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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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tempo vivenciada por Alberto só é compreensível, na verdade, quando vista a partir da<br />

essencialidade poética que está nela. É pura abstração que tanto permite pensar numa espé-<br />

de “fenomenologia da memória”, quanto numa “poética da memória”. A expressão “o<br />

cie<br />

que sonho é o sonh o” só nos domínios do poético se pode entender. Esta memória não se<br />

confunde com a experiência proustiana da recuperação do tempo perdido, embora estejam<br />

nela, também – pelo menos por vezes –, elementos estimuladores do fenômeno: a música,<br />

a montanha, a neve, a noite, o firmamento pontilhado de estrelas e de planetas, um aroma<br />

de infância, um s abor, um murmúrio de águas e de ventos... O próprio Alberto Soares distingue<br />

das de Proust a sua experiência e a sua sensibilidade do tempo:<br />

Falei aos moços de Proust, do tempo reencontrado nas lembranças, do halo que se ergue<br />

de um sabor que se conheceu na infância, das pervincas azuis de Rousseau, reencontradas<br />

mais tarde com a memória de outrora. Mas a minha memória não era bem essa. A<br />

minha memória não tinha apenas fatos referenciáveis, não exigia a sua recuperação para<br />

que o halo se abrisse. A minha memória não era memória de nada. Uma música que se<br />

ouve pela primeira vez, um raio de sol que atravessa a vidraça, uma vaga de luar de cada<br />

noite podiam abrir lá longe, na dimensão absoluta, o eco dessa memória, que ia para<br />

além da vida, ressoava pelos espaços desertos, desde antes de eu nascer até quando eu<br />

nada fosse há muito tempo para lá da morte. (Ap, p. 127-128).<br />

É mais que evidente que o tempo sentido e vivido por Alberto Soares não se confunde<br />

com as convenções cronológicas, quer no sentido físico ou fenomênico, quer mesmo<br />

quanto às mais usuais formas de representação literária. O que Alberto Soares sente como<br />

tempo e o que, como tempo, busca representar na sua escrita, é um tempo absoluto, único,<br />

integral e indivisível. Por isso, no romance Aparição, de Vergílio Ferreira, que é o texto<br />

que Alberto Soares vai escrevendo ao longo das noites de inverno, no casarão da aldeia, o<br />

tempo, enquanto categoria da narrativa, extrapola os “modelos” usuais da sua representação<br />

e função. Extrapola, também, as dimensões que habitualmente lhe cabem no romance<br />

tradicional, para subir a um patamar de categoria filosófica. O tempo de Aparição, só metafisicamente<br />

pode ser concebido e vem a ser um elemento de tal importância no romance,<br />

que, na compreensão de Manuel Martínez Martínez, enseja a seguinte afirmação: “El personaje<br />

omnipresente en Aparición es el tiempo” 8 . Portanto, na visão deste ensaísta, o tem-<br />

8 MARTÍNEZ, Manuel Martínez. Aparición, una variante existencialista. In: FONSECA, Fernanda Irene<br />

(Org.). Vergílio Ferreira: cinqüenta anos de vida literária. Porto: Fundação Eng. António de Almeida,<br />

1995, p. 415.

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