong> [ala<br />
e evento <strong>de</strong> [ala. Afirma Coulthard (1991 :42), que "a rela~ao entre eventos <strong>de</strong> fala e<br />
atos <strong>de</strong> fala e hierarquica; urn evento po<strong>de</strong> consistir <strong>de</strong> urn tmico ato <strong>de</strong> fala, mas<br />
frequentemente ele po<strong>de</strong> abranger varios". 0 evento <strong>de</strong> fala se <strong>de</strong>fine como sendo<br />
uma instancia particular em que as pessoas interagem atraves da fala, pOI<br />
exemplo, uma troca <strong>de</strong> cumprimentos, uma conversa. as eventos <strong>de</strong> fala<br />
sao regidos por regras e normas para 0 uso cIa fala, que po<strong>de</strong>m ser<br />
diferentes em diferentes comunida<strong>de</strong>s. A estrutura dos eventos <strong>de</strong> fala<br />
varia <strong>de</strong> acordo com 0 GENERO a que e1es pertencem (Richards et alii,<br />
1989:267).<br />
Nos prim6rdios da elabora~ao do seu mo<strong>de</strong>lo, Hymes (1967, 1972)<br />
atribuiu sete componentes para 0 evento <strong>de</strong> fala. Sao eles: 0 emissor, 0 receptor, a<br />
mensagem, 0 canal, 0 c6digo, 0 t6pico e 0 cenario. Saville-Troike (1982:137-138),<br />
por seu tumo, sugere que a analise <strong>de</strong> urn evento comunicativo <strong>de</strong>ve levar em conta:<br />
o genero, ou tipo <strong>de</strong> evento (por exemplo, uma piacIa, uma historia, uma<br />
saudavao, uma confen~ncia, uma conversa, etc.);<br />
o t6pico, ou foco referencial;<br />
o prop6sito oufunfi1o, tanto do evento em geral como em termos das metas<br />
<strong>de</strong> interavao dos individuos participantes;
o cenario, incluindo 0 local, a hora do dia, a epoca do ano, os aspectos<br />
fisicos da situayao (por exemplo, tamanho da sala, anumayao dos m6veis);<br />
os participantes, incluindo informayao sobre a ida<strong>de</strong>, 0 sexo, a etnia, 0<br />
status social, a forma <strong>de</strong> relacionamento entre eles, etc.;<br />
afonna da mensagem, incluindo tanto os canais vocais e os nao-vocais, e a<br />
natureza do c6digo que e usado (por exemplo, a lingua e a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa<br />
lingua);<br />
o conteudo da mensagem, ou referencias <strong>de</strong>notativas no nivel da superficie;<br />
o que e comunicado;<br />
a sequencia dos alos <strong>de</strong> fala ou a organizayao dos atos <strong>de</strong> fala/atos<br />
comunicativos, incluindo a tomada dos turnos e as superposiyoes;<br />
as regras para a interat;:ao,ou que proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>veriam ser observadas;<br />
AB normas <strong>de</strong> interpretar;ao, incluindo 0 conhecimento comum, as<br />
pressuposiy.oes culturais relevantes, ou falta <strong>de</strong> compreensao<br />
compartilhada, que permitem inferencias particulares a serem feitas sobre 0<br />
que <strong>de</strong>ve ser tornado literalmente, 0 que nao <strong>de</strong>ve ser levado em conta, etc.<br />
Efetivamente, contigua a n09aO <strong>de</strong> evento comunicativo esrn a n09aO <strong>de</strong><br />
genero como urn tipo <strong>de</strong> evento <strong>de</strong>limitado e reconhecivel pelos usmirios da lingua<br />
numa <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> 17 • Todos os generos tern contextos ou situa90es as<br />
quais eles sac a<strong>de</strong>quados, ajustados, e nas quais esses generos sac tipicamente<br />
encontrados. As formas lingiiisticas dos generos variarao conforme 0 contexto 18 , 0<br />
que po<strong>de</strong> ser ilustrado, por exemplo, com as varias formas <strong>de</strong> sauda9aO. Na dinfunica<br />
da intera9aO social, especialmente do ponto <strong>de</strong> vista das. normas culturais, 0 uso<br />
17 Segundo Dell Hymes (1974:61), "Os generos frequentemente coinci<strong>de</strong>m com os eventos <strong>de</strong> fala, mas<br />
<strong>de</strong>vem sertratados como analiticamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Eles po<strong>de</strong>m ocorrer em (Oilcomo) diferentes eventos.<br />
o semllio como urn genero e tipicarnente i<strong>de</strong>ntico a urn certo lugar no serviyo eclesiitstico, mas suas<br />
propneda<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m ser invocadas para efeitos senos e humoristicos noutras situay3es".<br />
18 0 contexto e sua complexida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser explicitados, na abordagem etnogritfica, atraves da formula<br />
mnemonica SPEAKING, cnada por Hymes (1974): Setting (cemino), Participants (interactantes) Ends<br />
(propOsitos), Act Sequence (sequencia dos atos <strong>de</strong> fala), Key (modalida<strong>de</strong>, tom), lnstmmentalities (canal <strong>de</strong><br />
comunica't80), Norms (<strong>de</strong> intera't80 e interpreta¢o), Genres (tipos especificos <strong>de</strong> evento).
ina<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> urn genero po<strong>de</strong> causar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> urn simples embara~o ate situa~oes<br />
<strong>de</strong>sastrosas. 0 genero, na visao etnografica, e <strong>de</strong>finido como:<br />
uma <strong>de</strong>terminada c1asse <strong>de</strong> eventos <strong>de</strong> fala que sac consi<strong>de</strong>rados pe1a<br />
comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fala como sendo do mesmo tipo. Exemplos <strong>de</strong> generos sac:<br />
orayoes, sermoes, conversayoes, canyoes, discursos, poemas, cartas e<br />
romances. Um grupo <strong>de</strong> varios generos po<strong>de</strong> ser chamado <strong>de</strong> um genera<br />
complexo, como por exemplo, 0 serviyo ec1esiastico, que contem hinos,<br />
salmos, orayoes e sermao (Richards et alii, 1989:122).<br />
Convem salientar-se, na abordagem etnografica, 0 aspecto bastante<br />
explicito <strong>de</strong> "ativida<strong>de</strong>' atribuido a linguagem e seus usos. Com efeito, a<br />
comunica~3.o enquanto ativida<strong>de</strong> social nao e algo caotico; pelo contnrrio, ela "ten<strong>de</strong><br />
a ser categorizada em diferentes tipos <strong>de</strong> eventos em vez <strong>de</strong> urn continuo<br />
indiferenciado do discurso, com fronteiras mais ou menos bem <strong>de</strong>tinidas entre cada<br />
um" (Saville-Troike, 1982:134). AMm do mms, as diferentes nonnas<br />
comportamentais incluem diferentes varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> linguagem a<strong>de</strong>quada a cada tipo<br />
<strong>de</strong> evento. Isto significa que 0 tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> da qual 0 individuo participa<br />
influencia diretamente a sua maneira <strong>de</strong> se comunicar.<br />
Na etnografia da cornunica¢o, a quesmo da padronizayao e das<br />
regularida<strong>de</strong>s, das rotinas e dos rituais no uso da lingua e <strong>de</strong> especial interesse para a<br />
consoliday<strong>30</strong> dos estudos <strong>de</strong> genero, pois, nela, ja esta presente, as vezes implicita e<br />
muitas vezes explicitamente, a nOyao <strong>de</strong> genero como formas discursivas social e<br />
culturalmente convencionalizadas, apontando indubitavelmente para .0 usa<br />
recorrente da linguagem nas intuneras situayoes tambem recorrentes da vida social.<br />
Naturalmente, esse carater <strong>de</strong> recorrencia confere aos eventos comunicativos uma<br />
certa ou relativa estabilida<strong>de</strong>. Na sua teoria <strong>de</strong> genero, Bakhtin (1997) enfatiza<br />
exatamente esses "tipos esmveis <strong>de</strong> enunciados" que ocorrem "em todas as esferas<br />
da ativida<strong>de</strong> humana".
A paulatina <strong>de</strong>scoberta da obra <strong>de</strong> Bakhtin pelo oci<strong>de</strong>nte tern<br />
proporcionado urn certo impacto nas ciencias humanas e particularmente nos<br />
estudos da linguagem, a partir dos <strong>anos</strong> 70. Com efeito, Bakhtin, ao propor as bases<br />
<strong>de</strong> uma nova linguistica nas primeiras <strong>de</strong>cadas do seculo XX, engendra uma<br />
complexa teoria - a translingiifstica 19 -, que alguns estudiosos consi<strong>de</strong>ram como<br />
sendo uma verda<strong>de</strong>ira pragmatica, cujo objeto e a interayao verbal. Afirma Todorov<br />
(1991:42) que "po<strong>de</strong>-se dizer sem exagero que Bakhtin e 0 fundador mo<strong>de</strong>rno da<br />
pragmatica". A translinguistica tern como uma <strong>de</strong> suas nOyoes fundamentais 0<br />
genero do discurso, freqo.entemente tratado pm Bakhtin como enunciado no sentido<br />
dinamico, interativo e conseqiientemente bifacial.<br />
Urn dos gran<strong>de</strong>s contributos da obra <strong>de</strong> Bakhtin e, sem duvida, a sua<br />
enfase no dialogismo como principio basico, fundador e constitutivo da linguagem<br />
humana. Hoje em dia, tal principio e praticamente consensual entre os lingo.istas;<br />
mas, convenhamos, e <strong>de</strong>veras interessante (senao intrigante) dar-se conta <strong>de</strong> que, em<br />
todo 0 longo trajeto da lingo.istica enquanto ciencia, muito foi investido no estudo do<br />
c6digo, na analise da lingua como sistema e na sua suposta imanencia, e <strong>de</strong> que s6<br />
ha pouco mais <strong>de</strong> vinte <strong>anos</strong> e que 0 paradigma sociointeracional (tex1ual,<br />
discursivo, pragmatico, se se quer) tenha conseguido legitimar-se nos estudos<br />
lingo.isticos. No entanto, nas primeiras <strong>de</strong>cadas do seculo Xx, mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, e<br />
por isso mesmo um pouco a margem da "mainstream linguistics" da epoca, Bakhtin<br />
ja anunciava 0 principio dial6gico como elemento fundador da sua teoria. Assim,<br />
este insigne te6rico russo ja apresentava, a epoca da fundayao da lingiiistica como<br />
ciencia, e <strong>de</strong> maneira consi<strong>de</strong>ravelmente consistente, uma pragmatica dial6gica.<br />
19 Segundo Katerina Clark e Michael Holquist (1998: 233), a obra <strong>de</strong> Bakhtin que apresenta a melhor e mais<br />
substancial explica¢o da translingiiistic.a e Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929/1981) S. Paulo,<br />
Hucitec. Este livro e assinado por VN. Volochinov, mas sahe-se que sua autoria e <strong>de</strong> Mikail Bakhtin. A<br />
edi¢o brasileira e a traduyoo <strong>de</strong> uma edi¢o francesa <strong>de</strong> 1977.
Evi<strong>de</strong>ntemente, Bakhtin fazia serias criticas as concep~oes <strong>de</strong> linguagem<br />
subjacentes as correntes lingfiisticas mais prestigiadas no come~o do seculo XX, ou<br />
seja, no alvorecer da chamada lingfiistica mo<strong>de</strong>ma. Grosso modo, suas criticas se<br />
voltam contra a visao i<strong>de</strong>alista da lingua, centrada apenas no sujeito e na enuncia~ao<br />
individual (subjetivismo i<strong>de</strong>alista) e contra a visao positivista que consi<strong>de</strong>ra a lingua<br />
como urn c6digo fixo e ve 0 falante <strong>de</strong> forma artificial e i<strong>de</strong>alizada (objetivismo<br />
abstrato). Suas criticas ao monologismo reinante nos estudos lingiiisticos atingem<br />
tambem 0 Circulo Lingiiistico <strong>de</strong> Praga que, mesmo quebrando a rigi<strong>de</strong>z do<br />
estruturalismo ao preocupar-se com a linguagem poetica, divisou as conhecidas<br />
fun~oes comunicativas da linguagem numa perspectiva tida como dinamica, mas<br />
que, na realida<strong>de</strong>, ainda era <strong>de</strong> natureza mecanicista. As ditas fun~oes ainda nao se<br />
enquadravam, portanto, na dimensao dial6gica, pois, nesta proposta, segundo<br />
palavras do pr6prio Bakhtin (197911992:289)<br />
(...) a linguagem e consi<strong>de</strong>rada do ponto <strong>de</strong> vista do locutor como se este<br />
estivesse sozinho, sem uma fon;osa rela~ao com os outros parceiros da<br />
comunica~ao verbal. E, quando 0 pape1 do outro e levado em<br />
consi<strong>de</strong>ra~ao, e como urn <strong>de</strong>stinatario passivo que se limita a compreen<strong>de</strong>r<br />
o locutor.<br />
Com efeito, na concep~ao dia16gica <strong>de</strong>fendida pelo eminente semi610go<br />
russo, e que esta na base da sua teoria dos generos, "a compreensao <strong>de</strong> uma fala<br />
viva, <strong>de</strong> urn enunciado vivo e sempre acompanhada <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> responsiva<br />
ativa", ou, dito <strong>de</strong> outra forma, "toda compreensao e prenhe <strong>de</strong> resposta e, <strong>de</strong> uma<br />
forma ou <strong>de</strong> outra, fowosamente a produz: 0 ouvinte toma-se locutor" (Bakhtin,<br />
1992:290).<br />
AMm <strong>de</strong> Todorov (1981), tambem alguns autores brasileiros expoem <strong>de</strong><br />
forma bastante explicita as contribui~oes <strong>de</strong> Bakhtin para as teorias do discurso, da
enunciavao, tao em yoga hoje em dia nos estudos linguistico-discursivos.<br />
Segundo<br />
Barros (1997:27), "Bakhtin influenciou ou antecipou as principais orientavoes<br />
te6ricas dos estudos sobre 0 texto e 0 discurso <strong>de</strong>senvolvidos sobretudo nos ultimos<br />
<strong>anos</strong>". Desse modo, ainda segundo Barros (1994:1), Bakhtin antecipa <strong>de</strong> muito as<br />
principais orientavoes da mo<strong>de</strong>ma lingiiistica do discurso, especialmente no que diz<br />
respeito aos estudos da enunciavao, da interavao verbal e das relavoes entre<br />
linguagem, socieda<strong>de</strong> e hist6ria e entre linguagem e i<strong>de</strong>ologia. Portanto, quanto a<br />
transdisciplinarida<strong>de</strong>,<br />
que caracteriza a postura cientifica atual e assumida em varios<br />
estudos recentes sobre 0 texto e 0 discurso, Bakhtin foi tambem urn precursor, pois,<br />
conforme afirma Cunha (1997:<strong>30</strong>7)<br />
a reflexao bakhtiniana roo se limitou a literatura e a lingtiistica, mas fez<br />
incursoes em diversos domini os - sociologia, psicologia, epistemologia,<br />
hist6ria da cultura, antropologia filos6fica, etc. -, <strong>de</strong> modo que, para 0<br />
autor, nao se po<strong>de</strong> pensar numa lingilistica <strong>de</strong>svinculada das ciencias<br />
humanas.<br />
Consi<strong>de</strong>rando-se, portanto, a dialogicida<strong>de</strong> como proprieda<strong>de</strong> constitutiva<br />
da linguagem hurnana, convem estabelecer -se, primeiramente, que a lingua e urn<br />
produto da vida social, e a comunicavao, ou seja, a interavao verbal, e levada a<br />
efeito, naturalmente, sob a fonna <strong>de</strong> dialogo, que e a forma mais autentica da<br />
linguagem humana. Assim, diz Bakhtin, "0 dialogo, por sua c1areza e simplicida<strong>de</strong>,<br />
e a forma c1assica da comunicavao verbal" (1979/1992:294). E, portanto, no dialogo,<br />
on<strong>de</strong> os enunciados adquirem significavao, pois a ativida<strong>de</strong> discursiva e urn<br />
fenomeno <strong>de</strong> dupla face, ja que toda enunciavao <strong>de</strong>manda a presenva <strong>de</strong> urn locutor<br />
e <strong>de</strong> urn interlocutor. Os generos discursivos, como tipos relativamente esttiveis <strong>de</strong><br />
enunciados, sao fonnas autenticas <strong>de</strong> realizavao do principio dial6gico da<br />
linguagem, uma vez que poem em avao a interativida<strong>de</strong> inerente a comunicavao<br />
humana.
Sem duvida, a teoria dos generos ern Bakhtin tern se configurado como<br />
urn verda<strong>de</strong>iro marco referencial para a revitalizayao dos estudos dos generos nessas<br />
duas ultimas <strong>de</strong>cadas. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> genero como entida<strong>de</strong> do discurso ja aparece na<br />
obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, publicada ern 1929. Dentre algumas<br />
passagens on<strong>de</strong> a nOyao<strong>de</strong> genero discursivo ja se prenuncia no citado livro, veja-se,<br />
por exemplo, esta:<br />
Toda situayao inscrita duravelmente nos costumes possui um auditorio<br />
organizado <strong>de</strong> uma certa maneira e conseqiientemente um certo<br />
repertorio <strong>de</strong> pequenas formulas correntes. (...) As formulas da vida<br />
corrente fazem parte do meio social, sao elementos da festa, dos lazeres,<br />
das relayoes que se travam no hotel, nas fabricas, etc. (...) Assim,<br />
encontram-se diferentes formas <strong>de</strong> constru9ao <strong>de</strong> enuncia90es nos lugares<br />
<strong>de</strong> produyao <strong>de</strong> trabalho e nos meios <strong>de</strong> comercio (Bakhtin,<br />
1929/1981: 126).<br />
Mas e no seu notavel ensalO Os Generos do Discurs0 20 (1992), urn<br />
trabalho verda<strong>de</strong>irarnente seminal, que Bakhtin expoe sua teoria dos generos,<br />
reconhecendo, evi<strong>de</strong>ntemente, que 0 usa da lingua se da ern todas as esferas da<br />
ativida<strong>de</strong> humana, atraves <strong>de</strong> enunciados orais e escritos. Esses enunciados refletem<br />
as condiyoes especificas e as finalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>ssas esferas, e comportam,<br />
na sua estrutura, urn conteitdo tematico (urn assunto ou topico), um estilo (atraves da<br />
seleyao dos recursos lexicais e gramaticais da lingua) e uma constru9{io<br />
composicional. Cada esfera <strong>de</strong> utilizayao da lingua elabora seus tipos relativamente<br />
estaveis <strong>de</strong> enunciados - os generos do discurso.<br />
Bakhtin (1979/1992:279) lembra que a riqueza e a varieda<strong>de</strong> dos generos<br />
do discurso san infmitas, ressaltando a sua heterogeneida<strong>de</strong>. Obviamente, os<br />
generos se diversificam, vao-se ampliando e se tornando cada vez mais complexos a<br />
20 Segundo Farace et alii (l996:18),Bakhtin escreveu este ensaio entre 1952 e 1953. Ele aparece publicado,<br />
junto com outros trabalhos, no livro Estetika Slovesnogo Tvorchestva, Moscou, 1979. Tal obra foi traduzida<br />
para 0 portugues - Estetica da Cria¢o Verbal- em 1992, Sao Paulo, Martins Fontes.
medida em que a socieda<strong>de</strong> vai se tornando mais complexa e as proprias ativida<strong>de</strong>s<br />
humanas vao se ampliando, se diversificando e se tomando mais sofisticadas. Dentre<br />
alguns generos, Bakhtin cita, indiscriminadamente,<br />
os seguintes: a curta replica do<br />
dialogo cotidiano, 0 relata familiar, a carta (nas suas mais divers as formas), a or<strong>de</strong>m<br />
militar padronizada,<br />
padronizadas),<br />
os documentos oficiais, as <strong>de</strong>clara90es publicas (geralmente<br />
a exposi9ao cientitlca e todos os modos <strong>de</strong> produ9ao literaria (dos<br />
ditados, proverbios, ate os romances volumosos). Diante <strong>de</strong> tanta heterogeneida<strong>de</strong>,<br />
pergunta-se: po<strong>de</strong>ria haver uma forma <strong>de</strong> sistematizar 0 estudo dos generos<br />
discursivos? 0 proprio Bakhtin (1979/1992:280) ja problematizava a questao:<br />
Ficariamos tentados a pensar que a diversida<strong>de</strong> dos generos do discurso e<br />
tamanha que nao ha e nao po<strong>de</strong>ria haver urn terreno comum para seu<br />
estudo: com efeito, como colocar no mesmo terreno <strong>de</strong> estudo fenomenos<br />
tao dispares como a replica cotidiana (que po<strong>de</strong> reduzrr-se a uma imica<br />
palavra) e 0 romance (em varios tomos), a or<strong>de</strong>m padronizada que e<br />
imperativaja por sua entonayao e a obra lirica profundamente individual,<br />
etc.?<br />
Bakhtin salienta que essa heterogeneida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser uma das causas do<br />
<strong>de</strong>sanimo dos estudiosos para a investiga9ao sobre 0 problema geral dos generos<br />
discursivos. Talvez seja por isso tambem que esses estudos tenham tradicionalmente<br />
se limitado aos generos literarios e aos generos retoricos comumente utilizados na<br />
area juridica. De qualquer fonna, Bakhtin (1979/1992:281) fomece urna pista que<br />
po<strong>de</strong> ser 0 ponto <strong>de</strong> partida para urn esb090 <strong>de</strong> sistematizayao minima dos generos<br />
discursivos. Ele divi<strong>de</strong> os generos em primarios (simples, isto e, os chamados<br />
generos do cotidiano) e secundarios (complexos, como por exemplo, 0 romance, os<br />
discursos politico-i<strong>de</strong>ologicos, os tratados cientfficos, etc.). Esses generos<br />
complexos se inspiram nos generos primarios e aparecem na socieda<strong>de</strong> quando esta<br />
atinge urn certo grau <strong>de</strong> sofistica9ao cultural, permitidos, principalmente, pelo<br />
letramento, pelo grafocentrismo, ou seja, pelo uso difundido da lingua escrita, no
seio da chamada socieda<strong>de</strong> letrada. Como exemplos <strong>de</strong>ssa passagem dos generos<br />
primarios ou do cotidiano para os generos secundarios ou complexos, Bakhtin<br />
(1979/1992:325) cita os generos literarios, que sao "compostos <strong>de</strong> diversos generos<br />
primarios transformados (replicas do dialogo, narrativas <strong>de</strong> costumes, cartas, diarios<br />
intimos, documentos, etc.)". Diz ainda 0 autor na citada obra que "esses generos<br />
complexos simulam em principio as varias formas da comunicayao verbal<br />
primaria" .<br />
Esta reflexao sobre a diversida<strong>de</strong> dos generos traz a tona uma pretensao<br />
que os lingiiistas sempre alimentaram <strong>de</strong> buscar formas e criterios para classificar os<br />
textos-generos, reeditando-se a velha polemica das tipologias textuais, as querelas<br />
taxionomicas que tantas discussoes tern suscitado no ambito da lingo.istica <strong>de</strong> texto;<br />
afinal, "as tipologias textuais tern por funyao modalizar a heterogeneida<strong>de</strong> dos<br />
textos, principal problema da linguistica textual" (Canvat, 1996:5-6). Talvez essa<br />
questao possa chegar a bons termos na medida em que 0 conceito <strong>de</strong> genero teA1:ual<br />
s~ia consoli dado e legitimado, po<strong>de</strong>ndo-se acatar a sugestao do pr6prio Bakhtin <strong>de</strong><br />
se classificarem os generos por esferas <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> humana.<br />
Mas 0 estudo do genero enquanto entida<strong>de</strong> discursiva e urn <strong>de</strong>safio que<br />
vem sendo contornado razoavelmente por varios te6ricos, principalmente <strong>de</strong>pois<br />
que se tern tido acesso as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Bakhtin sobre 0 tema. Prova disso e a existencia<br />
<strong>de</strong> urn crescente interesse no assunto, embora com uma certa diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
abordagem; e 0 aparecimento <strong>de</strong> infuneros trabalhos, em que os generos aparecem<br />
com <strong>de</strong>nominayao variada (generos do discurso, generos discursivos, generos<br />
textuais, generos comunicativos).<br />
Tendo sido, portanto, <strong>de</strong> crucial importancia para 0 <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
varias teorias discursivas mais recentes, a teoria <strong>de</strong> genero em Bakhtin assenta-se na<br />
compreensao do conceito <strong>de</strong> enunciado, enquanto unida<strong>de</strong> comunicativa basica que
se confun<strong>de</strong> com a propria nOyao <strong>de</strong> genero. Neste sentido, ha <strong>de</strong> se recorrer a<br />
alguns trabalhos que se ocuparam da obra <strong>de</strong> Bakhtin, a exemplo <strong>de</strong> Todorov<br />
(1981 :84) e Cunha (1992), e consi<strong>de</strong>rar as caracteristicas constitutivas do enunciado,<br />
<strong>de</strong>lineadas como seguem:<br />
1. 0 enunciado possui <strong>de</strong>limitafoes. Esses limites sao <strong>de</strong>terminados pela<br />
dinamica discursiva, ou seja, pela altemancia dos sujeitos na interayao.<br />
Noutras palavras, a fala do locutor vai ate on<strong>de</strong> comeya a fala <strong>de</strong> seu<br />
interlocutor .<br />
2. 0 enunciado e acabado. Isto quer dizer que, <strong>de</strong> alguma forma, ao enunciarse,<br />
0 s~jeito locutor diz tudo 0 que lhe aprouver e achar necessario dizer<br />
naquele momento. Mas essa exaustivida<strong>de</strong> e relativa e circunstancial, pois,<br />
a toda palavra se coloca uma contra-palavra, ou seja, todo enunciado<br />
carrega <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si uma proprieda<strong>de</strong> responsiva, ja que toda elocuyao<br />
<strong>de</strong>stina-se a uma audiencia.<br />
3. 0 enunciado e marcado pela expressivida<strong>de</strong> do locutor. Diferentemente da<br />
proposiyao, que se contenta em apenas <strong>de</strong>signar urn objeto, 0 enunciado<br />
caracteriza-se por evi<strong>de</strong>nciar 0 estilo, a individualida<strong>de</strong>, as crenyas e os<br />
valores i<strong>de</strong>ologicamente incorporados pelo locutor. As marcas <strong>de</strong>ssa<br />
expressivida<strong>de</strong> sao percebidas pela entonayao, pela escolha lexical, pela<br />
organizayao sintatica, etc.<br />
4. 0 enunciado relaciona-se com outros enunciados que 0 prece<strong>de</strong>ram e com<br />
os que the suce<strong>de</strong>riio como replicas, sobre 0 mesmo contelido. Esta<br />
caracteristica evi<strong>de</strong>ncia 0 continuum da comunicayao, em que os temas<br />
esmo sempre se repetindo <strong>de</strong> alguma forma, ou se relacionando com outros<br />
5. 0 enunciado busca sempre um <strong>de</strong>stinatario, um locutor responsivo. Com<br />
efeito, 0 discurso humano e um fenomeno bifacial; dai, toda expressao ser<br />
sempre voltada para 0 outro. Nesta perspectiva, e possivel, para 0 locutor
fazer pressuposiyoes sobre as reayoes do interlocutor, na medida que a<br />
interayao implica conhecimentos partilhados, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> urn sistema s6cioi<strong>de</strong>ol6gico<br />
em que as formayoes discursivas se constr6em.<br />
Uma vez abordada, na terceira caracteristica do enunciado, a questao da<br />
expressivida<strong>de</strong> (que traz it tona a questao da estilistica), <strong>de</strong>vem ser enfatizados aqui<br />
alguns comenmrios <strong>de</strong> Bakhtin sobre este assunto. Diz ele que "0 estilo esm<br />
indissoluvelmente ligado ao enunciado e a formas tipicas <strong>de</strong>sses enunciados, isto e,<br />
aos generos do discurso" (Bakhtin, 1979/1992:282-83). Defen<strong>de</strong> 0 autor que 0<br />
enunciado - oral ou escrito - veicula urn estilo individual, mas isso e mais comum e<br />
mais possivel nos generos literarios. Existem generos <strong>de</strong> forma padronizada que<br />
fecham as possibilida<strong>de</strong>s para a manifestayao da individualida<strong>de</strong>, como, por<br />
exemplo, os documentos oficiais, as peyas juridicas e todos os generos que realizam<br />
expedientes <strong>de</strong> burocracia e controle que geralmente ocorrem nas esferas<br />
govemamentais e na administrayao publica e empresarial. Assim, Bakhtin<br />
(197911992:283-84) assegura que<br />
Cada esfern conhece seus generos, apropriados it sua especificida<strong>de</strong>, aos<br />
quais correspon<strong>de</strong>m <strong>de</strong>terminados estilos. Uma dada fUllyaO(cientifica,<br />
tecnica, i<strong>de</strong>ol6gica, oficial, cotidiana) e dadas condiyoes, especificas para<br />
cada uma das esferas da comunicayaoverbal, geram urn dado genero, ou<br />
seja, U111 dado tipo <strong>de</strong> enunciado, relativamente estavel do ponto <strong>de</strong> vista<br />
tematico, composicionale estilistico.<br />
Ha <strong>de</strong> se convir, naturalmente, que sempre existem generos mais livres<br />
que admitem reestruturayoes e usos mais criativos do que outros. Entretanto,<br />
recomenda Bakhtin que para se usarem criativamente os generos e precise que se<br />
tenha urn born dominio sobre eles.<br />
Ainda com relayao a essa questao estilistica, Bakhtin admite 0 que ele<br />
<strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> "varieda<strong>de</strong>s estilisticas": linguagem livresca, popular, cientifico-
abstrata, cientifico-oficial, falada, familiar, vulgar, etc. Essas 'varieda<strong>de</strong>s'<br />
correspon<strong>de</strong>m a noc;ao <strong>de</strong> registro, presente na sociolingiiistica variacionista. Com<br />
efeito, as mudanc;as estilisticas ocorrem sempre no sentido <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quar os enunciados<br />
aos <strong>de</strong>stinatarios. Alias, como lembra Bakhtin (1979/1992:324), "0 estilo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
do modo que 0 locutor percebe e compreen<strong>de</strong> seu <strong>de</strong>stinatttrio, e do modo que ele<br />
presume uma compreensao responsiva ativa".<br />
Um aspecto bastante enfatizado na teoria dos generos <strong>de</strong> Bakhtin e a ja<br />
mencionada intertextualida<strong>de</strong> - "cada enunciado e urn elo na ca<strong>de</strong>ia muito complexa<br />
<strong>de</strong> outros enunciados" (Bakhtin, 1979/1992:291). Sendo assim, os enunciados sao<br />
respostas a algo anteriormente posto e suscitam replicas. Os enunciados sao,<br />
portanto, elos da ca<strong>de</strong>ia comunicativa, do continuum dialogico, que e a propria<br />
dinamica da linguagem humana.<br />
A teoria dos generos discursivos em Bakhtin tambem enfatiza os<br />
principios da conservac;ao e da renovac;ao inerentes a linguagem. Nessa perspectiva,<br />
alem da enfase em conceitos como 0 "dialogismo" e a "responsivida<strong>de</strong>" do discurso,<br />
o gran<strong>de</strong> teorico russo aborda na sua obra as chamadas forc;as centralizadoras e<br />
<strong>de</strong>scentralizadoras presentes nas manifestac;oes linguageiras: "Cada enunciac;ao<br />
concreta do sujeito do discurso constitui 0 ponto <strong>de</strong> aplicac;ao seja das forc;as<br />
centripetas, como das forc;as centrifugas" (Bakhtin, 1935/1998:82). Os generos do<br />
discurso sao, com efeito, instancias em que se verifica um certa "tensao" entre essas<br />
forc;as, resultando dai um "equilibrio instavel" ou uma "estabilida<strong>de</strong> relativa",<br />
fazendo com que os generos nao so permanec;am, mas tambem se renovem,<br />
conforme os contextos enunciativos e as variac;oes socio-culturais e politicoi<strong>de</strong>ologicas<br />
que ocorrem nas comunida<strong>de</strong>s em que circulam.<br />
Apesar <strong>de</strong> nao preconizar urn mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> analise <strong>de</strong> genero do ponto <strong>de</strong><br />
vista empirico, a teoria dos generos do discurso <strong>de</strong> Bakhtin se configura como urn<br />
trabalho verda<strong>de</strong>iramente seminal, pois suas contribuic;oes tern servido <strong>de</strong> base para
os estudos mats recentes sobre generos, como por exemplo, a vertente do<br />
interacionismo socio-discursivo <strong>de</strong>fendida por linguistas francofonos 21 , li<strong>de</strong>rados<br />
por Jean-Paul Bronckart (1985, 1997), Bernard Schneuwly (1994), e Joaquim Dolz<br />
(1996).<br />
A teoria dos generos <strong>de</strong> Bakhtin constitui tambem um dos importantes<br />
suportes teoricos para a ten<strong>de</strong>ncia socio-retorica dos estudos <strong>de</strong> genero, que se<br />
<strong>de</strong>senvolveu entre linguistas aplicados cana<strong>de</strong>nses e norte-americ<strong>anos</strong>, os quais<br />
compartilham uma visao <strong>de</strong> genero como ar;aosocial, influenciados pelo trabalho <strong>de</strong><br />
Carolyn Miller (1984). Dentre eles, citam-se, por exemplo, Freedman & Medway<br />
(1994, I994a). Tambem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa concepvao socio-retorica incluem-se os<br />
estudos que dao especial enfase aos generos aca<strong>de</strong>micos e profissionais, como por<br />
exemplo, Charles Bazerman, (1988, 1991), John Swales (1990) e muitos outros que<br />
tern <strong>de</strong>senvolvido seus estudos sob a influencia <strong>de</strong> rnetodos etnograficos <strong>de</strong> pesquisa<br />
sobre a lingua escrita e seu papel na socieda<strong>de</strong>, principalmente na vida institucional<br />
das comunida<strong>de</strong>s.<br />
Nessa perspectiva socio-retorica, ha <strong>de</strong> se reconhecer, sobretudo, as<br />
contribuivoes da revivescencia da retorica - a chamada nova retorica - em meados<br />
do seculo XX, e <strong>de</strong> outros estudos transdisciplinares pos-estruturais no campo das<br />
ciencias sociais e da filosofia da linguagem, alem <strong>de</strong> importantes reconceituavoes<br />
provenientes da teoria literaria, da analise critica do discurso, da pedagogia e dos<br />
estudos culturais. Por se tratar <strong>de</strong> uma abordagem que fundamentani teoricamente a<br />
analise proposta neste trabalho, a concepvao socio-retorica <strong>de</strong> genero merecera um<br />
capitulo a parte.<br />
21 Esses linguistas francOfonos trabalham com a no¢o <strong>de</strong> generos do discurso num projeto <strong>de</strong> transposi¢o<br />
didatica para 0 ensino fundamental, cuja base te6rica situa-se na teoria <strong>de</strong> aprendizagem vygotskiana e na<br />
teona da enunciayao <strong>de</strong> inspirayao bakhtiniana. Esse projeto e apoiado pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Genebra e tern<br />
ramificay5es no Brasil, atraves <strong>de</strong> lingiiistas do LAEL (PUC-SP) que se engajaram num projeto semelhante, a<br />
exemplo da Profa. Roxane Helena Rodrigues Rojo (1999).
4. A CONCEP
sobre 0 ato <strong>de</strong> escrever se <strong>de</strong>slocaram da enfase no produto ou artefato para os<br />
aspectos retoricos (ou pragmaticos) da escrita, priorizando nao apenas os aspectos<br />
formais e regras prescritivas (sintaxe, pontua~ao, ortografia) <strong>de</strong>ssa habilida<strong>de</strong>, mas,<br />
principalmente, consi<strong>de</strong>rando-a como urn processo interacional e discursivo, em que<br />
o escrevente leva em conta fatores como 0 contexto, a audiencia, 0 proposito<br />
comunicativo e 0 genero a<strong>de</strong>quado a situa~ao.<br />
A consolida~ao da concep~ao socio-retorica <strong>de</strong> genero foi se<br />
estabelecendo a partir da convergencia <strong>de</strong> importantes estudos e perspectivas que<br />
marcaram os estudos da linguagem e do discurso na segunda meta<strong>de</strong> do seculo xx.<br />
Assim, segundo Freedman & Medway (l994a:3), esses varios estudos se relacionam<br />
as quest5es do conhecimento hurnano e aos usos da linguagem, perfazendo urn<br />
corpo teorico multidisciplinar subjacente a abordagem socio-retorica <strong>de</strong> genero. Essa<br />
convergencia inclui, portanto, varios fatores, consubstanciados nas seguintes vis5es<br />
e teorias:<br />
• a chamada ''virada retorica" nos estudos disciplinares do discurso e do<br />
comportamento hum<strong>anos</strong>;<br />
• a constru~ao social da realida<strong>de</strong>, 0 construcionismo social;<br />
• as vers5es retoricas da racionalida<strong>de</strong> no campo da argumenta~ao, e<br />
• a teoria dos atos <strong>de</strong> fala.<br />
o renascimento da retorica em meados do seculo XX e a consolida~ao<br />
das i<strong>de</strong>ias sobre 0 carater social da linguagem contribuiram gran<strong>de</strong>mente para a<br />
busca da renova~ao do ensino da escrita, especialmente nos ambitos aca<strong>de</strong>mico e<br />
profissionaL Paralela a essa revivescencia da retorica no ambito da composi~ao
escrita 22 , reacen<strong>de</strong>ram-se as forrnas <strong>de</strong> interpreta~ao do comportamento humano<br />
como inerentemente retorico. Nessa perspectiva, afirrnam Freedman & Medway<br />
Se os hurnanistas do seculo XX e os cientistas sociais ten<strong>de</strong>rarn a<br />
<strong>de</strong>finir e diferenciar os seres hurn<strong>anos</strong> pela sua habilida<strong>de</strong> no uso da<br />
linguagern, rnais recenternente tern charnado a sua atenyao as dirnens5es<br />
ret6ricas <strong>de</strong>ssa habilida<strong>de</strong>.<br />
As contribui~oes do filosofo e critico litenirio americano Kenneth Burke<br />
(1950, 1966) foram cruciais para a revivescencia da retorica nos estudos posestruturais<br />
cIa linguagem e do discurso e, por extensao, para as reconceitua~oes <strong>de</strong><br />
genero na perspectiva s6cio-ret6rica. Esse autor salienta 0 carater persuasivo da<br />
linguagem, que esta imbricado no ato <strong>de</strong> simbolizar, daf a sua visao <strong>de</strong> "linguagem<br />
como a~ao simb6lica". Corn efeito, para ele, "existe urn motivo intrinsecamente<br />
retorico situado no uso persuasivo da linguagem"; assim, ele <strong>de</strong>fine a retorica como<br />
"0 uso das palavras pelos agentes hum<strong>anos</strong> para formar atitu<strong>de</strong>s ou para induzir<br />
a~oes noutros agentes hum<strong>anos</strong>" (Burke, 1950:43).<br />
humanida<strong>de</strong>s, alguns teoricos provellientes da filosofia e da sociologia da ciellcia, a<br />
exemplo <strong>de</strong> Thomas S. Kuhn (1972), que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m serem as teorias cientificas<br />
recollhecidas <strong>de</strong> forma comunal, sendo tambem legitimadas e mantidas<br />
retoricamente no seio da comunida<strong>de</strong> cientifica. Portanto, na constru~ao do<br />
conhecimento cientifico esta envolvida a proprieda<strong>de</strong> simbolica e persuasiva da<br />
12. Urn dos livros-texto que cornprovarn 0 ressurgirnento dos conceitos da rerorica no ensino-aprendizagern<br />
da lingua escrita nas universida<strong>de</strong>s americanas e Classical Rhetoric for the Mo<strong>de</strong>m Stu<strong>de</strong>nt, <strong>de</strong> Edward P. J.<br />
Corbett e Robert J. Connors (1965). No Brasil, rnesrno nao apresentando urna influencia explicita e direta da<br />
ret6rica chissica, a ohm <strong>de</strong> Othon Moacir Garcia Comunicafiio em Prosa Mo<strong>de</strong>ma, editado pela Fundayao<br />
Getiilio Vargas (1a ediyao 1967), parece refletir urn pouco a consciencia da dirnensao rerorica na cornposiyao<br />
escrita.
linguagem, "ate mesmo nas nomenclaturas cientificas mais <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> emocao",<br />
como afirma Burke (1950:45). Qutros sociologos da ciencia, como Knorr-Cetina<br />
(1981, 1999), tern explicado as maneiras segundo as quais os cientistas <strong>de</strong>senvolvem<br />
o conhecimento nos seus campos ern resposta as restriyoes retoricas.<br />
A tradiyao retorica tern sido invocada nos estudos da composiyao escrita<br />
entre varios lingiiistas aplicados norte-americ<strong>anos</strong> a partir dos <strong>anos</strong> 70. Nesse<br />
sentido, inforrnam Freedman & Medway (1994a:4), conceitos classicos tais como<br />
"invenyao", "audiencia", "ocasiao", "kairos", ou seja, "a<strong>de</strong>quayao a ocasiao",<br />
comeyaram a ser empregados no ensino-aprendizagem da escrita, fomecendo as<br />
bases para uma pedagogia procedimental da composiyao escrita. A aplicayao <strong>de</strong>ssas<br />
nOyoes ajuda os aprendizes nas <strong>de</strong>cisoes e estrategias que sao levadas a efeito na<br />
pratica da escrita, levando-os a pensar mais da <strong>de</strong>manda da ocasiao. A partir dai sao<br />
usados os recursos retorico-gramaticais e textuais que forem eficazes para a<br />
finalizayao da tarefa a que 0 escrevente se propos.<br />
Esses procedimentos inspirados ern nOyoes e categorias <strong>de</strong>rivadas da<br />
tradicional visao retorica da escrita, indubitavelmente, funcionam <strong>de</strong> forma mais<br />
produtiva do que os comentarios sobre as falhas no produto escrito e 0 apelo a<br />
algumas caracteristicas te:\.1uais universais e inespecificas <strong>de</strong> uma suposta "boa<br />
escrita". Como frisam Freedman & Medway (1994a:4), nao e <strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>r que a<br />
mo<strong>de</strong>ma abordagem retorica da escrita logo incorporasse as consi<strong>de</strong>rayoes <strong>de</strong> genero<br />
como ayao retorica que apresenta padroes <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> no discurso que 0<br />
falante/escrevente realiza frente as situayoes recorrentes.<br />
Na sociologia do conhecimento <strong>de</strong>senvolvida ao longo da segunda<br />
meta<strong>de</strong> do seculo xx <strong>de</strong>staca-se a teoria da construyao social da realida<strong>de</strong>, segundo
a qual a realida<strong>de</strong> e, ao mesmo tempo, objetiva e subjetiva (Berger & Luckmann,<br />
1998). E nesse processo diaIetico entre 0 objetivo e 0 subjetivo, e tambem 0<br />
intersubjetivo, que se constroem os conhecimentos e os va10res eticos na socieda<strong>de</strong>.<br />
Nesse sentido, a linguagem e vista nao apenas como uma forma <strong>de</strong> agir, mas<br />
tambem como forma <strong>de</strong> construir representa~oes do mundo. Ao mesmo tempo, saD<br />
va10rizados os estudos etnognificos sobre os usos do discurso e da lingua escrita na<br />
socieda<strong>de</strong>. Convem salientar, portanto, 0 construcionismo social que influencia os<br />
estudos, redirecionando a filosofia e a pesquisa nas ciencias sociais, com gran<strong>de</strong><br />
repercussao na pedagogia 23 . Digna <strong>de</strong> men~ao, nessa perspectiva do<br />
construcionismo social, e a obra do filosofo neopragmatico Richard Rorty. Para ele,<br />
"nos vemos 0 mundo atraves do enquadramento imposto pela lingua, (...) nao<br />
po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>screver a realida<strong>de</strong> aIem do que nos possibilita a lingua" (Geuras,<br />
1995:8).<br />
Focalizando as constru~oes comunais <strong>de</strong> significado e as avalia~oes<br />
pragmaticas do born e do verda<strong>de</strong>iro, conclui Rorty (1991:22) que "a verda<strong>de</strong> e... 0<br />
que e born para nos acreditarmos". Assim, <strong>de</strong> acordo com essa visao, "0<br />
conhecimento e algo socialmente construido em resposta a necessida<strong>de</strong>s, metas e<br />
contextos comuns" (Freedman & Medway, 1994:5). Segundo esses autores, uma<br />
outra figura associada ao construcionismo social e aos estudos da composi~ao<br />
escrita e Kenneth Bruffee, seguidor <strong>de</strong> Rorty, que, pon<strong>de</strong>rando sobre as conjecturas<br />
acima, afirma que existe apenas acordo, ou consenso a que se chega comunalmente.<br />
Desse modo, "conceitos, i<strong>de</strong>ias, teorias, 0 mundo, a realida<strong>de</strong> e os fatos saD<br />
construtos da linguagem gerados pelas comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conhecimento e por elas saD<br />
usados para manter a coerencia da comunida<strong>de</strong>" (Bruffee, 1986:777).<br />
Essas posi~es diante da intera~ao discursiva e da constru~ao do<br />
conhecimento enfaticamente marcadas pelo social e pelo convivio comunitario<br />
23 Nas ciencias auxiliares da educayao, vale frisar 0 construtivismo social vygostkiano que privilegia a<br />
interayao social mediada pelo discurso como fator importante para a construyao do conhecimento.
provocaram muitas reconceitua90es e re<strong>de</strong>fini90es no ambito das ciencias da<br />
linguagem, <strong>de</strong>ntre as quais situa-se a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> genero, que passa a ser visto nao mais<br />
como urn artefato apenas lingiiistico-textual, mas como urna a9ao discursiva que<br />
apresenta padroes <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> frente as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> situa90es recorrentes<br />
numa <strong>de</strong>terminada cultura.<br />
No que se refere as versoes ret6ricas da racionalida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>re-se<br />
primeiramente a importfulcia do contexto no estudo das intera90es sociais mediadas<br />
pelo discurso. Isso tern, obviamente, sua contrapartida especifica no campo da<br />
argumenta~o. Na medida em que se percebeu que a classica i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong><br />
como algo abstrato e universal nao servia para se aplicar a todos os contextos, tal<br />
construto passa a ser revisto, recuperando-se a velha contenda entre 0 "verda<strong>de</strong>iro" e<br />
o "verossimil" ou, noutras palavras, entre 0 "racional" e 0 "razmlvel". Nesse sentido,<br />
vale consi<strong>de</strong>rar-se a teoria argumentativa <strong>de</strong> Stephen Toulmin que preconiza ser 0<br />
silogismo cUlssico insuficiente (ou limitado) para dar conta da complexida<strong>de</strong> que<br />
envolve a ativida<strong>de</strong> argumentativa na linguagem do dia-a-dia, pois esse instrumento<br />
da 16gica formal se presta melhormente a <strong>de</strong>monstra9ao numa ciencia formal como a<br />
matematica.<br />
Com efeito, a obra <strong>de</strong> Toulmim (1958) e consi<strong>de</strong>rada como urna<br />
referencia para os estudos da argurnentativida<strong>de</strong> no discurso por apresentar urn<br />
arcabou90 <strong>de</strong>scritivo visando dar conta dos elementos potenciais em qualquer<br />
argumento. Assim, no seu "argumento pnitico", na versao mais simples, saD<br />
consi<strong>de</strong>rados elementos como claims (<strong>teses</strong>, reivindica90es); grounds (dados,<br />
evi<strong>de</strong>ncias), e warrants (maneiras legitimadas <strong>de</strong> conectar as <strong>teses</strong> as evi<strong>de</strong>ncias).<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente, a instancia9ao <strong>de</strong>sses elementos difere <strong>de</strong> acordo com 0 contexto e<br />
os interactantes. Por isso, a teoria argurnentativa <strong>de</strong> Toulmin se i<strong>de</strong>ntifica com a<br />
abordagem ret6rica que vem se <strong>de</strong>senvolvendo no estudo do genero, principalmente
por consi<strong>de</strong>rar a questao da situar;ao 24<br />
se da a interayao discursiva.<br />
(e por extensao a situayao recorrente) em que<br />
A proposta <strong>de</strong> Toulmin, lembram Freedman & Medway (1994a:6),<br />
interessa sobremaneira aos professores, ja que no ambito escolar e aca<strong>de</strong>mico, a<br />
composiyao escrita nas diversas disciplinas curriculares privilegia legitimayoes,<br />
evi<strong>de</strong>ncias e reivindicayoes especificas, porque cada ramo do saber tern sua maneira<br />
propria <strong>de</strong> raciocinio. Os diferentes generos escolares e aca<strong>de</strong>micos lidam, portanto,<br />
com versoes retoricas diferenciadas e especializadas da realida<strong>de</strong>. Ainda nessa linha,<br />
reconheya-se que 0 que conta como persuasivo, por exemplo, no mundo empresarial,<br />
difere do que vale como persuasivo na argumentayao no ambito das religioes, que,<br />
por sua vez, tambem difere no mundo da jurispru<strong>de</strong>ncia, e assim por diante.<br />
A teoria dos atos <strong>de</strong> fala tambem esta subjacente a visao socio-retorica <strong>de</strong><br />
genero. Essa tradiyao nos estudos da pragmatica lingiiistica, como se sabe, <strong>de</strong>riva da<br />
filosofia da linguagem e contribuiu fortemente para instalar nas ciencias lingiiisticas<br />
o enfoque sobre os usos da linguagem. 0 principio basico <strong>de</strong>ssa teoria esta expresso<br />
no titulo da obra pioneira <strong>de</strong> John Austin (1962) - How to Do Things with Words<br />
("Como fazer coisas com as palavras"). Sem duvida, as palavras realizam muito<br />
mais do que simplesmente fazer afirmayoes sobre 0 mundo. Veja-se, para ilustrar, 0<br />
exemplo classico da sentenya "Ajanela esta aberta", que po<strong>de</strong> ter significados muito<br />
aMm <strong>de</strong> uma simples afirmayao factual sobre urn fenomeno fisico. Depen<strong>de</strong>ndo do<br />
contexto em que ocorre esse enunciado, ele po<strong>de</strong> veicular varios atos <strong>de</strong> fala, como<br />
24 Na teoria ret6rica, segundo Gerard Hause, situariio e a "cornbinayao significativa <strong>de</strong> eventos, objetos e<br />
pessoas que <strong>de</strong>rnandam ayao". Convern esclarecer-se que algumas situayoes SaG <strong>de</strong>finidas <strong>de</strong> forma a<br />
<strong>de</strong>rnandar urn esforyo fisico como a~o apropriada; outras sao <strong>de</strong>finidas <strong>de</strong> forma a <strong>de</strong>rnandar uma ayao<br />
simb6lica atraves do discurso, ou, ainda, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>mandar as duas ayoes (fisica e discursiva). As situayOes<br />
ret6ricas, entretanto, "sao aquelas que <strong>de</strong>mandam exclusivarnente os usos funcionais do discurso para ajustar<br />
pessoas, objetos, eventos relayOes e pensamentos" (Hause, 1991 :33).
por exemplo, urn pedido para fechar a janela, uma reclama~ao sobre algo<br />
anteriormente acertado e nao cumprido, uma explica~ao <strong>de</strong> urn fato ocorrido, etc.<br />
Efetivamente, a no~ao <strong>de</strong> g~nero como a~ao social tipificada esta<br />
imbricada na no~ao ato <strong>de</strong> fala,ja que, nessa teoria, a linguagem e consi<strong>de</strong>rada como<br />
forma <strong>de</strong> a~ao; nao sendo vista <strong>de</strong> forma abstrata e isolada, mas sempre em rela~ao a<br />
urn contexto, a uma situa~ao em que 0 usn <strong>de</strong> uma expressao faz sentido. Alias, ha<br />
<strong>de</strong> se convir, a similarida<strong>de</strong> entre os dois conceitos ha muito ja e reconhecida:<br />
Todorov (1980:56-57), pOI exemplo, afirma que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> urn genero advem<br />
do ato <strong>de</strong> fala que esta na sua base, 0 que nao significa dizer que as duas entida<strong>de</strong>s<br />
sejam a mesma coisa.<br />
AMm <strong>de</strong>ssas ten<strong>de</strong>ncias que constitufram algumas vlgas mestras<br />
importantes para a racionalida<strong>de</strong> da abordagem s6cio-ret6rica do g~nero, ha <strong>de</strong> se<br />
enfatizarem as obras <strong>de</strong> alguns estudiosos (<strong>de</strong>ntre muitos outros, obviamente) que,<br />
<strong>de</strong> formas mais especfficas, contribufram para a consolida~ao da concep~ao socioretorica<br />
<strong>de</strong> g~nero, nao so nas elabora~oes teoricas - Mikhail Bakhtin e Carolyn<br />
Miller -, mas tambem na aplica~o <strong>de</strong> conceitos e construtos, atraves <strong>de</strong> propostas<br />
<strong>de</strong> analise <strong>de</strong> corpora constituidos <strong>de</strong> exemplares aut~nticos <strong>de</strong> g~neros utilizados<br />
em varias esferas das ativida<strong>de</strong>s sociais, principalmente nas esferas acad~micas e<br />
profissionais - John Swales e Vijay Bhatia -, cujos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> analise<br />
influenciaram a analise do g~nero que se estuda neste trabalho.<br />
A obra <strong>de</strong> Mikhail Bakhtin, que ja foi razoavelmente discutida numa<br />
se~ao do capitulo anterior, ocasionou, como se sabe, um impacto consi<strong>de</strong>ravel nas<br />
ci~ncias sociais, principalmente nos estudos do discurso, redimensionando a<br />
pragmatica na perspectiva do dialogismo. De fato, ao teorizar sobre generos como
padroes <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> no discurso, Bakhtin refowa as bases para uma verda<strong>de</strong>ira<br />
renova~ao no conceito <strong>de</strong> genero. Segundo Freedman & Medway (1994a:6) os<br />
estudos <strong>de</strong> Bakhtin foram e tern sido muito influentes nos estudos norte-americ<strong>anos</strong><br />
<strong>de</strong> genero, principalmente os ensaios The Dialogic Imagination (1975/1981) e The<br />
Problem of Speech Genres (1979/1986). Vale salientar, nessa perspectiva da<br />
influencia bakhtiniana nos estudos norte-americ<strong>anos</strong> sobre genero, a consciencia <strong>de</strong><br />
que, mesmo envolvendo regularida<strong>de</strong>s, tipificavoes e restrivoes, os generos sao<br />
passiveis <strong>de</strong> flexibilizavao, admit indo uma certa liberda<strong>de</strong> e flui<strong>de</strong>z nas suas<br />
realizavoes, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do contexto enunciativo. Diante disso, questiona-se muito a<br />
forma como <strong>de</strong>ve ocorrer a transposivao didAtica, que nao po<strong>de</strong> (ou pelo menos nao<br />
<strong>de</strong>ve) concorrer para urn certo "engessamento" dos generos, sob pena <strong>de</strong> estar-se<br />
infringindo urn principio fundante do genero que e 0 do chamado equilibria instavel<br />
das for~as que nele atuam.<br />
A abordagem <strong>de</strong> discurso em Bakhtin e reconhecidamente lingiiistica e<br />
semantica, mas, apesar <strong>de</strong> ele nao consi<strong>de</strong>rar explicitamente a retorica como um dos<br />
fundamentos da sua obra, "nao seria errado pensar-se nos generos do discurso como<br />
situa~oes retoricas ever os argumentos <strong>de</strong> Bakhtin como uma forma <strong>de</strong> esten<strong>de</strong>r 0<br />
olhar retorico para cada ato da fala e da escrita" (Bizzel & Herzberg, 1999:926-7).<br />
Comentam esses autores que Bakhtin <strong>de</strong>fine seu proprio metodo dialogico como<br />
urna forma <strong>de</strong> reconhecer que: (a) hA sempre uma intenvao (retorica) do falante ou<br />
escrevente <strong>de</strong> levar a audiencia a urna a~ao; (b) 0 papel ativo da audiencia e sempre<br />
interpretar as falas a fim <strong>de</strong> reagir ou respon<strong>de</strong>r. Diante <strong>de</strong>ssas reflexoes, hA <strong>de</strong> se<br />
conduir que a obra <strong>de</strong> Bakhtin, especialmente a sua teoria dos generos discursivos,<br />
realmente embasa, reforva e sedimenta a visao socio-retorica <strong>de</strong> genero.
A contribui
substancia ou na fonna do discurso, mas sobre a ayao que esse discurso e levado a<br />
realizar". Para fazer isso, Miller examina a relayao entre genero, situayao recorrente<br />
e a forma na qual 0 genero po<strong>de</strong> representar uma ayao retorica tipificada. Assim<br />
sendo, 0 estudo dos generos <strong>de</strong>ve ser baseado no estudo das convenyoes da pnitica<br />
retorica, ou seja, nas ayoes que envolvem situayao e motivo "porque a ayao humana,<br />
seja ela simMlica ou <strong>de</strong> outra fonna, e interpretavel apenas contra urn contexto <strong>de</strong><br />
situayao e atraves <strong>de</strong> atribuiyao <strong>de</strong> motivos".<br />
Alem <strong>de</strong> utilizar alguns conceitos <strong>de</strong> Burke (1950), tais como "motivo" e<br />
"situayao", Miller tambem faz uso do conceito <strong>de</strong> "constelayao" <strong>de</strong> Campbell &<br />
Jamieson (1978). Segundo essas autoras, urn genero nao e composto simplesmente<br />
<strong>de</strong> "uma serie <strong>de</strong> atos nos quais certas fonnas retoricas recorrem ... Em vez disso, urn<br />
genero e composto <strong>de</strong> uma constelayao <strong>de</strong> fonnas reconhecfveis, ligadas por uma<br />
dinamica interna". A natureza dinamica do genero "fun<strong>de</strong>" caracteristicas<br />
substantivas, estilisticas e situacionais. Essa fusao, dizem as autoras, tern 0 caniter<br />
<strong>de</strong> uma "resposta" a "<strong>de</strong>mandas" situacionais percebidas pelo falante, e correspon<strong>de</strong><br />
ao que Burke chama <strong>de</strong> "atos retoricos,,25, ou seja, estrategias para superar situayoes.<br />
o conceito <strong>de</strong> situa9ao ret6rica, largamente empregada por Miller(1984),<br />
vem originalmente <strong>de</strong> Lloyd Bitzer (1968)26 e trata do relacionamento entre situa'.(ao<br />
e discurso. Esse autor <strong>de</strong>fine situayao retorica como "urn complexo <strong>de</strong> pessoas,<br />
eventos, objetos e relayoes apresentando uma "exigencia" que po<strong>de</strong> ser mitigada<br />
atraves da mediayao do discurso". Miller reconhece que Bitzer, apesar <strong>de</strong> nao usar 0<br />
tenno genero, abre 0 caminho para 0 estudo <strong>de</strong>ssa entida<strong>de</strong>, principalmente ao<br />
observar que essas situayoes retoricas recorrem na vida em comunida<strong>de</strong>: "Dia apos<br />
dia, ano apos ano, situay5es companiveis ocorrem, induzindo a respostas<br />
25. Segundo Karlyn Campbell, "urn ato ret6rico e urna tentativa intencional, criada e elaborada para superar<br />
os obsmculos nurna dada situat;ao, com uma audiencia especifica, sobre <strong>de</strong>terminada questiio, para conseguir<br />
urn <strong>de</strong>terminado objetivo. Urn ato ret6ric.o cria uma rnensagern, cujo toor e forma, cornevo e firn sao nela<br />
rnarcados por urn autor hurnano, com urn prop6sito, para uma audiencia" (Campbell, 1982:7)<br />
'Ui Bitzer, Lloyd F. "The rhetoric situation". Philosophy and Rhetoric, 1 (1968), pp. 1-14.
comparaveis". Diante disso, comenta Miller, as respostas comparaveis, ou formas<br />
recorrentes, tornam-se uma tradi9ao: discursos <strong>de</strong> posse, votos <strong>de</strong> louvor,<br />
pronunciamentos juridicos e outros generos tern formas convencionais porque eles<br />
emergem em situa90es com estruturas e elementos semelhantes e por isso os<br />
oradores respon<strong>de</strong>m <strong>de</strong> forma semelhante, tendo aprendido dos seus pre<strong>de</strong>cessores 0<br />
que e apropriado fazer nessas situa90es, e preveem os efeitos que suas a90es terao<br />
sobre as pessoas.<br />
Ainda em rela9ao a questao da situa9ao retorica, Miller (1984) esclarece<br />
que as situa90es sao construtos sociais que sao 0 resultado nao da "perceP9ao", mas<br />
da "<strong>de</strong>fini9ao,,27, pois a a9ao humana e sempre baseada e guiada pelo significado e<br />
nao pelas causas materiais. Assim sendo, diz a autora, "no centro da a9ao esta urn<br />
processo <strong>de</strong> interpreta9ao". Antes <strong>de</strong> agirmos, portanto, "nos <strong>de</strong>vemos interpretar os<br />
entornos materiais; nos <strong>de</strong>finimos, '<strong>de</strong>terminamos' uma situa9ao". Miller enfatiza<br />
ainda que 0 que e particularmente importante, no que concerne as situa90es, e que<br />
elas recorrem, e isso e extremamente importante para fundamentar uma teoria <strong>de</strong><br />
generos. Alias, a recorrencia, segundo a autora, tambem e urn fenomeno<br />
intersubjetivo, uma ocorrencia social e nao po<strong>de</strong> ser compreendida em termos<br />
materiais.<br />
Outros conceitos basilares na teoria <strong>de</strong> genero <strong>de</strong>fendida por Miller sao a<br />
exigencia, n09ao tomada emprestada <strong>de</strong> Lloyd Bitzer (1980) e 0 motivo, originada<br />
<strong>de</strong> Burke (1950). Explica a autora que, apesar <strong>de</strong>sses termos serem correlatos, existe<br />
uma certa tensao entre eles. A exigencia, conforme Miller (1984:<strong>30</strong>),<br />
<strong>de</strong>ve ser localizada no mundo social, nao numa percepQao privada nem<br />
numa circunstancia material (...) A exigencia e uma forma <strong>de</strong><br />
conhecimento social - um construir mtituo <strong>de</strong> objetos, eventos,<br />
27 Para urn melhor entendimento do que seja "<strong>de</strong>finiyao", convem valer-se do que diz Bernardino (2000:18).<br />
Segundo a autora, a <strong>de</strong>jini¢o e uma constmyao semi6tica que nos possibilita interpretar e <strong>de</strong>finir uma<br />
situayao. "A <strong>de</strong>finiyao nos conduz a tipificayOes que, se <strong>de</strong>mandadas continuamente, passam a integrar nosso<br />
estoque <strong>de</strong> conhecimentos e suas aplicayOes tomam-se rotinas".
interesses, e prop6sitos que nao apenas os 1iga,mas tambem os faz 0 que<br />
sao: uma necessida<strong>de</strong> socia10bjetivada.<br />
Deve ficar claro, portanto, que a autora consi<strong>de</strong>ra a exigencia como urn<br />
proposito retorico e nao como uma simples inten9ao no sentido individual. Sendo<br />
assi~ a exigencia "<strong>de</strong>ve ser vista nao como causa da situa9ao retorica, nem como<br />
inten9ao, mas como urn rnotivo social. Compreen<strong>de</strong>r uma exigencia e ter urn<br />
rnotivo" (Miller, 1984:<strong>30</strong>). A autora, ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r essa posiyao, exp1ica que, a nao ser<br />
no sentido primitivo, "nossos motivos nao sao privados ou idiossincnlticos; eles sao<br />
produtos <strong>de</strong> nossa socializa9ao".<br />
Concebendo, portanto, os generos como a90es retoricas tipificadas<br />
baseadas em situa90es recorrentes em <strong>de</strong>terminada cu1tura, e reconhecendo 0<br />
componente semi6tico presente na percepyao <strong>de</strong>ssas situayoes, Miller <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que,<br />
na pnltica discursiva, nos apren<strong>de</strong>mos a agir retoricamente atraves do uso <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong><br />
discurso socialmente a<strong>de</strong>quados aos varios contextos e circUl1stancias da vida: e<br />
como se as situa90es recorrentes "convidassem" a utilizar urn <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong><br />
discurso. Assim, afirma a autora, 0 que nos apren<strong>de</strong>mos quando apren<strong>de</strong>mos urn<br />
genero nao e apenas urn padrao <strong>de</strong> formas ou outra coisa parecida; nos apren<strong>de</strong>mos a<br />
enten<strong>de</strong>r as situayoes e a e1as reagir conforme os padroes cu1turais da comunida<strong>de</strong>,<br />
ou seja, "os generos servem como chaves para 0 entendimento do como participar<br />
em a90es da comunida<strong>de</strong>" (Miller, 1984:39).<br />
A concep98o <strong>de</strong> genero <strong>de</strong> John Swales e tributaria da visao s6ciorerorica<br />
das pnlticas discursivas, embora ele admita a influencia tarnbem <strong>de</strong> varias<br />
ten<strong>de</strong>ncias da lingOistica aplicada e <strong>de</strong> outros estudos <strong>de</strong> areas afins. A consi<strong>de</strong>ravel<br />
contribui~o <strong>de</strong>sse autor se <strong>de</strong>ve a sua proposta <strong>de</strong> analise <strong>de</strong> genero, que tern sido
seguida por varios pesquisadores e analistas envolvidos com 0 ensino da escrita nos<br />
ambitos da aca<strong>de</strong>mia e do mundo do trabalho.<br />
Logo no inicio do seu livro Genre Analysis - English in Aca<strong>de</strong>mic and<br />
Research Settings (1990), Swales diz que 0 prop6sito principal do trabalho e<br />
"oferecer uma abordagem para 0 ensino <strong>de</strong> ingles aca<strong>de</strong>mico e para a pesquisa" e<br />
que suas propostas "<strong>de</strong>senvolvem e fazem uso <strong>de</strong> tres conceitos: comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
discurso, genero e a tarefa <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r linguas" (p.l). Com efeito, a citada obra<br />
inclui discussoes <strong>de</strong>talhadas sobre os tres conceitos basicos anunciados,<br />
consi<strong>de</strong>rando, primeiramente, a concep~ao social da escrita, e rejeitando, portanto, a<br />
visao do ato <strong>de</strong> escrever apenas como uma habilida<strong>de</strong> tipicamente individual e<br />
cognitiva. No sentido amplo, Swales esm interessado numa verda<strong>de</strong>ira etnografia da<br />
escrita, consi<strong>de</strong>rando os papeis que os textos <strong>de</strong>sempenham em <strong>de</strong>terminados<br />
contextos. Especificamente, principalmente na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> linguista aplicado<br />
<strong>de</strong>dicado ao ensino <strong>de</strong> ingles instrumental, ele esta interessado em <strong>de</strong>senvolver a<br />
competencia comunicativa <strong>de</strong> usuarios (nativos e nao-nativos) da escrita em ingles<br />
no contexto aca<strong>de</strong>mico. Naturalmente, sua preocupa~ao em tomo da elabora~ao <strong>de</strong><br />
te).1os aca<strong>de</strong>micos na lingua inglesa se <strong>de</strong>ve ao importante papel <strong>de</strong> lingua franca da<br />
ciencia que esse idioma assume mundialmente.<br />
Nessa sua principal obra, Swales (1990:13) apresenta as influencias que<br />
marcaram, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra, a sua abordagem <strong>de</strong> escrita baseada em<br />
genero. Assim sendo, ele consi<strong>de</strong>ra sua proposta como uma abordagem ecIetica, ja<br />
que reconhece "urn <strong>de</strong>bito substancial" aos estudos previamente realizados nas<br />
seguintes areas:<br />
• Estudos variacionistas - especialmente aqueles realizados nas varieda<strong>de</strong>s<br />
funcionais do ingles, inclusive nos estudos sobre generos e no campo do ingles<br />
instrumental, retletindo a consciencia da "responsabilida<strong>de</strong> lingfiistica" na<br />
educa~ao e no ensino-aprendizagem <strong>de</strong> linguas.
• Estudos sobre habilida<strong>de</strong>s e estraMgias - largamente aplicados, por exemplo, no<br />
ensino da leitura para 0 <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> estrategias, que po<strong>de</strong>m variar<br />
conforme 0 objetivo do leitor e as caracteristicas do texto-genero.<br />
• As abordagens situacionais - que, apesar <strong>de</strong> criticadas por restringir muito 0<br />
ensino <strong>de</strong> linguas it pnitica em contextos especificos, preocupou-se em tomar a<br />
aprendizagem mais significativa para 0 aprendiz.<br />
• As abordagens nocionais-fllncionais - que se baseiam na analise <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s<br />
do aprendiz e organizam seus conteudos em forma <strong>de</strong> funyoes e prop6sitos<br />
comunicativos.<br />
• A analise do disClirso - principalmente aquela mais i<strong>de</strong>ntificada com a<br />
organizayao do texto e 0 usa dos recursos discursivos.<br />
• A sociolingiiistica - as influencias mais marcantes provem <strong>de</strong> sociolingiiistas<br />
como Halliday (1978), especialmente na sua visao <strong>de</strong> lingua como urn processo<br />
social-semi6tico, e a visao sociointeracionista <strong>de</strong> Hymes (1974) e Gumperz<br />
(1962).<br />
• Os estlldos sobre os contextos da escrita - a concepyao da escrita como veiculo<br />
da ayao social, principalmente 0 trabalho <strong>de</strong> Miller (1984) e outras contribuiyoes<br />
da renovada tradiyao ret6rica na escrita <strong>de</strong> generos aca<strong>de</strong>micos e profissionais<br />
(Bazerman, 1988).<br />
• A antropologia cultural - especialmente as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Cliffod Geertz (1983) sobre<br />
o conhecimento localizado, e <strong>de</strong> outros te6ricos que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m 0 saber como algo<br />
socialmente construido, e 0 ret1exo <strong>de</strong>ssas teorias na visao social da escrita.<br />
Antes <strong>de</strong> expor <strong>de</strong>talhadamente 0 seu conceito <strong>de</strong> genero, Swales (1990)<br />
esclarece a nOyao <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso, que esta intimamente ligada a <strong>de</strong><br />
genero, <strong>de</strong>ntro da sua proposta. Apesar <strong>de</strong> admitir as criticas que 0 termo suscita<br />
entre varios te6ricos <strong>de</strong>vido it vaguida<strong>de</strong> da nOyao, Swales argumenta em favor da<br />
sua valida<strong>de</strong> para a sua abordagem e fomece a seguinte <strong>de</strong>fmiyao:
Comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> discurso SaDre<strong>de</strong>s s6cio-ret6ricas que se formam a fim<br />
<strong>de</strong> atuarem em prol <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> objetivos comuns. Uma das<br />
caracteristicas que os membros estabelecidos <strong>de</strong>ssas comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
discurso possuem e a familiarida<strong>de</strong> com <strong>de</strong>terminados generos que SaD<br />
usados no favorecimento <strong>de</strong>sses conjuntos <strong>de</strong> objetivos. Em<br />
conseqiiencia disso, os generos SaD proprieda<strong>de</strong>s das comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
discurso; ou seja, os generos pertencem as comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> discurso e<br />
nao aos individuos, a outros tipos <strong>de</strong> agrupamentos ou a comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
fala mais amplas (Swales, 1990:9).<br />
A fim <strong>de</strong> esclarecer melhor 0 conceito <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso,<br />
Swales (1990:24-27) apresenta urna lista <strong>de</strong> seis caracteristicas que consi<strong>de</strong>ra<br />
importantes para i<strong>de</strong>ntificar urn grupo <strong>de</strong> individuos como uma comunida<strong>de</strong><br />
discursiva. Assim, uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso<br />
• ostenta urn amplo acordo em relavao aos objetivos publicos comuns;<br />
• mantem mecanismos <strong>de</strong> intercomunicavao entre seus membros;<br />
• utiliza mecanismos que promovem a participavao dos membros e consi<strong>de</strong>ra a<br />
retroalimentavao por eles fornecida;<br />
• utiliza e portanto possui urn ou mais generos <strong>de</strong> forma compartilhada;<br />
• alem <strong>de</strong> ter seus proprios generos, os membros da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem tambem<br />
compartilhar alguns itens lexicais especificos;<br />
• mantem urn nivel razmivel <strong>de</strong> membros com urn grau acentuado <strong>de</strong> expertise e<br />
os membros novatos que precis am <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>vida iniciavao para serem aceitos.<br />
Sem duvida, tal como a novao <strong>de</strong> "comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fala" utilizada na<br />
etnografia da comunicavao, 0 conceito <strong>de</strong> "comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso" permanece<br />
como algo t1uido e in<strong>de</strong>terminado. Tal fato e reconhecido pelo proprio Swales, que<br />
chega ate a questionar a real necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> clarifica-Io exaustivamente. Mas ele<br />
insiste em faze-Io (e 0 faz <strong>de</strong> forma muito bem argumentada), ja que a sua proposta
necessita <strong>de</strong>sse esclarecimento, principalmente pelo fato <strong>de</strong> a "comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
discurso" envolver 0 uso da lingua escrita. Entretanto, compreen<strong>de</strong>ndo que as<br />
caracteristicas, ou criterios, no dizer <strong>de</strong> Bernardino (2000:22), <strong>de</strong> tal construto por<br />
ele aventadas po<strong>de</strong>m ser muito restritivas, Swales reconsi<strong>de</strong>rou a quesUio e, em<br />
1992, modificou a proposta <strong>de</strong> 1990, incluindo novos criterios e fazendo alteravoes<br />
em outros ja <strong>de</strong>fendidos. Segundo a sua nova proposta 28 , uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
discurso<br />
• possui urn conjunto perceptivel <strong>de</strong> objetivos que po<strong>de</strong>m ser reformulados<br />
publica e explicitamente e tambem em parte, po<strong>de</strong>m ser estabelecidos por seus<br />
membros. Tais objetivos po<strong>de</strong>m ser consensuais ou distintos, mas sempre<br />
relacionados;<br />
• possui mecanismos <strong>de</strong> intercomunicavao entre seus membros;<br />
• usa mecanismos <strong>de</strong> participavao para uma serie <strong>de</strong> prop6sitos tais como<br />
promover 0 incremento da informavao e do feedback, para canalizar a<br />
inovavao, para manter 0 sistema <strong>de</strong> crenvas e <strong>de</strong> valores da comunida<strong>de</strong> e para<br />
aurnentar 0 espavo profissionat<br />
• utiliza urna selevao crescente <strong>de</strong> generos no alcance <strong>de</strong> seu conjunto <strong>de</strong><br />
objetivos e na pratica <strong>de</strong> seus mecanismos participativos;<br />
• ja adquiriu e continua buscando uma terminologia especifica;<br />
• possui uma estrutura hierarquica explicita ou implicita que orienta os process os<br />
<strong>de</strong> admissao e <strong>de</strong> progresso <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la.<br />
Concordando plenamente com Bernardino (2000:24), as reformulavoes<br />
saD significativas porque permitem a ampliavao e a flexibilizavao do conceito <strong>de</strong><br />
comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso, ja que preveem a evoluvao dos generos e a expansao do<br />
texico. Convem frisar tambem que a nova proposta consi<strong>de</strong>ra a manutenvao <strong>de</strong> urn<br />
l8 Swales (1992) "Re-thinking Genres: another look at discourse community effects". Comunica~o<br />
apresentada em Re-thinking Genre Colloquium, Ottawa, Carleton University, 1992 (inooito) (Citado por<br />
Bernardino (2000:24).
sistema <strong>de</strong> crenc;as e <strong>de</strong> um espac;o profissional, alem da composic;ao hienirquica da<br />
comunida<strong>de</strong>.<br />
Mas ainda ha algumas "questoes remanescentes" sobre esse conceito,<br />
como afirma 0 proprio Swales (1990:29). A bem da verda<strong>de</strong>, ha <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar que<br />
os criterios que esse autor divisou cabem muito bem no tipo <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong><br />
discursiva com que ele trabalha - a comunida<strong>de</strong> cientifica. Fica em aberto se os tais<br />
criterios po<strong>de</strong>m ser aplicados ou nao noutros tipos <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso. Mas<br />
e preciso reconhecer que 0 conceito e essencial para a analise <strong>de</strong> genero, a <strong>de</strong>speito<br />
das controversias que tern suscitado.<br />
o conceito <strong>de</strong> genero em Swales e <strong>de</strong>senvolvido apos a exposic;ao <strong>de</strong><br />
como 0 genero e visto em diferentes disciplinas (na teoria do folclore, na literatura,<br />
na lingiHstica e na nova retorica), e dai 0 autor aponta para uma posic;ao comum,<br />
cujos componentes sao os seguintes:<br />
o a <strong>de</strong>scorifiam;a nas classificac;oes e no prescritivismo prematuro;<br />
o a percept;iio <strong>de</strong> que os generos sao importantes na conexao do passado<br />
com 0 presente;<br />
o 0 reconhecimento <strong>de</strong> que os generos sao situados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s<br />
discursivas, em que as crenc;as e a <strong>de</strong>nominac;ao (nomenclatura) das<br />
pniticas dos membros tem relevancia;<br />
o a enfase no proposito comunicativo e na ac;aosocial;<br />
o 0 interesse na estrutura generica (e na sua racionalida<strong>de</strong>);<br />
o 0 entendimento da dupla capacida<strong>de</strong> gerativa dos generos - estabelecer<br />
objetivos retoricos e promover 0 seu cumprimento.<br />
Diante do exposto, Swales (1990:45) conclui indubitavelmente<br />
que e<br />
possivel utilizar-se 0 conceito <strong>de</strong> genero para fins didaticos sem que se reduza 0<br />
ensino a um prescritivismo estreito ou a urn formalismo esteril, e sem que se negue
ao aprendiz a oportunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> refletir sobre as escolhas ret6ricas e linguisticas.<br />
Nessa perspectiva da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicayao em programas <strong>de</strong> ensino, Swales<br />
(1990:45-55) explicita 0 seu conceito <strong>de</strong> genero <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>talhada, fartamente<br />
discutida e ilustrada. Consi<strong>de</strong>rem-se, pois, as seguintes assertivas por ele<br />
apresentadas :<br />
o Um genero e uma classe <strong>de</strong> eventos comunicativos - em que se <strong>de</strong>vem<br />
consi<strong>de</strong>rar nao apenas 0 discurso em si mesmo e seus participantes, mas<br />
tambern 0 papel <strong>de</strong>sse discurso e os entornos <strong>de</strong> sua produyao e recep'(ao,<br />
inclusive os aspectos culturais e hist6ricos.<br />
o 0 principal trar;o criterial que transforma uma coler;iio <strong>de</strong> eventos<br />
comunicativos num genero e algum conjunto compartilhado <strong>de</strong> propositos<br />
comunicativos - Swales <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que a condiyao <strong>de</strong>terminante <strong>de</strong> urn genero e<br />
o seu prop6sito comunicativo e nao as semelhanyas <strong>de</strong> formas ou qualquer<br />
outro criMrio. Exceto em casos excepcionais, os generos sao veiculos<br />
comunicativos que visam ao cumprimento <strong>de</strong> objetivos. 0 autor reconhece que<br />
a tarefa <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar prop6sitos comunicativos po<strong>de</strong> ser facil em <strong>de</strong>terminados<br />
generos, como por exemplo a receita, mas po<strong>de</strong> ser complicada em outros,<br />
como por exemplo, os generos da esfera politico-partidaria.<br />
AMm disso, urn<br />
genero po<strong>de</strong> ter varios prop6sitos comunicativos. Admite tambem 0 autor que<br />
certos tipos <strong>de</strong> generos nao aceitam 0 criterio do prop6sito<br />
como, por exemplo, os poemas e outros generos literarios.<br />
comunicativo,<br />
o Exemplares ou instancias <strong>de</strong> generos variam na sua prototipicalida<strong>de</strong> - 0<br />
autor reconhece que nao po<strong>de</strong> haver uma <strong>de</strong>finiyao clara em relayao ao que<br />
po<strong>de</strong> ser ou nao consi<strong>de</strong>rado como trayos essenciais e necessarios a urn<br />
prot6tipo <strong>de</strong> urn <strong>de</strong>terminado genero 29 . Assim, mesmo mantendo que 0<br />
prop6sito comunicativo e a principal proprieda<strong>de</strong> do genero, Swales consi<strong>de</strong>ra
que a forma, a estrutura e as expectativas da audiencia tambem po<strong>de</strong>m<br />
funcionar na tarefa <strong>de</strong> se i<strong>de</strong>ntificar em que medida urn exemplar po<strong>de</strong> ser<br />
consi<strong>de</strong>rado como prototfpico ou nao <strong>de</strong> urn <strong>de</strong>terminado genero.<br />
o A racionalida<strong>de</strong> que subjaz um genero estabelece restrifoes sobre possiveis<br />
contribui90es em termos <strong>de</strong> contelldo, atitu<strong>de</strong> e forma - Os prop6sitos<br />
comunicativos <strong>de</strong> urn genero sao geralmente reconhecidos pelos membros da<br />
comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso on<strong>de</strong> ele circula. Mas esse reconhecimento nao se cIa<br />
em igual intensida<strong>de</strong> em todos os membros <strong>de</strong>ssa comunida<strong>de</strong>. Ele se da <strong>de</strong><br />
forma bastante conscientizada entre os "veter<strong>anos</strong>", mas po<strong>de</strong> se dar <strong>de</strong> forma<br />
parcial entre os membros "novatos", e po<strong>de</strong> ou nao se dar entre os individuos<br />
que nao fazem parte da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso. 0 reconhecimento dos<br />
prop6sitos fomece a racionalida<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>sta emergem as convencoes restritivas,<br />
que po<strong>de</strong>m ate ser <strong>de</strong>safiadas, mas, mesmo assim, exercem sua influencia. As<br />
convencoes restritivas referem-se, evi<strong>de</strong>ntemente, it estrutura esquematica do<br />
discurso e as escolhas sintaticas e lexicais. Mas po<strong>de</strong>m se referir tambem a<br />
atitu<strong>de</strong>s ou posicionamentos que se esperam diante dos propOsitos. 0 autor da<br />
o exemplo da "carta <strong>de</strong> aceitacao" (<strong>de</strong> urn pedido <strong>de</strong> emprego, <strong>de</strong> uma bolsa <strong>de</strong><br />
estudos, etc.) em que 0 <strong>de</strong>stinatario <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r que "a comunicacao<br />
continuara". Ja na "carta <strong>de</strong> nao-aceitacao,,<strong>30</strong>, 0 <strong>de</strong>stinatario <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r que<br />
"a comunicacao terminou".<br />
o A nomenclatura <strong>de</strong> generos <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> e uma importante fonte <strong>de</strong><br />
insights - 0 conhecimento <strong>de</strong> convencoes <strong>de</strong> urn genero e provavelmente<br />
maior entre os individuos que lidam com ele profissional ou rotineiramente do<br />
que aque1es que apenas ocasionalmente tern contato com ele. Efetivamente, os<br />
membros ativos <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> discurso ten<strong>de</strong>m a possuir urn gran<strong>de</strong><br />
29 Essa questiio e amplamente discutida por Bakhtin (1992:<strong>30</strong>2-<strong>30</strong>3) quando ele se refere aos generos que tern<br />
formas mais padronizadas e aos que rem formas mais livres e que se prestam a uma reestrutura¢o criativa.<br />
Assim, os generos admitem uma certa flexibilida<strong>de</strong> sem, contudo, per<strong>de</strong>rem a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />
3lI Em ingles, esses generos da correspon<strong>de</strong>ncia administrativa san chamados <strong>de</strong> "good news letter" e <strong>de</strong> "bad<br />
news letter".
dominio <strong>de</strong> generos especificos, e uma das consequencias disso e que eles<br />
nomeiam os eventos comunicativos que eles reconhecem como a~oes retoricas<br />
recorrentes. Alguns generos mantem seus nomes tradicionais mesmo quando<br />
as a~oes realizadas ja se modificaram ao longo do tempo; outros po<strong>de</strong>m<br />
receber varias <strong>de</strong>nomina~oes. 0 autor conjectura que tambem <strong>de</strong>ve haver<br />
generos sem nomes.<br />
Ap6s essa caracteriza~ao, aqui apresentada <strong>de</strong> forma bastante sumaria, ja<br />
que a discussao <strong>de</strong> cada item e muito rica e extremamente<br />
<strong>de</strong>talhada pelo autor,<br />
Swales apresenta a sua complexa <strong>de</strong>fini~ao <strong>de</strong> genero que ele acredita ter sido<br />
beneficiada pela discussao do termo em varios campos afins.<br />
o genero compreen<strong>de</strong> uma c1asse <strong>de</strong> eventos comunicativos em que os<br />
membros da comunida<strong>de</strong> comunicativa compartilham propositos<br />
comunicativos. Esses propositos SaD reconhecidos pelos membros da<br />
comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso constituindo a racionalida<strong>de</strong> do genero. Essa<br />
racionalida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>la a estrutura esquenuitica do discurso influenciando e<br />
restringilldo as escolhas <strong>de</strong> cOllteudo e <strong>de</strong> estilo. 0 proposito<br />
comunicativo, alem <strong>de</strong> ser um criterio privilegiado, tambem opera para<br />
manter 0 escopo <strong>de</strong> um genero, quando concebido como uma ayaO<br />
retorica companivel. Mora 0 proposito, os exemplares <strong>de</strong> urn genero<br />
exibem varios padroes <strong>de</strong> semelhanyas em termos <strong>de</strong> estrutura, estilo,<br />
conteudo e audiencia. Se num exemplar forem realizadas todas as<br />
expectativas sobre a caracterizayao <strong>de</strong> urn <strong>de</strong>terminado genera, esse<br />
exemplar sera consi<strong>de</strong>rado como prototipico pela comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
discurso em que ele circula. Os nomes dos generos herdados e<br />
produzidos pelas comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> discurso e importados por outras<br />
constituem urna valiosa comunicayao etnografica, mas necessita <strong>de</strong><br />
posterior validayao. (Swales, 1990:58).<br />
Swales (1990:58-61) assume que "os seres hum<strong>anos</strong> orgamzam seu<br />
comportamento comunicativo parcialmente atraves <strong>de</strong> repert6rios <strong>de</strong> generos".<br />
Assim, nem todos os eventos comunicativos po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados generos. 0<br />
autor cita duas ativida<strong>de</strong>s muito corriqueiras na vida cotidiana que nao po<strong>de</strong>rn ser<br />
circunscritas nas estancias <strong>de</strong> genero: a conversarao e a narrativa 'ordintirias '. Para<br />
ele, essas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas como 'formas <strong>de</strong> vida' pre-genericas.
Entretanto, quando assumem certas especificida<strong>de</strong>s, elas po<strong>de</strong>m chegar ao status <strong>de</strong><br />
genero.<br />
Vale consi<strong>de</strong>rar tambem 0 posicionamento <strong>de</strong> Swales diante da carta. Na<br />
sua visao, a carta pertence a uma "classe <strong>de</strong> comunicavao que opera numa categoria<br />
<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m mais alta do que 0 genero" (1990:61). No sentido amplo, a carta e por ele<br />
consi<strong>de</strong>rada como urn meio <strong>de</strong> comunica£;ao. S6 quando a carta assume prop6sitos<br />
comunicativos i<strong>de</strong>ntificaveis e que ela po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada genero, que e 0 que<br />
ocorre a certos tipos <strong>de</strong> cartas (oficios e cartas comerciais, por exemplo) utilizadas<br />
na correspon<strong>de</strong>ncia oficial e empresarial. 0 autor cita tambem a carta <strong>de</strong><br />
condoh~ncias e a carta <strong>de</strong> pedido <strong>de</strong> emprego como sendo passiveis <strong>de</strong> entrar na<br />
categoria <strong>de</strong> generos, pois a elas sao atribuidos prop6sitos especificos. Nesse<br />
sentido, afirma 0 autor que as cartas nao sao propriamente pre-generos, mas<br />
funcionam como "generalizavoes multigenericas convenientes" (Swales, 1990:61).<br />
o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> analise <strong>de</strong> genero <strong>de</strong> Swales tern se caracterizado como uma<br />
altemativa bastante eficaz na chamada analise <strong>de</strong> discurso aplicada a generos naoficcionais.<br />
0 interesse do autor tern se voltado para os generos aca<strong>de</strong>micos, cujo<br />
dominio, como se sabe, e <strong>de</strong> crucial importancia para 0 <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> estudantes e<br />
profissionais que se <strong>de</strong>dicam a pesquisa cientifica e precisam divulga-Ia em<br />
peri6dicos que circulam nas comunida<strong>de</strong>s cientificas, geralmente na lingua inglesa.<br />
Nessa perspectiva, Swales, examinando 48 exemplares <strong>de</strong> artigos <strong>de</strong><br />
pesquisa em varios campos <strong>de</strong> conhecimento (ciencias fisicas e biol6gicas, ciencias<br />
sociais e lingiifstica) percebeu que as introdu£;oes <strong>de</strong> tais artigos guardavam notaveis<br />
semelhauyas na forma como organizavam a informavao. Essa sua experiencia foi<br />
divulgadla num estudo monografico <strong>de</strong> 1981 31 . Nesse trabalho, Swales engendrou<br />
urn mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> analise baseado em moves (que po<strong>de</strong>m ser traduzidos como<br />
31 Swales, J (1981) Aspects of Article Introductions. Birmingham, UK: The University of Aston, Language<br />
Studies Unit
'movimentos discursivos' ou 'movimentos retoricos'). Cada movimento e<br />
representado por uma passagem do texto-genero em que e veiculado urn proposito<br />
comtmicativo do escrevente. Assim, nessa pesquisa <strong>de</strong> 1981, Swales preconizou urn<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> organiza9ao retorica <strong>de</strong> uma introdm;ao <strong>de</strong> artigo <strong>de</strong> pesquisa baseada em<br />
4 movimentos que dao a esse genero sua estrutura esquema.tica tipica. Como salienta<br />
Araujo (1996:39), "essa estrutura esquematica e a organiza9ao convencionalizada e<br />
padronizada pelos membros da comunida<strong>de</strong> profissional". Esse mo<strong>de</strong>lo foi batizado<br />
por Swales (1981, 1990) pela sigla CARS (Create A Research Space) e seus<br />
movimentos se apresentam da seguinte forma:<br />
Movimento 1: estabelece 0 campo <strong>de</strong> pesquisa<br />
Movimento 2: resume as pesquisas anteriores<br />
Movimento 3: prepara 0 terreno para a pesquisa em tela<br />
Movimento 4: introduz a pesquisa<br />
Ainda nesse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> 1981, Swales tambem observou que, nesse tipo<br />
<strong>de</strong> genero - a introdm;ao do artigo <strong>de</strong> pesquisa -, a fim <strong>de</strong> veicular urn proposito<br />
comunicativo em cada movimento, 0 escrevente utiliza estrategias retoricas diversas,<br />
que ele chamou <strong>de</strong> 'steps,32. Como lembra Bhatia (1993:<strong>30</strong>), na medida em que cada<br />
genero tern seu proposito comunicativo ao qual ten<strong>de</strong> a servir, "da mesma forma,<br />
cada movimento retorico tambem serve a urna inten9ao comunicativa tipica que e<br />
sempre subserviente ao proposito comunicativo global". Desse modo, no caso do<br />
movimento 1 do esquema acima exposto, 0 escrevente, para realizar 0 proposito <strong>de</strong><br />
estabelecer 0 campo da pesquisa, po<strong>de</strong> utilizar urna das tres estrategias abaixo:<br />
(a) afirma a centralida<strong>de</strong> do t6pico ou<br />
(b) expoe 0 conhecimento vigente ou<br />
(c) atribui caracterfsticas chaves<br />
32 A propasito <strong>de</strong>ssa nomenclatura <strong>de</strong> moves e steps utilizada por Swales, varios analistas brasileiros utilizamna<br />
com nomes diferentes, a saber, movimento e submovimento (Santos, 1995); movimento e sub.fimffio<br />
(Motta-Roth e Hendges (1996); unida<strong>de</strong>s e sub-unida<strong>de</strong>s ret6ricas (Rodrigues, 1998) e move e strategy<br />
(Armijo, 1996). Vale salientar que esses autores tarnbern trabalharn corn generos aca<strong>de</strong>rnicos.
Assim tambem ocone nos movimentos 2, 3 e 4. Eles tambem san<br />
realizados atraves <strong>de</strong> estrategias diversificadas, sempre coerentes com 0 prop6sito<br />
do genero. Vale frisar tambem que, como 0 faz Araujo (1996:41), como 0 mo<strong>de</strong>lo<br />
esquematico <strong>de</strong> Swales fomece uma <strong>de</strong>scri~ao funcional do uso da lingua, cada<br />
movimento e sua(s) estrategia(s) san sinalizados por meio <strong>de</strong> tra~os lingiiisticos que<br />
funcionam no micronivel da estrutura, realizando fun~oes retoricas nas varias<br />
passagens do texto.<br />
Esse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> introdu~ao <strong>de</strong> artigo <strong>de</strong> pesquisa baseado em 4<br />
movimentos foi modificado em 1990, quando Swales reduziu-o a apenas 3<br />
movimentos basicos, dada a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se separarem os movimentos 1 e 2,<br />
apontada por alguns analistas. A1em disso, 0 autor reconheceu que 0 corpus utilizado<br />
para a sua primeira pesquisa foi composto <strong>de</strong>liberadamente <strong>de</strong> exemplares com<br />
textos curtos. Assim sendo, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> analisar urn corpus mais numeroso <strong>de</strong><br />
exemplares com textos mais longos, 0 mo<strong>de</strong>lo CARS <strong>de</strong> Swales (1990:141) para<br />
introdu~oes <strong>de</strong> artigos <strong>de</strong> pesquisa foi revisado e ficou esquematizado como segue:<br />
Step 1 - reivindica centrafida<strong>de</strong><br />
e/ou<br />
Step 2 - faz a generafiz~o do t6pico<br />
e10u<br />
Step 3 - revisa itens da pesquisa anterior<br />
Step 1A - opoe-se as reivindicayQes anteriores<br />
ou<br />
Step 1B - aponta lacunas<br />
ou<br />
Step 1C -Ievanta questionamentos<br />
Move 3 - Ocupa 0 nicho<br />
Step 1A - <strong>de</strong>lineia os prop6sitos<br />
ou<br />
Step 1B - anuncia a pesquisa em tela<br />
Step 2 - anuncia as principais <strong>de</strong>scoberfas<br />
Step 3 - indica a eslrutura do artigo <strong>de</strong> pesquisa
Ao <strong>de</strong>linear 0 esquema acima como 0 mais tipico das introdu~oes <strong>de</strong><br />
artigos <strong>de</strong> pesquisa, Swales (1990) adverte que po<strong>de</strong> haver varia~ao na or<strong>de</strong>m em<br />
que aparecem os movimentos (moves) e as estrategias (steps). A proposito disso, 0<br />
autor cita uma outra pesquisa sua 33 em que 10% do corpus come~ava 0 introdu~ao<br />
pelo movimento 3. Essas altera~oes, obviamente, nao <strong>de</strong>scaracterizam 0 genero, ja<br />
que se preve alguma tlexibilida<strong>de</strong> estrutural mesmo nos generos mais formatados.<br />
Interessante, entretanto, seria revelar-se que racionalida<strong>de</strong> subjaz ao esquema<br />
estrntural mais recorrente, comenta 0 autor (Swales, 1990:145-6).<br />
Outro aspecto que <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado e 0 da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adapta~ao<br />
<strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> analise <strong>de</strong> movimentos retoricos (move analysis) a outros generos<br />
aca<strong>de</strong>micos e nao-aca<strong>de</strong>micos. Realmente, a adapta~ao tern sido possivel, inclusive<br />
por analistas brasileiros, como ja foi mencionado na introdu~ao <strong>de</strong>ste capitulo. Essa<br />
adapta~ao e possibilitada pelo fato <strong>de</strong> 0 mo<strong>de</strong>lo priorizar a dimensao retorica, que e<br />
urn fator importante em qualquer genero. No entanto, como salienta Bhatia<br />
(1993:31),0 mo<strong>de</strong>lo po<strong>de</strong> nao ser aplicavel a todos os generos. De qualquer forma,<br />
ha <strong>de</strong> se reconhecer a gran<strong>de</strong> contribui~ao do mo<strong>de</strong>lo preconizado por Swales para 0<br />
entendimento sobre 0 funcionamento da lingua escrita em varios generos da<br />
ativida<strong>de</strong> aca<strong>de</strong>mica.<br />
o trabalho <strong>de</strong> Vijay Bhatia tambem se reveste <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importAncia para<br />
a analise <strong>de</strong> generos, principalmente no que se refere a generos profissionais.<br />
Embora tambem trabalhe com generos aca<strong>de</strong>micos, vale ressaltar que esse autor tern<br />
se <strong>de</strong>dicado ao estudo do uso da lingua escrita em documentos publicos, juridicos e<br />
empresariais, como se po<strong>de</strong> constatar na sua obra <strong>de</strong> 1993 - Analysing Genres -<br />
language use in professional settings. Como Swales, seu interesse se liga ao ensino
do Ingles instrumental (ESP), mas seu trabalho tambem traz contribui~es<br />
significativas aqueles especialistas interessados na refonna linguistica <strong>de</strong> generos<br />
juridico-Iegislativos e na simplifica9ao <strong>de</strong> outros documentos publicos. Dentre os<br />
principios norteadores do trabalho <strong>de</strong> Bhatia (1993), <strong>de</strong>staca-se 0 esfor90<br />
explanatorio <strong>de</strong> uma questao usualmente posta nos estudos genericos: "Por que um<br />
<strong>de</strong>terminado genero e escrito <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada maneira?". Isso leva 0 seu trabalho a<br />
se concentrar mais na <strong>de</strong>scri9ao baseada no uso da lingua do que na analise apenas<br />
das formas lingiiisticas da superficie textual.<br />
A concepvao <strong>de</strong> genero <strong>de</strong> Bhatia e muito influenciada por Swales, mas<br />
existem algumas diferenvas, talvez por ele lidar corn generos ern que 0 teor<br />
persuasivo e mais intenso. Assim, ao analisar a extensa caracterizavao <strong>de</strong> genero<br />
apresentada ern Swales (1990), Bhatia aponta 0 fato <strong>de</strong> que essa conceituavao<br />
negligencia os aspectos psicologicos, incluindo os cognitivos, que contribuem para a<br />
dinamicida<strong>de</strong> dos generos. Nesse sentido, Bhatia comenta exatamente que<br />
Swales oferece uma boa fusao <strong>de</strong> fatores lingiiisticos e sociol6gicos na<br />
sua <strong>de</strong>fmivao <strong>de</strong> genero; entretanto, ele subestima os fatores<br />
psicol6gicos, diminuindo a importancia dos aspectos taticos da<br />
construyao <strong>de</strong> generos, 0 que <strong>de</strong>sempenha urn papel significativo no<br />
conceito <strong>de</strong> genero como urn processo social dinamico e nao como urn<br />
processo estatico (Bhatia, 1993:16).<br />
Salientando que "cada genero e uma instancia <strong>de</strong> comunicavao exitosa <strong>de</strong><br />
urn proposito especifico ern que se usa urn conhecimento convencionalizado dos<br />
recursos linguisticos e discursivos" (p.16), Bhatia lembra que cada genero estrutura<br />
a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma particular, e isso implica, naturalmente, que a mesma realida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mandara urna maneira diferente <strong>de</strong> estrutura-Ia se 0 individuo utilizar urn outro<br />
tipo <strong>de</strong> genero. Isso posto, ha <strong>de</strong> se convir tarnbem que, embora sabendo que muitos<br />
profissionais escreventes observarn as regras e as convenvoes dos generos, sabe-se
igualmente que muitos <strong>de</strong>les conseguem explorar as restrivoes para obter eficacia e<br />
originalida<strong>de</strong> no seu escrito.<br />
Por ser uma pratica multidisciplinar, a analise <strong>de</strong> generos, na visao <strong>de</strong><br />
Bhatia (1993), e uma aplicavao da analise do discurso que <strong>de</strong>ve usufruir <strong>de</strong><br />
contribuivoes das varias areas que po<strong>de</strong>m convergir para fornecer subsidios aos<br />
analistas confonne sejam os seus interesses. Mas, para se fazer uma analise<br />
equilibrada, 0 autor sugere tres tipos <strong>de</strong> orientavao que tern sido <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valia para<br />
a compreensao dos generos.<br />
A pnmelra orientavao apresentada pOI Bhatia (1993: 17) e<br />
predominantemente lingiiistica. Essa ten<strong>de</strong>ncia privilegia 0 estudo dos travos<br />
lingiiisticos (gramaticais, lexicais, estilos, registros, aspectos discursivos e<br />
retoricos). Na verda<strong>de</strong>, esclarece 0 autor, muito do que tern sido visto "como alguma<br />
forma <strong>de</strong> registro ou <strong>de</strong> analise <strong>de</strong> estilo, e mais recentemente como certos tipos <strong>de</strong><br />
analise <strong>de</strong> discurso, tern sido relacionado a <strong>de</strong>scrivao lingiiistica <strong>de</strong> varios textos,,34.<br />
Interessa frisar, nessa perspectiva da analise dos travos lingiiisticos, a<br />
questao do registro, que e 0 nome dado a uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lingua distinta confonne<br />
o seu uso. Apesar <strong>de</strong> reconhecer a impormncia do estudo sobre 0 registro, Bhatia,<br />
consi<strong>de</strong>ra-o insuficiente por tratar apenas da superficie lingiiistica; para ele, 0<br />
importante e saber-se por que uma <strong>de</strong>terminada varieda<strong>de</strong> toma a forma que toma<br />
ern <strong>de</strong>terminados generos (p. 6). Assim sendo, afirma Bhatia (1993:18), as analises<br />
34 A propOsito, Bhatia (1993), na Parte 1 do seu livro, ao rever 0 <strong>de</strong>senvolvimento da analise do discurso<br />
aplicada nos ultimos trinta <strong>anos</strong>, apresenta quatro niveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>scriyao linguistica, a saber:<br />
- a <strong>de</strong>scriyao lingiiistica ao nivel da superficie = a analise <strong>de</strong> registro;<br />
- a <strong>de</strong>scriyao funcional da lingua = analise ret6rico-gramatical;<br />
- a <strong>de</strong>scri~fu) da lingua como discurso = aspectos intemcionais;<br />
- a <strong>de</strong>scriyao da lingua como explicayao = analise <strong>de</strong> genero.<br />
Convem explicitar que 0 autor se refere a analise <strong>de</strong> discurso "como urn estudo do uso da lingua ah~m<br />
dos limites da sentenya". Esclarece tambem 0 autor que "na lingiiistica, a analise <strong>de</strong> discurso tern<br />
assumido varios nomes, tais como, linguistica <strong>de</strong> texto, analise <strong>de</strong> texto, analise da conversayao, analise<br />
ret6rica, analise funcional e analise das reIa~s frasais. 0 principal objetivo <strong>de</strong> todos esses estudos tern<br />
sido 0 entendimento da estrutura e funyao do uso da lingua para comunicar significado" (Bhatia, 1993:3).
das varieda<strong>de</strong>s ou registros "em si mesmas revelam muito pouco sobre a verda<strong>de</strong>ira<br />
natureza dos generos e sobre a maneira como os prop6sitos sociais san cumpridos<br />
neles e atraves <strong>de</strong>les nos contextos em que san usados". Por conta disso, 0 autor poe<br />
questOes relevantes, a saber:<br />
Q "Como esses trw;os lingiiisticos elaboram as realida<strong>de</strong>s sociais num<br />
<strong>de</strong>terminado campo <strong>de</strong> estudo ou projissao?";<br />
o "Por que os usuiirios <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado genero usam esses trar;os e 000<br />
outros?";<br />
Q<br />
"0 uso <strong>de</strong>sses trar;os representa convenr;oes especificas num <strong>de</strong>terminado<br />
genero, e se isso for verda<strong>de</strong>, 0 que acontece se alguns praticantes tomarem<br />
algumas liberda<strong>de</strong>s em relw;ao a essas convenr;oes?"<br />
A segunda orienta~ao e mms caracterizada como sociol6gica, pOlS<br />
possibilita 0 analista enten<strong>de</strong>r como urn <strong>de</strong>terminado genero <strong>de</strong>fine, orgal1iza e<br />
comunica a realida<strong>de</strong> social. Segundo Bhatia (1993:18),<br />
Esse aspecto da analise <strong>de</strong> genero enfatiza que 0 texto por si mesmo nao<br />
e um objeto completo possuindo significado em si mesmo; ele <strong>de</strong>ve ser<br />
consi<strong>de</strong>rado como um continuo processo <strong>de</strong> negociayao no contexto <strong>de</strong><br />
questoes, tais como, papeis sociais, propositos do grupo, preferencias<br />
profissionais e organizacionais e pre-requisitos, e mesmo restriyoes<br />
culturais. Um conhecimento exaustivo do contexto sociologico e cultural<br />
fornece Ulna das mais importantes contribuiyoes a que Geertz (1973) se<br />
refere como uma <strong>de</strong>nsa <strong>de</strong>scriyao <strong>de</strong> qualquer realida<strong>de</strong> social, incluindo<br />
o comportamento lingiiistico <strong>de</strong> qualquer realida<strong>de</strong> social <strong>de</strong> qualquer<br />
comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fala, aca<strong>de</strong>mica ou profissional.<br />
Tambem com rela~ao a essa oriel1ta~aosocio16gica, Bhatia (1993) aborda<br />
a visao <strong>de</strong> Carolyn Miller (1984) que, ao assumir uma perspectiva<br />
etnometodol6gica, tambem valoriza os subsidios sociol6gicos quando ela consi<strong>de</strong>ra
o genero como ay<strong>30</strong> social. Segundo 0 autor, os estudos sociologicos po<strong>de</strong>m se<br />
tomar mais atentos aos usos que se fazem dos recursos lingiiisticos para fins sociais,<br />
ao passo que os lingiiistas po<strong>de</strong>m adicionar a explanayao sociologica, pOTsinal<br />
muito necessaria, as suas interpretayoes do uso da lingua em contextos aca<strong>de</strong>micos e<br />
profissionais. Finalmente, Bhatia enfatiza que "os aspectos sociologicos da analise<br />
<strong>de</strong> genero focalizam as convenyoes e os trayos padronizados da construyao dos<br />
generos, e da respostas relevantes, embora nao lingiiisticas, a pergunta ja muito<br />
reiterada: "Par que os membros do que os soci610gos chamam <strong>de</strong> 'culturas<br />
secundiirias' escrevem daforma que escrevem?" (Bhatia, 1993: 19) (grifo do autor).<br />
A terceira orientayao recomendada por Bhatia para a analise <strong>de</strong> genero e<br />
<strong>de</strong> natureza psico16gjca e psicolingiiistica, em que se focalizam os aspectos taticos<br />
ou estrategicos da construyao <strong>de</strong> generos. Segundo 0 autor, enquanto 0 aspecto<br />
psicolingmstico da analise <strong>de</strong> genero tern a ver com a estruturayao cognitiva, 0<br />
aspecto tatico refere-se as escolhas estrategicas individuais que 0 escrevente faz a<br />
fim <strong>de</strong> tornar a sua escrita eficaz, e assim, alcanyar seus propositos comunicativos.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente, a escolha <strong>de</strong>ssas estrategias levam em conta varios fatores, tais<br />
como, as especificida<strong>de</strong>s da audiencia, os meios utilizados e, obviamente, as<br />
convenyoes e as restriyoes do proprio genero utilizado. E eh.1:remamenteimportante<br />
frisar que "tais estrategias sao geralmente nao-discriminativas, no sentido <strong>de</strong> que<br />
elas nao alteram 0 proposito comunicativo essencial do genero" (Bhatia, 1993:20).<br />
Explica 0 autor que as estrategias nao-discriminativas dizem respeito a explorayao<br />
das regras convencionais do genero relacionadas ao proposito <strong>de</strong> maior eficacia num<br />
contexto sociocultural muito especifico, a originalida<strong>de</strong>, e a outras consi<strong>de</strong>rayoes<br />
especiais da audiencia. Noutras palavras, essas estrategias sao maneiras especificas<br />
que 0 escrevente escolhe para conseguir certos efeitos <strong>de</strong>sejados, sem, contudo,<br />
<strong>de</strong>srespeitar as restriyoes e as convenyoes do genero.
Para ilustrar essa questao dasestrategias nao-discriminativas, 0 autor cita<br />
o exemplo das reportagens jomalisticas, que sao reconhecidas como urn genero<br />
razoavelmente bem estabelecido, tanto social como lingiiisticamente, e que tern seus<br />
varios prop6sitos comunicativos aceitos e compartilhados <strong>de</strong>ntro dos jomais e<br />
revistas em que aparecem. No entanto, salienta 0 autor, as estrategias lingiiisticas<br />
nao-discriminativas po<strong>de</strong>m variar conforme os efeitos pretendidos e os enfoques que<br />
os rep6rteres queiram dar as suas materias, imprimindo, assim, algum grau <strong>de</strong><br />
interpreta¥ao subjetiva ou mesmo alguns vieses em suas reportagens. Esses vieses<br />
sao muito variados, po<strong>de</strong>ndo ir, por exemplo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a conveniente sele¥ao dos fatos<br />
ao uso sutil do vocabuhirio. Isso e perfeitamente verificavel em reportagens que<br />
saem, sobre 0 mesmo tema, em jomais da "imprensa marron", tida como<br />
sensacionalista, em contraste com as que saem nos jomais da chamada "gran<strong>de</strong><br />
imprensa", tida como sena e responsavel. Bhatia (1993) tambem chama a aten¥ao<br />
para a varia~ao das estrategias utilizadas em dois textos do mesmo genero, mas que<br />
sao veiculados por meios diferentes, como no caso dos anuncios impressos e dos<br />
animcios na televisao. Naturalmente, 0 anuncio do produto na televisao difere nas<br />
suas estrategias por causa dos recurs os audiovisuais, embora 0 prop6sito<br />
comunicativo seja 0 mesmo do an(mcio impresso.<br />
No que respeita as estrategias discriminativas, ha <strong>de</strong> se enfatizar,<br />
primeiramente, que elas promovem a varia¥ao na natureza do genero <strong>de</strong> fonna<br />
significativa. Geralmente, elas introduzem elementos novos que alteram 0 prop6sito<br />
comunicativo do genero, levando os usuarios a distinguir generos <strong>de</strong> subgeneros. E 0<br />
caso das reportagens esportivas, que estao se tomando cada vez mais distintas das<br />
reportagens gerais <strong>de</strong> noticias, ja que tratam <strong>de</strong> eventos e prop6sitos especificos.<br />
Alem <strong>de</strong>sse exemplo citado por Bhatia (1993:20), <strong>de</strong>ve-se consi<strong>de</strong>rar tambem outros<br />
generos complexos e abrangentes, como por exemplo, as cartos e as entrevistas, que<br />
comportam urn nlimero consi<strong>de</strong>ravel <strong>de</strong> varieda<strong>de</strong>s ou, como querem alguns, <strong>de</strong><br />
subgeneros. Ha <strong>de</strong> se convir, entretanto, que essa questao dos subgeneros e muito
polemica. 0 proprio Bhatia reconhece que "parece quase impossivel <strong>de</strong>linearem-se<br />
claramente criterios <strong>de</strong>finidos para se fazer uma distinyao satisfatoria entre generos e<br />
subgeneros" (p. 21).<br />
Ainda <strong>de</strong>ntro da orientayao psicologica, Bhatia (1993:21) acentua alguns<br />
outros pontos importantes. Dentre eles, <strong>de</strong>staca-se 0 fato <strong>de</strong> 0 proposito<br />
comunicativo estar "inevitavelmente refletido na estrutura cognitiva do genero que,<br />
<strong>de</strong>sse modo, representa as regularida<strong>de</strong>s tfpicas da organizayao <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le". 0 autor<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que essas regularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas como cognitivas, ja que<br />
"elas refletem as estrategias que os membros <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
discurso profissional tipicamente usam na construyao e no entendimento daquele<br />
genero para alcan9ar propositos comunicativos especificos". Essa estruturayao<br />
cognitiva, portanto, "reflete 0 conhecimento social convencionalizado e acumulado<br />
disponfvel a uma <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso".<br />
De especial interesse em Bhatia (1993:22-36) e a sugesmo <strong>de</strong> uma<br />
metodologia para uma analise abrangente <strong>de</strong> qualquer genero que 0 autor apresenta<br />
<strong>de</strong> forma sistematizadaem sete passos, que po<strong>de</strong>rao ser seguidos <strong>de</strong> forma total ou<br />
parcial pelo analista, conforme seja 0 seu interesse. Praticamente na integra em<br />
alguns passos e <strong>de</strong> forma resumida em outros, esses sete passos san os seguintes:<br />
1. Colocar 0 texto-genero num contexto situacional<br />
Uma vez i<strong>de</strong>ntificado urn exemplar tipico representativo <strong>de</strong> urn <strong>de</strong>terminado genero,<br />
o primeiro passo e sitmi-Iono seu contexto <strong>de</strong> produyao, utilizando-se, para isso, a<br />
experiencia previa do proprio analista no uso do genero e/ou a experiencia <strong>de</strong><br />
usmirios que 0 utilizam sistematicamente nas suas ativida<strong>de</strong>s profissionais. Deve-se<br />
atentar tambem para as convenyoes comunicativas associadas ao genero <strong>de</strong>ntro da<br />
comunida<strong>de</strong>em que circula.<br />
2. Levantar a literatura existente sobre 0 genero em questao<br />
o autor recomenda, entre outras coisas, investigar a literatura disponivel sobre os<br />
segmlltestopicos:
• analises lingiiisticas da varieda<strong>de</strong> do texto ou <strong>de</strong> outras varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> generos<br />
similares a ele relacionados;<br />
• instmmentos, metodos ou teorias <strong>de</strong> analise lingiiistica, discursiva e <strong>de</strong> genero que<br />
sejam relevantes para 0 estudo;<br />
• guias profIssionais, guias especificos, manuais, etc. relevantes para a comunida<strong>de</strong><br />
usuaria do texto em questao;<br />
• discussoes sobre a estrutura social, os tipos <strong>de</strong> interayao, a historia, as crenyas, etc.<br />
da comunida<strong>de</strong> que usa 0 genero em questao.<br />
3. Refinar a analise contextual/situacional<br />
Depois <strong>de</strong> colocar 0 texto num arcabouyo contextuallsituacional,<br />
analise atraves <strong>de</strong> outros procedimentos, tais como:<br />
convem refmar essa<br />
• <strong>de</strong>fIniyao do falante/escrevente do texto, a audiencia, seus relacionamentos e suas<br />
metas;<br />
• <strong>de</strong>finiyao historica, sociocultural, filosofica e ocupacional da comunida<strong>de</strong> na qual 0<br />
discurso acontece;<br />
• i<strong>de</strong>ntificayao da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> textos e tradi90es lingiiisticas circundantes que formam 0<br />
pano <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>terminado genero;<br />
• i<strong>de</strong>ntifica9ao da realida<strong>de</strong> extratextual, 0 topico e 0 assunto que 0 texto est
5. Estudar 0 contexto institucional<br />
Urn born anaJista tenta estudar 0 contexto institucional incluindo 0 sistema e/ou a<br />
metodologia na qual 0 genero e usado e as regras e convenyoes (lingiiisticas, sociais,<br />
culturais, aca<strong>de</strong>micas, profissionais) que governam 0 uso da lingua nesses contextos<br />
institucionais. Essas regras e convenyoes saD mais frequentemente e implicitamente<br />
entendidas, bem como inconscientemente seguidas pelos participantes naquela<br />
situayao comunicacional na qual 0 genero em questao e usado - ou mesmo imposto<br />
em alguns contextos situacionais (por exemplo, 0 interrogatorio na corte <strong>de</strong> justiya).<br />
Uma boa parte das informayoes sobre esses aspectos dos contextos institucionais esta<br />
disponivel nos manuais, nos guias profissionais e nas discussoes da estrutura social,<br />
das interayoes, aJem da historia, das crenyas e metas da comunida<strong>de</strong> que se encontram<br />
na literatura disponivel ja publicada. Esta fase do estudo po<strong>de</strong> tambem inc1uir 0<br />
estudo do contexto organizacional, se este e visto como tendo influencia na<br />
constTIlyaodo genero <strong>de</strong> alguma forma. Isto se toma particularmente importante se os<br />
dados saD coletados <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada organizayao, que muitas vezes impoe suas<br />
proprias restriyoes e convenyoes organizacionais e pre-requisitos para a construyao do<br />
genero.<br />
6. Niveis <strong>de</strong> analise lingiiistica<br />
o analista entao <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> em qual( quais) nivel(eis) os trayos distintivos mais<br />
significantes da lingua (para 0 seu problema motivador) ocorrem, e realiza a analise<br />
apropriada, a qual po<strong>de</strong> concentrar-se em U1l1ou mais dos tres seguintes niveis <strong>de</strong><br />
realizayao lingiiistica.<br />
Nivell<br />
- Analise dos traros lexico-gramaticais<br />
Urn texto po<strong>de</strong> ser analisado quantitativamente estudando-se os trayos especificos da<br />
linguagem que saD predominal1temente usados na varieda<strong>de</strong> a qual 0 texto pertel1ce.<br />
Isso e geralmente feito empreen<strong>de</strong>ndo-se uma analise estatistica baseada num corpus<br />
<strong>de</strong> larga escala, atraves <strong>de</strong> uma amostra representativa da varieda<strong>de</strong> em questao. Para<br />
ilustrar esse nivel <strong>de</strong> analise, 0 autor cita dados obtidos em v<strong>anos</strong> trabalhos<br />
realizados, como por exemplo, 0 usa dos tempos verbais na prosa cientifica 35 ; a<br />
il1ci<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> orayoes subordinadas em generos juridico-Iegislativos 36 , etc.<br />
Recomenda 0 autor que essas analises <strong>de</strong>vem if alem da simples constatayao, ou seja,<br />
o estudo tornar-se-a mais interessante se os dados forem acompanhados <strong>de</strong> insights<br />
sobre a racionalida<strong>de</strong> subjacente a esses usos.<br />
Esse aspecto da analise lingiiistica realya 0 aspecto tatico do uso convencional da<br />
lingua, especificando a forma que os membros <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong><br />
adota os valores restritos a varios aspectos do uso da lingua (que po<strong>de</strong>m ser trayos do<br />
35 Barber, C. L. (1962) "Some measumble chamcateristics of mo<strong>de</strong>rn scientific prose". In: Contribution to<br />
English syntax and phonology, Stockholm.<br />
36 GustaiSson, M. (1975) Some syntactic properties in English lOll' language. Department of English,<br />
University of Turku, Turku.
lexico, da sintaxe e mesmo do discurso) quando opera urn <strong>de</strong>terminado genero. 0<br />
autor cita passagens <strong>de</strong> v<strong>anos</strong> estudos ja realizados nesse sentido, enfocando, por<br />
exemplo, a analise <strong>de</strong> livros-texto <strong>de</strong> quimica feita por Swales (1974)37 sobre a<br />
fun~ao do participio passado pre e pos-modificadores <strong>de</strong> grupos nominais que<br />
aparecem em generalizar;oes e exemplijicar;oes marcadas por formas terminadas em -<br />
en [a given - urn(a) dado(a)], em frases como "A Figura 9.5 mostra como a pressllo<br />
do vapor <strong>de</strong> uma dada substdncia varia com a temperatura". Outros estudos citados<br />
cuidam, por exemplo, da fun~ao do adjetivo em grupos nominais para real~ar as<br />
caracteristicas positivas dos produtos na propaganda, e 0 papel das frases nominais<br />
nos escritos sobre a pesquisa cientifica e nos docurnentos juridicos. Finalmente, 0<br />
autor reconhece que a analise da padroniza~ao textual acrescenta urna explana~ao<br />
interessante a analise lexico-gramatical <strong>de</strong> urn genero. Na realida<strong>de</strong>, esses dois niveis<br />
<strong>de</strong> analise estao imbricadamente re1acionados.<br />
Nessa fase, a analise enfatiza os aspectos cognitivos da organiza~ao lingiiistica do<br />
texto, isto e, as maneiras preferidas <strong>de</strong> estruturar e organizar discursivamente a<br />
infonna~ao a fim <strong>de</strong> comunicar intenyoes. 0 autor cita como urn born exemplo para<br />
esse nivel <strong>de</strong> analise a pesquisa <strong>de</strong> Swales <strong>de</strong> 1981 que estudou a estrutura~ao<br />
retorico-discursiva das introdu~oes <strong>de</strong> artigo <strong>de</strong> pesquisa e que engendrou 0 chamado<br />
mo<strong>de</strong>lo "move analysis". Como se viu na <strong>de</strong>scriyao <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo, a estrutura textual<br />
se organiza em forma <strong>de</strong> lances ou movimentos (moves) em que se evi<strong>de</strong>nciam<br />
propositos comunicativos; estes, por sua vez, saD veiculados atraves <strong>de</strong> estrategias<br />
que po<strong>de</strong>m variar <strong>de</strong> urn exemplar para outro do genero, mas que nao alteram 0<br />
proposito comunicativo principal, que e 0 fator mais importante na i<strong>de</strong>ntificayao do<br />
genero. Bhatia adverte que 0 mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Swales po<strong>de</strong> nao servir para todos os generos<br />
(ha generos que po<strong>de</strong>m apresentar outras formas <strong>de</strong> estrutura~ao cognitiva<br />
interativa 38 ), mas com certeza, 0 mo<strong>de</strong>lo po<strong>de</strong> ser usado para se i<strong>de</strong>ntificarem, em<br />
v<strong>anos</strong> generos em for possivel aplica-Io, as regularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> organizayao retorica, e<br />
assim, chegar-se ao entendimento do fundamento logico do genero.<br />
7. Informa~oes especializadas para a analise <strong>de</strong> genero<br />
Sera <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valia, recomenda Bhatia, que 0 analista confronte suas <strong>de</strong>scobertas<br />
com as infonnayoes vindas <strong>de</strong> Uln infonnante especialista, que e geralmente Uln<br />
praticante da cultura e da disciplina em que 0 genero e usado <strong>de</strong> fonna rotineira. Isso<br />
se toma necessano especialmente quando 0 genero se situa numa area <strong>de</strong><br />
conhecimento muito especifico, em que 0 lingiiista HaOtern urn dominio suficiente do<br />
assunto, nem uma vivencia ou uma familiariza~ao minima com 0 usa efetivo do<br />
genero. Encontrar urn informante especialista <strong>de</strong>sembarayado e disposto a colaborar e<br />
algo muito dificil, reconhece 0 autor, mas assim mesmo <strong>de</strong>ve ser tentado, pois muitas<br />
quest5es so po<strong>de</strong>m ser escIarecidas atraves <strong>de</strong> informayoes <strong>de</strong> urn autentico usuano<br />
37 Swales, 1. (1974) "Notes on the function of attributive en-participles in scientific discourse". Paper jor<br />
Special Univeristy Purposes nO 1, ELSU, University of Karthoun.<br />
38 Bhatia (1993: 33) apresenta 0 exemplo <strong>de</strong> urn genero <strong>de</strong> provisao legislativa em que a organiza\iiO<br />
estrutural se da <strong>de</strong> uma forma diferente daquela do mo<strong>de</strong>lo preconizada por Swales (1990).
do genero. Ap6s apresentar algumas sugestoes (que parecem mais ou menos 6bvias)<br />
sobre 0 perfil do informante e alguns procedimentos que <strong>de</strong>vem ser seguidos para a<br />
coleta <strong>de</strong> informayoes, 0 autor recomenda que se tenha um segundo infonnante para<br />
validar os dados obtidos atraves do primeiro.<br />
Bhatia (1993:36-39) chama a atenyao para a importancia dos fatores<br />
culturais na analise <strong>de</strong> genero, ja que as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicayao e a cultura sao<br />
reconhecidamente relacionadas. 0 autor salienta a questao do etnocentrismo que<br />
permeia a maioria dos estudos <strong>de</strong> interpretayao do discurso, embora as pesquisas do<br />
discurso falado ja tenham atentado para as variayoes interculturais. Entretanto, muito<br />
pouco se tern publicado sobre as diferen
estrategias individuais usadas pelos escreventes para conseguir seus prop6sitos. Uma<br />
das limita~oes da abordagem apontadas pelo autor refere-se ao fato <strong>de</strong> ela po<strong>de</strong>r ser<br />
vista mais como encorajadora<br />
da prescri~ao do que da criativida<strong>de</strong> na aplica~ao.<br />
Entretanto, pon<strong>de</strong>ra 0 autor que<br />
«po<strong>de</strong>-se ser mais efetivamente criativo na comunica~ao quando se e bem<br />
consciente das regras e das conven~5es do genero. Explorar as regras e as<br />
conven~5es em nome da criativida<strong>de</strong> e da inova~ao e born, mas e muito<br />
melhor fazer isso <strong>de</strong>pois que se tern <strong>de</strong>senvolvido<br />
pelo menos uma boa<br />
compreensao, senao urn born dominio sobre as conven~5es. Alem do mais,<br />
a analise das conven~5es dos generos nao precisam ser sempre usadas <strong>de</strong><br />
maneira prescritiva. Como assinala Hart (l986:280i 9 ,<br />
a analise <strong>de</strong> genero<br />
e mais uma busca <strong>de</strong> padroes do que uma imposi~ao <strong>de</strong> padroes"<br />
(Bhatia, 1993:40) (Grifos<br />
do Autor).<br />
Outra observa~ao que Bhatia (1993) faz sobre 0 mo<strong>de</strong>lo e a metodologia<br />
sugerida e que, apesar <strong>de</strong> se <strong>de</strong>linearem passos para a amilise, na realida<strong>de</strong>, eles nao<br />
<strong>de</strong>vem ser visto atomisticamente, e sim <strong>de</strong> forma holistica, pois cada passo <strong>de</strong>scrito<br />
<strong>de</strong>ve ser compreendido no contexto do todo. A<strong>de</strong>mais, adverte 0 autor, nao se sugere<br />
que em todas as investiga~oes 0 analista tenha que passar por todos os passos<br />
listados, nem que tenha que seguir necessariamente a or<strong>de</strong>m apresentada. Assim, os<br />
passos e niveis "<strong>de</strong>vem ser usados seletivamente e numa or<strong>de</strong>m flexivel",<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do grau <strong>de</strong> conhecimento previo que 0 lingiiista traz para a tarefa<br />
analitica, alem, acrescente-se, <strong>de</strong> alguns aspectos pontuais em que ele tenha<br />
interesse.<br />
Ainda a respeito da tlexibilida<strong>de</strong> da metodologia sugerida, Bhatia (1993)<br />
admite, por exemp10, que, em rela~ao aos niveis <strong>de</strong> analise lingiiistica, po<strong>de</strong> ser mais<br />
conveniente<br />
come~ar-se pe10 nive1 3, ou seja, pelo estudo das regu1arida<strong>de</strong>s da<br />
39 Hart, RP. (1986) "Of genre, computers and the Reagan inaugural". In: H.W. Simons and A. A. Aghazarian<br />
(Eds). Fonn, genre and the study ojpolitical discourse. University of South Carolina Press.
organiza~ao retorico-discursiva,<br />
do que pela analise dos tra~os da superficie. Alias,<br />
salienta 0 autor, "a analise <strong>de</strong> qualquer nivel ajuda a enten<strong>de</strong>r a estrutura~ao noutros<br />
niveis" (p. 41). Finalmente, 0 autor comenta que, para uma analise abrangente, e<br />
sempre aconselhavel que sejam observados os tres niveis da analise lingiiistica.
5. ANALISE DA ORGANIZACAO RETORICA DOS OFicIOS<br />
Para se ter uma visao mais completa do oficio enquanto genero, isto e,<br />
como uma das materializacoes do discurso institucional e como uma acao ret6rica<br />
tipificada, e preciso que se proceda, primeiramente, a uma analise, ainda que<br />
sucinta, do contexto <strong>de</strong> sua producao e recepcao. Essa amilise, logo <strong>de</strong> saida, <strong>de</strong>ve<br />
enfatizar alguns pontos importantes sobre 0 uso da linguagem no mundo do<br />
trabalho, especialmente no ambito da administracao empresarial estatal e/ou privada.<br />
Assim sendo, vale dizer que nessas organizacoes, como urn todo, 0 principio a ser<br />
<strong>de</strong>fendido e 0 do controle social, e a linguagem, principalmente a lingua escrita,<br />
neste contexto, assume 0 papel <strong>de</strong> regulacao do trabalho. A explicitacao <strong>de</strong>sse papel<br />
se da via burocracia, cujas marc as principais sao 0 controle, 0 formalismo, a<br />
impessoalida<strong>de</strong>, a racionalizacao e 0 profissionalismo. Com efeito, essas<br />
caracteristicas do contexto em que ocorre a emissao/recepcao <strong>de</strong> ot1cios afetam e<br />
restringem <strong>de</strong> maneira acentuada as interacoes discursivas e seus elementos<br />
enunciativos. Dito <strong>de</strong> outra forma, sabe-se que, na vida da burocracia institucional, a<br />
utilizacao do discurso e marcada, e mesmo <strong>de</strong>terminada, pelas restricoes e relacoes<br />
<strong>de</strong> forca que ali se realizam; dai serem a linguagem e os generos administrativos tao<br />
regrados e padronizados, tendo a sua escrituracao regulada atraves <strong>de</strong> normas,<br />
manuais oficiais e guias especificos. Enfim, 0 oficio e urn dos componentes das<br />
gran<strong>de</strong>s teias burocraticas existentes nas instituicoes publicas e, por extensao, nas<br />
organizacoes privadas.<br />
No contexto da organizacao empresarial e burocnltica, as relacoes sociais<br />
dao especial relevo as conveniencias<br />
que preservam a integrida<strong>de</strong> organizacional,
cabendo a linguagem 0 papel <strong>de</strong> instrumento <strong>de</strong> trabalho necessArio para 0<br />
cumprimento <strong>de</strong> tarefas e a manuten~ao da or<strong>de</strong>m institucional. Numa perspectiva<br />
socio-retorica, os atos <strong>de</strong> linguagem (especificamente os enunciados escritos) que se<br />
realizam nesse contexto <strong>de</strong>vem ser vistos como atos responsivos a situa~oes ou<br />
problemas no continuum das ativida<strong>de</strong>s, instaurando uma dinamica enunciativa (ou<br />
pragmatica, se se quer), em que os generos <strong>de</strong>sempenham seus papeis <strong>de</strong> respostas a<br />
situa~oes tipificadas.<br />
Diante do exposto, e utilizando-se, <strong>de</strong> forma adaptada, alguns construtos<br />
da crttica retorica (Gill & Whedbee, 1997:162), po<strong>de</strong>m-se analisar, mesmo <strong>de</strong><br />
forma abrangente, as condi~oes <strong>de</strong> produ~ao dos oficios atraves da aprecia~ao <strong>de</strong><br />
quatro elementos fundamentais que tem influencia consi<strong>de</strong>ravel nas intera~oes que<br />
se realizam no contexto em estudo. Sao eles: a exigencia (0 problema ou questao a<br />
qual 0 texto se relaciona), a audiencia (a pessoa real ou institucional a quem se<br />
dirige 0 orador ou locutor), 0 genero (0 tipo <strong>de</strong> texto apropriado para a ocasiao) e a<br />
credibilida<strong>de</strong> do orador (a posi~ao social do orador ern rela~ao a audiencia<br />
buscada).<br />
o conceito <strong>de</strong> exigencia explica-se pelo fato <strong>de</strong> as situa~es SOCIalS<br />
(geralmente tipificadas e recorrentes) sempre <strong>de</strong>mandarem das pessoas nelas<br />
envolvidas 0 uso <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenninadas (re)a~oes discursivas. Como diz Miller (1994:<strong>30</strong>),<br />
"compreen<strong>de</strong>r uma exigencia e ter urn motivo". Motivo que 0 individuo tern para se<br />
engajar numa intera~ao <strong>de</strong> "forma socialmente reconhecivel e interpretavel". Ora, no<br />
mundo do trabalho, no dia-a-dia das empresas e das reparti~es publicas saD<br />
imimeras as situa~oes que exigem respostas retoricas, que <strong>de</strong>vem ser a<strong>de</strong>quadas,<br />
significativas e pragmaticamente eficazes. Estas a~oes cumprem, evi<strong>de</strong>ntemente, 0<br />
carater <strong>de</strong> respondibilida<strong>de</strong> constitutiva da linguagem; e no caso das ativida<strong>de</strong>s<br />
administrativas, muitas <strong>de</strong>ssas a~oes saD concretizadas atraves da lingua escrita,<br />
especialmente quando a intera~ao se da, como no caso dos oficios, entre institui~oes.
E a proposito da importancia do uso da lingua escrita nos setores administrativos das<br />
instituivoes, convem frisar 0 seu caniter documental e sua historica relavao com os<br />
mecanismos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, como ja foi anteriormente discutido. Sem duvida, nesses<br />
contextos, as avoes significativas so sao consi<strong>de</strong>radas validas e legitimas atraves da<br />
lingua escrita. Isso gera, naturalmente, aquelas chissicas e bizarras pilhas <strong>de</strong><br />
documentos (on<strong>de</strong> nao faltam carimbos e <strong>de</strong>spachos) e que vao inchando as pastas<br />
dos arquivos nas repartivoes publicas.<br />
Quanto it audiencia, e necessario reconhecer -se primeiramente que se<br />
trata <strong>de</strong> urn fator <strong>de</strong>terminante nas interavoes discursivas que sao levadas a efeito<br />
nos setores da administravao publica e privada, pois ela legitima e reproduz as<br />
relavoes <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que se <strong>de</strong>senrolam na dinamica administrativa nas repartivoes<br />
publicas e nas empresas. Com efeito, os otlcios sao formas <strong>de</strong> comunicavao entre<br />
instituivoes juridicamente constituidas e, como tal, sao revestidos <strong>de</strong> urn status<br />
politico-social conferido pelos po<strong>de</strong>res constituidos, sendo, portanto, aceitos e<br />
reconhecidos pelas proprias comunida<strong>de</strong>s em que se inserem e a quem preten<strong>de</strong>m<br />
servir. As relavoes entre os interactantes do processo discursivo sao, portanto,<br />
juridico-institucionais por excelencia. Por isso, os offcios sao sempre escritos em<br />
papel timbrado, sao numerados e com copias <strong>de</strong>stinadas a arquiv0 40 . Desse modo, as<br />
pessoas fisicas, mesmo se dirigindo a uma instituivao publica (e tambem a uma<br />
empresa ou organizavao particular) nao utilizam (ou pelo rnenos nao <strong>de</strong>vern utilizar)<br />
oficios, e sirn cartas comerciais, que tern seu uso aberto a todos os cidadaos, assirn<br />
tenharn urn nivel <strong>de</strong> letramento suficiente para <strong>de</strong>las tirar proveito em varios tipos <strong>de</strong><br />
interavao e <strong>de</strong> situavoes da vida numa socieda<strong>de</strong> civil organizada.<br />
Ainda com relavao it audiencia, e tarnbem com base em Gill & Whedbee<br />
(1997:167), leve-se em conta a distinvao que <strong>de</strong>ve ser feita entre a audiencia real (0<br />
40 Mesmo com 0 uso cada vez mais disseminado do computador nas esferas administrativas, essa pratica<br />
continua., como foi constatado nas instituic;oes em que foram coletados os exemplares <strong>de</strong> oficio do corpus
interlocutor enquanto pessoa fisica) e a audiencia implicada (0 interlocutor enquanto<br />
produto <strong>de</strong> fonnayoes imagim\rias )41, sendo esta ultima uma es:¢cie <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alizayao<br />
da audiencia, pois ela e instanciada pelo texto-genero, e existe <strong>de</strong>ntm do mundo<br />
simb6lico que permeia 0 intercurso comunicativo em que se da a correspon<strong>de</strong>ncia<br />
oficial e empresariaL No caso da interayao mediada pelo oficio e <strong>de</strong>mais generos da<br />
ativida<strong>de</strong> administrativa, 0 que se tem, obviamente, e uma audiencia implicada, ja<br />
que a correspon<strong>de</strong>ncia oficial e empresarial nao se da simplesmente entre locutores e<br />
alocutarios, como pessoas portadoras apenas <strong>de</strong> suas subjetivida<strong>de</strong>s, mas entre<br />
enunciadores/enunciatiirios, pois eles sao i<strong>de</strong>alizados como portadores <strong>de</strong> outras<br />
vozes - as vozes institucionais: as instituiyoes falam pelas bocas dos seus<br />
representantes oficiais.<br />
No estudo do contexto das interayoes sociais, 0 genero e urn componente<br />
essencial, pois as intenyoes comunicativas manifestadas responsivamente diante das<br />
intImeras situayoes da vida se dao, como se sabe, atraves dos generos discursivos,<br />
que sao formas <strong>de</strong> ayao social historicamente convencionalizadas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminada cultura. Diante disso, falando especificamente, com reIayao ao caso da<br />
correspon<strong>de</strong>ncia oficial e empresarial, cabe ao escrevente a escolha a<strong>de</strong>quada do<br />
genero it situayao, como ja assinalava Bakhtin:<br />
"Ha toda uma garna dos generos mais difundidos na vida cotidiana que apresenta<br />
formas mo padronizadas que 0 querer-dizer individual do locutor quase que so po<strong>de</strong><br />
manifestar-se na escolha do genero, cuja expressivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entonayao nao <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />
inf1uir na escolha. (...) A diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses generos <strong>de</strong>ve-se ao fato <strong>de</strong> e1es<br />
variarem conforme as circunstiincias, a posiyao social e 0 re1acionamento pessoal<br />
dos parceiros." (Bakhtin, 1953/1997:<strong>30</strong>2)<br />
utilizado neste trabalho. Espeeificamente quanto ao arquivamento, entretanto, e possivel que, em alguns<br />
escrit6rios, ja se esteja utilizando os meios eletronicos, substituindo as conhecidas pastas classificadoras.<br />
41 Maingueneau, D. (1976) Initiation aux metho<strong>de</strong>s <strong>de</strong> I 'analyse du discours. Paris, Hachette. p.l44
A escolha pelo genero oficio para as situayoes apresentadas nos<br />
exemplares analisados neste trabalho pareceu bem a<strong>de</strong>quada, salvo uma ou outra<br />
pequena discrepancia neste sentido, mas nada que comprometa a compreensao das<br />
intenyoes comunicativas veiculadas. Afinal, os generos <strong>de</strong>vem ser vistos como<br />
mo<strong>de</strong>los, mas nao sao "camisas <strong>de</strong> foWa": eles admitem adaptayoes e ate mesmo<br />
uma certa reestruturayao criativa, sem per<strong>de</strong>r, contudo, a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Alias,<br />
convem lembrar -se aqui que os generos sao instancias em que as toryas <strong>de</strong><br />
conservayao e <strong>de</strong> dispersao se mantem num verda<strong>de</strong>iro "equilibrio instavel".<br />
No que respeita a credibilida<strong>de</strong> do orador/locutor na analise do contexto<br />
emmciativo dos oficios, ha <strong>de</strong> se reconhecer a sua relevancia, na medida em que 0<br />
lugar social do locutor precisa ser reconhecido como uma posiyao <strong>de</strong> prestigio e <strong>de</strong><br />
representativida<strong>de</strong> institucional que the confere autorida<strong>de</strong> e po<strong>de</strong>res para<br />
reivindicar ou pleitear ayoes e atitu<strong>de</strong>s dos seus interlocutores. Ja foi dito que nao e<br />
apropriado as pessoas fisicas emitirem oficios. Isso se explica pelo fato <strong>de</strong> elas nao<br />
serem investidas <strong>de</strong>sse po<strong>de</strong>r institucional. Alem disso, convem lembrar que 0 uso<br />
do discurso no contexto administrativo, principalmente nas repartiyoes publicas,<br />
<strong>de</strong>ve refletir a imagem <strong>de</strong> "controle", "hierarquia", "serieda<strong>de</strong>" e "zelo" para com a<br />
coisa publica, imagem essa que as instituiy5es govemamentais (e por extensao as<br />
empresas privadas) sempre tentaram construir historicamente. Nao e a toa que<br />
presidir, dirigir ou coor<strong>de</strong>nar urn orgao publico ou qualquer outra corporayao <strong>de</strong><br />
renome e urn cargo ta~ disputado: essas posiyoes realmente conferem po<strong>de</strong>r e<br />
prestigio a quem os ocupa, diante nao so dos subordinados, como tambem em<br />
relayao a comunida<strong>de</strong> e as outras instituiyoes. Dir-se-a, portanto, que 0 espayO<br />
institucional da organizayao administrativa sempre tern sido por excelencia 0 espayO<br />
<strong>de</strong> uma bem explicita or<strong>de</strong>m do discurso, no sentido foucaultiano. Desse modo, ha<br />
restri~oes sobre 0 que se po<strong>de</strong> falar, quem <strong>de</strong>ve falar e para quem e como se <strong>de</strong>ve<br />
falar, etc. No caso das institui~oes <strong>de</strong> on<strong>de</strong> provieram os exemplares constantes do<br />
corpus em estudo, verifica-se exatamente uma or<strong>de</strong>m hierarquica em que os contatos
com outras instituivoes s6 po<strong>de</strong>m ser legitimados se passarem pelo crivo da diretoria<br />
do 6rgao, cujo responsavel maior assina os oficios e, assim, controla todas as ayoes<br />
interinstitucionais, ja que a pessoa que assume tal cargo esta investida <strong>de</strong> toda a<br />
autorida<strong>de</strong> para representar e falar em nome da instituiyao.<br />
Ainda com relayao ao orador/locutor, a analise enunciativa baseada na<br />
critica ret6rica preconiza outros construtos. Da mesma forma que se distingue a<br />
audiencia real da audiencia da audiencia implicada, distingue-se tambem 0 locutor e<br />
a persona criada no texto ret6rico (Trail, 2000: 1<strong>30</strong>). Assim, a persona retorica que<br />
emerge dos oficios e sempre portadora da voz institucional, <strong>de</strong>fensora dos interesses<br />
da organizuyao e sempre coerente e comprometida com a filosofia politica<br />
govemamental. Nao se <strong>de</strong>ve esquecer que os brayos <strong>de</strong>sse pensamento dominante<br />
em que se ap6iam as elites e os quadros hegemonicos nacionais chegam as<br />
repartiyoes pilblicas e as gran<strong>de</strong>s corporayoes privadas, cujos quadros <strong>de</strong> dirigentes<br />
<strong>de</strong> todos os escaloes rezam pela mesma cartilha i<strong>de</strong>ol6gica que sustenta a or<strong>de</strong>m<br />
politico-institucional vigente em toda a comunida<strong>de</strong> nacional.<br />
Afora 0 exposto, atente-se tambem para as relayoes <strong>de</strong> forya que se<br />
estabelecem entre as instituiyoes ao interagirem por meio <strong>de</strong> oflcios. No corpus<br />
estudado, com exemplares autenticos, verificou-se que algumas institukoes<br />
privadas, que po<strong>de</strong>riam, ao se dirigirem as instituiyoes pilblicas estatais, utilizar a<br />
carta comercial, terminam utilizando 0 oficio, que e mais ao gosto da burocracia<br />
estatal. Isto po<strong>de</strong> ser visto como uma sutil evi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> submissao a uma virtual e<br />
conservadora hierarquia que subjaz as relayoes institucionais no Brasil.<br />
o oficio e uma varieda<strong>de</strong> do complexo genero cartas. Portanto, para estudar<br />
a organizayao ret6rica do oficio, convem partir-se da carta enquanto "unida<strong>de</strong><br />
funcional da lingua, empregada em situayoes caracteristicas - ausencia <strong>de</strong> contato
imediato entre emissor e receptor" (Pare<strong>de</strong>s Silva, 1997:119). Assim, <strong>de</strong>ve-se levar<br />
em conta que a carta e, antes <strong>de</strong> tudo, uma forma <strong>de</strong> comunica~ao interpessoal.<br />
Neste sentido, retoricamente, ela preserva algumas das caracteristicas interativas da<br />
conversa~ao. Atlnal, uma carta e uma conversa entre pessoas que estao distantes<br />
fisicamente.No entanto, ha <strong>de</strong> se distinguir os varios tipos <strong>de</strong> carta, consi<strong>de</strong>rando-se<br />
os campos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s em que sao usadas e os tipos <strong>de</strong> relacionamento existentes<br />
entre os interlocutores. Desse modo, existem as cartas pessoais, as cartas<br />
profissionais, que servem a inumeros prop6sitos, e outros tipos <strong>de</strong> carta utilizadas<br />
nas esferas publicas e privadas do mundo do trabalho, que tambem veiculam uma<br />
gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> inten~oescomunicativas.<br />
Diante <strong>de</strong>ssa imensa diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prop6sitos a que se prestam, conclui-se<br />
que as cartas sao g~neros que admitem uma acentuada heterogeneida<strong>de</strong> nos<br />
elementos que contlguram as suas organiza~oes ret6ricas, ja que 0 prop6sito<br />
comunicativo e refletido na estrutura discursiva do g~nero. Enquanto nas cartas<br />
pessoais po<strong>de</strong>-se verificar 0 uso <strong>de</strong> estrategias que asseguram proximida<strong>de</strong>,<br />
afetivida<strong>de</strong> e envolvimento, estreitando as rela~oes interpessoais~ nas cartas<br />
profissionais os escreventes utilizam estrategias que pnonzam mms a<br />
informativida<strong>de</strong> (Biber, 1988:133). Nas cartas comerciais e oficiais, aMm <strong>de</strong> se<br />
verificar uma ~nfasena informativida<strong>de</strong>,<strong>de</strong>ve-se atentar tambem, e principalmente,<br />
para os atos <strong>de</strong> fala expressivos e diretivos, por meio dos quais 0 falante tenta<br />
influenciar 0 comportamento do interlocutor, geralmente utilizando estrategias<br />
argumentativas baseadas em elementos que dao legitimida<strong>de</strong> a esses atos <strong>de</strong> fala.<br />
Nesse caso, as rela~oes interpessoais sao mantidas formalmente, e recebem urn<br />
tratamento <strong>de</strong> suposta neutralida<strong>de</strong>,em favor <strong>de</strong> uma recomendadaobjetivida<strong>de</strong>.
Foi visto, na abordagern <strong>de</strong> genero <strong>de</strong>fendida por Swales (1990) e tarnbern<br />
por Bhatia (1993), que 0 tra~o distintivo rnais irnportante <strong>de</strong> urn genero e 0 seu<br />
prop6sito comunicativo, que e reconhecido, aceito e compartilhado pelos membros<br />
da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso em que 0 genero se insere. Segundo Swales, aMm do<br />
prop6sito, os exemplares <strong>de</strong> urn genero exibem varios padroes <strong>de</strong> semelhan~a em<br />
termos <strong>de</strong> estrutura, estilo, conteiido e audiencia pretendida.<br />
Como ja foi posto anteriormente,<br />
oflcio e urn tipo <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>ncia<br />
oficial que se presta a varios prop6sitos cornunicativos, os quais esUlo geralmente<br />
circunscritos a a~oes corriqueiras na adrninistra~ao publica, visando a cornunica~ao<br />
e ao interdirnbio entre institui~es<br />
public as e tambem entre estas e as institui~oes<br />
privadas. (No corpus estudado, foi observado tambem a emissao <strong>de</strong> oflcios por<br />
institui~oes privadas para institui~oes piiblicas, bem como a emissao <strong>de</strong> oflcios <strong>de</strong><br />
urn 6rgao para outro <strong>de</strong>ntro da mesma institui~ao). Obviamente, a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
prop6sitos confere urna certa heterogeneida<strong>de</strong> aos oflcios, mas, ainda assim, 0<br />
carater institucional das audiencias, 0 formato, a formalida<strong>de</strong> da linguagem, 0<br />
tratamento ret6rico, a estrutura textual-discursiva e as expressoes formulaicas<br />
resguardam a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como genero exclusivo da burocracia administrativa.<br />
No corpus disponivel, composto <strong>de</strong> exernplares colhidos aleatoriamente, <strong>de</strong>ntre os<br />
56 exemplares <strong>de</strong> oflcios analisados, os prop6sitos comunicativos se distribuem da<br />
seguinte forma:<br />
• solicitar algum prestimo, que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> uma informa~ao, um documento, ate 0<br />
emprestimo <strong>de</strong> equipamento ou a libera~ao <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia fisica da<br />
institui~ao (24 exemplares);<br />
• encaminhar documentos para informa~ao, aprecia~ao ou divulga~ao (08<br />
exemplares);<br />
• convidar para participar <strong>de</strong> eventos como seminarios, encontros, etc. (08<br />
exemplares);
• dar informayoes (comunicar, prestar esclarecimentos) sobre eventos, sobre<br />
liberayoes, solicitayoes e consultas feitas, sobre a tramitay<strong>30</strong> necessaria, sobre<br />
rec1amayoes feitas, etc. (08 exemplares);<br />
• encaminhar servidores para esmgios e cursos (02 exemplares);<br />
• colocar a instituiy<strong>30</strong> a disposiy<strong>30</strong> para sediar evento (01 exemplar)<br />
• oferecer serviyos <strong>de</strong> representay<strong>30</strong> (01 exemplar)<br />
• notificar juridicamente 0 diretor da instituiy<strong>30</strong> a prestar esc1arecimento sobre<br />
processo (01 exemplar) e<br />
• prestar solidarieda<strong>de</strong> a instituiy<strong>30</strong> diante <strong>de</strong> <strong>de</strong>nimcia infundada ao MEC (01<br />
exemplar).<br />
Na sua rnaioria, os prop6sitos cornunicativos dos oficios estudados sao<br />
expressos em movimentos ret6ricos claros, lingiiisticamente marcados <strong>de</strong> forma<br />
explfcita, por meio <strong>de</strong> verbos perfonnativos, indicando atos <strong>de</strong> fala diretos:<br />
"... solicitamos vossa autorizay3o para a apresentay<strong>30</strong> do Coral da ETFAL ..."<br />
(ORET38)<br />
"... solicito <strong>de</strong> V.S a , mais uma vez, a permiss<strong>30</strong> para a utilizay<strong>30</strong> das<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncias daETFAL ..." (ORET20)<br />
"'Encaminhamos 01 (uma) via do Termo <strong>de</strong> Convenio <strong>de</strong> Estagio <strong>de</strong><br />
Comp1ementay3o ..." (ORET 24)<br />
"Encaminho a V.s a c6pia do <strong>de</strong>spacho nO OlO/99-DLF ..." (ORET 15)<br />
"Comunicamos a V.S a a liberay<strong>30</strong> do audit6rio <strong>de</strong>sta Escola ..." (OEET 6)<br />
"Informamos que se faz necessaria a presenya do responsavel..." (ORET 6)<br />
".•• convidamos V.S a para participar da reuniao do Pleno <strong>de</strong>ste Programa <strong>de</strong><br />
P6s-Graduayao ..." (ORLe 2)<br />
"Agra<strong>de</strong>cemos-lhe a gentileza do convite formulado para ...." (OEET 5)<br />
"Em atendimento ao OF/701l98-GD-ETFAL, <strong>de</strong> 09 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998,<br />
informamos que todo e qualquer trabalhador ..." (ORET 32)<br />
Os prop6sitos comunicativos vem tambem expressos por atos fala <strong>de</strong><br />
diretos atraves <strong>de</strong> verbos performativos expressos ern locu~oes verbais:
"Estamos encaminhando a V.S a 04 (quatro) vias do Segundo Tenno Aditivo<br />
do Convcnio ..." (ORET ll)<br />
"... estamos remetendo as ca<strong>de</strong>metas provis6rias das disciplinas <strong>de</strong>ste<br />
Departamento." (ORLC 1)<br />
"... vimos solicitar 0 seu empenho no sentido <strong>de</strong> evitar que ocorram<br />
<strong>de</strong>missoes ..." (OEET 4)<br />
"Estamos apresentando a V. Maga. 0 professor James Sidney Freitas ..." (OEET<br />
2)<br />
"Finalmente, cum pre-nos informar que ha urn programa especifico dirigido a<br />
... " (OEETS)<br />
"Vimos, por meio <strong>de</strong>ste, mui respeitosamente,<br />
uma Oficina ..." (ORET 8)<br />
convocar V.S a a participar <strong>de</strong><br />
Esses prop6sitos tambem silo expressos atraves <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> fala indiretos,<br />
iniciados por verbos modalizados e, as vezes, entremeados <strong>de</strong> f6nnulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z,<br />
tais como:<br />
"Gostaria <strong>de</strong> contar mais urna vez com a atenyao <strong>de</strong> V.S a no sentido <strong>de</strong> autorizar<br />
a utilizayao da Sala ..." (ORET 9) (pedir autoriza¢o)<br />
"Queira, ainda, por obsequio, remeter correspondcncia similar a outras <strong>de</strong>z<br />
autorida<strong>de</strong>s ..." (ORET 17) (pedir a remessa <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>ncia)<br />
"Gostariamos <strong>de</strong> que as providcncias fossem tomadas no sentido <strong>de</strong> agilizannos a<br />
digitayao ..." (OELC 3) (pedir provi<strong>de</strong>ncias)<br />
"Dirigimo-nos a V.S a para solicitar-lhe a gentileza <strong>de</strong> verificar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
nos conce<strong>de</strong>r urna doayao <strong>de</strong> R$ 2.000,00.(ou prcmios equivalentes) ..." (OEET<br />
3) (solicitar ajuda financeira ou em premios)<br />
":8 com prazer que nos dirigimos a V.S a para informa-lo <strong>de</strong> que ..." (ORET 25)<br />
(Informar)<br />
dirigimo-nos a V.Exa. para prestar-lhe as infonna90es referentes ao ..." (OEET<br />
«' ...<br />
7) (informar)
"Formulo a Vossa Senhoria meus cumprimentos e venho convida-Io, em nome<br />
do Senhor Luiz Carlos Bresser Pereira, Ministro da Administra~aoe Reforma<br />
do Estado a participar do Seminario..." (ORET 1) (convidar)<br />
"Encaminhamos 0 presente Convite a fim <strong>de</strong> contarmos com vossa importante<br />
participa~aono evento por nos organizado ..." (ORET <strong>30</strong>) (convidar)<br />
"Gostariamos <strong>de</strong> convida-Io(s) a participar do VII Encontro ..." (ORET 13)<br />
(Convidar)<br />
"Temos a satisfayao <strong>de</strong> apresentar a universitaria Flavia Brito <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros ..."<br />
(ORET 7) (apresentar uma pessoa)<br />
"... colocamosesta Instituiyao<strong>de</strong> Ensino como mna das ETFs que preten<strong>de</strong> sediar<br />
o proximo "Encontro <strong>de</strong> Professores <strong>de</strong> Educayao Fisica ..." (OEET 9)<br />
disponibilizar a Escola para sediar encontro)<br />
"Servimo-nos <strong>de</strong>ste, para solicitarmos a V.S 3 , se existe interesse <strong>de</strong>sta institui~ao<br />
em prover os classificados no cargo <strong>de</strong> Assessor Juridico..." CORET 29) (Perguntar<br />
se 11(1 interesse em prover cargos ...)<br />
A novao <strong>de</strong> movimento ret6rico aqui utilizada relaciona-se ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
analise <strong>de</strong> genero preconizada por Swales (1990), conhecida como move analysis.<br />
Conforme esse mo<strong>de</strong>lo, "move e urn bloco <strong>de</strong> informa9ao do texto que contem urn<br />
proposito comunicativo particular menor e que serve a urn proposito comunicativo<br />
maior do genero" (Araujo, 1999:27). Nesse sentido, a forma como 0 move e aqui<br />
concebido <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> necessariamente do fato <strong>de</strong> haver no genero urn proposito<br />
comtmicativo hierarquicamente superior que se consolida por meio <strong>de</strong> propositos<br />
hierarquicamente inferiores; os segundos funcionando retoricamente como<br />
argumentos, "apoios" ou "esteios" para 0 primeiro. Araujo (1996:7) acrescenta que<br />
urn move, ou seja, essa unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informa9ao que realiza urn proposito<br />
comunicativo do escrevente numa dada porvao do discurso, po<strong>de</strong> vir expresso numa<br />
senten9a, num paragrafo e ate em mais <strong>de</strong> urn paragrafo. Esses movimentos ou<br />
lances retoricos, por sua vez, utilizam estrategias (steps no dizer <strong>de</strong> Swales), que<br />
ajudam a construir a re<strong>de</strong> argumentativa no nivel mais proximo ao micronivel.
Sabe-se, entretanto, que as maneiras como os prop6sitos comunicativos se<br />
estruturam retoricamente e a forma como se manifestam lingiiisticamente diferem <strong>de</strong><br />
genero para genero, e, igualmente importante, sabe-se que os generos diferem<br />
tambem em termos <strong>de</strong> restric;oes culturais. Essas consi<strong>de</strong>rac;oes levaram Bhatia<br />
(1993:32) a admitir que esse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> amllise <strong>de</strong> Swales po<strong>de</strong> nao ser totalmente<br />
aplicavel a todos os generos. Ha <strong>de</strong> se ter, portanto, os <strong>de</strong>vidos cuidados, ate porque<br />
o rno<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> analise <strong>de</strong> genero baseada nos charnados moves tern sido aplicado a<br />
generos aca<strong>de</strong>micos bem formatados (abstracts, artigos <strong>de</strong> pesquisa, resenhas<br />
aca<strong>de</strong>micas, etc.) '"on<strong>de</strong> as convenc;oes sao estabelecidas e os padroes sao<br />
observados rigorosamente pelos cientistas e outros aca<strong>de</strong>rnicos em varias<br />
disciplinas" (Bhatia, 1993:37). Com efeito, 0 interesse em se <strong>de</strong>screverern as<br />
regularida<strong>de</strong>s dos generos aca<strong>de</strong>rnicos se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> que a maioria dos<br />
membros das comunida<strong>de</strong>s cientfficas buscarn 0 reconhecimento intemacional<br />
utilizando a lingua inglesa como lingua franca da ciencia. Dai a enfase que vem<br />
sendo dada a esses generos pela vertente instrumental do ensino do ingles -<br />
ESP/EAP (English for Specific/Aca<strong>de</strong>mic Purposes).<br />
Mas a analise <strong>de</strong> generos profissionais nao-aca<strong>de</strong>micos Uuridicos,<br />
administrativos, comerciais, governamentais, etc.) e rnais problernatica, pois esses<br />
generos costumam sofrer restric;oes socioculturais muito peculiares. E fato que ja se<br />
registrarn irnportantes contribuic;oes na analise <strong>de</strong> alguns generos profissionais naoaca<strong>de</strong>micos,<br />
por exernplo, a carta <strong>de</strong> promoc;lio <strong>de</strong> vendas e a carta <strong>de</strong> pedido <strong>de</strong><br />
emprego (Bhatia, 1993), em que 0 mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> analise <strong>de</strong> movimentos e aplicado <strong>de</strong><br />
maneira satisfat6ria, exatamente por terem cada urn <strong>de</strong>sses generos prop6sitos<br />
comunicativos bern especfficos e por serem as relac;oes no mundo do trabalho ja urn<br />
tanto' globalizadas' , nao diferindo rnuito, portanto, <strong>de</strong> pais para pais.
Diferentemente dos generos malS especificos, 0 oficio, como se disse,<br />
presta-se a varios prop6sitos. Entretanto, vale frisar que esses prop6sitos, apesar <strong>de</strong><br />
variados, sao perfeitamente factiveis <strong>de</strong>ntro da cultura vigente nas ativida<strong>de</strong>s<br />
administrativas e burocraticas, ou seja, <strong>de</strong>ntro da esfera <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> em que os<br />
oficios circulam. Alem do mais, esses prop6sitos sao, em sua maioria, recorrentes,<br />
aceitos e compartilhados pelos seus usuarios, isto e, por aqueles que fazem parte da<br />
comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso em que esse genero se insere. No corpus disponivel, <strong>de</strong> 56<br />
exemplares, foram selecionados aqueles tinham prop6sitos comunicativos mais<br />
recorrentes, totalizando 48 exemplares. Os outros 8 exemplares restantes foram<br />
<strong>de</strong>sprezados, por apresentarem recorrencia <strong>de</strong> prop6sitos muito baixa. Veja-se, no<br />
Quadro 1, a distribui~ao dos exemplares consi<strong>de</strong>rando-se os prop6sitos mais<br />
freqiientes.<br />
Quadro 1 - Prop6sitos comunicativos mais freqGentes nos oficios<br />
no corpus disponivel <strong>de</strong> 48 exemplares<br />
Quant<strong>de</strong><br />
Exemplares<br />
• Solicitar prestimos, informayoes, autorizayao<br />
pI utilizar <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncias da instituiyao, etc.<br />
• Encaminhar documentos para informayao,<br />
apreciayao ou divulgayao<br />
• Convidar para eventos, encontros, reuni5es,<br />
etc.<br />
• Oar informayoes, prestar esclarecimentos<br />
sobre liberayoes, reclamayoes feitas, etc.<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do 111to<strong>de</strong> urn genero se prestar a apenas urn ou a varios<br />
prop6sitos comunicativos, a no~ao <strong>de</strong> move ou movimento retorico parece ser<br />
extremamente interessante e util, principalmente se se levar em consi<strong>de</strong>ra~o que<br />
essa unida<strong>de</strong> serve para veicular os prop6sitos comunicativos do falante/escrevente,
e que e a chave para se analisar a estrutura ret6rica do genero e, assim, chegar-se a<br />
evi<strong>de</strong>ncias <strong>de</strong> sua recorrencia.<br />
Urn dos objetivos <strong>de</strong>ste trabalho e observar como esses movimentos se<br />
realizam nos exemplares <strong>de</strong> oficio ana1isados, para se <strong>de</strong>tectar a organizayao ret6rica<br />
e verificar se M alguma regularida<strong>de</strong> apesar da heterogeneida<strong>de</strong> inerente aos<br />
exemplares enquanto textos e enquanto especificida<strong>de</strong>s enunciativas. Os exemplares<br />
foram primeiramente agrupados conforme os prop6sitos comunicativos semelhantes,<br />
para entao se proce<strong>de</strong>r a analise dos movimentos discursivos. 0 primeiro grupo <strong>de</strong><br />
exemplares analisados foi 0 dos oficios que visam fazer solicita~oes,ja que e 0 tipo<br />
<strong>de</strong> oficio <strong>de</strong> maior frequencia no corpus (24 exemplares = 50%). Veja-se abaixo,<br />
urn exemplar tipico <strong>de</strong>sse grupo.<br />
SERVI
5.5 0 Ofleio <strong>de</strong> Solieitariio - i<strong>de</strong>ntifica(:ao da organiza(:ao dos movimentos<br />
ret6ricos<br />
Ao efetuar-se 0 estudo dos movimentos retoricos presentes nos 24<br />
exemplares <strong>de</strong> oflcios <strong>de</strong> solicitafao do corpus em estudo, a primeira coisa que<br />
saltou aos olhos foi a fIexibilida<strong>de</strong> dos elementos <strong>de</strong> sua organizayao. Assim, por<br />
exemplo, 0 movimento mais importante - solieitaT(ou equivalente) -, po<strong>de</strong> aparecer<br />
logo no inicio do panigrafo (como no exemplar acima reproduzido, na Figural), no<br />
meio ou no final do panigrafo, como se ve na Figura 2, abaixo:<br />
M:inisteno Publico Fe<strong>de</strong>ral<br />
Procuradoria da Republica no Estado <strong>de</strong> Alagoas<br />
Tendo em vista a realiza~o do 17° Concurso para Procurador da Republica,<br />
cuja prova esta prevista para 0 ilia 02/05/99 e consi<strong>de</strong>rando as 6timas instala\X')es<strong>de</strong>ssa<br />
institui~o <strong>de</strong> ensino, gentilmente cedidas por ocasiao dos concursos anteriores, solicito<br />
<strong>de</strong> V.S", mais uma vez, a permissao para utiliza~o das <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncias da Escola Tecnica<br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> A1agoas, na data supra citada.<br />
Havendo 44 candidatos inscritos, nossa necessida<strong>de</strong> senft <strong>de</strong> 02 salas <strong>de</strong> aula,<br />
mais a sala dos professores com apoio, no horario das 07 as 13 horas.<br />
(Assinatura)<br />
Procurador da Republica<br />
Presi<strong>de</strong>nte da Subcomisslio Estadual<br />
Do 17° CPR<br />
As possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento do movimento principal, ou seja, 0<br />
que indica 0 prop6sito principal (solicitar ou equivalente), tambem ocorre em
diferentes posi~oes ao longo do texto: ele po<strong>de</strong> aparecer nos panigrafos iniciais<br />
(Figural), nos panigrafos do meio ou nos paragrafos finais do texto, como se<br />
veritica no exemplar abaixo (Figura 3):<br />
SERVICO PUBLICO FEDERAL<br />
ESCOLA TECNICA FEDERAL DE ALAGOAS<br />
E sabUlo que hi! uma <strong>de</strong>cisao politica <strong>de</strong> se <strong>de</strong>mitir trinta e tres mil servidores<br />
publicos fe<strong>de</strong>rais.<br />
Preliminarmente, gostariamos <strong>de</strong> ressaltar que, nos ultimos tres ooos, nao nos foi<br />
permitido repor a forya <strong>de</strong> traballio originada por aposentadorias voluntilrias e exonerayOes<br />
incentivadas, muitas <strong>de</strong>las, pelo programa <strong>de</strong> <strong>de</strong>missao voluntaria.<br />
Por outro lado, a Reforma da Educayao Profissional, baseada na lei 9394196,<br />
<strong>de</strong>creto 2208/97, port3ri3 MEC 646197 e <strong>de</strong>creto 2406197, prevendo ampliaylio da oferta<br />
<strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> ensino no Pais, vem ensejar maiores encargos para 3 re<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> educayao<br />
tecnologica e, consi<strong>de</strong>rando-se ainda que hi! um compromisso do govemo, manifestado,<br />
inclusive, pelo Exmo. Sr. Presi<strong>de</strong>nte da Republica, <strong>de</strong> que a educayao <strong>de</strong>ntre outras areas<br />
ni'io sena afetada por essa medida, vimos solicitar 0 seu empenho pessoal no sentido <strong>de</strong><br />
evitar que ocorram <strong>de</strong>missOes em nossas Instituiyoes.<br />
Estando certos do elevado espirito pUblico <strong>de</strong> V. Exa., em especial pela coosa da<br />
Educayiio, contamos mais uma vez com a sua atua9ao em <strong>de</strong>fesa da causa da <strong>de</strong>missao dos<br />
servidores <strong>de</strong>sta Instituiylio.<br />
(.4ssinatura)<br />
Diretor -Geral<br />
Urn dos problemas apontados pelos a<strong>de</strong>ptos <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> analise <strong>de</strong><br />
genero e 0 da <strong>de</strong>limita~ao das fronteiras das unida<strong>de</strong>s generico-textuais visadas.<br />
Assim, para se <strong>de</strong>tectarem os movimentos ret6ricos, as estrategias e outras unida<strong>de</strong>s<br />
pragmaticas e semantico-discursivas, e preciso que se estabele~am criMrios. Neste<br />
trabalho, adota-se a posi~ao proxima a adotada por Araujo (1996), influenciada por<br />
Swales (1990), que privilegia os criMrios <strong>de</strong> conteudo, fun~ao e evi<strong>de</strong>ncias
Iingiiisticas. Neste sentido, para i<strong>de</strong>ntificar os movimentos relativos ao proposito<br />
comunicativo predominante (solicitar) neste tipo <strong>de</strong> oficio, a tarefa e relativamente<br />
facilitada por conta do proprio ato <strong>de</strong> fala expresso atraves <strong>de</strong> verbos perfomativos,<br />
que ja possuem urn carater pragmatico claro. Os outros prop6sitos que servem <strong>de</strong><br />
apoio ao principal foram <strong>de</strong>tectados levando-se em consi<strong>de</strong>rayao, alem dos criterios<br />
ja postos, os tipos <strong>de</strong> discurso ou sequencias textuais 42 dominantes neste genero - a<br />
exposiyao e a argumentayao. Convem ter-se em mente que 0 elemento retorico da<br />
persuasao, do convencimento, e uma constante no discurso da correspon<strong>de</strong>ncia nas<br />
esferas profissionais da administrayao publica e privada.<br />
Retomando a questao da organizayao retorica dos exemplares <strong>de</strong> ofkio<br />
analisados, ha <strong>de</strong> se frisar, primeiramente, que, diferentemente dos generos<br />
fonnatados, em que os movimentos discursivos san observados rigidamente, os<br />
oficios <strong>de</strong> solicitayao apresentam, por assim dizer, diferentes '"esquemas" <strong>de</strong><br />
organizayao retorica, <strong>de</strong>ntro, obviamente, das restrivoes postas pelos conteudos,<br />
pelas audiencias, e pelos propositos comunicativos. Dir-se-ia que 0 genero em<br />
questao apresenta uma diversida<strong>de</strong> que parece inerente a sua natureza interativa<br />
proxima a da conversayao que, apesar <strong>de</strong> formal e bem contida, naturalmente, e<br />
passivel <strong>de</strong> ser organizada <strong>de</strong> varias maneiras. Por conseguinte, a sequencia dos<br />
movimentos ret6ricos nos oficios aparece <strong>de</strong> formas variadas.<br />
Isto posto, sera <strong>de</strong> born alvitre a exposiyao dos diferentes "esquemas" <strong>de</strong><br />
estruturayao rerorica com que os exemplares <strong>de</strong> ofkio <strong>de</strong> solicitayao se apresentam.<br />
Esses esquemas, portanto, apresentam as sequencias dos movimentos retoricos (Ml,<br />
M2, M3, etc.) representando os prop6sitos comunicativos (o dominante - faz a<br />
solicitayao - e o(s) que the serve(m) <strong>de</strong> base argumentativa). Assim, os esquemas<br />
san <strong>de</strong>scritos conservando-se as or<strong>de</strong>ns ou sequencias com que os movimentos
et6ricos indicativos dos prop6sitos aparecem, partindo dos esquemas mais simples<br />
aos mais complexos, como se ve no Quadro 2.<br />
N°DE<br />
ESQUEMA DESCRI
11 solicita~o.<br />
M2 - Faz a solicitayao. 1 ORET5<br />
M3 - Exp5e a finalida<strong>de</strong> da solici~.<br />
M4 - Conclui com formula <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z.<br />
12 Ml - Apresenta cre<strong>de</strong>nciais como forma <strong>de</strong> justificativa para a<br />
solicitayao. 1 ORET36<br />
M2 - Faz a solicitayao.<br />
M3 - Exp5e a finalida<strong>de</strong> da solicitayao.<br />
M4 - Conclui com formula <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z.<br />
13 Ml - Informa sobre pretensOes como forma <strong>de</strong> justificativa pam<br />
a solicita~o.<br />
JY12- Exp5e a finalida<strong>de</strong> da solicit~o.<br />
I<br />
1 ORET38<br />
M3 - Faz a solicitayao.<br />
M4 - Conclui com formulas <strong>de</strong> poh<strong>de</strong>z.<br />
I<br />
I<br />
Ml - Faz a solicitayao.<br />
14 M2 - Expoe a finahda<strong>de</strong> da sohcitayao. 2 ORET9<br />
M3 - Da informayoes pertinentes i sohcita~o.<br />
ORET4<br />
M4 - Conclui com formula <strong>de</strong> poh<strong>de</strong>z<br />
15 Ml - Apresenta cre<strong>de</strong>nciais<br />
M2 - Infurma sobre as necessida<strong>de</strong>s como justificativa pam a<br />
solicitayao.<br />
1 ORLC3<br />
M3 - Defen<strong>de</strong> a importaneia do pleito.<br />
M4 - Faz a solieitayao.<br />
16 Ml - Exp5e a situ~o/problema que motivou a solicita~o<br />
M2 - Justifiea a solicita~o. 1 ORETlO<br />
M3 - Faz a sohcitayilo.<br />
M4 - Conclui com formulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z.<br />
17 Ml - Apresenta documento.<br />
M2 - Comenta sobre 0 documento.<br />
M3 - na informayoes relevantes como justificativa.<br />
1 ORET33<br />
M4 - Faz a solieitayao.<br />
M5 - Conclui com formulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z.<br />
18 Ml - Informa sobre pretensOes eomo justificativa para<br />
a solicitayao.<br />
M2 - Convida a institui~o a colaborar.<br />
M3 - Faz a solicitayao.<br />
1 ORET26<br />
M4 - Expoe a finalida<strong>de</strong> da solicitayao.<br />
M5 - Conclui com formula <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z.<br />
I
Como se po<strong>de</strong> verificar nos dados aClma, os esquemas apresentam<br />
sequencia dos movimentos <strong>de</strong> forma variada; noutras palavras, nao ha evi<strong>de</strong>ncias da<br />
existencia <strong>de</strong> uma forma padronizada <strong>de</strong> organiza9ao das estruturas discursivas que<br />
realizam os movimentos ret6ricos nos oficios <strong>de</strong> solicita9ao. Mas em todos eles<br />
observa-se a presen9a do movimento ret6rico que expressa 0 prop6sito dominante -<br />
solicitar -, que e urn dos elementos essenciais para conferir aos exemplares a sua<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> generica <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso em que circulam. Importante<br />
notar-se tambem que, apesar da flexibilida<strong>de</strong> dos movimentos, verifica-se uma certa<br />
recorrencia <strong>de</strong> outros movimentos. Veja-se 0 Quadro 3:<br />
Quadro 3 - Recorrencia dos Movimentos nos Oficios <strong>de</strong> Solicitagao, consi<strong>de</strong>rando-se<br />
o universo <strong>de</strong> 24 exemplares.<br />
a<br />
MOVIMENTOS<br />
RETORICOS RECORRENTES<br />
N°DE<br />
%<br />
OCOR-<br />
RENCIA<br />
• Faz a sollcimyao. 24 100<br />
• Justifica explicitamente ou justifica atraves <strong>de</strong> informayoes contendo<br />
motivos, cre<strong>de</strong>nciais, pretensoes, <strong>de</strong>scriyao <strong>de</strong> situay5es/problemas. 11 45,0<br />
• ExpOe a finalida<strong>de</strong> do prestimo solicitado. 10 41,6<br />
• Conclui com formulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z. 8 33,3<br />
Se se consi<strong>de</strong>rar que '~justificar a solicita9ao" e "expor a finalida<strong>de</strong> da<br />
solicita9ao" saD atos que semanticamente estao muito relacionados, e ret6rica e<br />
pragmaticamente bem semelhantes - ambos evi<strong>de</strong>nciam 0 componente ret6rico,<br />
argumentativo e persuasivo <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> intera9ao -, po<strong>de</strong>-se conduir que os<br />
movimentos essenciais do oficio <strong>de</strong> solicita9ao saD solicitar, justificar a solicitat;ao<br />
elou expor a finalida<strong>de</strong> da solicitarao. Conduir com f6rmulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z e urn<br />
movimento opcional, apesar <strong>de</strong> sua expressiva recorrencia nos exemplares do<br />
corpus. Alias, as ultimas normas oficiais ja nao 0 recomendam mais, alegando-se
econornia, irnpessoalida<strong>de</strong>, neutralida<strong>de</strong>, e sirnplificavao da linguagern burocnitica<br />
adrninistrativa.<br />
Varios estudos <strong>de</strong> generos realizados no Brasil que utilizarn 0 rno<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
analise baseado nos rnovirnentos ret6ricos (Mota-Roth, 1995; Araujo, 1996;<br />
Rodrigues, 1998; Bernardino, 2000) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rn que esses rnovirnentos sao as<br />
passagens do discurso que realizam urna funvao cornunicativa especifica e que,<br />
juntos a outros movimentos, <strong>de</strong>terminam a estrutura informacional global que <strong>de</strong>ve<br />
estar presente no texto para permitir que ele s~ja reconhecido pela comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
discurso como urn exemplar autentico <strong>de</strong> urn <strong>de</strong>terminado genero. Reconhece-se<br />
ainda que esses movirnentos cornportarn unida<strong>de</strong>s menores, caracterizadas como<br />
atos ret6ricos ou Mtkos empregados pelos escreventes a fim <strong>de</strong> atingir 0 objetivo do<br />
movimento (Bhatia, 1993). Assim, Araujo (1996:53) afirma que urn movimento<br />
"contem uma sene <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s funcionais menores" que ela chama <strong>de</strong> estrategias.<br />
Diferindo urn pouco da posiva.o aCllna exposta, neste trabalho,<br />
consi<strong>de</strong>rando-se a natureza do genero em estudo, cujos rnovimentos apresentam uma<br />
acentuada heterogeneida<strong>de</strong>, embora haja a recorrencia <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>les, assume-se<br />
que as estrategias sao os atos ret6ricos com que 0 escrevente realiza esses<br />
movimentos. Melhor dizendo, as estrategias sao aqui i<strong>de</strong>ntificadas como as escolhas<br />
taticas ou estraiegicas que 0 escrevente faz para realizar <strong>de</strong>terminados movimentos,<br />
que, necessariamente, sao interpretados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> urna or<strong>de</strong>m hierarquica: os<br />
movimentos "menores" servindo <strong>de</strong> suporte para 0 movimento que express a 0<br />
prop6sito dominante.<br />
Nessa linha <strong>de</strong> raciocinio, a estrutura ret6rica do oficio po<strong>de</strong> ser vista<br />
como urn "esquema tatico" com movimentos que funcionam como "lances" para se
uscar e legitimar urn <strong>de</strong>terminado fim, que e 0 prop6sito comunicativo dominante.<br />
Assim, tomando-se como exemplo 0 "esquema" 12 do Quadro 2 (que po<strong>de</strong> ser<br />
melhor apreciado na Figura 4, adiante), verificou-se, na analise, que tal esquema foi<br />
estruturado em 4 movimentos:<br />
MI - Apresenta cre<strong>de</strong>nciais como forma <strong>de</strong> justificar a solicitayao.<br />
M2 - Faz a solicitayao.<br />
M3 - Exp5e a finalida<strong>de</strong> da solicitayao.<br />
M4 - Conclui com formula <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z.<br />
Nesse esquema, tem-se 0 M2 como movimento dominante, e Ml, M3 e<br />
M4 como movimentos hierarquicamente inferiores, mas que servem, por sua vez,<br />
como estrategias argurnentativas para 0 M2, ou seja, para 0 movimento que veicula<br />
o prop6sito comunicativo predominante. Para realizar 0 primeiro movimento -<br />
justificar a solicita~ao -, 0 escrevente utilizou a estrategia ret6rica <strong>de</strong> apresentar as<br />
cre<strong>de</strong>nciais da institui~ao. Diante disso, po<strong>de</strong>-se conduir que, neste trabalho, a i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> estrategia, <strong>de</strong> certa fonna, se confun<strong>de</strong>, ou melhor, esta imbricada, ou se recobre<br />
com a <strong>de</strong> movimento ret6rico. Por isso, doravante, apenas a no~o <strong>de</strong> movimento<br />
sera utilizada.<br />
Alem do exposto, vale consi<strong>de</strong>rar-se tambem 0 carater inerentemente<br />
argumentativo e acentuadamente persuasivo do chamado registro burocrates<br />
presente nos oflcios <strong>de</strong> solicita~ao43. Nesta perspectiva, os movimentos ret6ricos<br />
sao, ao mesmo tempo, estrategias argumentativas legitimadoras do prop6sito<br />
comunicativo predominante que, no caso, e solicitar urn prestimo e, obviamente,<br />
reivindicar 0 seu atendimento, como soe acontecer <strong>de</strong>ntro da praxis correntemente<br />
exercida na rotina da dimimica administrativa. Essa praxis, convem reconhecer-se,<br />
ap6ia-se numa etica baseada na coopera~ao, ou mesmo numa certa "solidarieda<strong>de</strong>"<br />
43 A analise ret6rico-gramatical do corpus, que VITaadiante em capitulo especifico, <strong>de</strong>monstrara melhor essa<br />
e Qutras caracteristicas da linguagem burocratica e suas marcas lingiiisticas.
que, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra, garante 0 continuum das tarefas do dia-a-dia das<br />
reparti~5es e, por extensao, das empresas em geral.<br />
Ja foram apresentadas as realiza~5es lingiiistico-discursivas com que<br />
aparece 0 movimento principal- solicitar - nos exemplares <strong>de</strong> oficios <strong>de</strong> solicita~ao<br />
do corpus disponivel. Tambem foi visto que esse movimento dominante e<br />
caracterizado por atos <strong>de</strong> fala diretos e indiretos e que, pela relativa clareza com que<br />
sao expressos pelos verbos performativos, a tarefa <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntifica~ao e<br />
consi<strong>de</strong>ravelmente facilitada.<br />
Alem do movimento que faz a solicita~ao, presente nos 24 oficios<br />
analisados, os dois movimentos mais recorrentes - justificar a solicitar;iio e expor<br />
ou, seja, informar a finalida<strong>de</strong> da solicitar;iio - sao realizados por meio <strong>de</strong> varios<br />
recursos e <strong>de</strong> diversas realiza~5es lingiiistico-discursivas. No exemplar da Figura 4,<br />
a inser~ao <strong>de</strong>sses movimentos aparece num unico periodo complexo, geralmente<br />
utilizando recursos retorico-gramaticais explicitos, como conectores interfrasais e<br />
operadores discursivos ou argumentativos. Ja no exemplar da Figura 5,0 movimento<br />
da finalida<strong>de</strong> e 0 da justificativa aparecem em paragrafos diferentes. Verifica-se<br />
tambem a utiliza~ao <strong>de</strong> diversas seqiiencias textuais (exposi~ao, relato, etc. - Figura<br />
6) para informar sobre a situa~.ao/problema que motivou a solicita~ao. Esses<br />
recursos, obviamente, colaboram para efetivar a teia argumentativa que sustenta a<br />
natureza persuasiva propria da correspon<strong>de</strong>ncia oficial.<br />
Vale frisar, portanto, que esses dois movimentos - justificar e expor a<br />
finalida<strong>de</strong> da solicitar;ao - tambem nao tern lugar fixo no texto. Ora eles aparecem<br />
<strong>de</strong> forma razoavelmente breve no mesmo paragrafo (Figura 4), ora em paragrafo<br />
separado, como se ve nas Figuras 5, 6 e 7. A justificativa aparece tambem <strong>de</strong> uma<br />
forma mais longa e mais elaborada, utilizando estrategias diversas, alem das<br />
apresenta~5es <strong>de</strong> cre<strong>de</strong>nciais da institui~ao para legitimar 0 pedido, ha informa~5es
sobre a situa~ao/problema que motivam ou justificam a solicita~ao (Figura 6), como<br />
tambem informa~oes sobre inten~oes e ativida<strong>de</strong>s planejadas, como eventos,<br />
promocoes, etc. (Figura 7).<br />
Nas <strong>de</strong>monstra~oes que se seguem, os movimentos acima referidos e<br />
suas estrategias sao i<strong>de</strong>ntificadas e melhor visualizadas. Vejam-se, pois, as Figuras<br />
4, 5,6 e 7, que apresentam os exemplares com seus textos na integra, respeitando-se<br />
inclusive a sua formata~ao, mas recorrendo-se a uma forma diagramada para mostrar<br />
a i<strong>de</strong>ntifica~ao <strong>de</strong> seus movimentos. As partes dos diagramas que aparecem com 0<br />
campo em cor cinza referem-se aos elementos que compoem 0 formato do texto,<br />
fazendo parte, portanto, da composi~ao visual e estetica do genero oficio como uma<br />
composi~ao textual que se realiza atraves da modalida<strong>de</strong> escrita da lingua.<br />
Figura 4 -<br />
Exemplar em que aparecem varios movimentos num mesmo paragrafo e num s6 periodo.<br />
(C6d.ORET 36)<br />
A Associal;iio dos Deficienfes Fisicos <strong>de</strong> Alagoas - ADEF AL, entida<strong>de</strong><br />
filal1l:r6pica, sem fins lucrativos, que tem como finalida<strong>de</strong> precipua a <strong>de</strong>fesa dos interesses<br />
lias pessoas portadoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiencia fisica no Estado <strong>de</strong> Alagoas ven] pOTmeio <strong>de</strong>ste,<br />
solicitar <strong>de</strong> V.S'. urn veicul0 tipo onibus com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transportar os atletas da<br />
ADE1F AL a Jim <strong>de</strong> participarem dos Jogos RegiOl1ais Para<strong>de</strong>sportivos que se realizarao<br />
no periodo <strong>de</strong> 02 a 06 <strong>de</strong> na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> NatalJRN.<br />
Certos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>nnos contar com 0 vosso <strong>de</strong>cisivo apoio, finnamo-nos <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
ja agrada,'idos.<br />
Apresenta cre<strong>de</strong>nciais<br />
como 'ustijicativa<br />
Faz a solicitafiio<br />
Expaeafw.alida<strong>de</strong> da<br />
solicita¢o<br />
Canclui com
Figura 5 - Exemplar em que 0 movimento da justificativa aparece <strong>de</strong> forma mais elaborada e em paragrafo<br />
separado. (COd. OEET 3)<br />
Dirigimo-nos a v.s' para solicitar-lhe a gentileza <strong>de</strong> veritlcar a possibilida<strong>de</strong><br />
uivalentes)<br />
a fim <strong>de</strong> que possamos realizar a Confraternizayilo Natalina dos 700 servidores<br />
<strong>de</strong>sta Instituiyilo <strong>de</strong> Ensino.<br />
Como essa re<strong>de</strong> bancaria sempre se apresentou solidaria as nossas solicita~.5es,<br />
estamos fazendo 0 presente pe.dido em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> nao contarmos com<br />
verba suficiente, e como os servidores ha tres <strong>anos</strong> nao tern aumento salarial, procnranlOS<br />
uma tOillla <strong>de</strong> estimula-los para 0 tnibalho atraves <strong>de</strong> premia90es e<br />
tonnas <strong>de</strong> rccompensa<br />
Expae a fin12lida<strong>de</strong><br />
da solidt12rao<br />
Figura 6 - Exemplar em que aparecem a exposigBo e um relato da situag8o/problema que motivou a<br />
solicitayao. (Coo. ORET 10<br />
Faz parte da cmnposiyao do COllselho <strong>de</strong> Cnradores <strong>de</strong>sta Universida<strong>de</strong>, orgilo <strong>de</strong><br />
fiscalizayilo economico-financeira, U1ll representante do Ministerio <strong>de</strong> Educayao e do<br />
De:,,']Xlrto,cuja indicayilo era teita pela DEMEC em Alagoas.<br />
Com a ~iin
Figura 7 - Exemplar em que aparece a informayao sobre pretensoes como forma <strong>de</strong> justificar a<br />
solicita~ao. (COd. ORET 5)<br />
o Colegio Batista Alagoano ira promover nos dia 03, 04 e 05 <strong>de</strong> .lunho <strong>de</strong> 1999<br />
os HI Jogos da Jnlegra
audiencia. Mas, aCllna <strong>de</strong> tudo, 0 oficio <strong>de</strong> encaminhamento e uma forma <strong>de</strong><br />
registrar, por escrito, a remessa <strong>de</strong> uma variada gama <strong>de</strong> documentos usados nas<br />
acoes e transacoes da rotina burocnitica das instituicoes, fazendo-se circular esses<br />
papeis contendo informacoes sobre processos em andamento, atos oficiais,<br />
provi<strong>de</strong>ncias administrativas; material impresso para divulgacao <strong>de</strong> eventos,<br />
promocoes, etc. Veja-se na Figura 8, urn exemplar tipico <strong>de</strong> urn oficio <strong>de</strong><br />
encaminhamento <strong>de</strong> documento.<br />
Obviamente, 0 oficio <strong>de</strong> encaminhamento apresenta a heterogeneida<strong>de</strong><br />
estruturalinerente aos oficios, caracteristica herdada do genero cartas, como ja foi<br />
reiterado anteriormente. Nesta perspectiva, mesmo numa pequena amostra <strong>de</strong> 8<br />
exemplares, e possivel encontrarem-sevariados "esquemas"<strong>de</strong> estruturacaoret6rica,<br />
que vao <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 0 esquema com urn unico movimento, que expressa 0 proposito<br />
comunicativo principal - encaminhar documento -, rea1izado<strong>de</strong> forma breve, num<br />
unico panlgrafo; ate 0 esquema que contem 7 movimentos, distribuidos em varios<br />
paragrafos.Parase ter uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>ssa varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> estruturacao,veja-se 0 Quadro4.<br />
SERVI
ESQUE- WDE CODIGODO I<br />
DESCRI
ate <strong>de</strong> fala diretivo, por meio <strong>de</strong> verbo performativo, em 7 dos 8 oficios analisados<br />
(87,5%). No exemplar em que nao aparece 0 movimento principal expresso <strong>de</strong><br />
forma expHcita (Esquema 6 - Cod. ORET 21), 0 escrevente preferiu, em vez disso, passar<br />
logo ao ate <strong>de</strong> submeter 0 documento it apreciayfio da audiencia, <strong>de</strong>ixando<br />
subentendido 0 ate <strong>de</strong> encaminhar 0 documento. Veja-se a seguir 0 quadro <strong>de</strong><br />
recorrencia dos movimentos.<br />
MOVlMENTOS<br />
RETORICOS<br />
N"DE<br />
OCOR-<br />
RENCIA<br />
%<br />
• Encaminha explicitamente 0 documento <strong>de</strong>screvendo-o 7 87,5<br />
· Encaminha implicitamente 0 documento <strong>de</strong>screvendo-o 1 12,5<br />
• Exp5e a finalida<strong>de</strong> do encaminhamento do doeumento 4 50<br />
· Conc1ui com formula <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z 4 50<br />
• Justifica 0 encaminhamento do documento 3 37,5<br />
Interessante notar que, afora 0 movimento principal - encaminhar<br />
documento -, os <strong>de</strong>rnais rnovirnentos recorrentes do oficio <strong>de</strong> encarninharnento sao<br />
praticarnente<br />
os rnesrnos do oficio <strong>de</strong> solicitayao, ou seja, expor 0 objetivo do<br />
encaminhamento e justificar 0 encaminhamento. Isso talvez se <strong>de</strong>va ao tipo <strong>de</strong><br />
interayao - formal e objetiva - que se estabelece nesse tipo <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>ncia, em<br />
que se verifica, evi<strong>de</strong>nternente, 0 uso do argumento pnitico 44 (fazer 0 que/por<br />
que/para que) largarnente utilizado nas ayoes rnediadas pelo discurso no dia-a-dia.<br />
Mesrno se tratando <strong>de</strong> uma relayao formal, nao se <strong>de</strong>ve esquecer que urn oficio e<br />
urna carta, e este genero e caudatArio <strong>de</strong> certas caracteristicas da conversayao, ou<br />
seja, da fala. Neste sentido, por extensao, ja que a linguagern burocratica e her<strong>de</strong>ira<br />
da linguagemjuridica,<br />
po<strong>de</strong>r-se-a concordar com Trosborg (1997:54-75) quando ela,<br />
44 0 argumento pranco <strong>de</strong> que se faJa aqui baseia-se na teoria argumentativa <strong>de</strong> Toulmin (1958/1999) e que sent alvo <strong>de</strong><br />
maiores <strong>de</strong>talhes no final <strong>de</strong>ste capitulo.
citando Danet (1985:278-87), afirma que "os documentos legais contern evi<strong>de</strong>ncias<br />
<strong>de</strong> uma luta latente para transferir a performativida<strong>de</strong> da fala para a escrita".<br />
As alegadas "objetivida<strong>de</strong>" e "economia" ou "concisao" que se dizem<br />
caracteristicas da redac;ao oficial po<strong>de</strong>m nao ser uma constante absoluta em<br />
exemplares autenticos dos generos que fazem parte da correspon<strong>de</strong>ncia oficial e<br />
empresarial. Evi<strong>de</strong>ntemente, conforme a situacao, consi<strong>de</strong>rando-se os fatores<br />
enunciativos e pragmaticos envolvidos na producao do discurso, as tormas <strong>de</strong><br />
organizar retoricamente as informacoes no texto-genero em estudo po<strong>de</strong>m ser<br />
extremamente diretas e <strong>de</strong>spojadas, ou po<strong>de</strong>m ser mais elaboradas, <strong>de</strong>talhadas e, por<br />
conseguinte, apresentam-se com urn teor argumentativo e persuasivo mais intenso.<br />
No corpus em questao, constata-se, por exemplo, uma justificativa longa em forma<br />
<strong>de</strong> exposicao e relato da situacao que motivou 0 encaminhamento <strong>de</strong> urn<br />
<strong>de</strong>terminado documento, como se ve na Figura 10. Com efeito, os oficios <strong>de</strong><br />
encaminhamento analisados ora apresentam urn unico movimento - encaminhar 0<br />
documento ao mesmo tempo em que 0 <strong>de</strong>screve -, como se verifica na Figura 9; ora<br />
apresentam outros movimentos complementares, com estrategias ret6ricas, para dar<br />
conta da situacao e das circunstancias em que 0 ato <strong>de</strong> encaminhar 0 documento<br />
encontra-se envolvido, aMm <strong>de</strong> outras informacoes consi<strong>de</strong>radas relevantes ao<br />
entendimento do prop6sito comunicativo principal, 0 que po<strong>de</strong> ser constatado nas<br />
Figuras 10 ell. AMm da flexibilida<strong>de</strong> da organizacao ret6rica nos oficios <strong>de</strong><br />
encaminhamento, lla que consi<strong>de</strong>rar as estrategias que realizam seus movimentos<br />
ret6ricos, bem como 0 <strong>de</strong>slocamento do movimento principal <strong>de</strong>ntro da estrutura<br />
textual e mesmo <strong>de</strong>ntro do paragrafo e, ainda, a sua realizacao <strong>de</strong>ntro do periodo.<br />
Esses elementos po<strong>de</strong>m ser observados nas <strong>de</strong>monstracoes que se seguem. Vejamse,<br />
portanto, as Figuras 9, 10 ell.
Figura 9 - Exemplar contendo um unico paragrafo em que aparece apenas 0 movimento<br />
principal- encaminhar 0 documento. (COd. ORET 24)<br />
Encaminhamos 01 (uma) via do Tenno <strong>de</strong> Convemo <strong>de</strong> Estagio<br />
<strong>de</strong> Complementa9iio <strong>de</strong> Ensino e Aprendizagem Escolar, fumado entre os<br />
Correios - Regional Alagoas e essa Institui~ <strong>de</strong> Ensino.<br />
Figura 10 - Exemplar em que aparecem tras movimentos recorrentes no mesmo paragrafo e<br />
<strong>de</strong>ntro do mesmo periodo. (Cod. ORLC 5)<br />
Vi~mdo men<strong>de</strong>r solicita~10 do lnstituto NacionaI <strong>de</strong> Estudos e<br />
Pesquisas Educacionais (lNEP) relativamente aD Exame Nacional <strong>de</strong> Cursos<br />
<strong>de</strong> 1999 (pROV AO) encaminhamos a V. S' 0 Questionilrio <strong>de</strong> Avaliai;:ao dos<br />
e fci a licada para que seJa procedida<br />
~'lli!mliilise e avaIiao;:a:opelos protessores do Departmnento <strong>de</strong> <strong>Letras</strong><br />
Cla..'lSicase Vemiiculas, para posterior envio aquele lnstituto.<br />
Justijiea a remessa<br />
do documento<br />
Encaminha 0 documento
Figura 11 - Exemplar em que aparece uma longa exposicao da situacao que justifica 0 encaminhamento<br />
do documento para apreciacao. (COd. ORET 21)<br />
o Brasil 'live dias di11ceis e tensos. Mais que nunca esta a vista a ternivel amea9a<br />
que 0 <strong>de</strong>sequilfurio crouico das contas publicas traz a estabilida<strong>de</strong> lllonetaria<br />
o gigantismo da divida piiblica acumulada e os juros elevados requeridos para filllUlcia-Ill,<br />
sao produtos perversos do 3lTIligado "icio <strong>de</strong> gastar mms do que a receita tribulllria.<br />
Com atra.'>t' 0 Brasil assiste ao estlm;o para <strong>de</strong>belar 0 mal. 0 remedio politicamente<br />
amargo e 0 lUltidoto, indispensavel e iinico capaz <strong>de</strong> evitar 0 regresso da inilayllo. Esta tem<br />
si<strong>de</strong> 0 tamigerado imposto invisivel e nao consentido que os mais pobres pagaram. Tem sido<br />
a razilo maior da exclusao social e da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />
pa~sado terrivelmente<br />
injusto.<br />
social que mantem 0 Brasil atado a urn<br />
Tais circunstlincias ensejam a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> submeter a atenyao <strong>de</strong> vossa Excelencia<br />
o discurso <strong>de</strong> posse com que iniciei, pela segullda vez, a Presi<strong>de</strong>ncia<br />
Estado <strong>de</strong> Sik, Paulo, pOTforya do voto lll1iinime <strong>de</strong> IDeus Pares.<br />
Vossa Excelencia<br />
do Tribunal <strong>de</strong> Contas do<br />
Acolherei, sinceramente honrado e com especial consi<strong>de</strong>rayao, os comentarios que<br />
se dignar encaminhar -me.<br />
Nesta oportlmida<strong>de</strong>, renovo a Vossa Excelencia a manifesta9ilO <strong>de</strong> moo elevado apre
cientificos e tecno16gicos e seus reflexos na socieda<strong>de</strong> e, principalmente, no mundo<br />
do trabalho, on<strong>de</strong> os chamados efeitos da globaliza~ao tern <strong>de</strong>mandado novos<br />
mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> gestao empresarial, em todos os setores da economia e da administra~ao,<br />
tanto nas empresas privadas como nas empresas e institui~oes publicas.<br />
o componente ret6rico do oficio-convite para evento e evi<strong>de</strong>nciado ja a<br />
partir do pr6prio ato <strong>de</strong> anunciar 0 evento, que po<strong>de</strong> ser visto como urn esfor~o<br />
promocional da institui~ao. Embora contido pelas restri~oes impostas pelo genero<br />
(formalida<strong>de</strong>, impessoalida<strong>de</strong>, objetivida<strong>de</strong> e concisao ou economia) certas<br />
passagens do oficio-convite para evento lembram algumas a~oes <strong>de</strong> propaganda e<br />
marketing, em que as estrategias informacionais mesclam-se com estrategias<br />
persuasivas. Isso e perfeitamente compreensivel, pois a institui~ao promotora, ao<br />
convidar os representantes <strong>de</strong> outras institui~oes e outras pessoas supostamente<br />
interessadas, esta, <strong>de</strong> certa forma, ''ven<strong>de</strong>ndo'' 0 evento, no sentido <strong>de</strong> procurar<br />
atingir 0 publico-alvo, influenciando-o e levando-o a se interessar pelo evento.<br />
Trata-se tambem, a bem da verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma estrategia <strong>de</strong> marketing institucional,<br />
em que se procura manter viva a imagem positiva da institui~ao, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> urn<br />
<strong>de</strong>terminado setor do mercado <strong>de</strong> servi~os, mesmo se tratando, muitas vezes, <strong>de</strong> urn<br />
6rgao da administra~o publica. AMm do mais, para corroborar esse aspecto<br />
mercadol6gico, nao direta e exatamente no sentido imediato do lucro financeiro,<br />
mas no sentido conceitual <strong>de</strong> marketing, nao se <strong>de</strong>ve esquecer que, anexas aos<br />
oficios, sao remetidas algumas pefas promocionais para informa~ao <strong>de</strong>talhada sobre<br />
o evento e material <strong>de</strong> divulga~ao (fol<strong>de</strong>rs, cartazes, a<strong>de</strong>sivos, etc.).<br />
A heterogeneida<strong>de</strong> tipica dos oficios quanto a organiza~ao ret6rica<br />
naturalmente tambem ocorre no oficio-convite para evento, e <strong>de</strong> fonna bastante<br />
acentuada. Entretanto, isso nao perturba a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> enquanto genero, que,<br />
resguardada pelo seu prop6sito comunicativo dominante, toma-o reconhecivel pelos
membros da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso em que trans ita. A Figura 12 mostra urn<br />
exemplar tipico do oficio-com7ite para evento.<br />
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL<br />
COMISSAO PERM-'\NENTE DE PESSOAL TECNICO-ADMINISTRA TlVO<br />
Gostariamos <strong>de</strong> convida-Io(s) a participae do VII Encontro Regional SuI<br />
<strong>de</strong> CPPTAs - "0 Caminho da Autonomia", a see realizado.em nossa Uuiversida<strong>de</strong>,<br />
no Salao <strong>de</strong> Atos II da Reitoria, no periodo <strong>de</strong> 14 a 16 <strong>de</strong> julho do corrente ano.<br />
Nesta oportuuida<strong>de</strong>, iliscutiremos questOes ligadas diretameute ao uosso<br />
ilia a ilia uuiversitirio, eazao pela qual, acreditamos, <strong>de</strong>vem estar envolvidos nesta<br />
discussao. nao somente as Comiss5es Permanentes <strong>de</strong> Pessoal Tecnico-<br />
Administrativo, mas tambem os Orgaos <strong>de</strong> Recursos Hum<strong>anos</strong> e Sinilicatos.<br />
(A.sstnatura)<br />
Presi<strong>de</strong>nte da CPPTA-UFRGS<br />
No corpUSdisponfvel, meta<strong>de</strong> dos exemplares recebe a rubrica <strong>de</strong> oficiocircular<br />
45 (como no exemplar acima - Figura 12) que, na realida<strong>de</strong>, em nada difere<br />
do oficio em si mesmo, a nao ser pelo fato <strong>de</strong> ser reproduzido em muitas c6pias, a<br />
serem enviadas a varios <strong>de</strong>stinatarios ao mesmo tempo. Em se tratando <strong>de</strong> urn<br />
prop6sito comunicativo como 0 <strong>de</strong> convidar para evento, e natural que se recorra a<br />
esse expediente, ja que semo muitos os convidados.<br />
Comparado aos offcios anteriormente apresentados, 0 <strong>de</strong> solicitayao e 0<br />
<strong>de</strong> encarninhamento, 0 oficio-convite para evento apresenta uma maior<br />
45 0 of1cio-circular nao <strong>de</strong>ve ser confundido com urn outro genero, tambern uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> carta, rnuito<br />
utilizado pela administra~o publica - a circular -, cujo prop6sito cornunicativo e auditorio diferern urn pouco<br />
do oficio-circular. Segundo Cruz (1992:27), "a circular e urn rneio <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>ncia oficial, reproduzido em<br />
muitos exernplares, atravCs do qual uma autorida<strong>de</strong> se dirige, ao mesmo tempo, it direyao <strong>de</strong> orgaos ou<br />
subordinados ou afastados da administra~o central".
diversificayiio e flexibilida<strong>de</strong> na sua organizayiio retorica. No corpus analisado, <strong>de</strong> 8<br />
exemplares, nao se registrou nenhuma recorrencia <strong>de</strong> "esquema", embora tenha<br />
havido uma consi<strong>de</strong>ravel recorrencia <strong>de</strong> movimentos, que po<strong>de</strong>m ser eonsi<strong>de</strong>rados<br />
como essenciais para preservar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> generica <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> oficio.<br />
A diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estrutura organizaeional do tipo <strong>de</strong> ofieio em questiio,<br />
aMm ser explicavel pela sua "ascen<strong>de</strong>ncia", e obviamente tambem explicada pela<br />
propria tarefa a que aten<strong>de</strong> - convidar para eventos. Sabe-se que a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tipos<br />
<strong>de</strong> eventos e consi<strong>de</strong>ravel, mesmo no mundo do trabalho. Assim, os eventos<br />
anunciados po<strong>de</strong>m ser uma "oficina", urn ciclo <strong>de</strong> palestra, urn encontro regional e<br />
outros <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> monta, como os congressos <strong>de</strong> ambito nacional, e ate intemacional.<br />
A seguir, veja-se 0 Quadro 6, relativo a diversida<strong>de</strong> e a flexibilida<strong>de</strong> das<br />
organizay5es retoricas do tipo <strong>de</strong> ofieio em questiio.<br />
ESQUE-<br />
N°DE CODIGODO<br />
DESCRI
M3 - Exp5e 0 objetivo do evento<br />
M4 - Infonna sobre a presetlya da autorida<strong>de</strong> maxima da<br />
instituiyao<br />
M5 - Infunna sobre 0 periodo <strong>de</strong> inscriyao<br />
Ml - Faz 0 convite para participar <strong>de</strong> um evento sem anuncm-Io<br />
fvl2 - Cornenta sobre a import1ncia do tema do evento<br />
M3 - Exp5e 0 objetivo do evento<br />
M4 - Reforya 0 convite esperando contar cia presenya do<br />
convidado.<br />
M5 - Sobcita a confirmayao da presenya do convidado fomecendo<br />
os meios para contato.<br />
Ml - Anuncia 0 evento dando infonnayOes pertinentes (titulo,<br />
local e data do evento)<br />
M2 - Infonna sobre os especialistas convidados<br />
M3 - Disponibiliza 0 nfunero <strong>de</strong> vagas para a instituiyao<br />
convidada<br />
M4 - Pe<strong>de</strong> a confinnayao dos alunos que irao participar do even to<br />
estipulando a data-limite e 0 meio para contato.<br />
M5 - Conclui com fonnula <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z<br />
Ml - Faz 0 convite anunciando 0 evento e dando informayoes I<br />
pertinentes (titulo, local e data do evento)<br />
M2 - Infonna 0 objetivo do evento <strong>de</strong>talhadamente<br />
M3 - Informa sobre a drnamica do evento e os especialistas<br />
convidados<br />
M4 - A",ouardaconfirmayao da presenya do convidado fomecendo<br />
os meios para contato<br />
M5 - Disponibiliza vagas para outras pessoas da instituiyao<br />
M6 - Indica fonte para melhores infonnayoes (em anexo)<br />
Ml - Infonna sobre a impormncia do tema do evento no mundo<br />
atua1<br />
M2 - ,A.nuncia 0 evento dando infonnay5es pertinentes (titulo do<br />
evento, local, data, etc.)<br />
M3 - Anuncia outros eventos paralelos sobre 0 mesmo tema que<br />
ocorrerao na instituiyao promotora<br />
M4 - Faz 0 convite ao diretor ou outro representante da instituiyao<br />
pedindo ao convidado assumir os custos <strong>de</strong> sua participayao<br />
M5 - Conclui com formulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z<br />
Conforme 0 que foi comentado no paragrafo anterior sobre a diversida<strong>de</strong><br />
da estrutura ret6rica do oficio-convite para evento, po<strong>de</strong>-se verificar no Quadro 6,<br />
que cada exemplar exibe uma organizayao diferente; quer dizer, nao hit mesmo<br />
padrao fixo e nem sequer repetido. Mas a recorrencia <strong>de</strong> certos movimentos, 0
prop6sito comunicativo principal (convidar para evento) e facilmente i<strong>de</strong>ntificavel<br />
<strong>de</strong> forma direta ou indireta, as vezes implicita, em todos os exemplares analisados,<br />
assegurando a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> generica, confirmada pelos itens lexicais circunscritos ao<br />
campo semantico relativo principalmente a eventos tecnico-cientificos e tecnicoadministrativos<br />
que normalmente se realizam nas empresas publicas e tambem<br />
privadas. Veja-se, a seguir, 0 Quadro 7, relativo a recorrencia<br />
ret6ricos no tipo <strong>de</strong> oficio em questao.<br />
Quadro 7 - Recorrencia dos Movimentos Ret6ricos nos Oficios-Convite para Evento,<br />
consi<strong>de</strong>rando-se 0 universo <strong>de</strong> 8 exemplares<br />
dos movimentos<br />
MOVIMENTOS<br />
RETORICOS<br />
N°DE<br />
OCOR-<br />
RENCIA<br />
%<br />
• paz 0 convite anunciando o evento, acrescentando 5 87,5<br />
infomlayespertinentes (titulo, local e data do evento)<br />
• Informa 0 objetivo do evento<br />
4 50<br />
• Conciui com formulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z 4 50<br />
• Anuncia 0 evento acrescentando informayoes pertinentes<br />
(titulo, local e data do evento)<br />
• Aguarda a confirmayao da presenya fomecendo meios <strong>de</strong><br />
contato (telefone, fax, correio eletronico, etc.)<br />
3 37,5<br />
3 37,5<br />
• Infomla sobre a dinamica do evento e 0 pessoal envolvido 2 25<br />
o <strong>de</strong>slocamento do movimento principal, ou seJa, 0 prop6sito<br />
comunicativo dominante (convidar), ocorre <strong>de</strong> forma i<strong>de</strong>ntica ados dois oftcios<br />
anteriormente analisados; ou melhor, ele po<strong>de</strong> aparecer nos paragratbs iniciais, nos<br />
paragrafos intermediarios e tambem nos paragrafos finais do texto; po<strong>de</strong>m, ainda,<br />
vir em paragrafos separados ou inseridos no mesmo paragrafo ou mesmo <strong>de</strong>ntro do<br />
periodo, como po<strong>de</strong> ser observado nas Figuras 12.<br />
Ha <strong>de</strong> se salientar que, na analise dos exemplares disponiveis, foi<br />
verificado que 0 movimento que realiza 0 prop6sito comunicativo principal -
convidar para evento - embora aparecendo claro atraves <strong>de</strong> urn ato <strong>de</strong> fala direto ou<br />
indireto na maioria dos exemplares, como na Figura 12, po<strong>de</strong> nao aparecer explicito.<br />
Em 2 exemplares 0 convite e subentendido (ou esm implicito) pelo proprio animcio<br />
do evento e por outros movimentos ou estrategias. Veja-se, na integra, urn <strong>de</strong>sses<br />
exemplares na Figura 13.<br />
Nos dias 03, 04 e 05 <strong>de</strong>junho <strong>de</strong> 1998, estaremos realizando maisumENCONTRO<br />
REGIONAL DE DIRIGENTES DE PESSOAL DAS INSTITUI
encaminhamento e principalmente no <strong>de</strong> solicita~ao, em que aparecem mais<br />
justificativas e esclarecimento das finalida<strong>de</strong>s do pleito. Como ja foi assinalado<br />
antes, nos ot1cios-convites<br />
para evento ha uma certa ten<strong>de</strong>ncia (discreta, diga-se <strong>de</strong><br />
passagem, pelas limita~es que 0 genero impoe) mais ret6rico-persuasiva com apelo<br />
ao pathos, que leva 0 escrevente a investir rnais na carga informacional sobre 0<br />
evento, que e 0 terna central da correspon<strong>de</strong>ncia<br />
e para 0 qual se preten<strong>de</strong> tomar a<br />
audiencia nele interessada e, naturalrnente, prornover urn incitarnento a a~ao. 0<br />
exemplar da Figura 14 mostra bem essa ten<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> investir-se retoricamente na<br />
informa~ao como forma <strong>de</strong> persuasao.<br />
Figura 14 - Exemplar em que aparece 0 investimento na carga informativa como estrategia<br />
ret6rica mais voltada a persuasao. (GOd. ORET 2)<br />
Dentm do contexto da realida<strong>de</strong> mundial, a ecologia vem <strong>de</strong>spertando 0 interesse das<br />
mais variadas verten1es da socieda<strong>de</strong>, mesmo porque 0 homem nos dias <strong>de</strong> hoje comeya a tomar<br />
col1scifucia do sell verda<strong>de</strong>iro<br />
papel como membro efetivo e ativo da ca<strong>de</strong>ia produtiva, 0 vetor<br />
<strong>de</strong> maior interferfucia alogenica e U1l1 peso muito gran<strong>de</strong> no equilfurio dos ecossistemas.<br />
Sendo assim, a Facu1da<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciencias Agcirias do Para -FCAP e a Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Eco-<br />
10gia do Brasil-SEB, inlegram-se para realizar 04° Congresso <strong>de</strong> Eco10gia do Brasil que aconteooni<br />
no pertodo <strong>de</strong> 04 a 09 <strong>de</strong> outubm <strong>de</strong> 1998, nas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncias<br />
aprox1madamente<br />
3.000 congressistas.<br />
da FCAP, com previsao <strong>de</strong><br />
Parn1elamente a este evento teremos 0 1ECOPET -1 Encontro Eco1ogico dos ProgralUllS<br />
Especiais <strong>de</strong> Treinamento, °I lNICECO - I Encontro Ecol6gico <strong>de</strong> Inicia~ Cienti1ica, °<br />
Face ao e,'(posto, dirigimo-nos<br />
a Vossa Senhoria para solicitar que estu<strong>de</strong> a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> participar <strong>de</strong>ste evento ou indicar um represenlante, assumindo os custos com sua participa
5.9 0 Oflcio <strong>de</strong> lnforma~iio e Esclarecimento - i<strong>de</strong>ntifica~aoda organiza~aodos<br />
movimentos retoricos<br />
Tal qual 0 oficio <strong>de</strong> encaminhamento<br />
e 0 <strong>de</strong> convite para evento, no<br />
corpus disponivel hA 8 exemplares <strong>de</strong> oficio <strong>de</strong> informa9lio e esclarecimento (16,7<br />
% do total do corpus). Atraves <strong>de</strong>le, as institillyoes publicas informam as suas<br />
congeneres ou a empresas privadas sobre tramitayoes <strong>de</strong> process os, atos e <strong>de</strong>cisoes<br />
<strong>de</strong> carmer oficial, liberayoes e atendimentos <strong>de</strong> prestimos solicitados, bem como<br />
respon<strong>de</strong>m a solicitayoes <strong>de</strong> informayao ou a consultas feitas em correspon<strong>de</strong>ncia<br />
anterior sobre procedimentos tecnicos e legais relacionados a questOes juridicas,<br />
trabalhistas, etc.; ou, ainda, dao esclarecimentos sobre questoes e assuntos diversos,<br />
cujos mal-entendidos possam perturbar 0 andamento das ayoes administrativas ou<br />
venham a prejudicar a imagem da instituiyao. Veja-se, na Figura 15, urn exemplar<br />
tipico <strong>de</strong> oficio <strong>de</strong> informa9ao e esclarecimento.<br />
Figura 15 - Exemplar tipico <strong>de</strong> oficio <strong>de</strong> informacao e esclarecimento<br />
(Cod. OEET 10)<br />
SERVI
Tendo como proposito comunicativo informal', comunical' e/ou<br />
esclarecel', e evi<strong>de</strong>nte que a organizayao retorica do oficio <strong>de</strong> infol'mariio e<br />
esclarecimento vai tambem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> toda uma situayao enunciativa envolvida no<br />
seu contexto <strong>de</strong> produyao (quem, 0 que, a quem, para que, por que, como, quando,<br />
etc. se vai dar uma informayao). Alem disso, informar e uma intenyao comunicativa<br />
que se realiza em movimentos retoricos necessal'iamente imbricados com os<br />
pl'oprios conteUdos da infol'mariio, que po<strong>de</strong>m ser variadissimos, muito particulares<br />
e consi<strong>de</strong>ravelmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do contexto. Assim, no exemplar acima (Figura<br />
14), cujo proposito comunicativo e informal' sobre a concessiio <strong>de</strong> isenriio <strong>de</strong><br />
pagamento <strong>de</strong> taxa, a proposiyao so se completani se for dito taxa <strong>de</strong> inscririio <strong>de</strong><br />
exame <strong>de</strong> seleriio/98 para a Escola Tecnica Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Alagoas. Assim, <strong>de</strong>ve-se<br />
observar a gran<strong>de</strong> heterogeneida<strong>de</strong> tematica, textual, discursiva e pragmatica que se<br />
po<strong>de</strong> encontrar neste tipo <strong>de</strong> oficio. Trata-se, portanto, <strong>de</strong> urn tipo <strong>de</strong> oficio que po<strong>de</strong><br />
ser retoricamente organizado <strong>de</strong> fonna muito mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do conteudo e do<br />
contexto enunciativo do que os <strong>de</strong>mais oficios anterionnente analisados,<br />
principalmente quando 0 escrevente se reporta a uma questao posta anterionnente,<br />
atraves <strong>de</strong> documento recebido. Diante <strong>de</strong>ssas consi<strong>de</strong>ravoes, quanto a regularida<strong>de</strong><br />
estrutural, 0 oficio <strong>de</strong> infonnayao e esclarecimento po<strong>de</strong> ser diametralmente oposto<br />
aqueles oficios que sao passiveis <strong>de</strong> uma certa padronizayao em seus movimentos. 0<br />
Quadro 8 mostra os diferentes "esquemas" <strong>de</strong> organizayao retorica encontrados nos<br />
exemplares <strong>de</strong> oficio <strong>de</strong> informariio e esclarecimento disponiveis no corpus.<br />
Quadro 8 -<br />
Diversida<strong>de</strong> e Flexibilida<strong>de</strong> dos Movimentos Ret6ricos nos Oficios <strong>de</strong> Informavao e<br />
Esclarecimento<br />
ESQUE-<br />
N°DE CODIGODO<br />
MA DESCRIyAO DOS MOVIMENTOS<br />
OCOR- EXEMPLAR<br />
RENCJA<br />
1 Ml - Informa sobre a Iibera¢o <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia fisica da<br />
institui¢o (audit6rio) para 0 dia e a hora solicitados<br />
M2 - InfOlma sobre os trfunites burocmticos que <strong>de</strong>veriio ser<br />
1 OEET6<br />
seguidos para efetivar a libera¢o.<br />
2 Ml - Reporta-se a oficio recebido<br />
M2 - Comunica a libera¢o da <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia flSica da EscoIa
solicitada (ginasio <strong>de</strong> esportes)<br />
M3 - Infonna sobre os tcimites burocniticos necessarios que<br />
<strong>de</strong>veriio ser seguidos para efetivar a liberayao<br />
Ml - Reporta-se a o:t1ciorecebido sobre laudo pericial (condiy5es<br />
<strong>de</strong> periculosida<strong>de</strong> no trabalho e respective adieional)<br />
M2 - Da as infonTIayoes sobre 0 problema<br />
M3 - Da informay5es complementares.<br />
Ml - Apresenta a sitl1a¢o/problema como justificativa para uma<br />
<strong>de</strong>cisao.<br />
M2 - Comunica a <strong>de</strong>cisao (adiamento <strong>de</strong> urn evento)<br />
M3 - C-Oneluicom fonnulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z<br />
Ml - Reporta-se a oficio recebido<br />
M2 - Dil as infonTIay5es sobre 0 processo seletivo <strong>de</strong> ingresso <strong>de</strong><br />
alunos para 0 ano letivo <strong>de</strong> 1998 na ETF AL, dispostas em 5<br />
itens<br />
M3 - Di informay5es complementares<br />
M4 - Conclui com fonnulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z<br />
Ml - Reporta-se a ofieio recebido sobre 0 tema (isenQiio<strong>de</strong> taxa <strong>de</strong><br />
inscriQiio)<br />
M2 - Infunna sobre concessao <strong>de</strong> isenyao <strong>de</strong> taxa <strong>de</strong> inseriQiiopara<br />
o exame <strong>de</strong> seleyao/98 para a ETF AL<br />
M3 - Inforrna sobre acertos necessarios para inscriyao "in loco",<br />
ou seja, na escola cujo diretor enviou 0 oficio.<br />
M4 - Envia documento com informay5es sobre os cursos da<br />
Escola.<br />
Ml - Reporta-se a oficio recebido sobre 0 assunto (processo<br />
judicial)<br />
M2 - Informa sobre tramitayao do processo judicial<br />
M3 Ressalta urn fato importante <strong>de</strong>ntro do andamento do<br />
processo<br />
M4 - Infonna outros fatos relativos ao processo.<br />
Ml - Infonna sobre a abertura <strong>de</strong> inscriy5es <strong>de</strong> curso promovido<br />
pela entida<strong>de</strong><br />
M2 - Solicita a divulgayao do curso<br />
M3 - Encaminha material <strong>de</strong> divulgayao<br />
M4 - Conclui com fonnulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z<br />
Como ja foi ressaltado acima, 0 prop6sito <strong>de</strong> informar estit diretamente<br />
ligado ao conteudo da informacao. Neste sentido, 0 movimento ret6rico relativo a<br />
informar, comunicar e/ou esclarecer esta presente em todos os exemplares do tipo <strong>de</strong>
oficio em questao, mesmo quando ele nao aparece linguisticamente marcado por<br />
verbo performativo em forma direta ou indireta. Alias, a bem da verda<strong>de</strong>, a inten~ao<br />
<strong>de</strong> informar/comunicar ja se coloca pelo simples ato <strong>de</strong> se exporemlrelatarem<br />
informa~oes sobre <strong>de</strong>terminados assuntos, cuja pertinencia e perfeitamente<br />
entendida pelos interlocutores mediante 0 conteudo partilhado e 0 contexto da<br />
intera~ao. AMm da recorrencia obvia <strong>de</strong>sse movimento principal, vejam-se outros<br />
movimentos recorrentes no corpus estudado no Quadro 9.<br />
Quadro 9 - Recorrencia dos Movimentos Ret6ricos nos Oficios <strong>de</strong> lnforma~ao e Esclarecimento,<br />
consi<strong>de</strong>rando-se 0 universo <strong>de</strong> 8 exemplares<br />
MOVLV1ENTOS RETORICOS<br />
NUDE<br />
OCOR-<br />
RENCIA<br />
%<br />
• Informa, comunica, ill esclarecimento sobre procedimentos<br />
e assuntos <strong>de</strong> interesse das instituiy5es envolvidas 8 100<br />
• Reporta-se a correspon<strong>de</strong>ncia recebida 5 62,5<br />
• Conclui com f01IDuias<strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z 3 25<br />
• Inclui material como complemento da informayao 2 25<br />
Em geral, a comunica~ao que circula na correspon<strong>de</strong>ncia oficial e<br />
empresarial costuma visar a tres objetivos: a informat;iio, a persuasiio e a<br />
incitamento a ar;iio(Markey e Decoo, 1996:113). Diferentemente dos oficios que<br />
incitam a a~ao, e por isso saD mais persuasivos, como 0 oficio <strong>de</strong> solicita~ao e 0 <strong>de</strong><br />
convite para evento, no ojicio <strong>de</strong> informafiio e esclarecimento, enfatiza-se,<br />
naturalmente, 0 conteudo da informa~ao. Desse modo, ha exemplares <strong>de</strong> oficio <strong>de</strong><br />
informa~ao e esclarecimento que sao, sem duvida, predominantemente infonnativos,<br />
como 0 da Figura 16. Mas, efetivamente, alem da informa~ao, a persuasao tambem<br />
po<strong>de</strong> ocorrer nesse tipo <strong>de</strong> oficio, principalmente quando se trata, por exemplo, <strong>de</strong><br />
dar informa~oes e esclarecimentos em resposta a reclama~oes tidas como infundadas<br />
pela institui~ao atingida. Neste caso, a informa~ao (como fun~ao referencial) entra<br />
como fator argumentativo e persuasivo por excelencia. Urn born exemplo disso po<strong>de</strong>
ser visto no exemplar da Figura 17, em que e dada uma quantida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>nlvel<br />
<strong>de</strong><br />
informa~oes com 0 claro intuito <strong>de</strong> esclarecer uma noticia <strong>de</strong> jomal julgada<br />
improce<strong>de</strong>nte.<br />
Esses esc1arecimentos, na realida<strong>de</strong>, nao sao dados com a inten~ao<strong>de</strong><br />
simplesmente informar 0 audit6rio, mas com 0 intuito <strong>de</strong> conduzir 0 racioclnio do<br />
interlocutor a uma <strong>de</strong>terminada conclusao, para se recuperar a boa imagem da<br />
institui~ao.<br />
Figura 16 - Exemplar <strong>de</strong> oticio <strong>de</strong> informaC8o e esclarecimento em que predomina<br />
a funyao informativa per excelencia. (Cod. ORET 32)<br />
Em atendimento ao OF nOlI98·GDIETF AL, <strong>de</strong> 09 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998,<br />
inti.mnaIlliJS que, uma vez que 0 laudo pericial em tela <strong>de</strong>finiu que a ativida<strong>de</strong><br />
daqueles que lidam com tubos <strong>de</strong> raios caIDdico e perigosa, tado e qualquer traba-<br />
!hador que seja <strong>de</strong>s1ocado para exercer pennanentemente essa. ativida<strong>de</strong>, estan\<br />
sujeito, com 0 efetivo exercicio, ao mesmo risco <strong>de</strong> aUa tensiio eletrica periciado.<br />
Todavia, esclarecemos, a inclus1io consultada e medida administrativa que<br />
compete apenas a essa institui~, <strong>de</strong>vendo ser tomada, repetimos, sempre que<br />
trabalhadores este' am ex stos a uele risco.<br />
Outrossim, inversamente <strong>de</strong>vera OCOITercom aqueles que Beafastarem da<br />
indigitada cOlldi'iiio <strong>de</strong> periculosida<strong>de</strong>, efetuando-se a exclusiio automatica do<br />
direito ao correspon<strong>de</strong>nte adiciona1.<br />
Dli as infOl71Ul{-0eS<br />
solicitaoos<br />
Dli informOl;i)es<br />
complementares<br />
Ao longo da analise dos quatro tipos <strong>de</strong> oficio, foi constatado que apesar<br />
<strong>de</strong> toda a heterogeneida<strong>de</strong> estrutural e ret6rica <strong>de</strong>terminada pelas diversas situa~oes<br />
enunciativas que cada tipo <strong>de</strong> oficio exibe, 0 que importa mesmo e que neles se<br />
possam i<strong>de</strong>ntificar os prop6sitos comunicativos<br />
usam para realizar os chamados movimentos<br />
e as estrategias que os escreventes<br />
ret6ricos. Interessante notar que tais<br />
estrategias, apesar <strong>de</strong> muito diversificadas, nao alteram 0 prop6sito comunicativo
urn equilibrio entre fatores<br />
unificavao), garantidos pelos diferentes<br />
cornunicativos, que distinguern generos, e fatores nfio-discriminativos (<strong>de</strong><br />
diversificavao <strong>de</strong>ntro do proprio genero), que sao as vciriasestrategias retoricas <strong>de</strong><br />
que os escreventes se utilizarn para apoiar 0 proposito cornunicativo principal,<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> urnadada situavaoenunciativa (Bhatia, 1993:31).<br />
Figura 17 - Exemplar em que a informagao referencial e trabalhada como um forte elemento<br />
rsuasivo, atraves <strong>de</strong> varias se ilencias a umentativas (COd. DEET 7)<br />
R£porla-:{f! a oficio<br />
Em atenyilo ao oficio nO 113197/PRDC, <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1997, <strong>de</strong> 06 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1997, recebido<br />
dirigilllO-nOS a V. Exa para prestar-lhe as intooua.,oes referentes ao Processo Seletivo <strong>de</strong> Il1gresso <strong>de</strong><br />
Alunos para 0 ano letivo <strong>de</strong> 1998, nesta Escola Tecmca Fe<strong>de</strong>ral.<br />
1. Inicial111ente, <strong>de</strong>velllos ressaltar que a reportagem leita pel0 "0 Jomal'~ com 0 titulo "P AJS POBRES<br />
RECLAMAM DA TAXA DE JNSCRIl;AO DA ESCOLA TECNICA", datada <strong>de</strong> 06 <strong>de</strong> novembro<br />
<strong>de</strong> 1997, nllo espelba a verda<strong>de</strong> quando alega que esta Escola nao adotou 0 mesmo criterio utilizado<br />
pela UF AL, quanto a insc~lIo <strong>de</strong> aIunos comprovadamente carentes, visto que mantemos convemo<br />
com as secretarias Estadual e Municipal <strong>de</strong> Educayllo, assegurando a inscriyiio gratuita a alunos provenientes<br />
da re<strong>de</strong> publica <strong>de</strong> ensino, pois slIo esse:;;alunos que estlidam nil re<strong>de</strong> publica os verrla<strong>de</strong>iros<br />
careotes.<br />
2. Quanto a irrisOl'ia taxa <strong>de</strong> R$ 14,00, amesma esta sendo cobl'ada para fazel' frente aos custos operncionals<br />
que envolvem 0 processo seletivo, para 0 qual a Escola nllo dispiie <strong>de</strong> reeursos o~1Jentarios<br />
<strong>de</strong>stinados il comprn <strong>de</strong> material, a exemplo <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejas com grMica, pape!, material <strong>de</strong> divuIgayao<br />
(eartazes, "'fol<strong>de</strong>rs", manual do aluno, ete.), aluguel do complexo CEP A para a aplicayiio das provas;<br />
alem disso, nos ultirnos exames reaJizados por esta Instituiyilo <strong>de</strong> ensino, a c1ientela maior aprovada<br />
tern sido <strong>de</strong> alunos provenientes <strong>de</strong> c1asse media alta (90%), oriundos das melhores escolas particulares<br />
do Estado, dai enten<strong>de</strong>rmos ser realmenJ:e irrisOria a tam eobrada pm este orgilo.<br />
3. Para que V.Exa. tenha U111juizo do valor bem proximo a nossa realida<strong>de</strong>, quanto ao que representa, em<br />
tomo <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa, a realizayilo <strong>de</strong> wn teste seletivo, no ano passado COllcorreram cerea <strong>de</strong> 6.000 candidatos,<br />
dos quais 6O'}o lbram isentos da tmm <strong>de</strong> inscril(llo por serem provenientes <strong>de</strong> escola publica<br />
4. E oportuno ressaltar que a presente taxa venl sendo cobrada hit Ires <strong>anos</strong> sem softer qualquer correyilo.<br />
5. Esclarecemos, ainda, que e;,iaEsoola, alem do ensino gratuito, oferece aos alwlOs carentes balsa <strong>de</strong> trabalho,<br />
taroamento, alimentayllo, oeulos, assistencia medica e odontologica, passe estudantil, materiais<br />
didatico-pedag6gicos, cujo programa e auxiliado com a receita proveniente das inseriy5es do processo<br />
seletivo.<br />
Finalmente, cwnpre-nos informar que 11liwn progranm especifico dirigido a eOlllunida<strong>de</strong> carente,<br />
eujos filhos que se enL'onlram na 8" sene preten<strong>de</strong>m ingressar na ETF AL, programa esse <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> Pro-<br />
Tecmco, que aten<strong>de</strong> a 400 ahmos, cuja seleyilo e <strong>de</strong> exc!usiva oompetencia do Setor <strong>de</strong> Serviyo Social da<br />
Eseola, que 0 fuz atraves da triagem da situaylio s6cio-eeonomiea da rnmJlia.<br />
Del<br />
if!tormar;i5es<br />
sobre °<br />
Seletiva<br />
<strong>de</strong>1ngresso<br />
para 0<br />
AnoLetivo<br />
<strong>de</strong> 1998,<br />
na ETFAL<br />
injormar;iies<br />
complementares
Cmos <strong>de</strong> termos prestado os esclarecimentos essenciais, apresentamo-lhe nossa estima e apr~. jonnula <strong>de</strong><br />
poli<strong>de</strong>.z<br />
Esse equilibrio ou "tensao" que faz dos generos "enunciados<br />
relativamente estaveis", como san conhecidamente <strong>de</strong>finidos por Bakhtin, tern aver<br />
corn 0 que preconiza este autor sobre aque1es dois tipos <strong>de</strong> for9as - as<br />
centralizadoras ou unificadoras (centrfpetas) e as <strong>de</strong>scentralizadoras ou<br />
diversificadoras (centrifugas) que regem a linguagem enquanto pnitica social<br />
(Bakhtin, 1935/1998). Tal postma tambem e <strong>de</strong>fendida por Adam (1997:13) quando<br />
<strong>de</strong>fine os generos como contigura90es regidas por dois principios contradit6rios: urn<br />
principio <strong>de</strong> fechamento, ligado ao passado, a conven~o, a repeti9ao, a tradi9ao e a<br />
reprodu9ao, e urn principio <strong>de</strong> abertw'a, ligado ao futuro, a varia9ao e a inova9ao.<br />
A prop6sito do principio <strong>de</strong> fechamento, ou seja, aquele que "segura" 0<br />
genero <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> fatores relativos a tradi~ao e a conven9ao, vale citar urn dos<br />
movimentos ret6ricos <strong>de</strong> recorrencia consi<strong>de</strong>nivel nos quatro tipos <strong>de</strong> oficio - aquele<br />
em que 0 escrevente conclui 0 texto com formulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z. Embora este<br />
expediente nao seja mais recomendado pelas normas oficiais,46ja ha algum tempo, e<br />
tambem nao seja prescrito pelos mo<strong>de</strong>rnos manuais <strong>de</strong> reda~ao tecnica empresarial,<br />
como, por exemp10, Gold (1999), ele ainda aparece com relativa freqfiencia. Po<strong>de</strong>-se<br />
alegar que estas l10rmas e esses manuais nem sempre esmo ao alcance <strong>de</strong> todos os<br />
escreventes, principalmente nas institui90es nao-governamentais; mas tal ocorrencia
se verificou tambem em oficios <strong>de</strong> institui~es publicas estatais, como a UFAL e,<br />
principalmente a ETFAL, on<strong>de</strong> os servidores encarregados da correspon<strong>de</strong>ncia sao<br />
professores <strong>de</strong> Portugues <strong>de</strong>sviados para 0 setor administrativo e, segundo eles<br />
afinnam, as normas oficiais costumam ser seguidas com urn certo rigor.<br />
Como ja foi discutido anteriormente, 0 banimento <strong>de</strong>sse expediente (e <strong>de</strong><br />
outros consi<strong>de</strong>rados como rebuscamento <strong>de</strong>snecessario) da correspon<strong>de</strong>ncia oficial e<br />
justificado pelo esforco que os orgaos normatizadores tern feito para "enxugar" a<br />
correspon<strong>de</strong>ncia oficial <strong>de</strong> certos "penduricalhos" que possam ser vistos como mero<br />
arcaismo afetado ou apelo a uma ret6rica ornamental, vazia, que atrapalha 0 caniter<br />
<strong>de</strong> simplicida<strong>de</strong>, objetivida<strong>de</strong>, concisao e impessoalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que <strong>de</strong>vem ser<br />
revestidos os atos e os textos oficiais. Segundo 0 Manual <strong>de</strong> Redat;iio da<br />
Presi<strong>de</strong>ncia da RepUblica 47 "as comunicacoes que partem dos orgaos publicos<br />
fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong>vem ser compreendidas por todo e qualquer cidadao brasileiro"; portanto,<br />
a linguagem <strong>de</strong>ve ser formal sem ser rebuscada.<br />
Entretanto, do ponto <strong>de</strong> vista da persuasao, as conclusoes com formulas<br />
<strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z tern, as vezes, urn emprego ret6rico eficaz, pois elas refort;am ou dao urn<br />
certo relevo <strong>de</strong> elegdncia ao proposito comunicativo principal, especialmente nos<br />
ot1cios que incitam it acao. Neste sentido, vejam-se, por exemplo, 0 exemplar da<br />
Figura 3, em que 0 escrevente, no movimento da conclusao, renova 0 apelo; e os<br />
exemplares das Figuras 4, 6, e 13, em que 0 referido movimento encontra-se<br />
tambem perfeitamente integrado aos prop6sitos comunicativos dominantes, pois<br />
agra<strong>de</strong>cem antecipadamente 0 atendimento do que foi solicitado, provendo assim<br />
uma conclusao que arremata <strong>de</strong> forma bastante coerente a progressao textual que 0<br />
antece<strong>de</strong>. Ja nos exemplares das Figuras 11 e 14, aparece aquela ja muito batida<br />
46 A partir da Instru~o Normativa nO 133, <strong>de</strong> 04/03/1982, baniram-se oficialmente muitas expressOes<br />
formulaicas e cliches ou chav5es que tradicionalmente apareciam (e ainda aparecem) na correspon<strong>de</strong>ncia<br />
oficiaL<br />
'''. Administra~o Fe<strong>de</strong>ral- Brasilia, 1991.
expressao <strong>de</strong> <strong>de</strong>ferencia "apresentamos os protestos <strong>de</strong> alta estima e consi<strong>de</strong>rar;a.o"<br />
ou similares, consi<strong>de</strong>radas como meros cliches ou chavoes, e que geralmente soam<br />
como uma afeta~ao completamente dispensavel.<br />
Ve-se, portanto, que a eficacia <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado texto esta diretamente<br />
ligada a necessaria for~a retorica (ou persuasiva, se se quer) que a ele se imprime<br />
para fazer frente a certas situa~oes. E por isso que, a <strong>de</strong>speito das reformas <strong>de</strong><br />
simplificayao, das normas e recomenda~oes, reconhece-se que, no que se refere a<br />
eficacia do mo<strong>de</strong>mo texto empresarial (e tambem do texto oficial, por extensao) nao<br />
se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scuidar dos mecanismos <strong>de</strong> persuasao, no sentido que Ihe foi impressa<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a retorica antiga (Gold, 1999:5).<br />
Diante do exposto, a questao da concisa.o (tao <strong>de</strong>fendida pelos<br />
normatizadores e pelos manuais), passa a ser muito relativizada. Conforme Markey<br />
e Decoo (1996:115), a comunicayao profissional se faz segundo quatro parametros:<br />
a clareza, a atrativida<strong>de</strong> 48 , 0 respeito as conveniencias e a correr;a.o.A concisa.o<br />
seria 0 quinto parametro, ja que nao se <strong>de</strong>ve, em seu nome, sacrificar os <strong>de</strong>mais<br />
parametros. A<strong>de</strong>mais, uma correspon<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>masiadamente concisa corre 0 risco<br />
<strong>de</strong> se tomar obscura, confundir 0 leitor e distorcer 0 efeito <strong>de</strong>sejado, tomando-se,<br />
portanto, ineficaz, retoricamente falando. Talvez isso explique 0 fato <strong>de</strong>, algumas<br />
vezes, os escreventes recorrerem a formulas e expedientes tidos, as vezes<br />
impropriamente, como meros apelos ao "antigo estilo": consciente ou<br />
inconscientemente, eles estao em busca da tal eficacia, que se exprime efetivamente<br />
atraves <strong>de</strong> estrategias retoricas.<br />
A <strong>de</strong>fesa que se faz da eficacia, entretanto, nao inclui, evi<strong>de</strong>ntemente, as<br />
estrate~gias<strong>de</strong> conclusao que empregam formulas e clicheS 49 usados mecanicamente,<br />
apenas refowando uma falsa elegancia e ate mesmo uma certa e <strong>de</strong>snecessaria<br />
hipocrisia, tacitamente aceita como mera formalida<strong>de</strong> que ha muito per<strong>de</strong>u 0 sentido<br />
diante dos padroes <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> da vida mo<strong>de</strong>rna e seus reflexos nas relacoes<br />
sociais do mundo do trabalho.<br />
Como ja foi explicado, do total <strong>de</strong> 56 oficios, foram selecionados e<br />
analisados 48, que se distribuiram entre os 4 tipos <strong>de</strong> oficios classificados conforme<br />
os propositos comunicativos mais frequentes. Mas vale a pena chamar a atencao<br />
para alguns aspectos interessantes relativos a uns poucos exemplares que nao<br />
entraram na referida classificacao, por apresentarem uma recorrencia muito baixa<br />
nos seus propositos comunicativos, entre 1 e 2 exemplares.<br />
Um <strong>de</strong>sses exemplares tem como proposito comunicativo principal<br />
oferecer servit;os. Trata-se <strong>de</strong> urn ot1cio emitido por urn orgao ligado a uma<br />
instituicao publica (Escritorio <strong>de</strong> Representac;ao da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Rural <strong>de</strong><br />
Pernambuco em Brasilia), mas que tem sua organizacao retorica semelhante a da<br />
carta <strong>de</strong> promo9iio <strong>de</strong> vendas usada pelas empresas comerciais quando querem<br />
incrementar as vendas <strong>de</strong> seus produtos e servicos, e que foi <strong>de</strong>vidamente analisada<br />
por Bhatia (1993:45-59). Ha <strong>de</strong> se sa1ientar, nesse tipo <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>ncia, 0<br />
acentuado componente retorico, predominantemente persuasivo e incitativo a acao,<br />
proximo ao que acontece nas estrategias <strong>de</strong> marketing e venda. 0 exemplar em<br />
questao (COd. ORET 23) apresenta 6 movimentos; veja-se abaixo, 0 Excerto 2, que mostra<br />
dois movimentos importantes realizados respectivamente em dois paragrafos. 0<br />
49 AlgWls recursos estiHsticos tais como as expressOes formulaicas, os cliches ou chavoes que sao comumente<br />
utilizados na linguagem burocratica merecerao urn estudo mam <strong>de</strong>talhado no Capitulo Tal, que tratam dos
pnmelro panigrafo refere-se ao movimento em que 0 escrevente apresenta<br />
cre<strong>de</strong>nciais da entida<strong>de</strong>, e no segundo, oferece 0 servi90 propondo convenio.<br />
Excerto 2<br />
A Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Rural <strong>de</strong> Pernambuco e a unica IFE do Brasil que tern<br />
urn escrit6rio <strong>de</strong> Representa~o em Brasilia, oficializado por <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial em<br />
1970, caracterizando-o como Orgao <strong>de</strong> Assessoria do Gabinete do Reitor. Isto facilita 0<br />
nosso acesso a informavOes e da legitimida<strong>de</strong> as nossas ~es em Brasilia.<br />
Assim sendo, po<strong>de</strong>mos atraves <strong>de</strong> Convenios com nossa Funda~o - FADURPE,<br />
prestar servivos <strong>de</strong> Representa~ a outras Instituivoes e termos uma posi~o bem mais<br />
arrojadajunto aos MinisMrios e <strong>de</strong>mais Setores da Administra~o Publica e Privada.<br />
A analise ret6rica dos 48 exemplares <strong>de</strong> oflcio possibilitou constatar que<br />
este genero se presta <strong>de</strong> forma muito apropriada aos mais variados prop6sitos<br />
comunicativos e que, apesar da heterogeneida<strong>de</strong> das sequencias textuais e das<br />
diversas formas <strong>de</strong> organizavao ret6rica, SaD perfeitamente reconhecidos pela<br />
comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso que <strong>de</strong>les faz largo uso nas intera~es sociais nos varios<br />
setores da ativida<strong>de</strong> administrativa. Nessa perspectiva, po<strong>de</strong>-se dizer que os<br />
exemplares trabalhados SaDprototipicos <strong>de</strong>ntro das suas especit1cida<strong>de</strong>s e, por isso,<br />
nada impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>ra-los como mo<strong>de</strong>los para a chamada transposi9/io<br />
didtdica <strong>de</strong> que fala Machado (1999: 105).<br />
Acontece, porem, que po<strong>de</strong> haver rupturas nessas supostas (e instaveis)<br />
regularida<strong>de</strong>s atribuidas aos usos mais convencionalizados do oficio. Com efeito,<br />
s~ja por falta <strong>de</strong> urn nivel sutlciente <strong>de</strong> letramento do escrevente que Ihe perm ita urn<br />
conhecimento mais <strong>de</strong>talhado <strong>de</strong> uma a variada gama <strong>de</strong> generos disponivel ao<br />
usmirio, para que ele possa veicular <strong>de</strong> forma apropriada as snas inten\.oes<br />
comunicativas; seja POI urn mero apelo a praticida<strong>de</strong>, a comodida<strong>de</strong>; ou seja, ainda,<br />
por uma consciente ou inconsciente transgressao da convenC;ao,0 fato e que existe<br />
no corpus urn exemplar sui-generis <strong>de</strong> oficio, apresentado na Figura 18, que, apesar<br />
<strong>de</strong> exibir 0 formato diagramatico <strong>de</strong>sse genero, apresenta uma estrutura ret6rica com<br />
passagens mais pr6ximas talvez as da carta aberta, ou as <strong>de</strong> urn manifesto, ou as <strong>de</strong>
um pleito <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, emitido em nome <strong>de</strong> uma instituiyao para <strong>de</strong>sagravo <strong>de</strong><br />
outra instituiyao. Por outro lado, 0 ultimo paragrafo <strong>de</strong>ste texto apresenta um<br />
movimento que e bem tfpico <strong>de</strong> urn oficio, ou melhor, urna conclusao que po<strong>de</strong> ser<br />
reconhecida como sendo <strong>de</strong>sse genero.<br />
Alem da heterogeneida<strong>de</strong> urn pouco mais acentuada nas sequencias<br />
teA1uais(exposiyao, argurnentayao e principalmente 0 relato), 0 que chama a atenyao<br />
no "oficio" em questao (Figura 18) e a ausencia <strong>de</strong> indicadores <strong>de</strong> movimentos<br />
retoricos <strong>de</strong>finidos, ou seja, uma organizayao que explicite uma certa hierarquia dos<br />
propositos comunicativos, como e proprio dos oficios. Na realida<strong>de</strong>, esta-se diante<br />
<strong>de</strong> urn texto que nao se enquadra muito bem nas convenvoes relativas ao oficio, e<br />
certamente tal exemplar <strong>de</strong>ve causar uma certa estranheza aos membros da<br />
comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso usuaria <strong>de</strong>ste genero. Na realida<strong>de</strong>, 0 que faz i<strong>de</strong>ntifica-Io<br />
como oficio e, principalmente, 0 seu formato (mesmo nao apresentando 0<br />
caracteristico timbre da institui¢o) e 0 carater "oticial" atribuido ao seu conteudo.<br />
Afora a hipotese do <strong>de</strong>sconhecimento, por parte do emissor, <strong>de</strong> urn genero mais<br />
a<strong>de</strong>quado para veicular a sua intenyao comunicativa, ha <strong>de</strong> se recorrer a uma outra<br />
possivel explicayao para esse "melange" <strong>de</strong> generos existente no exemplar em tela.<br />
Com efeito, os escreventes po<strong>de</strong>m usar <strong>de</strong> urna certa criativida<strong>de</strong> na produyao <strong>de</strong><br />
generos, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo das particularida<strong>de</strong>s das situayoes sociais a que respon<strong>de</strong>m,<br />
que po<strong>de</strong>m levar esses escreventes a a<strong>de</strong>quar ou adaptar <strong>de</strong>terminados "mo<strong>de</strong>los"<br />
convencionalmente estabelecidos <strong>de</strong> generos a essas <strong>de</strong>terminadas situayoes. Como<br />
assinala Machado (1999:105), parece estar confirmada a tese <strong>de</strong> que, se os generos<br />
po<strong>de</strong>m ser tornados como mo<strong>de</strong>los para a produyao, "ha sempre uma situayao <strong>de</strong><br />
ayao <strong>de</strong> linguagem particular com a qual 0 produtor se <strong>de</strong>fronta que po<strong>de</strong> leva-lo a<br />
a<strong>de</strong>quar esses mo<strong>de</strong>los a essa situayao particular."
PaJmeira dos Indios, 22 <strong>de</strong> abriJ <strong>de</strong> 1999<br />
Oficio N° GRP 005/J 999<br />
Nos que fuzemQs 0 "GRUPO RENA.."CER PALMEJRENSE", composto <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> varios segmentos da<br />
sociedOOe local (Ane:xo), estamos preocupados com os inumeros problemas que afligem 0 municipio <strong>de</strong> Palmeira<br />
dos indios. Parte <strong>de</strong>les sOOso1ucionados pe1a comunida<strong>de</strong>, mas por ouro 1000, alguns exigem a participay80 do<br />
homem publico. Sabemos da importfulcia do politico e do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> em ajudar 0 seu povo. Mas,<br />
infelizmente, temos a consciencia <strong>de</strong> que nem todos sOOmerecedores da conflanya neles <strong>de</strong>positOOa. A vaida<strong>de</strong><br />
pessoal muitas vezes the sobe Ii cabeya, transformando-os em homens publicos <strong>de</strong> "carreira". Para se manter no<br />
po<strong>de</strong>r, utilizam <strong>de</strong> todos os artificios, menos aqueles para que foram eleitos: "Lutar pelo seu povo". A coisa se<br />
agrava quando uma meSIlla comunida<strong>de</strong> tem mais <strong>de</strong> um representante politico. Para mostrarem que sOOmais<br />
competentes, Uluitas vezes usam <strong>de</strong> expedientes que populanuente chamamos <strong>de</strong> "golpes baixos", 1illo importando<br />
o quanto prejudiquem 0 sell povo.<br />
Chegou ao conhecimento <strong>de</strong>sse "Grupo" uma <strong>de</strong>nimcia f€:ita a esta Secretaria <strong>de</strong> Educayao Media e Tecn010gica,<br />
tao hem dirigida por V.Sa., sobre 0 pessi.mo fuucionamento da uossa ETF ALIUNED-PL Niugufu1 melhor do que<br />
nos, pais dos alunos formados por essa unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino, para dizer 0 quanto essa afrrmativa e leviana. Po<strong>de</strong>mos<br />
garantir que eIa e falsa, pois 0 que realmente a popuIay80 <strong>de</strong> nossa microrregiiio tem visto e uma boa formayao<br />
profissionaJ, cultural, inte1ectuaJ, social, polftica e etica dos seus discentes. A direyao <strong>de</strong>ssa esco1a, ao seu corpo<br />
docente e a scus funciouarios, uossa adtnWdl(80 e gratidao etema.<br />
Para informayao <strong>de</strong> V. Sa., no processo seletivo acontccido no final do ano passado, para 0 preenchimento das<br />
vagas oferecidas, t'1fam inSL'ritos 613 alunos (dados tOrnecidos pela E1F ALfUNED-PI), egressos do 1 0 gran maior<br />
da regiao, dos quais 374 (61,Ol%) concorrera:m para 0 Curso <strong>de</strong> Edifica.,oes e 239 (38,99%) para 0 <strong>de</strong><br />
E1etrotecoica. Desse total, 100 estodantes (16,31 %) vieram do &lado <strong>de</strong> Pernambuco, enquanto que a maioria, 513<br />
(83,69%) representaram varias micorrregioes da "terra dos marechais". Permna-nos dizer que un nossa Escola<br />
Tecnica, 0 indioo <strong>de</strong> evasao e minimo (10% aproximadamente) e se isto aconteoou e porque, segundo dados do<br />
prOprio MEC, nosso Estado tem Ulll dos maiores indices <strong>de</strong> analfabetismo e esses estudantes MO se encontravam<br />
em oondil(Oes <strong>de</strong> conseguirem a aprov~ nos cursos escolhidos.<br />
Para coucluinllOS esse <strong>de</strong>poimento, atirmamos que este estabe1ecimento <strong>de</strong> ensino gerou 77 novos empregos, alem<br />
<strong>de</strong> mlnistrar varios cursos a nossa comunida<strong>de</strong>, efutuar diversos convenios para tmea <strong>de</strong> informa.,oes teCllicas e<br />
culturais com nossas universidOOes, com as nossas secretanas municipais elou vizinhas, com institui.,oes<br />
financeiras (agencias), fundal(Oes e instituil(5es privadas. Efetuou, ainda, varias prestal(5es <strong>de</strong> serviyos ao municipio<br />
e procurou <strong>de</strong>senvolver a capacitayiio tecnica <strong>de</strong> seu quOOro<strong>de</strong> funcionfuios.<br />
Queremos apmveitar 0 ensejo e dizer que tomamos conhecimento da possibilida<strong>de</strong> da inclusao <strong>de</strong> novos cursos na<br />
ETFALflJNED.-PI, como 0 <strong>de</strong> Quimica <strong>de</strong> Alimeutos e 0 <strong>de</strong> Const:ruy8o e Instalay..'ies Rurais. Ambos serao bemvindos.<br />
Sendo 0 que se apresellta no momento, co1oca1l1o-nos IIdisposiyao <strong>de</strong>sta Secretaria<br />
GRUPO RENASCER PALMElRENSE<br />
Fraya da In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia, 26 - Centro<br />
57600-01 0 - Palmeira dos Indios - AL<br />
Minil>Wrioda Educayao e do Dei>porto<br />
SECRETARlA DE EDUCA
ocorrem nas intera~es sociais em todos os setores da ativida<strong>de</strong> humana. Consi<strong>de</strong>rese,<br />
contudo, a observavao <strong>de</strong> Bakhtin <strong>de</strong> que para se usar criativamente um genero if<br />
preciso dominii-lo. A esse respeito, vale citar 0 classico exemplo dos Relat6rios <strong>de</strong><br />
Prestavao <strong>de</strong> Contas para 0 Govemo do Estado elaborados por Graciliano Ramos<br />
(1961/1983) sobre as avoes levadas a efeito no municipio nos <strong>anos</strong> <strong>de</strong> 1928 e 19<strong>30</strong>,<br />
quando ele era prefeito <strong>de</strong> Palmeira dos indios, Alagoas. Convem salientar que,<br />
mesmo inovando muito quanto a linguagem e a organizavao ret6rico-discursiva<br />
documento, este nao per<strong>de</strong>u a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relat6rio, assegurada pelo predomfnio<br />
<strong>de</strong> sequencias <strong>de</strong> relato e, principalmente, pelo prop6sito comunicativo, que e<br />
explicitado logo no comevo do texto.<br />
do<br />
Foi dito, ao longo <strong>de</strong>sta analise, que a organizavao discursiva dos oficios<br />
exibe sempre travos persuasivos, que variam <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> contorme a audiencia, 0<br />
prop6sito comunicativo e 0 t6pico abordado. Tambem foi dito que a<br />
correspon<strong>de</strong>ncia oficial e empresarial visa a tres objetivos: a informavao, a<br />
persuasao e a incitavao a avao (Markey et Decoo, 1966:113). Esses tres elementos<br />
tern estreita relavao com a forma pela qual a argumentativida<strong>de</strong> e realizada no<br />
discurso que se observa nos ot1cios. Neste sentido, a argumentativida<strong>de</strong> aqui ten<strong>de</strong> a<br />
privilegiar aspectos praticos da interavao discursiva; aspectos esses que, reconhevase,<br />
sao muito atrelados aos resultados (ou reivindicavoes, melhor dizendo)<br />
pretendidos pelos falantes. Por isso, parece a<strong>de</strong>quado apelar-se para a teoria<br />
argumentativa <strong>de</strong>senvolvida por Toulmin (l95811999io que e mais voltada ao<br />
argumento priitico ou substancial, e que procura explicar melhor a dinamicida<strong>de</strong><br />
ret6rica ou pragmAtica nas avoes humanas, em <strong>de</strong>trimento do argumento te6rico ou<br />
50 Este livro - The Uses of Argument -, publicado em 1958, e uma obra bastante representativa da teona<br />
argumentativa <strong>de</strong> Stephen Toulmin e tambem a mais divulgada.
analitico que e mais a<strong>de</strong>quado a <strong>de</strong>monstravao cientifica, baseada na 16gica formal<br />
(Foss et alii, 1991).<br />
Conforme essa teoria, os individuos que usam argumentos te6ricos ou<br />
analiticos tentam basear suas reivindicavoes em principios universais imutaveis; os<br />
que usam argumentos praticos ou substanciais, por sua vez, baseiam suas<br />
reivindicavoes mais no contexto <strong>de</strong> uma situavao do que em principios abstratos<br />
universais. Evi<strong>de</strong>ntemente, TouImin (1958) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que 0 argumento analftico ou<br />
te6rico, baseado no silogismo classico, e irrelevante (ou insuficiente, mais<br />
precisamente) para dar conta da complexida<strong>de</strong> da argumentavao realizada pelas<br />
pessoas no seu dia-a-dia. Foss et alii (1991:112-3) afirmam que a abordagem <strong>de</strong><br />
Toulmin tern sido consi<strong>de</strong>rada por alguns estudiosos como relevante para 0 estudo<br />
da argumentavao na interavao interpessoal, principalmente no que diz respeito ao<br />
processo <strong>de</strong> persuasao <strong>de</strong> mudanva <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>.<br />
Segundo Foss et alii (1991 :98), 0 elemento mais conhecido da teoria <strong>de</strong><br />
Toulmin e 0 seu layout do argumento pratico, que ele acredita po<strong>de</strong>r evitar a 16gica<br />
formal absolutista sem se apelar ao seu extremo oposto, 0 reiativismo. Com efeito,<br />
Toulmin (1958:7) afirma ser 0 seu mo<strong>de</strong>lo mais baseado no argumento legal, como<br />
o que ocorre na corte <strong>de</strong> justiva, do que na argumentavao 16gico-formal, como<br />
ocorre na <strong>de</strong>monstravao matematica. Desse modo, 0 seu layout se presta<br />
melhormente a uma abordagem ret6rica sobre como as pessoas se comportam ao<br />
comunicarem argumentos. A<strong>de</strong>mais, esse layout partiu do interesse do autor pela<br />
funvao justificat6ria da argumentavao substantiva. Assim, Toulmin <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que 0<br />
uso primordial dos argumentos substantivos e mais justificar (legitimar) <strong>teses</strong> e<br />
reivindicavoes do que inferi-Ias a partir <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>ncias.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente, por brevi da<strong>de</strong>, nao se preten<strong>de</strong> expor aqui toda a<br />
complexida<strong>de</strong> da teoria argumentativa <strong>de</strong> Toulmin. Mas, para efeito da analise que
se preten<strong>de</strong> neste trabalho, necessita-se <strong>de</strong> uma explana9ao sumaria da versao mais<br />
simples do seu layout, que parece ser suficiente para <strong>de</strong>monstrar 0 tipo <strong>de</strong><br />
argumenta9ao mais presente no discurso dos oficios do corpus estudado. Nessa<br />
persPectiva, consi<strong>de</strong>re-se primeiramente que "urn argumento e urn movimento que<br />
vai <strong>de</strong> dados aceitos, atraves <strong>de</strong> uma legitima9ao (ou garantia), em dire9ao a uma<br />
reivindica9ao,,51. 0 layout e, portanto, formado <strong>de</strong> tres elementos chaves 52 , que vao<br />
dispostos no diagrama abaixo, ja <strong>de</strong>vidamente ilustrado com urn exemplo<br />
apresentado originalmente por Toulmin (1958/1999:100)<br />
LEGITIMACAo<br />
Urn homem que nasce nas<br />
Bermudas sera urn cidadao brilfulico<br />
DADOS DA REAUDADE<br />
RENlNDlCACAO<br />
Henry nasceu nas Bermudas Henry e urn cidadao britfmico<br />
Foss et alii (1991 :98), ao exporem a teoria <strong>de</strong> Toulmin, explicam que 0<br />
pnmelfO componente a ser consi<strong>de</strong>rado e a reivindicat;iio, ("claim") que e a<br />
conclusao do argumento que 0 individuo esta procurando justificar. Este<br />
componente respon<strong>de</strong> a pergunta "A que queremos chegar?" ou "0 que<br />
preten<strong>de</strong>mos?". 0 segundo componente sao os dodos da realido<strong>de</strong> ("grounds"), que<br />
sao os dados concretos, fatos ou outras informa90es em que 0 argumento se baseia, e<br />
respon<strong>de</strong>, por sua vez, a pergunta "De on<strong>de</strong> <strong>de</strong>vemos partir?" 0 terceiro componente<br />
<strong>de</strong> urn argumento e a legitimapJo ("warrant"), que e 0 elemento que autoriza nosso<br />
movimento que vai dos dados da realida<strong>de</strong> para a reivindica9ao. Ele respon<strong>de</strong> a<br />
Sl Brockrie<strong>de</strong>, W. and Douglas Ehninger, "Toulmin on argument: an interpretation and application". Quartely<br />
Journal of Speech, 46, February 1%0. (apud Foss, S. et alii, 1991: 100)<br />
52 No original, em ingles, esses tres elementos sao: grounds, warrant e claim. Assume-se a tradu~o <strong>de</strong>sses<br />
componentes, respectivamente, como dad os da realida<strong>de</strong> (ou seja, as bases, as razOes, os motivos, os<br />
elementos factuais, etc.); a legitima¢o (isto e, a garantia, a fundamenta~o, a autoriz~o, a justifica~o, etc.)<br />
e a reivindicar;iio (que tamMm se traduz como pretensao, tese, afirmayao) (Toulmin, 1958 -The Uses qf<br />
Argument).
pergunta "Como posso justificar 0 movimento dos dados da realida<strong>de</strong> para a<br />
reivindica~ao?"<br />
o que distingue os dados da realida<strong>de</strong> da legitima~ao e que a legitima~ao<br />
e geralmente impHcita e os dados da realida<strong>de</strong> sao expHcitos. Esc1are9a-se, ainda,<br />
que a legitima9ao e implicita porque se trata <strong>de</strong> urn conhecimento comparti1hado e<br />
tacitamente aceito <strong>de</strong>ntro dos padroes eticos e valorativos da cultura. Obviamente,<br />
esses padroes regulam os comportamentos e atitu<strong>de</strong>s convencionalizadas pela<br />
i<strong>de</strong>ologia dominante e "naturalizadas", por assim dizer, pelos individuos no convivio<br />
social e comunitario.<br />
o layout do argumento pnitico preconizado por Toulmin, na sua versao<br />
mais simples, po<strong>de</strong> ser aplicado a varias passagens dos textos dos oficios do corpus,<br />
como se ve no esquema a seguir.<br />
A. Excertos <strong>de</strong> oficios <strong>de</strong> solicita9ao<br />
Exemplo 1<br />
o Cole-gio Batista Alagoano iffi promover nos dia 03, 04 e 05 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong><br />
1999, os m JOGOS DA INTEGRAc;AO DAS ESCOLAS EVANGELICAS DO<br />
NORDESTE, em comemora~ aos 80 <strong>anos</strong> <strong>de</strong> sua funda~o.<br />
Para tanto, solicitamos <strong>de</strong> v.s a a cessao do ginasio <strong>de</strong> esportes <strong>de</strong>ssa<br />
conceituada institui~, a fim <strong>de</strong> que possamos realizar uma das modalida<strong>de</strong>s dos<br />
jogos em <strong>de</strong>staque. (ORET 5)<br />
Legitimayao:<br />
Na nossa eultura, as instituir;oes edueaeionais po<strong>de</strong>m reeorrer a outras<br />
instituiqoes eongeneres quando neeessitam <strong>de</strong> algum prestimo. Essa i,<br />
portanto, uma pratiea legitimamente justifieada.<br />
Dados da realida<strong>de</strong>: 0 Cotegio Batista Alagoano Ira promover nos dias 03, 04 e 05<br />
<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1999, os III JOGOS DA Il'vTEGRA(:AO ...<br />
Tendo em vista a realiza~ do 17 0 Concurso para Procurador da Republica,<br />
cuja prova esta prevista para 0 dia 02/05/99 e consi<strong>de</strong>rando as 6timas instalayOes<br />
<strong>de</strong>ssa institui~o <strong>de</strong> ensino, gentilmente cedidas por ocasmo dos concursos
anteriores, wHeim <strong>de</strong> V.S·, mais uma vez, permlSsao para util~o das<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>neias da Escola Tecnica Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Alagoas, na data supra eitada. (ORET<br />
20)<br />
Legitimayao: 0 orgiio solicitante tem legitimida<strong>de</strong> hieriirquiea para fazer tal<br />
solieita9iio, e as <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nciasjii.foram eedidas anteriormente, etc.<br />
Dados da realida<strong>de</strong>: A Procuradoria da Repzlblica em Alagoas vai realizar 0 17°<br />
Concurso para Procurador ...<br />
Reivindicayao: Solicita a permissiio da ETFAL para usar suas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncias para<br />
realizar as provas.<br />
Encaminhamos 01 (uma) via do Termo <strong>de</strong> Convenio <strong>de</strong> Est:igio <strong>de</strong><br />
Complementa9fto <strong>de</strong> Ensino e Aprendizagem EscoIar firmado entre os Correios -<br />
Regional <strong>de</strong> Alagoas - e essa Institui9fto <strong>de</strong> Ensino. (ORET 24)<br />
Legitimayao: it <strong>de</strong> praxe, na nossa eliltura administrativa, que as partes envolvidas<br />
em convenios tenham essa a9iio consolidada atraves <strong>de</strong> docl/mentos, e<br />
este <strong>de</strong>ve ser mantido em arquivo para quaisquer eventualida<strong>de</strong>s.<br />
Dados da realida<strong>de</strong>: Houve 0 estabelecimento <strong>de</strong> um convenio entre os Correios e a<br />
ETFAL e isso gerou um doeumento.<br />
Reivindicayao: Os Correios (Empresa Brasileira <strong>de</strong> Correios e Tetegrafos) envia 0<br />
documento para a ETFAL visando ratificar 0 compromisso.<br />
Gostariamos <strong>de</strong> convida-lo(s) a partieipar do VII Encontro Regional <strong>de</strong><br />
CPPTAS - "Os Caminhos da Autonomia", a ser realizado me nossa Universida<strong>de</strong>,<br />
na Sala <strong>de</strong> Atos III, no periodo <strong>de</strong> 14 a 16 <strong>de</strong> julho do corrente ano.<br />
Nesta oportunida<strong>de</strong> discutiremos questoes ligadas diretamente ao nosso dia a<br />
dia universit:irio razao pela qual, aereditamos, <strong>de</strong>vam estar envolvidos nesta<br />
discussao, niio somente as ComissOes Pennanentes <strong>de</strong> Pessoal Tecnico<br />
Administrativos, mas tambem os Orgaos <strong>de</strong> Recursos Hum<strong>anos</strong> e Sinrucatos.<br />
(ORET 13)<br />
Legitimayao: Hii uma praxe administrativa <strong>de</strong> se manter 0 contato, a solidarieda<strong>de</strong> e 0<br />
intercambio <strong>de</strong> ac;oessigntficativas entre as instituic;oes congeneres.<br />
Dados da Realida<strong>de</strong>: A Comissiio Permanente <strong>de</strong> Pessoal Tecnico Administrativo da<br />
UFRGS vai promover 0 HI Encontro Regional <strong>de</strong> CPPTAS no<br />
perfodo <strong>de</strong> 14 a 16 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1999, on<strong>de</strong> se diseutiriio aSSllntos<br />
<strong>de</strong> interesse tamMm <strong>de</strong> 6rgiios <strong>de</strong> Recursos Hllm<strong>anos</strong> e<br />
Sindieatos.<br />
Reivindicayao: A Comissao Organizadora solicit a a presenc;a <strong>de</strong> representantes da<br />
ETFAL, ou seja, eonvida-a para 0 evento.
Comunicamos a V.Sa. a liber~ do audit6rio <strong>de</strong>sta Escola, com isenyao da<br />
taxa <strong>de</strong> utilizayao, para 0 dia 27 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1998, as 20 h, por ocasiao das<br />
solenida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Colayao <strong>de</strong> Grau dos formandos <strong>de</strong> Agronomia <strong>de</strong>ssa<br />
Universida<strong>de</strong>.<br />
Infonnamos que se fuz necessaria a presenya do responsavel pelo evento,<br />
junto ao Departamento <strong>de</strong> Administrayao Geral <strong>de</strong>sta Escola, para a assinatura do<br />
cootrato <strong>de</strong> locayao. (OEET 6)<br />
LegitiII1aVao: Na administraqao pllblica e privada, a concessao <strong>de</strong> alguns servi90s<br />
estIJsujeita a regulamentos e exigencias, geralmente intermediadas por<br />
documentos escritos.<br />
Dados da realida<strong>de</strong>: 0 Centro <strong>de</strong> Ciencia~'Agrarias da UFAL solicitou gratuitamente<br />
uso do auditljrio da ETFAL para a colarao <strong>de</strong> grau dos fiJrmandos<br />
em agronomia e 0pedido foi atendido.<br />
Reivindicayoo:<br />
A ETFAL in.forma da necessida<strong>de</strong> da presenra do responsavel pelo<br />
evento junto ao Departamento <strong>de</strong> Administraqiio para assinar 0<br />
contrato <strong>de</strong> loearao, ou seja, a ETFAL pe<strong>de</strong> a.formaliza
ela~ao simetrica com seus pares numa rodada <strong>de</strong> cerveja no fim <strong>de</strong> semana com os<br />
amigos e familiares. Assim, como dizem Freedman & Medway (1994:7), "cada<br />
contexto especifico implica urn papel diferente e envolve diferentes regras<br />
motivacionaispara 0 que contani como persuasivo".<br />
Nos exemplares <strong>de</strong> oficio do corpus estudado, as argumenta~oes sao<br />
legitimadas <strong>de</strong>ntro dos padroes eticos su~jacentes as praticas administrativas e<br />
empresariais na nossa cultura, cabendo aos escreventes utilizar estraregias<br />
argumentativas eficazes para veicular suas <strong>teses</strong> e reivindica~oes,com base nesses<br />
fundamentos tacitamente aceitos entre os membros da comunida<strong>de</strong>. E 0 que<br />
geralmente faz urn usuario eficiente <strong>de</strong> oficios no seu contextoprofissional.
6. ANALISE DOS ELEMENTOS LINGUiSTICO-TEXTUAIS<br />
E RETORICO-GRAMATICAIS DOS OFICIOS<br />
6.1 A linguagem burocrdtica: suas caractensticas e suas marcas na linguagem<br />
dos oficios<br />
primeiramente<br />
Para analisar os elementos fonnais da linguagem dos oficios,<br />
se faz necessario consi<strong>de</strong>rar a linguagem burocratica - 0 chamado<br />
burocrates -, ou seja, 0 registro lingiiistico <strong>de</strong> usn comum na burocracia<br />
administrativa, <strong>de</strong> que ja se falou anteriormente. Como se sabe, trata-se <strong>de</strong> urn tipo<br />
<strong>de</strong> linguagem <strong>de</strong> uso especifico nas institui90es publicas e privadas que aparece<br />
principalmente na modalida<strong>de</strong> escrita da lingua. Este tipo <strong>de</strong> prosa institucional esm<br />
presente em toda sorte <strong>de</strong> documentos e publica90es oficiais do servi90 publico<br />
fe<strong>de</strong>ral, estadual e municipal, e aparece tambem na correspon<strong>de</strong>ncia administrativa<br />
oficial e empresarial. Segundo Mendon9a (1987:12),<br />
juridiques 53 ,<br />
E diflcil caracterizar 0 burocrates. Nao e mn dialeto da lingua porque<br />
nao e adquirido naturall11ente, nao e <strong>de</strong>lil11itado geografical11ente, nao e<br />
excluido das relavoes oficiais e goza <strong>de</strong> maior prestigio que a lingua<br />
padrao. Nao e Ul11jargao, porque suas especificida<strong>de</strong>s nao se situam<br />
apenas no nivel lexical, mas 11lcluem0 nivel sintatico e 0 da organizavao<br />
do discurso.<br />
No caso brasileiro, e uma subvarieda<strong>de</strong> lingiiistica profissional da<br />
lingua portuguesa, baseada na linguagem juridica, adquirida<br />
artificiall11enteatraves <strong>de</strong> procedimentos preestabelecidos.<br />
Assinala ainda a citada autora que 0 burocrates,<br />
sendo caudaffirio do<br />
<strong>de</strong>ste conserva algumas caracteristicas, mas possui aspectos pr6prios,<br />
53 A linguagem juridica, ou juridiques, apresenta algumas caracteristicas pr6prias, <strong>de</strong>ntre as quais, apontam-se<br />
as seguintes:<br />
- palavras comuns com sign!/icados incmmms: "[Irma" e sinonimo <strong>de</strong> assinatura, mas na linguagem juridica e 0 nome<br />
usado pelo comerciante ou industrial no exercicio <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s;<br />
-palavras e expre5~\!iJesarcaicas: "siro a", "inserto em", "cim-os e os hei citado", "promiss6ria vincellda";<br />
palavras e expressiJes latinas: "habeas corpus", "ad referendum", "ex-officio", "ad hoc";<br />
gina Oil lingllagem profissional: "custas por fora" (propina);<br />
muitos termosformais: "no resguardo <strong>de</strong>", "<strong>de</strong> hii muito", "subscrever";<br />
palavras OilexpressiJes <strong>de</strong> stgnificafiio elastica: "por influencia in<strong>de</strong>vida", "soma consi<strong>de</strong>nivel";<br />
a redundancia como forma tie atingir extrema precisiio: "lugar iucerto e nao sabido", "direito liquido e cerio".<br />
(Meliukoff, 1978 - The Langllageofthe Law. Boston: Little, Broml & Co. apud Mendonva,1987:13-14)
que se evi<strong>de</strong>nciam especialmente nos usos lexicais e nas c011Stru~oesgramaticais.<br />
Entretanto, acrescenta a autora, as duas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunica~ao mantem "um<br />
continuum que vai do uso formal 'geral' ate as formas mais divergentes <strong>de</strong>sse uso"<br />
burocn\tica,<br />
No que respeita as rela~oes entre a linguagem juridica<br />
e a linguagem<br />
<strong>de</strong>ve-se atentar para 0 fato <strong>de</strong> que ambos os registros infringem as<br />
regras <strong>de</strong> uso comum da lingua nonnalmente adquiridas natural e inconscientemente<br />
no convivio social. Ao contrario, as regras <strong>de</strong>ssas duas linguagens (0 juridiques e 0<br />
burocrates) tem que ser aprendidas artificial e conscientemente. Sao, portanto,<br />
linguagens para uso e aplica~ao nos seus contexios especificos, e a que poucas<br />
pessoas tem acesso. 0 dominio relativamente razmivel do burocrates, por exemplo,<br />
po<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolver com a constante recep~ao e produ~ao <strong>de</strong> generos textuais em<br />
algumas ativida<strong>de</strong>s no mundo do trabalho, principalmente naquelas em que a pratica<br />
profissional envolve a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contatos oficiais com institui~oes<br />
govemamentais ou empresariais, geralmente na lingua escrita 54 • Entretanto, convem<br />
salientar que a linguagem juridica possui um carater ainda mais restrito e<br />
acentuadamente "magico e ritualistico pelo uso <strong>de</strong> formas juridicas no lugar <strong>de</strong>vido<br />
e nas circunstfulcias especificas" (Mendon~a, 1987:22). A linguagem burocratica,<br />
mesmo nao apresentando as fortes caracteristicas simb61icas e ritualisticas da<br />
linguagem juridica,<br />
<strong>de</strong>tem um po<strong>de</strong>r especifico, ja que 0 seu usa e regulado e<br />
normatizado, como bem 0 diz a citada autora na seguinte passagem:<br />
Os regulamentos e as normas <strong>de</strong>vem ser obe<strong>de</strong>cidos, havelldo SallyOeS<br />
para os que nao 0 fazem. As regras SaD <strong>de</strong>terminadas pelo sistema<br />
burocnitico sem consulta previa aqueles que <strong>de</strong>verao obe<strong>de</strong>cer a elas. Os<br />
que nao fazem parte das institui~oespublicas e privadas, quando tem <strong>de</strong><br />
negociar com as mesmas, <strong>de</strong>vem faze-lo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> termos estabelecidos<br />
pelas instituiyoes. Isso cria um sistema <strong>de</strong> comunicayao fechado, que e<br />
54 Trata-se, obviamente, <strong>de</strong> uma instancia muito especifica do processo <strong>de</strong> letramento. A prop6sito, lembra<br />
Marcuschi (2001 :20): "Em todas as areas <strong>de</strong> trabalho hit alguem que se especializa nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produ~o<br />
textual especifica. Ate mesmo os chefes e diretores <strong>de</strong> empresas recorrem a essa pessoa. Nao e por nada que<br />
as secretitrias (c.om reda~o propria) silo muito valorizadas e prezadas, ganhando salitrios superiores aos das<br />
colegas <strong>de</strong> outras tarefas".
eflexo <strong>de</strong> urn sistema administrativo tambem fechado, hierarquizado,<br />
impessoal, autoritano, com usos estranhos (Mendonya, 1987 :22).<br />
Com efeito, pelo menos no que se refere a correspon<strong>de</strong>ncia oficial, ou<br />
seja, aquela relativa a administravao dos orgaos governamentais, os regulamentos e<br />
as normas <strong>de</strong> que fala a autora estao atualmente consubstanciadas no Manual <strong>de</strong><br />
Redafiio da Presi<strong>de</strong>ncia da RepUblica, emitido pela Secretaria da Administravao<br />
Fe<strong>de</strong>ral. Em 1992, este orgao fez baixar a Instruyiio Normativa N° 4, publicada no<br />
Diario Oficial da Uniao em 09/04/92, "com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> consolidar as regras<br />
constantes do Manual <strong>de</strong> Redacao da Presi<strong>de</strong>ncia da Republica, tornando obrigatoria<br />
sua observacao para todas aquelas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicacao oficial comuns aos<br />
orgaos que compoem a Administravao Fe<strong>de</strong>ral" (p.13?).<br />
Ainda com relacao as normas oficiais, vale citar uma publicacao da<br />
Subsecretaria <strong>de</strong> Assuntos Administrativos do Governo Fe<strong>de</strong>ral e da Consultoria<br />
Juridica do MEC que tern sido uma obra <strong>de</strong> referencia nas institui¢es em que os<br />
exemplares do corpus <strong>de</strong>ste trabalho foram colhidos. Trata-se das "Normas Sobre<br />
Correspon<strong>de</strong>ncias e Alos Q!iciais" que, na sua sa edicao (1998), seguem a Instrucao<br />
Normativa N° 04/92. Na apresentav3.0 <strong>de</strong>ste material, le-se que 0 manual procura<br />
aten<strong>de</strong>r "a crescente <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> instituicoes governamentais e nao-governamentais,<br />
bem como da socieda<strong>de</strong>, em concorrer para maior sistematizacao e melhor<br />
padronizacao das comunica¢es administrativas" (p.7). Na introducao da referida<br />
obra tem-se uma clara exposivao das caracteristicas vigentes da linguagem<br />
burocratica que se recomenda sejam observadas na correspon<strong>de</strong>ncia oficiaL Veja-se<br />
abaixo, na integra, tal exposivao:<br />
A e1aborl1l(ao <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>ncias e atos oficiais <strong>de</strong>ve caracterizar-se pe1a<br />
impessoalida<strong>de</strong>, uso do padrao culto da linguagem, clareza, concisao,<br />
formalida<strong>de</strong> e ulliformida<strong>de</strong>.<br />
No caso da redayao oficial, quem comullica e sempre 0 Serviyo Pilblico;<br />
o que se comullica e sempre algum assullto relativo as atribuiyoes do orgao<br />
que comunica; 0 <strong>de</strong>stinatario <strong>de</strong>ssa comunicayao ou e 0 publico, 0 conjunto
dos cidadaos, ou outro 6rgao publico. A redayao oficial <strong>de</strong>ve ser isenta <strong>de</strong><br />
interferenciada individualida<strong>de</strong><strong>de</strong> quem a elabora.<br />
As cornunicayoesoficiais <strong>de</strong>vern ser sempre formais, isto e, obe<strong>de</strong>cerern<br />
a certas regras <strong>de</strong> forma. A clareza do texto, possibilitando irnediata<br />
cornpreensaopelo leitor, 0 uso <strong>de</strong> papeis uniformes e a correta diagrarna~ao<br />
sao indispensaveis para a padronizayao das cornunicayoesoficiais. 0 texto<br />
<strong>de</strong>ve ser cOl1ciso,transrnitil1dourn maximo <strong>de</strong> informayoescorn urn minimo<br />
<strong>de</strong> palavras.<br />
(Normas sobre Correspon<strong>de</strong>ncia e Alos Oficiais, 1998: 11)<br />
Como se ve na cita¢o acima, a caracteristica da formalida<strong>de</strong> na<br />
correspon<strong>de</strong>ncia oficial e explicada como sendo relativa a "certas regras <strong>de</strong> forma".<br />
Na realida<strong>de</strong>, a questao nao se esgota por at. AMm <strong>de</strong>ssas tormas convencionais<br />
externas (geralmente atribuidas apenas a superficie lingo.istica e a questoes <strong>de</strong><br />
padronizavao estetica e diagramatica do genero), a formalida<strong>de</strong> existente nos<br />
generos que realizam a correspon<strong>de</strong>ncia e os atos oficiais tern, sim, semantica e<br />
pragmaticamente, urn forte componente ret6rico evi<strong>de</strong>nciado no tratamento<br />
cerimonioso, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ferencia e <strong>de</strong> respeito que aumenta <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> a medida em<br />
que a audiencia esta mais ligada as posivoes <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Quando a audiencia nao goza<br />
<strong>de</strong> muita credibilida<strong>de</strong>, ou st:.ja,quando nao ocupa urn lugar social <strong>de</strong> alto prestigio,<br />
a fonnalida<strong>de</strong> no tratamento se reveste <strong>de</strong> frieza e <strong>de</strong> <strong>de</strong>spojamento. Trata-se,<br />
portanto, <strong>de</strong> uma convenvao implicitamente i<strong>de</strong>ol6gica que brota das forma90es<br />
discursivas que se foram historicamente consolidando e se "naturalizando" nessas<br />
instancias <strong>de</strong> uso do discurso institucional. Como diz Fairclough (1995a:94), "as<br />
conven90es discursivas naturalizadas SaD0 mecanismo mais eficaz para manter e<br />
reproduzir as dimensoes i<strong>de</strong>ol6gicas da hegemonia".<br />
Outro tra90 bem caracterfstico da linguagem burocratica, e que vem<br />
assinalado logo no inicio da citada exposivao oficial, e a impessoalida<strong>de</strong>. Nao se<br />
trata apenas, evi<strong>de</strong>ntemente, da impessoalida<strong>de</strong> como proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguns verbos<br />
<strong>de</strong>scritos nas nossas gramatic.as normativas, mas da anula9ao da autoria do individuo<br />
escrevente e <strong>de</strong> qualquer travo que evi<strong>de</strong>ncie explicitamente a marca da sua pessoa,
ou seja, da sua subjetivida<strong>de</strong> 55 •Enfim, preten<strong>de</strong>-se que 0 escrevente se anule ou se<br />
apague enquanto sujeito da sua produ~ao textual. E isto esta bem claro no fim do<br />
segundo panigrafo daquela cita~ao: "A reda~ao oficial <strong>de</strong>ve ser isenta <strong>de</strong><br />
interlerencia da individualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem a elabora". Tal recomenda~ao se explica<br />
pelo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> "agencia institucional": nao e 0 redator quem age e fala, e sim a<br />
institui~ao- 0 servi~o publico -, e por extensao, a empresa, a corpora~ao.Convem<br />
retomar aqui algumas consi<strong>de</strong>ra~oesrelativas ao contexto enunciativo em que se dit<br />
a produ~aodos oficios,jit discutido anteriormente.A bem da verda<strong>de</strong>, acrescente-se,<br />
existem tres "entida<strong>de</strong>s" envolvidas nessa produ~ao:0 redator, isto e, 0 escrevente<br />
enquanto "escriba", mero organizador do texto; 0 locutor ou emissor, entendida<br />
como a pessoa que assina, ou seja, "a quem e imputada a responsabilida<strong>de</strong> do<br />
enuneiado" (Duerot, 1987:183), e 0 enunciador, ou seja, a institui~ao,etlla voz e a<br />
dominante 56 .<br />
Feitas essas consi<strong>de</strong>ra~es, convem, em seguida, verificar-se como a<br />
linguagem burocratica se realiza nos exemplares <strong>de</strong> oficio presentes no corpus<br />
estudado, eonsi<strong>de</strong>rando, primeiramente, essas duas importantes, e talvez as<br />
principais, caraeteristicas <strong>de</strong>ssa linguagem, quais sejam, a [ormalida<strong>de</strong> e a<br />
impessoalida<strong>de</strong>, atraves do exame <strong>de</strong> suas marcas lingiiisticasnos niveis diseursivo,<br />
textual, sintatico e lexical.<br />
Como 0 ponto <strong>de</strong> vista adotado neste trabalho se volta mais para uma<br />
perspeetiva retoriea, melhor seria talvez nem se falar em "nfveis", prineipa1mentese<br />
eles forem vistos <strong>de</strong> forma estanque e isolada. Com efeito, sera mais coerente<br />
realizar-se a analise <strong>de</strong>ssas mareas linguisticas na perspeetiva <strong>de</strong> uma gramfttica<br />
55 E interessante ressaltar tambem que a no¢o <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> e muitas vezes vista apenas como anronima<br />
<strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong>. Esta, por sua vez, implica a no¢o <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong>, como ocorre tarnMm na vlsaO<br />
conservadora do discurso cientifico, que recomenda 0 uw da 3 3 pessoa.<br />
56 Embora esses construtos <strong>de</strong> Ducrot (1987) 000 consi<strong>de</strong>rem a enunciayao no sentido do conte},.'toi<strong>de</strong>o16gico<br />
on<strong>de</strong> se da a intera¢o, os termos locutor indicando 0 responsavei imediato peio enunciado eo enunciador<br />
indicando a voz institucional, parecem dar conta da polifonia aqui consi<strong>de</strong>rada.
et6rica 57 , consi<strong>de</strong>rando-se que a situa~ao retorica - a audiencia, 0 prop6sito e 0<br />
t6pico - <strong>de</strong>terminam nao so 0 genero, mas tambem as escolhas gramaticais. Assim,<br />
enten<strong>de</strong>r a gramatica retorica significa enten<strong>de</strong>r as escolhas gramaticais disponiveis<br />
quando se escreve, e os efeitos retoricos que essas escolhas acarretam no leitor<br />
(Kolin, 1999:3). Dito <strong>de</strong> outra forma, a analise dos elementos retorico-gramaticais<br />
tern como objetivo investigar 0 relacionamento entre as escolhas gramaticais e suas<br />
fun~oes retoricas na superficie textualldiscursiva. Bhatia (1993 :6-7) lembra que esse<br />
procedimento ja vem sendo utilizado por varios lingiiistas, a exemplo <strong>de</strong> Selinker,<br />
Lackstrom e Timble (1973) que a usaram no estudo do ingles escrito no ambito da<br />
ciencia e da tecn010gia.<br />
Percebe-se, primeiramente, que a formalida<strong>de</strong> aparece marcada nos<br />
oficios logo a partir dos proprios vocativos, que e urn elemento constitutivo do<br />
formato do genero, aparecendo em 46 dos 48 exemplares do corpus (96 %).<br />
Obviamente, esses vocativos variam conforme 0 grau <strong>de</strong> formalida<strong>de</strong> exigido pela<br />
posi~ao social da audiencia, ou melhor, conforme a posi~ao ocupada pela audiencia<br />
na escala hierarquica dos postos vigentes nos diversos escaloes da organiza~ao<br />
administrativa, principalmente no servi~o publico, mas com reflexo tambem na<br />
empresa privada. As formas com que aparecem esses vocativos estao dispostas no<br />
Quadro 1, conservando-se inclusive as grafias (por eh.ienso ou abreviadas) com que<br />
aparecem nos exemplares.<br />
57 A gramatica retbrica <strong>de</strong>fendida por Kolln (1999) parece guardar semelhanyas com a gramatica fitncional<br />
preconizada por Michael Halliday e seguidores. Como diz Neves (A gramatica .fimcional, 1997:3), "a<br />
gramiitica funcional, a.o analisar a estrutura gramatica1, ela inc1ui nessa analise 0 prop6sito do evento <strong>de</strong> fala,<br />
os participantes e 0 c.ontexto discursivo".
Vocativo Recorrencia %<br />
Senhor Diretor 21 43,8<br />
Prezado Senhor<br />
Prezado(a) Senhor(a) 8 16,6<br />
Prezados( as) Senhmes( as)<br />
Outros vocativos:<br />
Senhor Dirigente, Senhor Diretor Geml, Senhor<br />
Procurador, Senhora Chefe, Sra Chefe,<br />
Sr.Diretor, Sr.Chefe, Sr.Gerente, Sr(a)<br />
Professor(a), Sr.Parlamentar, Sr.Coor<strong>de</strong>nador,<br />
Excelentissimo Senhor, Magnifico Reitor,<br />
Ilustrissimo Senhor.<br />
17 35,4<br />
Outra marca da formalida<strong>de</strong> se evi<strong>de</strong>ncia nos pronomes <strong>de</strong> tratamento<br />
(tambem chamados <strong>de</strong> formulas <strong>de</strong> tratamento) que, naturalmente, tambem variam<br />
conforme as audiencias, tal como ocorre com os vocativos, e com estes guardam a<br />
<strong>de</strong>vida coerencia 58 • Nos exemplares <strong>de</strong> oficio do corpus, verificou-se 0 uso muito<br />
recorrente <strong>de</strong> vossa Senhoria e 0 uso muito rarefeito <strong>de</strong> Vossa Excelencia. Dentre os<br />
48 exemplares do corpus, 8 nao apresentam pronomes <strong>de</strong> tratamento nos seus textos.<br />
As maneiras como esses pronomes sao grafadas tambem po<strong>de</strong>m variar, ou melhor,<br />
eles po<strong>de</strong>m aparecer abreviados ou grafados por extenso, como se ve no Quadro 2<br />
abaixo.<br />
58 A respeito disso, le-se em Beltrao (l993:75-76) 0 seguinte: "Claro ou subentendido, por extenso ou abreviado, 0<br />
pronome [<strong>de</strong> tratamento] reflete diferenya hiemrquica, tom respeitoso ou nao, bem como enseja 0 reconhecimento <strong>de</strong><br />
textos extra-rotina ou <strong>de</strong> rotina, ou a distinyiio entre a correspon<strong>de</strong>ncia interna e a extern a on a inter<strong>de</strong>partamenta!;<br />
exemplos: -<br />
- Em correspon<strong>de</strong>ncia externa cerimoniosa: Solieito a Vossa Senhoria 0 envio <strong>de</strong> ...<br />
- Em correspon<strong>de</strong>ncia extema informal: ,501ieito a V.Sa. 0 envio <strong>de</strong> ...<br />
- Em correspon<strong>de</strong>ncia inter<strong>de</strong>partamental: Solieilo-llte 0 envio <strong>de</strong> ...<br />
- Em correspon<strong>de</strong>ncia interna: Solietto a envio <strong>de</strong> ..."<br />
o uso <strong>de</strong> pronomes <strong>de</strong> tratamento e um trayo cultural da correspon<strong>de</strong>ncia oficial e empresarial nos paises <strong>de</strong> lingua<br />
portuguesa. E1es illexistem, por exemplo, na correspon<strong>de</strong>ncia oficial e empresariallla lingua inglesa.
Fonnula <strong>de</strong> Tratamento Recorrencia %<br />
V.Saou V.sa. <strong>30</strong> 62,5<br />
Vossa Senhoria 6 12,5<br />
V.Exa. 2 4,2<br />
Vossa Excelencia 1 2,0<br />
V.Maga. 1 2,0<br />
Como se ve, 0 tratamento mais frequente e V.S a (Oll V. Sa), grafado<br />
assim, <strong>de</strong> forma abreviada. Coinci<strong>de</strong>ncia ou nao, 0 Vossa SenJwria escrito por<br />
extenso aparece em 3 dos 8 oficios <strong>de</strong> convite para eventos. Consi<strong>de</strong>rando-se a<br />
natureza mais acentuadamente persuasiva <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> oficio, essa e certamente<br />
uma forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar <strong>de</strong>ferencia, sendo tambem uma discreta estrategia ret6rica<br />
<strong>de</strong> envolvimento. Explica-se 0 uso do outro tratamento mais formal: 0 exemplar em<br />
que aparece 0 fr~Exa. (assim, abreviado) e dirigido a urn parlamentar, isto e, a urn<br />
<strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral (OEET 4); 0 exemplar em que aparece 0 Vossa Excelencia por<br />
extenso e oritmdo do Tribunal <strong>de</strong> Contas <strong>de</strong> Sao Paulo (ORET 21), ou seja, provem <strong>de</strong><br />
urn 6rgao da area juridica, cIlia linguagem e mais formal e mais conservadora.<br />
Ainda em rela9ao aos pronomes <strong>de</strong> tratamento, e interessante notar-se<br />
que, nos exemplares <strong>de</strong> oficio do corpus, eles sao usados parcimoniosamente ao<br />
longo do texto. Assim sendo, <strong>de</strong>ntre todos os 48 offcios que formam 0 corpus, eles<br />
aparecem tres vezes em apenas urn (1) texto; duas vezes em cada texto <strong>de</strong> 10<br />
exemplares; apenas uma vez em cada texto <strong>de</strong> 29 exemplares, e simplesmente nao<br />
aparecem em 9 exemplares. Convem reconhecer-se que essa parcimonia no uso e<br />
essa ausencia dos pronomes <strong>de</strong> tratamento ao longo dos textos tern aver tambem
com a questao da impessoalida<strong>de</strong>.<br />
impessoalida<strong>de</strong> - se imbricam.<br />
Aqui, as duas caracteristicas - formalida<strong>de</strong> e<br />
Apesar <strong>de</strong> os compendios <strong>de</strong> gramatica normativa e os manUalS <strong>de</strong><br />
correspon<strong>de</strong>ncia oficial, a exemplo <strong>de</strong> Beltrao (1993:74), prescreverem que a<br />
concordancia dos pronomes <strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong>ve ser feita com a 3 a pessoa do singular<br />
ou do plural, em alguns dos exemplares <strong>de</strong> oficio analisados observou-se 0 uso do<br />
possessivo vosso e vossa, como se ve nas seguintes passagens, on<strong>de</strong> eles aparecem<br />
<strong>de</strong>vidamente grifados:<br />
(1) "Para abrilhantar a reuniao <strong>de</strong> abertura, solicitamos vossa autorizacao para a<br />
apresentacao do CORAL DA ESCOLA TECNICA FEDERAL DE ALAGOAS ... "(ORET 38)<br />
(2) "Certos <strong>de</strong> vossa atenyao, antecipamos nossos sinceros agra<strong>de</strong>cimentos e<br />
aguardamos pronunciamento sobre nosso pleito." (ORET 38)<br />
(3) "Neste sentido, gostariamos <strong>de</strong> contar com a vossa colaborayao para que fosse feita<br />
a maior divulgayao possivel" (ORET 25)<br />
(4) "Encaminhamos 0 presente convite a fun <strong>de</strong> contarmos com a vossa importante<br />
presenya no evento ..." CORET <strong>30</strong>)<br />
A insistencia no uso do possessivo vosso, vossa evi<strong>de</strong>ncia a <strong>de</strong>ferencia e<br />
o tom respeitoso que sao componentes da formalida<strong>de</strong> entendida como um ritual<br />
cerimonioso e que tem marcado tradicionalmente a linguagem burocratica,<br />
principalmente quando os propositos comunicativos sao solicitar algum prestimo e<br />
convidar para eventos. Sem duvida, trata-se <strong>de</strong> uma estrategia retorica que visa<br />
persuadir a audiencia. Evi<strong>de</strong>ntemente, ha uma gradavao <strong>de</strong>sse tom cerimonioso<br />
conforme a credibilida<strong>de</strong> da audiencia.<br />
A formalida<strong>de</strong> tamoom e marcada nos exemplares estudados atraves do<br />
uso <strong>de</strong> frases e formulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z que soam como uma certa pomposida<strong>de</strong> ou<br />
rebuscamento, algo muito criticado explicitamente pelos mo<strong>de</strong>rnos manuais <strong>de</strong><br />
redavao oficial e empresarial, a exemplo <strong>de</strong> Gold (1999:20), que cOllsi<strong>de</strong>ra essas
expressoes formulaicas como chavoes 59 • No dizer da autora, 0 chavao e "um vicio<br />
<strong>de</strong> estilo ja incorporado como linguagem do texto empresarial,,60. Apesar <strong>de</strong> todas as<br />
recomenda90es para 0 banimento <strong>de</strong>sses expedientes na reda9ao oficial e<br />
empresarial, eles parecem resistir, principalmente como mecanismo <strong>de</strong> conclusao do<br />
texto. No corpus estudado, com 48 exemplares, foi verificada a recorrencia <strong>de</strong>sse tal<br />
recurso vicioso em 11 oficios (cerca <strong>de</strong> 23%). Neste sentido, san consi<strong>de</strong>radas ja<br />
esvaziadas certas formulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z e cortesia utilizadas nos fechos dos ot1cios,<br />
sendo, portanto, chavoes, como as que se seguem:<br />
(5) "Aproveitamos 0 ensejo para apresentar a V.s a as nossas expressoes da mais aita<br />
consi<strong>de</strong>racao e apreco." (ORET 29)<br />
(6) "Nesta oportunida<strong>de</strong>, renovo a Vossa Exce1encia a manifestayao <strong>de</strong> meu elevado<br />
apr~.o" (ORET 21)<br />
(7) "Sendo s6 para 0 momento, aproveitamos a oportunida<strong>de</strong> para renovar os nossos<br />
protestos <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rayao." (ORET lli'<br />
(8) "Renovamos, por oportuno, nossos protestos <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rayao e estima." (ORET 37)<br />
Mas outras expressoes consi<strong>de</strong>radas chavoes ou cliches que po<strong>de</strong>m soar<br />
como afeta9ao tambem ocorrem nos inicios e no meio do primeiro paragrato do<br />
teA10,introduzindo 0 prop6sito comunicativo, como na passagem abaixo, on<strong>de</strong> uma<br />
<strong>de</strong>ssas expressoes aparece <strong>de</strong>vidamente grifada:<br />
(9) "Incumbiu-me 0 Sf. Capitao <strong>de</strong>s Portos <strong>de</strong> Alagoas <strong>de</strong> solicitar os bODS oficios <strong>de</strong> V.S a no<br />
sentido <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r por emprestimo quatro murais no periodo <strong>de</strong> 24/05 a 15/06/99, a fim<br />
<strong>de</strong>sta Capitania realizar uma exposi¢o <strong>de</strong> quadros sobre a Marinha do Brasil." (ORET 14)<br />
Ainda com rela9ao a formalida<strong>de</strong> no sentido do uso recorrente <strong>de</strong><br />
algumas f6nnulas, mesmo nao sendo um tra90 consi<strong>de</strong>rado positivo pelos mo<strong>de</strong>mos<br />
planificadores e refonnadores da linguagem burocratica, ja que san tidas como<br />
5' Os chavoes sao tambem chamados <strong>de</strong> cliches. '~m estiHstica, chama-se cliche toda expressao rebuscada<br />
que constitui urn <strong>de</strong>svio em rela¢o a norma e que se acha vulgarizado pelo emprego bastante freqtiente<br />
que lhe foi feito." Dicionario <strong>de</strong> Lingiiistica <strong>de</strong> Jean Dubois et alii (1993) Sao Paulo, Editora Cultrix, p.<br />
112.<br />
60 Como ja foi discutido no capitulo anterior, nao se <strong>de</strong>ve confundir 0 use vicioso das formulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z<br />
(chavoes ou cliches) com 0 uso eficaz e pertinente <strong>de</strong> expressOes e frases que transmitem elegfulcia e boa
<strong>de</strong>sgastadas, vale frisar a sua recorrencia nas introduvoes, ou seja, logo no inicio do<br />
prirneiro panigrafo dos textos. Elas esmo presentes em 25% dos exernplares (12<br />
<strong>de</strong>ntre os 48 exemplares do corpus) e tambem parecem resistir aos atuais esforvos <strong>de</strong><br />
sirnplificavao da linguagern na correspon<strong>de</strong>ncias oficial e ernpresariaL Vejarn-se<br />
abaixo alguns exernplos <strong>de</strong>sses expedientes, que van <strong>de</strong>vidarnente grifados:<br />
(10) "Servimo-nos <strong>de</strong>ste para solicitar a V.sa se existe interesse <strong>de</strong>sta Instituiyao em<br />
prover ..." (ORET 29)<br />
(12) "Vimos, por meio <strong>de</strong>ste, mui respeitosamente, convocar V.S a a participar <strong>de</strong><br />
uma OFlCINA ..." (ORET 8)<br />
(13) "Vimos, pelo presente, comunicar a V.sa que este Departamento promovenl uma<br />
Palestra ..." (ORET37)<br />
(14) «Cumprimentando V.S" ao tempo em que encaminhamos para conhecimento e<br />
provi<strong>de</strong>ncias ..." (ORET 31)<br />
(15) «Formnlo a Vossa Senhoria mens cnmprimentos e venho convida-lo, em nome<br />
do Senhor Luiz Carlos Bresser Pereira... (ORET I)<br />
o esfowo <strong>de</strong> sirnplificavao da linguagern burocnitica nos atos, nos<br />
docurnentos governamentais e na correspon<strong>de</strong>ncia oficial e empresarial no nosso<br />
pais tern naturalrnente contribuido positivamente em rnuitos aspectos,<br />
principalrnente no que respeita ao banirnento do uso <strong>de</strong> formulas arcalcas e<br />
empoladas, que a faz parecer uma linguagem para iniciados, <strong>de</strong> carater exclu<strong>de</strong>nte.<br />
De fato, aMrn do uso <strong>de</strong> terminologias tecnicas especificas, a linguagem burocratica,<br />
quando revestida <strong>de</strong> suas tradicionais caracteristicas estilisticas, se transforma num<br />
serio problema <strong>de</strong> compreensao para as pessoas extern as as suas comunida<strong>de</strong>s<br />
discursivas, ou s~ja, para as pessoas que nao estao diretamente ligadas aos setores da<br />
burocracia adrninistrativa em instituivoes publicas e particulares.<br />
educayiio como recursos persuasivos, principalmente quando hil incitamento a ~o. Como foi visto, isto<br />
geralmente ocorre nos oflcios <strong>de</strong> solicita¢o e nos <strong>de</strong> convite para evento.
Ha <strong>de</strong> se conVlr, entretanto, que esse esfowo <strong>de</strong> simplifica~iio tern<br />
tambem propiciado alguns equivocos. Isso certamente se <strong>de</strong>ve ao intento <strong>de</strong><br />
"1impar" essa linguagem, alijando <strong>de</strong>la alguns fortes componentes do que se<br />
costuma chamar <strong>de</strong> retorica ornamental (ou seja, tida normalmente como<br />
ornamental, mas, vale dizer, nem sempre gratuita) <strong>de</strong> que se revestia a linguagem<br />
burocratica ao longo <strong>de</strong> sua secular tradi~ao, principalmente no que concernia a<br />
escritura <strong>de</strong> cartas. Entretanto, essa "assepsia" niio <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>scaracterizar 0 oficio<br />
como urna forma <strong>de</strong> realizar autenticas intera90es discursivas, sociais, pragmaticas<br />
e, portanto, retoricas, que sac reflexos dos comportamentos sociais e das rela~oes <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r nas esferas por on<strong>de</strong> esse genero circula.<br />
Diante isso, e reportando-se aos equivocos aventados, convem assinalar a<br />
distowao verificada nas normas e nos manuais <strong>de</strong> reda~ao oficial e empresarial que<br />
classificam mecanicamente como simples "fechos" (tambem confundidas como<br />
conclusoes) as formulas atenciosamente, respeitosamente, cordialmente, cordials<br />
sauda90es, etc., que prece<strong>de</strong>m a assinatura do remetente responsavel pelo ot1cio 61 .<br />
Na realida<strong>de</strong>, trata-se <strong>de</strong> formulas <strong>de</strong> sauda9lio, ou cumprimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida, <strong>de</strong><br />
uso perfeitamente natural e legitimado nesse genero, ja que 0 oficio e urn tipo <strong>de</strong><br />
carta, e a carta, como se sabe, segue 0 ritual da conversa~ao. No maximo, po<strong>de</strong>r-seia<br />
dizer que as formulas <strong>de</strong> sauda~ao ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida "fecham" a intera~ao. Tratase,<br />
portanto, <strong>de</strong> urn dispositivo retorico ou pragmatico <strong>de</strong> uso consagrado no genero<br />
oficio. Nos 48 exemplares analisados, essas formulas aparecem com urna<br />
recorrencia consi<strong>de</strong>ravel, apesar <strong>de</strong> nao aparecerem em 6 exemplares. Vt:.la-se<br />
abaixo 0 Quadro 3 que mostra a recorrencia <strong>de</strong>sses dispositivos.<br />
61 Essa maneira <strong>de</strong> classificar as f6nl1ulas <strong>de</strong> saudayao como "fechos" esta presente tanto nas Normas sobre<br />
Correspon<strong>de</strong>ncias e Atos Oficiais (1998), como em manuais <strong>de</strong> redayao oficial e empresarial, a exemplo<br />
<strong>de</strong> Beltrao (1993), Cruz (2000) e Gold (1999). Em Cunha (1994:35), essas formulas sao chamadas <strong>de</strong><br />
"[echo ou conc1usao".
Quadro 3 - Recorrencia das formulas <strong>de</strong><br />
saud~ao ou <strong>de</strong>spedida<br />
Formula Recorrencia %<br />
Atenciosamente 38 79,2<br />
Cordialmente 2 4,2<br />
Mu:ito atenc:iosamente I 2,0<br />
Saudayoes 1 2,0<br />
Ainda a proposito <strong>de</strong>ssas fOrmulas <strong>de</strong> saudayao, vale acrescentar algumas<br />
intorma~oes a respeito da evolu~ao da sua presen~a nos oficios. Em exemplares <strong>de</strong><br />
oficio do seculo XVIII 62 po<strong>de</strong>m-se ver as sauda~oes "DelLS Guar<strong>de</strong> a Vossa<br />
Excelencia muitos <strong>anos</strong>" ou simplesmente "Deus Guar<strong>de</strong> V. Exa". Essas formulas<br />
estao presentes tambem em oficios do seculo XIX. 63 Gutra formula <strong>de</strong> sauda~o <strong>de</strong><br />
que se tern noticia e que vigorou nos oficios e cartas nas primeiras <strong>de</strong>cadas no nosso<br />
pais foi Sait<strong>de</strong> e Fraternida<strong>de</strong> (Beltrao, 1993:279). Segundo esse autor, a formula<br />
foi criada por Benjamin Constant, e, em tempo <strong>de</strong> guerra ou rebeWio, trocava-se<br />
SaMe e Fraternida<strong>de</strong> por paz e Fraternida<strong>de</strong>. Retroce<strong>de</strong>ndo no tempo, informa<br />
ainda 0 autor que a formula Sau<strong>de</strong> ja aparecia em oficios no seculo XIII, ou seja, no<br />
tempo que a literatura portuguesa dava seus primeiros passos.<br />
Finalmente, ha <strong>de</strong> se ressaltar, nessa questao da forma1ida<strong>de</strong> dos oficios,<br />
o rebuscamento do vocabultuio que aparece aMm das frases e expressoes<br />
formulaicas e dos termos tecnicos especificos dos temas neles abordados. Trata-se<br />
<strong>de</strong> palavras <strong>de</strong> gosto urn tanto erudito ou conservador, certos eufemismos, alguns<br />
62 Essas sauday3es foram observadas em exemplares autenticos <strong>de</strong> oficio do Arquivo Hist6rico Ultramarino<br />
(Torre do Tombo -Lisboa) In: Martinheira (1997) Tipologias documentais da administra¢o do antigo<br />
regime. Torre do Tombo, Lisboa.<br />
63 Oficios da epoca. da Revolu¢o <strong>de</strong> 1817, em Pernambuco, po<strong>de</strong>m se encontrados nos Documentos<br />
Hist6ricos Vol. eIV - Biblioteca Nacional. Divisao <strong>de</strong> Obms Raras e Public~es, 1954.
esquicios do juridiques, termos abstratos ou inespecificos, e ainda termos do jargao<br />
burocratico. Enfi~ palavras diferentes daquelas encontradas nas interavoes do<br />
nosso dia-a-dia, e que contribuem para incrementar a formalida<strong>de</strong> do genero em<br />
quesUio. Todo esse Iexico formal e abstrato que aparece nos oficios integra esse<br />
genero no chamado estilo ojicial que se expan<strong>de</strong> para outros generos peculiares a<br />
burocracia estatal e empresarial. Evi<strong>de</strong>ntemente, esse Iexico tern muito a ver com 0<br />
prestigio e a legitimayao do po<strong>de</strong>r institucional, como foi apontado por Fowler<br />
(1985:69).<br />
Dentre as palavras e expressoes que compoem esse vocabulario as vezes<br />
rebuscado (no sentido <strong>de</strong> incomum) e, no mais das vezes, formal (no sentido <strong>de</strong><br />
elaborado), que aparece nos exemplares, tem-se, por exemplo, os verbos ensejar,<br />
catalizar, tramitar, proferir, promover, ministrar, expedir, submeter, dignar-se,<br />
proce<strong>de</strong>r, compartilhar, absorver, provi<strong>de</strong>nciar, averbar, instn.lir, etc.; e alguns<br />
grupos nominais como<br />
finalida<strong>de</strong> precipua, conVeIDOcelebrado, convenio finnado, laudo pericial,<br />
custos advindos, custos operacionais, espirito publico, materiais subtraidos,<br />
servidores lotados, termo lavTado, processo seletivo, consulta<br />
<strong>de</strong>partamental, contato previo, torya <strong>de</strong> traba1ho, indisponibi1ida<strong>de</strong><br />
orcamentitria, indigitada condicao <strong>de</strong> periculosida<strong>de</strong>, processo <strong>de</strong><br />
redistribuicao, politica econ6mica govemamenta1, exc1usao automatica do<br />
direito ao correspon<strong>de</strong>nte adicional, etc.<br />
Constatam-se tambem algumas frases com arcaismos do tipo "sito it Rua<br />
Barao <strong>de</strong> Atalaia", "solicito os bons oficios", e uma expressao em latim - "situayao<br />
<strong>de</strong> pro tempore ". Verifica-se ainda uma quantida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ravel <strong>de</strong> substantivos<br />
abstratos e/ou <strong>de</strong> significayao inespecifica 64 como, por exemplo,<br />
64 Substantivos inespecificos san aqueles que tern significac;ao arnpla, mas que tern seus sentidos<br />
especificados <strong>de</strong>ntro do discurso, ou seja, quando sua rea1iza~o lexical ocorre textualmente, <strong>de</strong>ntro do
pleito, pronunciamento, evento, dados, dinfunica, membro, qua1ificayao,<br />
realiza~ao, mobihda<strong>de</strong>, apolO, entida<strong>de</strong>, flexibilida<strong>de</strong>, discussao,<br />
informayOes, processo, acertos, categoria, c1ientela, esc1arecimentos,<br />
comunida<strong>de</strong>, conhecimento, provi<strong>de</strong>ncias, responsabi1ida<strong>de</strong>, anaIise,<br />
sistema, interveniencia, ava1iayao, procedimento, compromlSSO,<br />
colaborayao, moda1ida<strong>de</strong>, institui~ao, 6rgao, <strong>de</strong>liberayao, instruyoes,<br />
possibilida<strong>de</strong>, empenho, atuayao, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncias, instalayoes, interesse,<br />
a1temativas,etc.<br />
Dentre os efeitos ret6ricos que esses itens Iexicais promovem na<br />
intera~ao discursiva, vale a pena salientar 0 efeito atenuante, ou seja, 0 conhecido<br />
elifemismo, que se verifica nos grupos nominais como "indisponibilida<strong>de</strong><br />
orr;amentaria" para se referir a cronica faita <strong>de</strong> verba para se realizarem a~oes <strong>de</strong><br />
interesse dos servidores, e "indigitada condir;iio <strong>de</strong> periculosida<strong>de</strong>" para se referir as<br />
pessimas condi~oes <strong>de</strong> trabaIho, inclusive com risco <strong>de</strong> vida, a que os trabalhadores<br />
tern que se subrneter nas reparti~oes governarnentais e nas ernpresas privadas.<br />
Quanto a profusao <strong>de</strong> terrnos abstratos e inespeciticos, convern ressaltar 0<br />
ja rnencionado estilo ojicial (official style) abordado por Lanham (1999: 1-2), e por<br />
ele caracterizado como "a linguagern das burocracias das gran<strong>de</strong>s organiza~oes; urna<br />
linguagern centrad a nos nornes, cheias <strong>de</strong> abstra~oes estilticas". Cornenta 0 autor<br />
que, atuairnente, esse estilo tern influenciado gran<strong>de</strong>rnente a prosa escrita ern varios<br />
setores do mundo do trabalho. Evi<strong>de</strong>ntemente, essa ten<strong>de</strong>ncia esta irnbricada na<br />
questao da impessoalida<strong>de</strong> que, junto a forrnalida<strong>de</strong>, perrneia os documentos e a<br />
correspon<strong>de</strong>ncia na burocracia adrninistrativa.<br />
enunciado, consi<strong>de</strong>rando, obviamente, outros componentes textuais e discursivospara<br />
sentidos. (Araujo, 1996:122-5).<br />
integrar os seus
A impessoalida<strong>de</strong> na linguagem dos ot1cios e marcada principalmente por<br />
meio <strong>de</strong> dois recursos: a voz passiva e a nominaJizaf;/io que, nao raro, co-ocorrem<br />
nos textos burocn'lticos. Pragmatica ou retoricamente falando, os efeitos mais<br />
corriqueiros <strong>de</strong>sses dois recurs os retorico-gramaticais sac a enfase no objeto da af;iio<br />
e 0 consequente enfraquecimento ou apagamento dos agentes e 0 distanciamento<br />
dos interactantes. Dito <strong>de</strong> outra forma, tais processos ten<strong>de</strong>m a anular ou obscurecer<br />
a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a agenda expHcita dos interactantes, tentando eliminar assim os<br />
possiveis trayos <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> e envolvimento no processo interativo.<br />
Segundo Biber (1988:228), as construyoes na voz passiva tem si<strong>de</strong><br />
consi<strong>de</strong>radas como urn dos mais importantes marcadores na superflcie textual do<br />
estilo <strong>de</strong>scontextualizado que estereotipicamente caracteriza a escrita,<br />
principalmente nos generos que circulam nos ambitos protissionais e aca<strong>de</strong>micos.<br />
Este processo resulta sempre numa apresentayao da informayao <strong>de</strong> forma mais<br />
abstrata e mais estMica.<br />
A voz passiva e muito frequente nos generos da burocracia<br />
administrativa, principalmente naqueles que se enquadram no que se po<strong>de</strong> chamar<br />
<strong>de</strong> provisoes legislativas,65 ou seja, leis, estatutos, regimentos, regulamentos,<br />
contratos, etc. No excerto abaixo, veja-se como a voz passiva "impessoaliza" a ayao<br />
da instituiyao que esta impondo 0 regulamento:<br />
A funcionana casada e assegurado 0 direito <strong>de</strong> licen~a para acompanhar<br />
o marido, se 0 marido, no exercicio da ativida<strong>de</strong> civil ou militar, ou sendo<br />
servidor da Administracao Direta ou Indireta do Estado e, por forca do<br />
oficio, for mandado servir fora do Pais, ou em outro ponto do territ6rio<br />
nacional ou do Estado. (frfanual do SenJidor. Secretaria <strong>de</strong> Administrayao -<br />
Governo <strong>de</strong> Pernambuco, 1984)61><br />
liS Esta expressao e a traduyao literal <strong>de</strong> "legislative provisions", termo utilizado por Bhatia (1993: 101ss),<br />
cuja pesquisa tem sido direcionada tambem a alguns generos <strong>de</strong>sta area,<br />
61> Citado por Mendonya (1987:17).
Mendonya (1987) e outros estudiosos preocupados com a reformulayao e<br />
a simplificayao das linguagens juridica e burocratica, a exemplo <strong>de</strong> Tiersma (1999) e<br />
Shuy (1998), criticam 0 uso abusivo da voz passiva nos generos administrativos.<br />
Alegam eles que esse processo, quando se esten<strong>de</strong> por longas passagens do texto,<br />
costuma diticultar 0 processamento da compreensao, principalmente quando essas<br />
construyoes passivas nao envolvem agentes hum<strong>anos</strong>. Ainda a proposito disso,<br />
Tiersma (1999:206) cita estudos realizados por Charrow and Charrow (1979) em<br />
que se constatou que as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> compreensao <strong>de</strong> orayoes com passivas<br />
ocorrem mais quando estas vem em ora90es subordinadas. Reconhe9a-se, portanto,<br />
que quando vem em orayoes principais, as apassivavoes nao oferecem problemas<br />
67<br />
para 0 entenillmento .<br />
Com eteito, ha <strong>de</strong> se reconhecer que a voz passiva, quando usada <strong>de</strong><br />
forma equi1ibrada e com a <strong>de</strong>vida parcimonia, e realmente um recurso eficaz para<br />
traduzir tun dos principios basicos da burocracia enquanto sistema administrativo: a<br />
eficiencia nas afoes. De fato, como lembra Mendon9a (1987:17-18), na burocracia<br />
administrativa, "contam mais os resultados da ayao do agente do que 0 agente da<br />
ayao". Assim, a voz passiva, por centrar-se mais no objeto da avao, realiza bem esse<br />
prop6sito. Portanto, 0 uso da passiva nao se <strong>de</strong>ve unicamente a busca <strong>de</strong> uma<br />
impessoalida<strong>de</strong>; na realida<strong>de</strong>, esse uso e <strong>de</strong>corrente da propria estrutura do sistema<br />
burocnltico, que tern na eficiencia seu principal objetivo.<br />
No corpus estudado, <strong>de</strong> 48 exemplares, as orayoes na voz passiva 68<br />
apresentam uma frequencia razoavel, aparecendo em 24 textos (50 % do total <strong>de</strong><br />
67 Charrow, Robert P. and Veda R Charrow (1979) "Making legal language un<strong>de</strong>rstandable: a<br />
psychohnguistic study of jury instruction." 79 Colum. L. Rev. 1<strong>30</strong>6.<br />
68 Na lingua portuguesa, a voz passiva se fuz por dois processos: a) com auxiliar + participio (Ele e estinuulo<br />
por todos. Fa; feila a emenda. ); b) com 0 pronome apassivador se (AJugam-se apartamentos. Ventlem-se<br />
terrenos.) LUFT, Celso Pedro (I 976) Jvlo<strong>de</strong>ma GramaticaBrasileira. Porto Alegre, Editora Globo. p.133.
exemplares).<br />
Em cada um <strong>de</strong>sses 24 exemplares, as apassiva~oes aparecem com<br />
recorrencias variadas, como se po<strong>de</strong> ver no Quadro 4 abaixo.<br />
Quadro 4 - Recorrencia das apassivayoes no corpus<br />
com 48 exemplares <strong>de</strong> oficio<br />
Recorrencia <strong>de</strong><br />
apassivayoes<br />
Quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> textos<br />
(em cada urn <strong>de</strong>les)<br />
1 vez 10<br />
2 vezes 7<br />
3 vezes 3<br />
4vezes 2<br />
5 vezes 1<br />
6 vezes 1<br />
Diante dos dados acima, nao se po<strong>de</strong> falar exatamente em uso abusivo;<br />
pelo contrario, dir-se-ia que 0 emprego da passiva nos exemplares <strong>de</strong> oficio<br />
analisados ate que e equilibrado e, a bem dizer, razoavelmente bem distribuido, aMm<br />
<strong>de</strong> nao oferecer, praticamente, quaisquer dificulda<strong>de</strong>s para a compreensao, como se<br />
vera nas passagens que virao adiante. Neste sentido, vejam-se abaixo algumas<br />
passagel1Sem que 0 uso da passiva nos oficios se da como mera forma <strong>de</strong> dar enfase<br />
a a~ao ou ao objeto da a~ao.<br />
(17) "... solicito a V. sa que sejam afixados, em local <strong>de</strong> acesso ao pUblico, nesse<br />
organ, os cartazes que seguem em anexo." (ORET 18)<br />
(18) "Salientamos que nio serio consi<strong>de</strong>radas frequencias e notas <strong>de</strong> alunos que<br />
nao estejam reguiarmente matriculados no sistema." (ORLC I)<br />
(19) "Ressaltamos que ja foi expedida a Certidao <strong>de</strong> Inteiro Tenr do Termo <strong>de</strong><br />
Ratificacao <strong>de</strong> Escrituras Pliblicas <strong>de</strong> Doayao, ..." (ORET 12)<br />
No mais das vezes, ocorrem passagens em que hit ora~oes passivas com<br />
omissao do agente, como se ve acima, nos excertos (17), (18) e (19), mas ocorrem<br />
tamoom ora~oes com a presen~a <strong>de</strong>ste, como se po<strong>de</strong> verificar nos excertos abaixo:
(21) "A referida palestra sera ministrada por tecnicos da BRi\SQUIMICA -<br />
Produtos Asfalticos Ltda. (ORET 37)<br />
(22) "... encaminhamos a V.s a 0 Questiomirio <strong>de</strong> Avaliayao dos Cursos, juntamente<br />
com a c6pia da prova que foi aplicada, para que seja procedida sua analise e<br />
avaliayao pelos professores do Departamento <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> CIassicas e<br />
Vemaculas, para posterior envio aquele Instituto. (ORLC 5)<br />
Mas e na omissao do agente da passiva, como se sabe, on<strong>de</strong> mais se<br />
verificam os efeitos retoricos <strong>de</strong> impessoalida<strong>de</strong> e distanciamento. No excerto<br />
abaixo (23), no primeiro paragrafo e no inicio do segundo, percebe-se que urn dos<br />
agentes da passiva omitidos (0 dos verbos <strong>de</strong>mitir e permitir) e 0 Governo, 0 Estado.<br />
A <strong>de</strong>cisao <strong>de</strong> omitir esse agente evi<strong>de</strong>ncia uma estrategia retorica eficaz do emissor,<br />
que, obviamente, e funcionario publico. E compreensivel que ele procure evitar uma<br />
critica negativa muito explicita ao Govemo, ou seja, ao seu proprio empregador.<br />
Esta critica frontal seria, sem duvida, uma atitu<strong>de</strong> muito inconveniente,<br />
principalmente para quem ocupa cargos <strong>de</strong> confianva no servivo publico.<br />
(23) E sabido que ha uma <strong>de</strong>cisao politica <strong>de</strong> se <strong>de</strong>mitirem trinta e tres mil<br />
servidores publicos fe<strong>de</strong>rais.<br />
Preliminarmente, gostariamos <strong>de</strong> ressaltar que, nos Ultimos tres <strong>anos</strong>, nio<br />
nos foi permitido repor a forya <strong>de</strong> trabalho originada por aposentadorias<br />
voluntarias e exonerayoes incentivadas, muitas <strong>de</strong>las, pelo programa <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>missao voluntaria. (OEET 4)<br />
A voz passiva com omissao do agente tambem aparece como urn recurso<br />
para se evitarem envolvimentos pessoais exp1icitos dos interactantes, ou seja, uma<br />
maneira <strong>de</strong> se manter uma especie <strong>de</strong> distanciamento ou resguardo das<br />
subjetivida<strong>de</strong>s,<br />
abaixo:<br />
mesmo quando se trata <strong>de</strong> solicitavoes, como se ve nas passagens<br />
(24) "...gostariamos <strong>de</strong> que as provi<strong>de</strong>ncias fossem tomadas, no sentido <strong>de</strong><br />
agilizarmos com a digitayao das notas dos alunos." (OELe 3)<br />
(25) "Neste sentido, gostariamos <strong>de</strong> contar com a vossa colaborayao para que fosse<br />
feita a maior divulgayao possivel nesta conceituada Instituiyao ..."<br />
(ORET25)<br />
(26) "Solicitamos que, ap6s a assinatura por V.S a e pela FAPEC, nossas respectivas<br />
vias sejam en<strong>de</strong>r~das ao Gabinete do Reitor da UFPB." (ORET 11)
Interessante notar-se que, frequentemente, 0 recurso da apassiva~ao como<br />
forma <strong>de</strong> marcar a impessoalida<strong>de</strong> e mesc1ado, ou melhor, atenuado pela forma<br />
modalizada "gostarfamos" para introduzir a solicita~ao com poli<strong>de</strong>z, como se ve nos<br />
excertos (24) e (25) acima. Obviamente, essa forma verbal na primeira pessoa do<br />
plural (gostariamos) e, tambem, uma outra forma <strong>de</strong> mistifica~ao da agencia. Ela e<br />
atribufda nao a urn ser concreto, mas a uma entida<strong>de</strong> abstrata (a empresa, a<br />
reparti~ao, a institui~ao, 0 servi~o publico, a corpora~ao, etc.). Finalmente, veja-se,<br />
no excerto abaixo (27), como a apassiva~ao contribui para dar a ilusao, pelo<br />
apagamento dos agentes, <strong>de</strong> que nao ha urn "responsavel" direto pelas a~oes, ou<br />
seja, no caso, pelos d<strong>anos</strong> causados aos trabalhadores que exercem ativida<strong>de</strong>s<br />
perigosas e insalubres nas empresas publicas e particulares, e como 0 trato <strong>de</strong>ssa<br />
materia termina <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisoes arbitranas.<br />
(27)
"Espero que V.S a responda as nossas indagayoes a fim <strong>de</strong> que se esclareyam as<br />
dtrv'idas que dizem respeito as <strong>de</strong>cisoes que foram tomadas na ultima reuniao."<br />
"Espero sua resposta as nossas indagm:;oes para fins <strong>de</strong> esclarecimento das<br />
diividas a respeito das <strong>de</strong>cisoes tomadas na lIltima reuniiio. "<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista retorico, entretanto, as nominalizavoes sao, como as<br />
apassiva
adjetivos) po<strong>de</strong>m ser caracterizados como fonnas estaticas da lingua, enquanto que<br />
os verbos e os adverbios po<strong>de</strong>m ser caracterizados como formas dindmicas. Desse<br />
ponto <strong>de</strong> vista, portanto, po<strong>de</strong>-se afirmar que as nominaliza90es sao maneiras <strong>de</strong><br />
"congelar a a9ao", eliminando, tambem, as vozes dos agentes. Alem disso, convem<br />
lembrar que urn conteudo altamente nominalizado num texto indica urn foco<br />
informacional mais abstrato, diferentemente do que ocorre num foco narrativo<br />
interPessoal, em que ocorrem informa90es mais situadas (Biber, 1988:227). Segundo<br />
Tiersma (1999:206), as nominaliza90es tambem acarretam uma certa dificulda<strong>de</strong><br />
para a compreensao, ja que sao mais diflceis <strong>de</strong> processar do que as formas verbais<br />
correspon<strong>de</strong>ntes.<br />
Para se ter uma percep9ao mais clara das nomina1iza90es em exemplares<br />
<strong>de</strong> oflcio do corpus em estudo, vale recorrer-se a uma especie <strong>de</strong> "retroescrita" do<br />
teA'topara recuperar as formas verbais correspon<strong>de</strong>ntes. Esta versao aparece a direita<br />
do corpo principal do offcio <strong>de</strong> infonna9ao e esclarecimento abaixo (Cod. OEET6), que<br />
apresenta quatro ocorrencias consi<strong>de</strong>nlveis <strong>de</strong> nominaliza9ao por conversao <strong>de</strong><br />
verbo em substantivo.<br />
Comunicamos a V.Sa. a libera~ao do<br />
audit6rio <strong>de</strong>sta Escola, com isem;llo da taxa<br />
<strong>de</strong> ntiliza~ao, para.0 dia 27 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />
1998, as 20 11, por ocasilio das solenida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> Cola
Alem das formas nominais obtidas pela conversao <strong>de</strong> frases verbais em<br />
substantivos, tambem po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>radas nominaliza~es os adjetivos70 que<br />
apare.cem como formas reduzidas <strong>de</strong> ora90es subordinadas adjetivas. 71 . Essas<br />
redu90es tambem sao consi<strong>de</strong>radas como recursos eficientes para promover a<br />
concisao e a economia recomendadas pelos manuais <strong>de</strong> redacao oficial e<br />
empresariaLEntretanto, ao utilizarem iormas nominais do verbo, retoricamente,este<br />
recurso tambem proporciona urn efeito <strong>de</strong> estaticida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>scontextualizacao<br />
geralmenteencontradona prosa burocratica.<br />
Para mostrar algumas das nominalizacoes por redu9ao <strong>de</strong> ora~es<br />
adjetivas presentes no corpus, convem se valer do mesmo recurso utilizado para<br />
mostrar as nominalizacoes por conversao <strong>de</strong> verbo em substantivo. Sendo assim,<br />
veja-se abaixo 0 corpo principal do texto <strong>de</strong> urn offcio (COd. ORET 27) e a sua direita a<br />
"retroescrita" on<strong>de</strong> se evi<strong>de</strong>nciamas oracoes adjetivas que foram reduzidas.<br />
Cumprimentando V. Sa. e, objetivando<br />
oferecer as Unida<strong>de</strong>s Escolares que participaram<br />
do Concurso Vestibular da UFAL<br />
uma resposta wbre 0 <strong>de</strong>sempenho dos seus<br />
estudantes neste certame, remetemos Relatonos<br />
dos Oassificados no CV-99, os quais<br />
i<strong>de</strong>ntificam 0 numero <strong>de</strong> alunos inscritos e<br />
classificados que concluiram 0 Ensino Medio<br />
nessa Escola.<br />
Salientamos, ainda, que os presentes<br />
dados referem-se a todos os inscritos e nao<br />
apenas aos concluintes <strong>de</strong> 1998.<br />
Cumprimentando V.Sa. e, objetivando<br />
o.terecer as Unida<strong>de</strong>s que participaram do<br />
Concurso Vestibular da UFAL uma respos<br />
ta sabre 0 <strong>de</strong>sempenho dos seus estudantes<br />
neste catame, remetemos Relat6rios dos<br />
alunos que se classifu:aram no CV-99, as<br />
quais i<strong>de</strong>ntificam as numeros <strong>de</strong> alunos que<br />
se inscreveram, que se classijicaram e que<br />
concluiram 0 Ensino A1edio nessa Escola.<br />
Salientamos, ainda, que as presentes<br />
dados rejerem-se a todos os que se inscrel'eram<br />
e nao apenas aos que concluiram<br />
em 1998.<br />
711 No Dicionario <strong>de</strong> Lingiiistica e Gramatica <strong>de</strong> 1. Mattoso Camara, no verbete NOME, le-se "Grupo <strong>de</strong><br />
palavras que se op5e ao verbo pelo valor estatico dos seus semantemas. (...) Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua funyao na frase<br />
ou conjugayao num sintagma lexical, os nomes se divi<strong>de</strong>m em substantivo e adjetivo, mas muitas vezes M.<br />
uma fOffila 6nica, que po<strong>de</strong> ser no sintagma lexical- <strong>de</strong>telminado (substantivo), ou <strong>de</strong>terntinante (adjetivo).<br />
71 As OfayOes subordinadas adjetivas levam esse nome por funcionarem como adjetivos. "Anexas ou<br />
justapostas, mediante um pronome relativo, a um substantivo (nome ou pronome), dlamado antece<strong>de</strong>nte,<br />
funcionam como adjuntos adnominais (sem pausa), ou como apostos (com pausa), <strong>de</strong>sse substantivo. Dai a<br />
subdivisao: restritivas (adjuntos adnominais) I explicativas (apostos)". Essas OfayOesapresentam-se <strong>de</strong> forma<br />
<strong>de</strong>senvolvida ou reduzida. A reduyao se
Obviarnente, ha co-ocorrencia dos dois processos <strong>de</strong> norninaliza9ao em<br />
varios exemplares, como se po<strong>de</strong> ver no paragrafo abaixo (Excerto 28), retirado <strong>de</strong><br />
urn oficio <strong>de</strong> solicita9ao.<br />
(28) Em cumprimento ao art. 43, inciso IV, da Lei nO8.666/93, que ensejou a<br />
Res01uyao do TSE nO 19,820, publicada no Diario da Justiya <strong>de</strong> 08.04.97,<br />
com crirerios <strong>de</strong> ap1icay8o <strong>de</strong>finidos na IN nO03 <strong>de</strong> 08.05.97, da SCI daque1e<br />
Tribunal, so1icito os bons oficios <strong>de</strong> V.S a , no sentido <strong>de</strong> infonnar a taxa <strong>de</strong><br />
1ucro praticada na contrata~ao <strong>de</strong> serviyo <strong>de</strong> vigi1ancia, 1impeza e<br />
conservayao, prestado a esse Orgao no periodo <strong>de</strong> 1966 a maio <strong>de</strong> 1999.<br />
(ORET4)<br />
Alias, a bem da verda<strong>de</strong>, no corpus analisado, verificou-se, varias vezes,<br />
a co-ocorrencia dos tres processos nUffimesmo tex'to, ou seja, as apassiva95es, as<br />
nominaliza90es por conversao <strong>de</strong> verbo em substantivo e as nominaliza90es<br />
redu9ao <strong>de</strong> ora90es subordinadas adjetivas aparecem ao mesmo tempo em cerca <strong>de</strong><br />
25% dos textos (12 exemplares num total <strong>de</strong> 48). Os dois paragrafo do excerto<br />
abaixo (29), retirados <strong>de</strong> outro oficio <strong>de</strong> solicita9ao, ilustra bem essa co-ocorrencia.<br />
(29) Levamos ao conhecimento <strong>de</strong> Vossa Senhoria Portaria n° 1477 <strong>de</strong> 28<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998 e Decreto 2901 <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998, os<br />
quais <strong>de</strong>fllem a extinyao das <strong>de</strong>legacias regionais do MEC. A medida do<br />
Ministerio da Educayao e do Desporto surpreen<strong>de</strong>u os servidores lotados<br />
em Alagoas - cerca <strong>de</strong> 42 funcionarios - que, apreensivos com a<br />
<strong>de</strong>terminavao, discutem junto a esta entida<strong>de</strong> altemativas <strong>de</strong> remo~ao ou<br />
redistribui~o para 6rgoos do govemo fe<strong>de</strong>ral, vinculados ao lMEC.<br />
Conforme correspon<strong>de</strong>ncia encaminhada pe10 secretario-executivo do<br />
MEC, Fu1ano <strong>de</strong> Tal, aos <strong>de</strong>1egados do MEC nos estados (copia em anexo)<br />
essa instituiyao esta relacionada entre aquelas que absorverao os<br />
funcionarios da ex-DEMEC/AL. (ORET 33)<br />
por<br />
No corpus estudado, as nominaliza95es saD mais frequentes do que as<br />
apassiva90es. Num total <strong>de</strong> 48 oficios elas aparecem em 29 exemplares (60%) em<br />
forma <strong>de</strong> verbos convertidos em substantivos e tambem, coinci<strong>de</strong>ntemente, em 29<br />
exemplares (60%) em forma <strong>de</strong> redu90es <strong>de</strong> ora90es adjetivas. Veja-se, no Quadro<br />
5, como se distribui a recorrencia das nominaliza90es no corpus analisado.
Quadro 5 - Recorrencia das nominalizayoes no corpus <strong>de</strong> 48<br />
exemplares <strong>de</strong> oficio<br />
Nominalizay5es Quantida<strong>de</strong> NominalizayOes Quantida<strong>de</strong><br />
conversoes <strong>de</strong> verbo <strong>de</strong>textos redu~ao <strong>de</strong> ora¢o <strong>de</strong>textos<br />
em substantivo (em carla um <strong>de</strong>les) adjetiva (em carla um <strong>de</strong>les)<br />
Ivez 12 1 vez 19<br />
2vezes 8 2vezes 3<br />
3 vezes 7 3 vezes 2<br />
4vezes 2 4vezes 2<br />
5 vezes 3<br />
Tambem convem assinalar, <strong>de</strong>ntro dos processos <strong>de</strong> nomina1iza9ao, as<br />
longas ca<strong>de</strong>ias nominais ou grupos nominais extensos, muitos <strong>de</strong>les <strong>de</strong>correntes dos<br />
processos <strong>de</strong> conversao e <strong>de</strong> redu9ao ja abordados. Trata-se, muitas vezes, daquelas<br />
famigeradas<br />
<strong>de</strong>nomina90es <strong>de</strong> atos, eventos, projetos, programas, <strong>de</strong>partamentos,<br />
setores, etc., e tambem <strong>de</strong> outros dispositivos e <strong>de</strong>nomina95es que aparecem nos<br />
textos dos exemplares<br />
seguintes excertos:<br />
<strong>de</strong> oficio do corpus analisados, tais como se veem nos<br />
(<strong>30</strong>) Vimos por meio <strong>de</strong>ste, mill respeitosamente, convocar V.S a a participar <strong>de</strong><br />
uma Oficina para Potencializa~iio do Comite Municipal <strong>de</strong> Fomento a<br />
Gera~iio <strong>de</strong> Emprego e Renda <strong>de</strong> Macei6, com a presen9a <strong>de</strong> tooos os<br />
membros ... (ORET 8)<br />
(31) Com 0 objetivo <strong>de</strong> divu1gara abertura das inscriyoes para 0 17° Concurso<br />
PUblico para provimento <strong>de</strong> cargos <strong>de</strong> Procurador da Republica, solicito<br />
(ORET 18)<br />
(32) Estamos encaminhando a V.S a 04 (quatro) vias do Segundo Termo<br />
Aditivo ao Convenio <strong>de</strong> Coopera~iio Tecnico-Cientifica ce1ebrada entre a<br />
UFPB, CEFET, com as interveniencias da FUNAPE e FAPEC, ja assinados<br />
pe1aUFPB e FUNAPE. (ORET 11)<br />
(33) Encaminhamos 01 (uma) via do Termo <strong>de</strong> Convenio <strong>de</strong> Estagio <strong>de</strong><br />
Complementa~iio <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Aprendizagem Escolar, frrmado entre os<br />
Correios - Regional Alagoas e essa Institui~ao <strong>de</strong> Ensino. (ORET 24)<br />
(34) ... encaminhamos para conhecimento e provi<strong>de</strong>ncias c6pia do Oficio-Circwar<br />
nO 003999/98 - CONFEA, que trata do Manual <strong>de</strong> Procedimento para<br />
realiza~iio da Assembleia <strong>de</strong> Delegados Eleitores junto ao Conselho<br />
Fe<strong>de</strong>ral. (ORET31)
Nao raro, esses grupos nominais extensos se transfonnam em siglas que<br />
aparecem em profusao e que infestam a burocracia no servi90 publico e, por<br />
extensao, nas empresas e corpora90esprivadas. Mendon9a (1987:19), comentando a<br />
respeito <strong>de</strong>sses grupos nominais extensos, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que tais expedientes, e<br />
principalmente as siglas que, muitas vezes, <strong>de</strong>les resultam, aMm <strong>de</strong> dificultar 0<br />
processamento da compreensao textual, e mais urn fator <strong>de</strong> exclusao. Desse modo,<br />
elas servem para "separar as pessoas que estao 'pm <strong>de</strong>ntro', que dominam a<br />
informa9ao, das que 'estao por fora', que nao possuem esse tipo <strong>de</strong> informa9ao,<br />
criando a solidarieda<strong>de</strong> do grupo profissional". Assim, a sigla, ao tempo em que<br />
favorece a concisao, impossibilita tambem .a compreensao da mensagem pelas<br />
pessoas que <strong>de</strong>sconhecem0 conteudo abreviado.<br />
Uma outra marca da impessoalida<strong>de</strong> na linguagem burocnitica que<br />
aparece nos oficios do corpus e 0 evitamento da referencia anafarica pronominal,<br />
fato esseja assinaladopor Mendon9a(1987:14):<br />
.•. as linguagens juridica e burocnitica infringem as regras <strong>de</strong> uso comum.<br />
Assim, elas evitam os pronomes, <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cendo as regras linguisticas do<br />
processo <strong>de</strong> referencia conhecido por amifora, nao s6 <strong>de</strong>ntro do periodo,<br />
como tmnoom na relayao interpronominal.<br />
Pelo menos na linguagemjuridica, 0 fato <strong>de</strong> se evitar 0 usa <strong>de</strong> pronomes<br />
e explicado como sendo uma das fmmas pelas quais os juristas tentam enfatizar a<br />
precisao,<br />
pois, ''ja que os pronomes po<strong>de</strong>m ter uma referenda ambigua, os<br />
profissionais da lei ten<strong>de</strong>m a fugir <strong>de</strong>les" (Tiersma, 1999:72).Entretanto, como diz<br />
este autor, evitar pronomes faz sentido em documentos como, por exemplo, os<br />
contratos, em que e essencial distinguir cuidadosamente os direitos e as obriga90es<br />
das duas ou mais partes envolvidas. Na linguagem burocratica, especialmente na<br />
correspon<strong>de</strong>ncia oficial, parece que tal evitamento esta mais relacionado ao<br />
distanciamento, a neutralida<strong>de</strong> e a recomendada impessoalida<strong>de</strong>, 0 que tambem
esulta em procedimentos <strong>de</strong> textualizayao que fogem as peculiarida<strong>de</strong>s do discurso<br />
ordimirio.<br />
Na linguagem dos oficios estudados, verificou-se, primeiramente a<br />
aus~ncia sobretudo dos pronomes pessoais anaf6ricos ele(s), ela(s), que nao<br />
aparecem em nenhum dos exemplares. Outras formas pronominais anaf6ricas sao<br />
mais frequentes (principalmente os possessivos), assim mesmo, <strong>de</strong> maneira, diga-se<br />
<strong>de</strong> passagem, nao muito recorrente, ja que 22 exemplares (46% do total <strong>de</strong> 48 ot1cios<br />
do corpus) nao exibem esse ou outro tipo <strong>de</strong> reter~ncia ou remissao anaf6rica<br />
pronominal. Via <strong>de</strong> regra, prefere-se escrever<br />
"Gostaria <strong>de</strong> contar mais uma vez com a aten~io <strong>de</strong> V.S a ... " em vez <strong>de</strong> "Gostaria <strong>de</strong> contar<br />
mais uma vez com sua aten~io ..."<br />
Vale ressaltar, no entanto, que os procedimentos acima sao verificados<br />
mais no inicio do periodo (e as vezes do paragrafo) e geralmente introduzem urn<br />
movimento ret6rico que veicula urn prop6sito comunicativo. Tudo indica tratar-se,<br />
portanto, <strong>de</strong> urna estraiegia ret6rica, alem <strong>de</strong> urn mera busca <strong>de</strong> precisao.<br />
Mas, como foi dito aClma, com exceyao dos pronomes pessoalS<br />
anatoricos ele(s), ela(s), verifica-se 0 uso <strong>de</strong> outros mecanismos referenciais e<br />
remissivos anaf6ricos (possessivos e pro-formas pronominais), mesmo com certa<br />
rarefayao, e eles curnprem seu papel natural <strong>de</strong> coesao na progressao textual, ao<br />
longo da exposiyao, como se v~ nos seguintes excertos:<br />
(35) "FonnuIo a Vossa Senhoria meus cumprimentos e venho convida-lo, em nome<br />
do ..." (ORETl)<br />
(36) "Face ao eXlJosto, dirigimo-nos a Vossa Senhoria para solicitar que estu<strong>de</strong> a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participar <strong>de</strong>ste evento ou indicar um representante,<br />
assumindo os custos advindos com sua participayao ..." (ORET 2)
(37) «... e como os servidores ha tres <strong>anos</strong> que nao tem aumento salarial, procuramos<br />
uma forma <strong>de</strong> estimula-Ios para 0 trabalho atraves <strong>de</strong> premia90es ..." (OEET 3)<br />
Interessante notar-se que as formas remissivas anaf6ricas com<br />
possessivos aparecem mais frequentemente quando 0 sentido pragmatico ou ret6rico<br />
ligado mais a persuasao, ao envolvimento (e nao ao distanciamento) se imp6e.<br />
Assim, essas formas estao mais presentes nas conc1usoes ou fechamentos,<br />
geralmente embutidas nas formulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z, ou quando 0 oficio apresenta urn<br />
leve carater pessoal, mesmo sem sair da linguagem burocratica, ou seja, mantendo<br />
as prindpais caracteristicas do que Lanham (1999) chama <strong>de</strong> "estilo oficial". Vejamse,<br />
por exemplo, os excertos abaixo.<br />
(38) «Aproveitamos 0 ensejo para apresentar a V.S a as nossas express5es da mais alta<br />
consi<strong>de</strong>racao." (ORET 29)<br />
(39) "Certos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rmos contar com 0 vosso <strong>de</strong>cisivo apoio, frrmamo-nos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ja<br />
agra<strong>de</strong>cidos." (ORET 36)<br />
(40) «Tills circunstancias ensejam a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> submeter a aten9ao <strong>de</strong> Vossa<br />
Excelencia 0 discurso <strong>de</strong> posse com que iniciei, pela segunda vez, a<br />
Presi<strong>de</strong>ncia do Tribunal <strong>de</strong> Contas do Estado <strong>de</strong> Silo Paulo, por forca do voto<br />
unanime <strong>de</strong> meus Pares." (ORET 21).<br />
Convem ressaltar, nesse ambito dos dispositivos <strong>de</strong> coesao, referenda<br />
progressao textuais, especificamente no que se refere aos mecanismos <strong>de</strong> reitera~ao,<br />
o uso <strong>de</strong> expressoes como o(a,s) referido(a,s), o(a,s) supracitado(a,s), acima<br />
mencionado(a,s) etc., antepostas ou pospostas ao termo reiterado. Este recurso<br />
tambem parece relacionar -se ao i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> precisiio que sempre se preten<strong>de</strong>u imprimir<br />
a linguagem burocratica e por extensao aos generos da correspon<strong>de</strong>ncia oficial.<br />
Esses termos aparecem pelo menos urna vez em cada urn <strong>de</strong> 8 exemplares e duas<br />
vezes em 2 exemplares, perfazendo 21% do total <strong>de</strong> 48 oficios. Tais expressoes<br />
po<strong>de</strong>m aparecer no mesmo paragrafo ou em paragrafo posterior, como se ve abaixo.<br />
(41) Visando ao crescimento do nosso esporte, estaremos realizando mills duas<br />
competicoes do nosso calendario <strong>de</strong> 1999, nas categorias fraldinha (atletas<br />
nascidos ate 1989) e mirim (atletas nascidos ate 1987), nos naipes masculino e<br />
feminino, 0 inicio da referida competiyao sera no dia 03/04 do corrente 000.<br />
(ORET26)<br />
e
(42) Encamlnhamos 0 presente Convite a fun <strong>de</strong> contarmos com a vossa<br />
importante participacao no evento por nos organizado com a ajuda <strong>de</strong> alguns<br />
parcerros.<br />
A programacao do supracitado evento aborda dois temas diferenciados<br />
que envolvem, hoje, questoes estrategicas no pais. Chamamos a atenyoo para a<br />
palestra que abordara ... (ORET <strong>30</strong>)<br />
Ainda em rela~ao a coesao e coerencia textuais, vale consi<strong>de</strong>rar urn mltro<br />
recurso digno <strong>de</strong> men~ao, pel0 fato <strong>de</strong> aparecer em 10 exemplares, ou seja em 21 %<br />
do corpus. Trata-se do chamado substantivo ana/6rieo (anaphoric nmm)72, ou seja,<br />
urn dispositivo substitutivo anaf6rico (geralmente substantivos inespecificos como<br />
pleito, evento, apoio, dados, informayoes, etc.) comumente presentes em texios com<br />
predominancia expositivo-argumentativa, como se ve nos excertos abaixo.<br />
(43) Nos dias 03, 04 e 05 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998, estaremos reahzando mms urn<br />
ENCONTRO REGIONAL DE DIRIGENTES DE PESSOAL DAS INSTITUI
Face ao exposto, ...<br />
Assim sendo, '"<br />
Outrossim, ...<br />
Nesta oportunida<strong>de</strong>, ...<br />
Infonnamos ainda que .<br />
Esc1arecemos ainda que .<br />
Primeiramente, .<br />
Por outro lado, .<br />
Finalmente, ."<br />
Vale salientar, <strong>de</strong>ntre os itens mencionados, 0 usn do ja <strong>de</strong>sgastado<br />
seqfienciador outrossim, que vem resistindo teimosamente na correspon<strong>de</strong>ncia<br />
oficial e empresariaI, apesar <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado urn chavao. Autores <strong>de</strong> manuais <strong>de</strong><br />
redacao oficial e empresarial pregam 0 seu banimento, alegando que "como os<br />
textos san docurnentos que visam refletir uma imagem <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>mida<strong>de</strong> da empresa,<br />
convem evitar expressoes <strong>de</strong>sse tipo" (Gold, 1999:21). No corpus, esse termo<br />
aparece em apenas dois exemplares <strong>de</strong> oficio, sendo urn <strong>de</strong>sses usos expresso no<br />
excerto 27.<br />
Tradicionalmente, a no~ao <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong> implica a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que, num<br />
enunciado, hA <strong>de</strong> se distinguir urn dUo (as vezes chamado <strong>de</strong> "conte(ldo<br />
proposicionar') e uma modalida<strong>de</strong> - urn ponto <strong>de</strong> vista do sujeito falante sobre este<br />
conteudo (Cervoni, 1989:53). Como se sabe, 0 estudo das modalida<strong>de</strong>s tern origem<br />
nos mo<strong>de</strong>los i<strong>de</strong>alizados pelos I6gicos, "mas se <strong>de</strong>svincula <strong>de</strong>les exatamente pelo<br />
carater nao-16gico, ou nao-or<strong>de</strong>nado, das lfnguas naturais" (Neves, 1996:163).<br />
Assim, por brevida<strong>de</strong>, nao se vai entrar aqui em postula~oes 16gico-formais que<br />
estao nas tradicionais origens <strong>de</strong>ste assunto; e sim consi<strong>de</strong>rar-se-a, principalmente, 0<br />
fato <strong>de</strong> que "todos os modalizadores sempre verbalizam a atitu<strong>de</strong> do falante com<br />
respeito a proposi~ao" (Castilho, 1992:216).
Tomando-se, pois, como ponto <strong>de</strong> partida, que "todo enunciado possui<br />
marcas <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong>" (Maingueneau, 2001: 107), e que isso "indica a atitu<strong>de</strong> do<br />
enunciador face ao que diz", po<strong>de</strong>-se conjecturar que a formalida<strong>de</strong> e a<br />
impessoalida<strong>de</strong> presentes nos oficios ja apontam, em alguma medida, para uma certa<br />
modalizavao, ja que indica uma <strong>de</strong>terminada atitu<strong>de</strong> do escrevente diante da<br />
ativida<strong>de</strong> enunciativa 73 , embora nao se possa falar em modalida<strong>de</strong> ou modalizavao<br />
no sentido "canonico", por assim dizer. Mas, ha <strong>de</strong> se reconhecer que a<br />
impessoalida<strong>de</strong> e uma caracteristica dos generos burocraticos, e, a bem da verda<strong>de</strong>,<br />
ela modaliza 0 enunciado no sentido <strong>de</strong> omitir as agendas, nao eliminando,<br />
entretanto, a modalizavao como marcas <strong>de</strong> outros efeitos buscados pelo sujeito no<br />
seu enunciado.<br />
Tambem imbricadas nessa nOyao <strong>de</strong> modalizayao, na linguagem dos<br />
oficios, estao as varias formulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z que, mesmo tidas como chavoes ou<br />
cliches, tern suas marcas lingiifsticas bem explicitas nos textos, sempre no sentido <strong>de</strong><br />
dar uma 'teiyao' ou urn 'modo <strong>de</strong> dizer' ao enunciad0 74 . Estas tormulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z,<br />
como ja se discutiu, estao presentes, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra, em boa parte dos<br />
exemplares do corpus. Mas outras tormas mais canonicas <strong>de</strong> modalizavao aparecem<br />
lexicalizadas nos textos dos oficios estudados, evi<strong>de</strong>nciadas em modos e formas<br />
verbais, adverbios ou locuyoes adverbiais, elementos metadiscursivos, e ate no<br />
emprego <strong>de</strong> certos adjetivos e substantivos <strong>de</strong> teor avaliativo ou apreciativ0 75 .<br />
7J "Observe-se que a escolila <strong>de</strong> uma constru¢o sintiitica, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> relacionar-se com<br />
modaliza~ao epistemica ou <strong>de</strong>6ntica, obtem, por si, efeitos <strong>de</strong> sentido ligados Ii atitu<strong>de</strong> do falante face a sell<br />
enunciado" (Neves, 1996:168-9). A autora cita exatamente a apassivavao como forma <strong>de</strong> "<strong>de</strong>scomprometer 0<br />
falante, retirando-o da posi¢o <strong>de</strong> sujeito."<br />
74 Talvez essas formulas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z possam se encaixar ou estejam proximas Ii modalizar;iio afetiva <strong>de</strong> que<br />
fala Castilho (1992:223). Segundo ele, os modalizadores afetivos verbalizam as relli(Oesemotivas do falante<br />
em face do conteudo proposicional, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> quaisquer consi<strong>de</strong>ray5es <strong>de</strong> carater epistemico ou<br />
<strong>de</strong>6ntico. Esses modalizadores se marcam principalmente atraves <strong>de</strong> formas adverbiais como felizmente,<br />
inji.dizmente, sinceramente,ji-ancamente, etc.<br />
75 Cervoni (1989:61), ao abordar a chamada moda1ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Ontica, assinala que "Toda expressao que<br />
implique uma referencia a uma norma ou a qualquer cnterio social, individual, etico ou esretico po<strong>de</strong>ra<br />
reivindicar a integra¢o nas modalida<strong>de</strong>s; nao so os advemios <strong>de</strong> modo, como no exemplo cIassico: SOcrates<br />
corre rapidamente, mas tambem muitos adjetivos (import ante, <strong>de</strong>licioso, agradavel, etc.), verbos (apreciar,<br />
censurar, etc.) e substantivos (entre outros, todos os que correspon<strong>de</strong>m aos adverbios, adjetivos e verbos<br />
citados). Tais "modalida<strong>de</strong>s", num sentido ampl0, serao chamadas avaliadoras; as moda1ida<strong>de</strong>s
Vejam-se, abaixo, alguns excertos em que aparecem marcas diferenciadas <strong>de</strong><br />
modalizavao.<br />
(45) Gostaria <strong>de</strong> contar mais uma vez com a aten~o <strong>de</strong> V$' no sentido <strong>de</strong> autorizar a<br />
utilizavao da sala... (ORET9)<br />
(46) ... e consi<strong>de</strong>rando as otimas instalacoes <strong>de</strong>ssa instituicao, gentilnlente cedidas<br />
por ocasmo dos concursos... (ORET 20)<br />
(47) A medida do Ministerio da Educayao e do Desporto surpreen<strong>de</strong>u os servidores<br />
lotados em Alagoas - cerca <strong>de</strong> 42 funcion<strong>anos</strong> - que, apreensivos com a<br />
<strong>de</strong>terminayao,... (ORET 33)<br />
(48) ... este Consulado vem, mui respeitosamente, solicitar <strong>de</strong>sta institui~o 0 favor<br />
<strong>de</strong> nos enviar... (ORET 35)<br />
(49) Nesta oportunida<strong>de</strong>, discutiremos quest5es ligadas diretamente ao nosso dia a dia<br />
universit3rio, razao pela qua~ acreditamos, <strong>de</strong>vam estar envolvidas nesta<br />
discussao... (ORET 13)<br />
(50) Dirigimo-nos a V.S a para solicitar-lhe a gentileza <strong>de</strong> verificar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
nos conce<strong>de</strong>r uma doaCao... (OEET 3)<br />
(51) Preliminarmente, gostariamos <strong>de</strong> ressaItar que, nos Ultimos tres <strong>anos</strong>, nao nos<br />
foi pennitido... (OEET 4)<br />
(52) Tendo em vista a mudanca da politica economlca govemamental, e a<br />
indisponibilida<strong>de</strong> oryamentaria, por parte das entida<strong>de</strong>s que estariam nos<br />
apoiando... (ORET 28)<br />
(53) ... a clientela maior aprovada tern sido <strong>de</strong> aIunos provenientes da c1asse media<br />
aIta (90%), oriundos das melhores escolas particulares do estado, dai<br />
enten<strong>de</strong>rrnos ser realmente irris6ria a taxa cobrada por este Orgao. (OEET 7)<br />
(54) Consi<strong>de</strong>rando a solicitayoo C.) on<strong>de</strong> aquele Secretario apresenta,. com<br />
proprieda<strong>de</strong>, a necessida<strong>de</strong> por que passam os aIunos... (OEET 10)<br />
(55) ...temos certeza <strong>de</strong> que os temas a serem tratados neste evento estarao sendo<br />
socializados tambem com sua instituiyao <strong>de</strong> ensino. (ORET 2)<br />
(56) Acolherei, sinceramente honrado, e com especial consi<strong>de</strong>rayao, os comentirrios<br />
que Vossa Excelencia se dignar encamllhar-me. (ORET 21)<br />
(57) It com prazer que nos dirigimos a V. sa para infonna-lo <strong>de</strong> que ... (ORET 25)<br />
(58) Esperando que tais inforIDayoes possam contribuir para 0 planejamento<br />
pedag6gico <strong>de</strong>ssa Unida<strong>de</strong> Escolar... (ORET 27)<br />
"apreciativas" (ou "axiolOgicas") oonstituem uma subclasse <strong>de</strong>ste vasto oonjunto." Tambem Bronckart<br />
(1999:132) reoonllece as modalida<strong>de</strong>s apreciativas, "que traduzem um julgamento mais subjetivo,<br />
apresentandoos fatos anunciados como bollS,maus, estranhos,na visao da instancia que avalia".
(59) Todavia, esclarecemos, a inclusao consultada e medida administrativa que<br />
compete apenas a essa instituicao, <strong>de</strong>vendo ser tomada, repetimos, sempre que<br />
trabalhadores estejam expostos aquele risco. (ORET 32)<br />
Dentre OS48 oficios do corpUS,29 exemplares (60 %) exibem, <strong>de</strong> alguma<br />
forma, marcas <strong>de</strong> modalizat;ao nos seus textos 76 ; mas, convem dizer, essas marcas<br />
aparecem distribuidas <strong>de</strong> maneira urn tanto discreta na maior parte dos exemplares.<br />
Ao distribuir-se 0 numero <strong>de</strong> modalizat;oes nos tipos <strong>de</strong> oficio em que aparecem,<br />
foram obtidos os resultados constantes no Quadro 6 abaixo. Proporcionalmente, vese<br />
que os oficios <strong>de</strong> solicitat;ao apresentam urn numero maior <strong>de</strong> exemplares em que<br />
ocorrem modalizat;oes, embora 0 numero maior seja daqueles cuja ocorrencia tbi <strong>de</strong><br />
apenas uma vez (em cada 15 exemplares). JA os oficios <strong>de</strong> encaminhamento sao os<br />
que apresentam a ocorrencia mais baixa (1 vez) no menor numero <strong>de</strong> exemplares.<br />
Certamente, essas evi<strong>de</strong>ncias se ligam ao maior e ao menor teor retorico-persuasivo<br />
que os dois tipos respectivamente apresentam.<br />
Quadro 6 - Recorrencia das modalizayoes no corpus <strong>de</strong> 48 exemplares <strong>de</strong> oficio, distribuidos em<br />
4 tipos <strong>de</strong> oticio.<br />
RECORRENCIA DAS MODAUZAl;OES<br />
Oficios <strong>de</strong> SoficRagao Oficios <strong>de</strong> lnforma~o Oficios <strong>de</strong> Convite Oficios <strong>de</strong> Encaminhamento<br />
(Universo <strong>de</strong> 24 exempla~s) (Universo <strong>de</strong> 8 exemplares) (Universo <strong>de</strong> 8 exempla~) (Universo <strong>de</strong> 8 exemp~)<br />
Recorrencia N°<strong>de</strong> Textos Recorrencia N°<strong>de</strong> Tates Recorrencia N°<strong>de</strong> Textes Recorrencia N°<strong>de</strong> Textos<br />
1 vez 15 1 vez 1 1 vez 1 1 vez 1<br />
2vezes 3 2vezes - 2vezes 3 2vezes -<br />
3vezes - 3vezes<br />
I<br />
3 3vezes - 3vezes 1<br />
4vezes - 4vezes 1 4vezes - 4vezes -<br />
I<br />
Sernocorrencia 6 Samocorrencia 3 Sem ocorrencia 4 I Sem ocorrencia 6<br />
I<br />
16 Convem esclarecer que a analise restringiu-se aos textos do corpo principal dos exemplares; portanto, nao<br />
levou em consi<strong>de</strong>ra¢o as formulas <strong>de</strong> sauda¢o como atenciosamente, cordialmente, etc., por serem<br />
consi<strong>de</strong>radas como elementos pertencentes ao formato do genero, tal como ocorre com a cita¢o do local e<br />
data, a nume~ do oficio, 0 vocativo, a assinatura, etc.
Os adjetivos <strong>de</strong> valor apreciativo e/ou afetivo que configurarn uma forma<br />
<strong>de</strong> rnodalizacao nos ot1cios aparecern nos textos em nurnero consi<strong>de</strong>ravel, formando<br />
grupos norninais (adjetivo + substantivo). Veja-se, abaixo, urn apanhado <strong>de</strong>ssas<br />
expressoes que, obviamente, buscam efeitos ret6ricos ligados a persuasao.<br />
especial consi<strong>de</strong>rayao<br />
elevada estima<br />
6timas instalayOes<br />
preciosa atenyao<br />
cordiais sandayOes<br />
doenya grave<br />
valioso apoio<br />
temivel ameaya<br />
verda<strong>de</strong>u-os carentes<br />
conceituada instituiyao<br />
<strong>de</strong>cisivo apoio<br />
sinceros agra<strong>de</strong>cimentos<br />
elevada consi<strong>de</strong>rayao e estima<br />
importante instituiyoo<br />
indigitada condiyoo <strong>de</strong> periculosida<strong>de</strong>.<br />
sinceros votos<br />
acertos indispensaveis<br />
esclarecimentos essenciais<br />
As marcas <strong>de</strong> modalizacoes nos textos dos oficios evi<strong>de</strong>nciam sinais <strong>de</strong><br />
heterogeneida<strong>de</strong> nas vozes que permeiam 0 discurso nesses textos, <strong>de</strong>nunciando uma<br />
certa tensao nas interavoes enunciativas. Assim, ao lado da voz institucional (a<br />
persona ret6rica, 0 enunciador), percebe-se, nos exemplares <strong>de</strong> oficio estudados, as<br />
vozes dos locutores enquanto autores empiricos dos textos, caracterizando 0 que se<br />
costuma chamar <strong>de</strong> polifonia 77 . Nessa perspectiva, as palavras <strong>de</strong> Koch (1984:88)<br />
abaixo parecem hem apropriadas para dar conta da importancia <strong>de</strong>ssa questao.<br />
o recurso as modalida<strong>de</strong>s pemlite ao locutor marcar a distancia reIativa em que<br />
se coloca c-omrelayoo aD enunciado que produz, seu maior ou menor gran <strong>de</strong><br />
engajamento com relayao ao que e dito, <strong>de</strong>terminando 0 gran <strong>de</strong> tensao que se<br />
estabelece entre os interlocutores; possibilita-lhe, tanlbem, <strong>de</strong>ixar elaros: os:tipos:<br />
<strong>de</strong> atos que <strong>de</strong>seja realizar e fomecer ao interlocutor "pistas:" quanto as suas:<br />
intenyOes; permite, ainda, introduzir modalizayOes produzidas por outras<br />
"vozes" incorporadas ao seu discurso; isto e, oriundas <strong>de</strong> enunciadores<br />
diferentes; toma possivel, errfim, a construyao <strong>de</strong> urn "retrato" do evento<br />
histOrico que e a produyao do enunciado.<br />
77 Segundo Ducrot (1987), hi polifonia quando e possivel distinguir numa enunciayiio dois tipos <strong>de</strong><br />
personagens: os enunciadores e os locutores. No caso da correspon<strong>de</strong>ncia oficial e empresarial, a quesmo da<br />
autoria e consequentemente das vozes do discurso e muito complexa; pois, alem da voz institucional, ha <strong>de</strong> se<br />
consi<strong>de</strong>rar que, no dia-a-dia das repartiy5es e das empresas, nem sempre quem assina a correspon<strong>de</strong>ncia (0<br />
locutor, ou seja, 0 responsavel pelo enunciado) e necessariamente quem a escreve. Deve-se atentar, portanto,<br />
pam 0 fino <strong>de</strong> que 0 "escriha", isto e, a pessoa responsavel pela redayiio dos documentos numa <strong>de</strong>terrninada<br />
repartiyiio ou empresa, na realida<strong>de</strong>, tambem po<strong>de</strong> imprimir suas "mareas <strong>de</strong> suhjetivida<strong>de</strong>" nos enuncia
A prosa burocnitica apresenta uma outra caracteristica herdada da<br />
linguagem juridica: a complexida<strong>de</strong> sintatica. Com efeito, uma das caracteristicas da<br />
linguagem juridica IS a frase longa e, muitas vezes, complexa, exibindo oravoes<br />
intercaladas e combinadas. Assim, uma enorme quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informacao IS<br />
comprimida num tmico periodo, resultando na sua longa extensao e complexida<strong>de</strong><br />
gramatical, por conta <strong>de</strong> varias <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s sintaticas (Bhatia, 1993:111;<br />
Tiersma, 1999:55-57). Obviamente, a complexida<strong>de</strong> aumenta it medida em que it<br />
sintaxe intrincada se somam, no perfodo, itens lexicais complicados, geralmente em<br />
forma <strong>de</strong> vocabulario tecnico e expressoes extremamente formais ou arcaicas.<br />
Uma motivacao para esses periodos longos, "IS 0 <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> colocar toda a<br />
informacao <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado t6pico numa unida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte", explica Tiersma<br />
(op.cit.:56). Pelo menos no ambito juridico, diz ele, presume-se que essa ten<strong>de</strong>ncia<br />
"reduz a ambigiiida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong> resultar se as condicoes sobre uma regra ou provisao<br />
forem colocadas em periodos separados". 0 autor alega ainda que a complexida<strong>de</strong>, a<br />
<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> e a fonnalida<strong>de</strong> na prosa juridica sao <strong>de</strong>vidas ao fato <strong>de</strong> que as ativida<strong>de</strong>s<br />
nessa area sempre giram em tomo da lingua escrita que, naturalmente, e mais<br />
conservadora do que a fala; daf sua resistencia a mudancas. De fato, ha <strong>de</strong> se convir<br />
que os generos juridicos assumem urn carater eh.'tremamente ritualistico, que foi se<br />
consolidando por <strong>anos</strong> a fio, principalmente 110S generos escritos.<br />
Apesar <strong>de</strong> varios autores ressaltarem 0 [ato <strong>de</strong> que longos e complexos<br />
perfodos levam a uma certa dificulda<strong>de</strong> no processamento da compreensao 78, como<br />
18 Othon Moacir Garcia (1982) refere-se a esses periodos caudalosos como "fuses centopeicas", e recomenda<br />
pensar-se mais no leitor. Naturalmente, ele recomenda a sua partiyao em periodos mais curtos e mais claros.<br />
Gold (1999:71-72) comenta que essas ditas "frases <strong>de</strong> labirinto", sobrecarregadas <strong>de</strong> informayao, cheias <strong>de</strong><br />
subdivisoes <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, "dao ao leitor a irnpressao <strong>de</strong> que nunca irao termmar". De fato, Frank Smith (1989:93),<br />
ao estudar os proc.essos cognitivos envolvidos no ato <strong>de</strong> ler, chama a atenyao para 0 que ele <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong><br />
visiio em hlnel (tunnel vision), que e 0 resultado da tentativa que 0 leitor fuz para processar uma gran<strong>de</strong>
afirmam Shuy (1988:50), Mendon~ (1987:20) e Tiersma (1999:208), ha <strong>de</strong> se<br />
ressaltar, como tambem fazem esses proprios autores, que 0 problema maior nao e a<br />
extensi10 dos periodos em si, mas a complexida<strong>de</strong> 79 que ten<strong>de</strong> a acompanhar a<br />
extensao. Evi<strong>de</strong>ntemente, essa complexida<strong>de</strong> e con<strong>de</strong>nada pelos autores <strong>de</strong> manuais<br />
<strong>de</strong> redac;ao otlcial e empresaria~ a exemplo <strong>de</strong> Gold (1999), que consi<strong>de</strong>ram esse<br />
mecanismo urn t1ttor <strong>de</strong> obscurida<strong>de</strong>, ou seja, que propicia uma falta <strong>de</strong> clareza na<br />
comunicac;ao.<br />
No corpus estudado, varios exemplares <strong>de</strong> oficio apresentam periodos<br />
longos e, no mais das vezes, ocupando todo 0 paragrafo. Neles, fica evi<strong>de</strong>nciada a<br />
ten<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> se comprimir toda a intormac;ao referente ao tema ou a urn t6pico do<br />
tema num so periodo. Isso e 0 que se ve no excerto abaixo, retirado <strong>de</strong> urn exemplar<br />
que apresenta urn unico parflgrafo, atraves do qual se esten<strong>de</strong> 0 unico periodo do<br />
texto.<br />
(60) Visando aten<strong>de</strong>r solicitayao do Instituto Nacional <strong>de</strong> Estudos e Pesquisas<br />
Educacionais (INEP) relativamente ao Exame Nacional <strong>de</strong> Cursos <strong>de</strong> 1999<br />
(PROVAO), encaminhamos a V.S a 0 Questionario <strong>de</strong> Avaliayao dos Cursos,<br />
jtmtamente com copill da prova que foi aplicada, para que seja procedida sua<br />
analise e avaliayao pelos professores do Departamento <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> CUlssicas e<br />
Vemacu1as, para posterior envio aquele organ. (ORLC 5)<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> info~o ao mesmo tempo, gerando urn verda<strong>de</strong>iro "congestionamento" ou<br />
«engarrammento" no processo <strong>de</strong> compreensao.<br />
79 Tres grarruiticas pedag6gicas, que evi<strong>de</strong>ntemente seguem a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), e<br />
que sao <strong>de</strong> uso corrente nas nossas escolas, 00:0 abordam esse problema da complexida<strong>de</strong> smliitica, apenas<br />
falam do periodo composto por coor<strong>de</strong>na¢o e do periodo composto por su.bordinat;iio, a exemplo da<br />
Gramatica Normativa da Lingua Portuguesa, <strong>de</strong> Rocha Lima (1997); a Nova Gramatica do Portugues<br />
Contemporiineo, <strong>de</strong> Celso Cunha (1983) e a Gramatica E'isencial da Lingua Portuguesa, <strong>de</strong> Luiz AntOnio<br />
Sacconi (1989). Adriano da Gama Kury (1985), em Novas Li¢es <strong>de</strong> Analise Sintatica mla do periodo misto,<br />
ou seja, composto por coor<strong>de</strong>na~iio e subordina~iio (p.63).
Reconheya-se, entretanto, que nem todos esses periodos extensos san<br />
necessariamente complexos a ponto <strong>de</strong> dificultar a compreensao. Veja-se, por<br />
exemplo, 0 periodo apresentado no excerto abaixo (61) que, mesmo exibindo urn<br />
certo do acumulo <strong>de</strong> informayoes, estas san dispostas praticamente <strong>de</strong> forma linear,<br />
atraves <strong>de</strong> sequ~ncias expositivas.<br />
(61) Vimos por meio <strong>de</strong>ste, mui respeitosamente, convocar V.s a , a participar<br />
<strong>de</strong> uma OFICINA PARA POTENCIALIZA~AO DO COMITE MUNICIPAL DE<br />
FOMENTO A GERA~AO DE EMPREGO E RENDA DE MACEIO, eom a<br />
presenya <strong>de</strong> todos os membros do eomire, que sera realizada no proximo dia 12<br />
<strong>de</strong> abril do corrente, das 8:<strong>30</strong> as 18 horas, na Super:inten<strong>de</strong>ncia do Banco do<br />
Nor<strong>de</strong>ste, situado a Rua MeJo Moraes, 165 - Centro, nesta capital. (ORET 8)<br />
Mas quando predomina a argumentayao, e it medida em que esta se toma<br />
malS <strong>de</strong>nsa, a complexida<strong>de</strong> sintatica se acentua, atraves da or<strong>de</strong>m inversa, da<br />
presenya <strong>de</strong> orayoes intercaladas e <strong>de</strong> conectores interfrasais; aMm, naturalmente, da<br />
gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informayoes. Nesse caso, po<strong>de</strong>-se aventar urna certa<br />
ditlculda<strong>de</strong> para a compreensao, exigindo do leitor urn processamento mais lento e<br />
mais monitorado da informayao visual. 0 excerto (62) apresenta urn paragrafo que<br />
contem run tinico periodo complexo, em que se esgota toda a infonnavao,<br />
argmnentavao e intenvao do escrevente. 0 excerto (63) apresenta dois paragrafos<br />
inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, sendo que 0 periodo <strong>de</strong> maior complexida<strong>de</strong> se verifica no<br />
segundo paragrafo.<br />
(62) Tendo em vista a mudanya da politica economic a govemamental, e a<br />
indisponibilida<strong>de</strong> oryamentaria, por parte das entida<strong>de</strong>s que estariam nos<br />
apoiando para a realizayao do XIX Congresso Brasileiro <strong>de</strong> Guias <strong>de</strong> Turismo<br />
e II Congresso Intemacional <strong>de</strong> Guias <strong>de</strong> Turismo e consi<strong>de</strong>rando 0 objetivo do<br />
evento que e a realizayao <strong>de</strong> trabalhos Menieos, voJtados para 0<br />
aperfeiyoamento e mellioramento da categoria, 0 que requer investimento <strong>de</strong><br />
maiores recursos fmanceiros, vimo-nos forcados a transferir a data da<br />
realizayao do evento que anteriormente seria <strong>de</strong> 24 a 29 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1999 para<br />
12 a 16 <strong>de</strong> setembro do corrente ano. (ORET 28).
(63) Preliminarmente, gostariamos <strong>de</strong> ressaltar que, nos llitimos tres <strong>anos</strong>, nao<br />
nos ioi permitido repor a iorya <strong>de</strong> trabalho originada por aposentadorias<br />
voluntarias e exonerayOes incentivadas, muitas <strong>de</strong>las, pdo programa <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>missao voluntaria.<br />
Por outro lado, a Reforma da Educayao Profissional, baseada na lei<br />
9394/96, <strong>de</strong>creto 2208197, portaria IMEC 646/97 e <strong>de</strong>creto 2406/97, prevendo<br />
ampliayao da oferta <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> ensino no Pais, vem ensejar maiores encargos<br />
para a re<strong>de</strong> ie<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> educayao tecno16gica e, consi<strong>de</strong>rando-se ainda que ha<br />
urn comprornisso do governo, manifestado, inclusive, pelo Exmo. Sr.<br />
Presi<strong>de</strong>nte da Republica, <strong>de</strong> que a educa
(64) Aten<strong>de</strong>ndo a solicita~o do Pro-Reitor <strong>de</strong> P6s-Gradua~o e Pesquisa,<br />
convidamos V.Sa. a participar da reuniao do Pleno <strong>de</strong>ste Programa <strong>de</strong> P6s-<br />
Graduayao que se realizanl no dia 21 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1999 <strong>de</strong> 1999, as 14:00 h, em<br />
nosso audit6rio, c.om 0 objetivo <strong>de</strong> rea1izar as eleicOes do colegiado, do vicecoor<strong>de</strong>nador(a)<br />
e do coor<strong>de</strong>nador{a). (ORLC 2)<br />
(65) Tendo em vista problemas operacionais ocorridos durante 0 processo<br />
<strong>de</strong> matrfcula, com a implanta~ao do novo sistema aca<strong>de</strong>mico, estamos<br />
remetendo as ca<strong>de</strong>rnetas provis6rias das disciplinas <strong>de</strong>sse Departamento.<br />
(ORLCl)<br />
Coinci<strong>de</strong>ntemente. em todos os 9 exemplares em que aparece esse tipo <strong>de</strong><br />
orac;ao, ela vem logo na abertura do primeiro paragrafo, inferindo-se dai 0 efeito<br />
retorico a que 0 escrevente visa: <strong>de</strong>stacar a informac;ao e a impormncia que essa<br />
informac;ao assume na argumentac;ao.<br />
Na tentativa <strong>de</strong> se enten<strong>de</strong>r a recorrencia <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> orac;ao nos<br />
exemplares do corpus, ha <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar que as orac;oes reduzidas <strong>de</strong> gerundio<br />
estao bem proximas daqueles dispositivos que colaboram para a impessoalizac;ao do<br />
emmciado, principalmente da nomina1izac;ao,ja que 0 gerimdio e uma das fonnas<br />
nominais do verbo ou, como diz Biber (1988:227). "0 gerundio e uma forma verbal<br />
que serve a func;oes nominais".<br />
Urn outro aspecto significativo a ser consi<strong>de</strong>rado na analise dos<br />
elementos IingUisticos retorico-gramaticais do genero em estudo se relaciona a<br />
questao do tempo verbal e sua func;ao no discurso em tela. Para isso, recorre-se a<br />
proposta <strong>de</strong> H. Weinrich 81 , explidtada<br />
e <strong>de</strong>fendida por Koch (1984:37-48), segundo<br />
a qual as situayOes comunicativas se divi<strong>de</strong>m em dois grnpos. predominando<br />
cada urn <strong>de</strong>les urn dos dois grnpos temporais:<br />
em<br />
lit Weinrich, H. (1964) Tempus. Besprochene und Ehziihlte Wet. (apud Koch, Ingedore V. Argumenta¢o e<br />
linguagem (1984) Sao Paulo, Cortez Editora. p. 37.)
a) os tempos do mundo comentado (canto, tenho cantado, cantarei, terei<br />
cantando, yOU cantar, acabo <strong>de</strong> contar, estou cantando, etc.;<br />
b) os tempos do mundo narrado (cantei, cantava, tinha cantado, cantaria,<br />
teria cantado, ia cantar, acabava <strong>de</strong> cantar, estava cantando, etc.<br />
Explicitando muito sucintamente a teoria, diz-se pertencer ao mundo<br />
narrado todos os tipos <strong>de</strong> relatos litenirios ou nao, pennitindo aos interlocutores urna<br />
atitu<strong>de</strong> mais «relaxada". Ao mundo comentado, por sua vez, pertencem a liriea, 0<br />
drama, 0 ensaio, 0 diaIogo, 0 comentArio, etc., proporcionando urna atitu<strong>de</strong> "tensa"<br />
nos falantes durante a intera~o interlocutiva. Retomando Weinrich, diz Koch<br />
(op.cit:38) que comentar if falar comprometidamente, pois 0 usn dos tempos do<br />
mundo comentado e urn indicativo <strong>de</strong> que 0 locutor trata <strong>de</strong> algo que 0 afeta<br />
diretamente e <strong>de</strong>manda urna resposta. 0 tempo presente, afinna Koch, repetindo<br />
Weinrich, «e 0 tempo principal do mundo comentado, <strong>de</strong>signando uma atitu<strong>de</strong><br />
comunicativa <strong>de</strong> engajamento, <strong>de</strong> compromisso".<br />
Sendo 0 oficio uma forma <strong>de</strong> intera~o discursiva que se aproxima do<br />
diAlogo (0 oficio e urn tipo <strong>de</strong> carta, e esta e urna "conversa~ao" a distancia), a<br />
atitu<strong>de</strong> do falante diante da situa~ao comunicativa (ou situa~ao socio-retoriea, se se<br />
quer) que <strong>de</strong>manda 0 genero oficio <strong>de</strong>termina 0 usn dos tempos do mundo<br />
comentado. De fato, isso e corroborado pelo fato <strong>de</strong> haver, nos exemplares do<br />
corpus, a predominancia <strong>de</strong> fonnas verbais no tempo presente, que aparecem em<br />
todos os exemplares, principalmente nos movimentos retoricos on<strong>de</strong> se explicitam<br />
nao so os prop6sitos comunicativos dominantes, como tambem os que Ihes servem<br />
<strong>de</strong> apoio, <strong>de</strong>signando, assim, 0 engajamento do locutor e a busca do<br />
comprometimento do interlocutor, valendo lembrar -se aqui 0 usn <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> tala<br />
diretos atraves <strong>de</strong> verbos pertormativos (que aparecem em imlico na Figura 1).<br />
Observe-se, pois, neste exemplar, 0 usn tipico predominante dos tempos verbais<br />
pertencentes ao mundo comentado.
Tendo em vista problemas operacionais ocorridos durante 0 processo<br />
<strong>de</strong> matricula, com a implantayao do novo sistema aca<strong>de</strong>mico, estamos<br />
remetendo as ca<strong>de</strong>metas provisorias das disciplinas <strong>de</strong>sse Departamento.<br />
lnformamos a V.Sa. que nao foi possivel implantar nesta listagem,<br />
os allmos <strong>de</strong> Disciplinas lsoladas (cr6dito no seriado, alunos <strong>de</strong> outras<br />
instituiyoes e Projeto Recomeyar). Esperamos que brevemente essa<br />
modalida<strong>de</strong> esteja regularizada, a fim <strong>de</strong> que possamos conc1uIT nossa<br />
matricula.<br />
Esclarecemos que, no caso da ausencia <strong>de</strong> nome dos alunos na<br />
pagela, constatada pelos professores ao proce.<strong>de</strong>r a chamada, a orientayao<br />
<strong>de</strong>ve ser no sentido <strong>de</strong> procurar imediatamente a Coor<strong>de</strong>nayao do Curso.<br />
Salientamos que 000 serio consi<strong>de</strong>radas frequencias e notas <strong>de</strong> alunos que<br />
nao estejam regularmente matriculados no sistema.<br />
lnformamos, ainda, que 0 proximo dia 27 <strong>de</strong> maio sera consi<strong>de</strong>rado<br />
limite para os reajustes finais da matricula e que estaremos enviando as<br />
ca<strong>de</strong>metas <strong>de</strong>fmitivas no dia 31 <strong>de</strong> maio.<br />
Ao tempo em que solicitamos ampla divwgayao <strong>de</strong>ssas informayoes<br />
aos professores e alunos, agra<strong>de</strong>cemos a compreensao e 0 apoio, nos<br />
colocantlo a disposiyao <strong>de</strong> V.8a. para 0 que se fizer necessario. (ORLe 1)<br />
No exemplar acima, percebem-se tambem formas verbais no futuro que,<br />
<strong>de</strong>pois do presente, aparece com frequencia consi<strong>de</strong>ravel nos exemplares do corpus,<br />
principalmente nos oficios <strong>de</strong> convite para evento. Mas a questao dos tempos<br />
verbais nos oficios, apesar <strong>de</strong> bastante regular, nao escapa as inovayoes que vao<br />
surgindo na lingua, rnesmo consi<strong>de</strong>rando a resistencia que 0 registro dito burocrares<br />
tern em relayao a renovayao e a criativida<strong>de</strong> linguistica, tanto no seu sentido<br />
positivo, ou seja, no sentido <strong>de</strong> ser referendado pela norma culta, quanto naquilo que<br />
os normatizadores consi<strong>de</strong>ram como modismo vicioso ou cacoete lingiiistico. Assim<br />
sendo, e interessante salientar-se a presenya do chamado genmdismo 82 em alguns<br />
82 Apesar <strong>de</strong> nao se conherer nenhurn trabalho aca<strong>de</strong>mico sobre 0 fenomeno, vale lembrar que essa ten<strong>de</strong>ncia<br />
(0 uso do verba estar no futuro mais 0 genindio, como em
exemplares do corpus. Essa ten<strong>de</strong>ncia, consi<strong>de</strong>rada como «urn uso abusivo do<br />
gerundio", aparece sublinhado no exemplar da Figura 1 acima e em mais 3<br />
exemplares do corpus, como se veem nos excertos abaixo.<br />
66. Visando 0 crescimento do nosso esporte, estaremos realizando mais duas<br />
competi~Oes do nosso calendario <strong>de</strong> 1999 ... (ORET 26)<br />
67. Nos mas 03, 04 e 05 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998, estaremos reaJizando mms Uill<br />
ENCONTRO REGIONAL DE DIRIGENTES ... (ORET 3)<br />
68. ... temos certeza <strong>de</strong> que os temas a serem tratados neste evento estarao sendo<br />
socializados tambem, com sua institui98.0 ... (ORET 2)<br />
o uso do gerundismo se <strong>de</strong>u mais entre os oficios <strong>de</strong> convite para evento,<br />
e sua recorrencia nesse tipo <strong>de</strong> oficio nao e IDO consi<strong>de</strong>rave1, mas tambem nao e<br />
<strong>de</strong>sprezivel (aparece em 3 exemplares num corpus <strong>de</strong> 8). Talvez isso possa ser urn<br />
sintorna da int1uencia <strong>de</strong>ssa ten<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> uso linguistico na correspon<strong>de</strong>ncia<br />
administrativa oticial e empresarial, ou nao. Afinal, a constru~ao e perteitamente<br />
aceitavel no sistema da lingua. Com certeza, evi<strong>de</strong>ncias mais seguras po<strong>de</strong>riam ser<br />
obtidas num corpus mais extenso, mais atualizado e mais diversificado em tennos <strong>de</strong><br />
institui~oes produtoras <strong>de</strong> ot1cios.<br />
marketing chamarem esse uso <strong>de</strong> "telemarketes". Sem duvida, 0 chamado gerundismo <strong>de</strong>ve merecer urn<br />
estudo mms acurado por parte dos lingiiistas brasi1eiros para que a quesmo MO se reduza a urn simples<br />
preconceito Oll a urna forma <strong>de</strong> policiamento lingiiistico, <strong>de</strong>ssas que costumam alimentar os poJemicos<br />
"guardiiies" da lingua.
Ao tecer as consi<strong>de</strong>ra~es finais <strong>de</strong>ste trabalho, convem reconhecer e<br />
ressaltar primeiramente a contribui~ao que a visao socio-retorica <strong>de</strong> genero textual<br />
conferiu ao material como urn todo. Sem duvida, em meio a varias outras formas <strong>de</strong><br />
abordar os generos textuais, a concep~ao socio-retorica <strong>de</strong>monstrou ser<br />
razoavelmente a<strong>de</strong>quada aos prop{)sitos <strong>de</strong>sta tese, embora <strong>de</strong>va-se confessar que, no<br />
caso <strong>de</strong>ste trabalho, tal escolha nao se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> forma muito tranqiiila a princfpio, pois<br />
a questao dos generos textuais reveste-se <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> em varios<br />
sentidos. Isso se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> que a no~ao <strong>de</strong> genero liga-se aos inlimeros fatores<br />
circunscritos a produ~o e a recep~o <strong>de</strong> textos, consi<strong>de</strong>rando, portanto, os entomos<br />
contextuais, principalmente os socioculturais e i<strong>de</strong>ologicos, que estao na suQ.jacencia<br />
dos usos da lingua nas inte~5es humanas.<br />
Diante <strong>de</strong> tal complexida<strong>de</strong>, 0 estudioso que se inicia no estudo dos<br />
generos textuais tern diante <strong>de</strong> si, antes <strong>de</strong> tudo, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> "domesticar" (na<br />
falta <strong>de</strong> urn termo mais a<strong>de</strong>quado) 0 proprio conceito <strong>de</strong> genero que, para todo<br />
novi~o, parece extremamente t1uido e escorregadio, <strong>de</strong>vido a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
significados que 0 termo assumiu ao longo da extensa trajetoria evolutiva dos<br />
estudos lingitistico-discursivos. Alem disso, 0 conceito <strong>de</strong> genero apresenta<br />
problemas e dificulda<strong>de</strong>s nao so na sua classificavao, como tambem em varios<br />
outros sentidos, como, por exemplo, as <strong>de</strong>limita~es, os elementos metagenericos e<br />
intergenericos que se verificam nas pnlticas discursivas, como aponta Cunha (1999).<br />
Nao e sem razao, por conseguinte, que a questao do genero textual tern<br />
merecido, ultimamente, como ja se comentou, uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong><br />
pesquisadores <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s aca<strong>de</strong>micas estrangeiras, e esses estudos vem se
avolumando tambem no Brasil, e sob as mats diversas 6ticas, como tern<br />
comprovado, por exemplo, 0 exaustivo e abrangente pesquisa que vem sendo<br />
<strong>de</strong>senvolvidapor Marcuschi (2000).<br />
Nesta tese, vale ressaltar tambem, e particularmente, a contribui9ao dos<br />
mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> analise <strong>de</strong> genero postulados por John Swales (1990) e Vijay Bhatia<br />
(1993) e que se coadunam com a visao s6cio-ret6rica <strong>de</strong> genero, incofPOrando<br />
tambem substanciais matizes etnograficos. Tais mo<strong>de</strong>los, como ja se disse, tern se<br />
revelado, em trabalhos <strong>de</strong> lingUistasbrasileiros, bastante eficazes para a analise <strong>de</strong><br />
generos mais "formatados", como os generos aca<strong>de</strong>micos. Entretanto, como<br />
reconhecem Janssen & Neutelings (2001:1) os generos da comunicacao<br />
administrativa e empresarial san muito mais complexos do que os generos da<br />
comlmicacaoaca<strong>de</strong>mica. Dai, 0 verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>safio que teve <strong>de</strong> ser enfrentadopara a<br />
adaptaCao <strong>de</strong> tais mo<strong>de</strong>los a amllise do genero que e 0 objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong>ste<br />
trabalho - 0 ofieio.<br />
A analise da organiza~o ret6rica dos exemplares <strong>de</strong> oflcio do corpus<br />
revelou 0 traco mais expressivo <strong>de</strong>sse genero - a sua heterogeneida<strong>de</strong> ret6ricodiscursiva,<br />
mesmo entre aqueles oflcios que servem ao mesmo proposito<br />
comunicativo. A <strong>de</strong>speito disso, a hip6tese <strong>de</strong> que eles preservam algumas<br />
regularida<strong>de</strong>s foi confirmada, ratificando 0 princfpio bakhtiniano das chamadas<br />
forcas <strong>de</strong> estabilizacao ou coesao e as <strong>de</strong> dispersao ou diversificacao que<br />
fundamenta as praticasdiscursivas que se efetivam atraves dos generos.<br />
Com eteito, e 0 equilibrio <strong>de</strong>ssas forcas - diversida<strong>de</strong> e regularida<strong>de</strong>s, ou<br />
seja, 0 chamado equilibrio instilvel <strong>de</strong> que nos fala Bakhtin -, que assegura a<br />
prototipicalida<strong>de</strong> dos oflcios, confirmando a hip6tese <strong>de</strong> que esses elementos<br />
recorrentes fazem parte do conhecimento socio-cognitivo dos seus uSu3rios,ja que<br />
alguns elementos da sua composicao (estrutura visual, propositos comunicativos
ecorrentes <strong>de</strong>ntro da cultura administmtiva e tipo <strong>de</strong> registro utilizado) se<br />
verificamm em oficios emitidos e recebidos pelas diversas institui¥5es on<strong>de</strong><br />
circuJaramos exemplares do corpus.<br />
Especificamente em face a constatavao da heterogeneida<strong>de</strong> presente nos<br />
oficios analisados, cabe reconhecer-se que, se a lingiiistica, ao longo <strong>de</strong> sua<br />
trajet6ria, tern sempre privilegiado 0 estudo das regularida<strong>de</strong>s dos componentes<br />
lingiiistico-gramaticais, textuais e discursivos das interac;eshumanas, cumpre<br />
tambem investir mais no estudo das irregillarida<strong>de</strong>s, da heterogeneida<strong>de</strong>, da<br />
dispersao e da criativida<strong>de</strong> que perrneiam os usos da lingua nas ativida<strong>de</strong>s<br />
intemcionaisque se verificamno convivio social.<br />
Mesmo que as amilises dos elementos ret6rico-discursivos e ret6ricogramaticais<br />
do genero em questao - 0 oficio -, tenham constituido 0 ponto central<br />
<strong>de</strong>ste trabalho, e importante que se ressaltern os aspectos i<strong>de</strong>o16gicosveiculados<br />
pelos generos da burocracia administrativa: eles sao formas discursivas que<br />
concretizam <strong>de</strong> uma maneim aparentemente "natuml" a dinamica das forvas<br />
mantenedoras das estrnturas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que perrneiam as relavoes sociais nas<br />
comunida<strong>de</strong>s organizadas. Isso fica bem evi<strong>de</strong>nciado atraves do uso efetivo da<br />
linguagem burocratica, infalivelmente verificada nos documentos oficiais e<br />
empresariais, na correspon<strong>de</strong>ncia adrninistrativa e comprovadamente presente no<br />
genero aqui estudado.<br />
E evi<strong>de</strong>nte que 0 presente estudo (e certamente outros na mesma linha)<br />
nao tern a pretensao (absurdamente ut6pica, reconheva-se) <strong>de</strong> achar que po<strong>de</strong>m<br />
contribuir significativamentepara alterar ou modificar essas mencionadas estruturas<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Mas, pelo menos, a pretensao <strong>de</strong> <strong>de</strong>svelar 0 papel do discurso e dos usos<br />
sociais da lingua nas esferas do po<strong>de</strong>r, mesmo nas instancias perifericas, parece<br />
perfeitamente possivel e <strong>de</strong>sejavel. Essa pratica precisa ser estimulada pelos
educadores lingoisticos, em vista <strong>de</strong> se preten<strong>de</strong>r vislumbrar quaisquer perspectivas<br />
transformadoras da or<strong>de</strong>m hegemonica.<br />
Nesse sentido da conscientizayao das pessoas sobre as conexoes entre a<br />
lingua e as praticas sociais, espera-se que 0 estudo s6cio-ret6rico do oficio, como<br />
urn genero <strong>de</strong> uso freqiiente nas ativida<strong>de</strong>s administrativas, possa contribuir para<br />
uma reflexao nessa linha. Foi, portanto, com essa intenyao, que se lanyou mao <strong>de</strong><br />
alguns construtos da crftica ret6rica para dar conta, mesmo <strong>de</strong> forma sucinta, dos<br />
aspectos institucionais e dos elementos do contexto enunciativo em que se dao a<br />
produyao e a recep~o dos oficios. A conscientizayao sobre os dispositivos<br />
lingiiisticos que marcam e legitimam as relayoes <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> opressao na<br />
socieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser 0 ponto <strong>de</strong> partida para a transtorma~ao paulatina e positiva das<br />
reiavoes sociais. Essa parece ser uma perspectiva proxima a da analise critica do<br />
discurso <strong>de</strong>fendida por alguns estudiosos, a exemplo <strong>de</strong> Fairclough (1995a).<br />
Segundo esse autor, a natureza da pratica discursiva (e todos os seus componentes<br />
socioculturais e i<strong>de</strong>ologicos) mo<strong>de</strong>la a produ~o do texto, e <strong>de</strong>ixa sellS tra~os na<br />
superficie textual, <strong>de</strong>terminando tambem como <strong>de</strong>ve se dar a interpreta~ao <strong>de</strong>sses<br />
tra~os.<br />
Urn outro aspecto <strong>de</strong>ste trabalho que convem ser enfatizado relaciona-se<br />
a questao da linguagem administrativa,. tambem conhecida como registro<br />
burocratico, efetivamente<br />
presente no genero estudado. A hipotese levantada em<br />
rela~o a esse aspecto foi parcialmente contlrmada. Explica-se. Se algumas<br />
conven~oes formulaicas e lingOistico-gramaticais <strong>de</strong>ssa linguagem eram esperadas,<br />
o forte componente retorico <strong>de</strong>sse registro nos exemplares estudados superou as<br />
expectativas e assumiu uma dimensao relevante. Tal componente ficou evi<strong>de</strong>nciado<br />
pel0 consi<strong>de</strong>rAvel teor argumentativo e persuasivo observado em boa parte dos<br />
exemplares.
Sera interessante tecer outros comenmrios pertinentes a esse registro<br />
largamente utilizado nos generos das ativida<strong>de</strong>s e da correspon<strong>de</strong>ncia administrativa.<br />
Para Lanham (1999), a linguagem burocnitica insere-se num registro mais amplo,<br />
que ele chama <strong>de</strong> 'estilo oficial' e que, evi<strong>de</strong>ntemente, guarda as principais<br />
caracteristicas do primeiro. Esse tipo <strong>de</strong> linguagem utiliza-se primordialmente da<br />
lingua escrita formal e adquire contornos especificos quanto aos componentes<br />
lexicais e sintaticos contorme 0 contexto institucional em que e utilizado. Talvez<br />
mais do que possa imaginar, esse 'estilo oficial' terminou se disseminando e<br />
extrapolando as esferas especificamente administrativas, on<strong>de</strong> as formas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r se<br />
realizam mais explicitamente, e invadiu praticamente toOOsos setores e ativiOO<strong>de</strong>s<br />
do mundo do trabalho na socieOO<strong>de</strong>oci<strong>de</strong>ntal mo<strong>de</strong>rna. A expansao <strong>de</strong> tal registro<br />
continua~ e hoje em dia, com 0 po<strong>de</strong>r das midias e as rela~oes entre a produ~ao, a<br />
organiza¢o e a divu1ga~ao <strong>de</strong> conhecimentos, verifica-se a diversifica
enquanto trabalhadores engajados profissionalmente<br />
do trabalho.<br />
nas diversas esferas do mundo<br />
Isso posto, torna-se conveniente abordar maIS explicitamente as<br />
implicayoes pedagogicas <strong>de</strong>sta tese. Corn efeito, essas implica~oes estao envolvidas<br />
no ensino da chamada reda~ao oficial, como ja se disse na introdu~ao. Mas,<br />
repetindo Bhatia (1993:40), convem esclarecer-se que essas implicayoes nao <strong>de</strong>vem<br />
ter pretensoes prescritivistas, no sentido <strong>de</strong> "impor padroes", e sim no sentido <strong>de</strong><br />
"busca <strong>de</strong> padroes". Noutras palavras, as contribui~es para a 0 ensino da chamada<br />
redayao oficial e empresarial, especialmente 0 oficio, nessa abordagem sociorerorica<br />
<strong>de</strong> generos, nao <strong>de</strong>verao privilegiar a valoriza~ao <strong>de</strong> formas fixas e <strong>de</strong><br />
recursos lingoisticos consi<strong>de</strong>rados como rigidamente mo<strong>de</strong>lares, e sim as<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> t1exibiliza~ao na organ~ao discursiva e no uso dos recursos<br />
lingOfsticos, buscando-se a eficacia retorica a<strong>de</strong>quada aos prop6sitos comunicativos,<br />
ao contexto situacional e a audiencia que se busca no ato <strong>de</strong> se escrever urn oficio. A<br />
<strong>de</strong>speito das 'norrnas oficiais', veriticou-se, nesta pesquisa, que a diversifica~ao na<br />
escritura dos oflcios ocorre pelo simples fato <strong>de</strong> que esse genero e heterogeneo pela<br />
sua propria natureza, preservando algumas regularida<strong>de</strong>s apenas no que diz respeito<br />
aos propositos comunicativos mais freqiientes na pratica administrativa e quanto ao<br />
registro lingOfstico em que sao escritos.<br />
Convem enfatizar tambem, nas experiencias <strong>de</strong> ensmo <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong><br />
genero e <strong>de</strong> outros congeneres da comunica~ao administrativa, a natureza persuasiva<br />
<strong>de</strong> sua linguagem, evi<strong>de</strong>nciada pelo predomfnio das seqoencias expositivas e,<br />
principalmente, argumentativas. Conseqiientemente, 0 componente ret6rico <strong>de</strong>ve ser<br />
consi<strong>de</strong>ravelmente entocado, suprindo-se assim as lacunas que os tradicionais<br />
manuais <strong>de</strong> r~ao trazern, ja que costumam enfatizar mais as normas oficiais, as<br />
prescri~oes gramaticais e as questoes <strong>de</strong> formato e <strong>de</strong> conven~es ou renova~es<br />
esteticas.
Ainda em rela9ao a linguagem burocnitica, a abordagem pedag6gica dos<br />
resultados da pesquisa po<strong>de</strong>ni resultar em propostas <strong>de</strong> renovavao no ensino <strong>de</strong>ssa<br />
varieda<strong>de</strong>, no sentido <strong>de</strong> se evitarem alguns elementos que a tomam antipatica,<br />
afetada e <strong>de</strong>masiadamente complexa, como, por exempl0, 0 preciosismo ou<br />
rebuscamento lexical (<strong>de</strong>snecessario, alem <strong>de</strong> arrogante, em alguns casos), os<br />
periodos com constru90es sintaticas longas e complexas, 0 excesso <strong>de</strong><br />
nominaliza90es e apassiva90es, e varios outros fatores que po<strong>de</strong>m prejudicar a<br />
legibilida<strong>de</strong> dos textos. Alias, convem lembrar que isso ja foi proposto por alguns<br />
autores, a exempl0 <strong>de</strong> Mendon9a (1987) e Gold (1999). Obviamente, essas<br />
orienta90es nao <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar as classicas recomenda90es da formalida<strong>de</strong><br />
(que nao significa afetavao e complicavao), da clareza e da objetivida<strong>de</strong>. Tais<br />
recomenda90es nao <strong>de</strong>vem, entretanto, impIicar 0 <strong>de</strong>scuido da eficacia ret6rica e<br />
tambem da elegancia e da positivida<strong>de</strong> na comunica9ao(Matos, 2002).<br />
Finalmente, <strong>de</strong>st:.l0concluir este trabalho com uma mensagem positiva <strong>de</strong><br />
que a pesquisa sobre os generos administrativosprospere nos meios aca<strong>de</strong>micos do<br />
nosso pais, esperando tambem que esta tese possa ser util <strong>de</strong> alguma forma aos<br />
pesquisadores e pesquisadoras que se interessaremem incrementar essa necessaria e<br />
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