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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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ciência da finitude a que esse ser complexo e abstrato que habita o corpo está condenado<br />

com a morte deste.<br />

Efetivamente, é possível encontrar, ao longo do romance, num mesmo instante nar-<br />

que funde um passado remoto – e quantas vezes já mitificado<br />

rativo, a alternância temporal<br />

–, a um passado próximo, de ocorrências mais ou menos reconstituíveis pela memória e<br />

tudo se tornando num só tempo (que vem a ser um tempo poético, ou mesmo existencial,<br />

mais do que psicológico) no presente da escrita do protagonista-narrador. Do mesmo mo-<br />

a sua anulação, a sua inexistência como<br />

do, na evocação que se transforma em texto, o espaço, ou os espaços, podem por instantes<br />

perder os seus contornos e limites para se tornar simplesmente o espaço da evocação, que<br />

permite a fusão entre o espaço da aldeia na montanha e o da cidade de Évora. Com relação<br />

ao tempo, tal como no romance ocorre quanto ao espaço, opera-se, na consciência e no<br />

sentir do protagonista uma fusão de tal ordem essencial que o leva a afirmar não apenas ou<br />

não exatamente a sua “suspensão”, mas mesmo<br />

algo exterior ao ser. Substitui-se o tempo linear das convenções cronológicas organizado<br />

na seqüência passado-presente-futuro por um tempo único que, não sendo exatamente o<br />

tempo de uma memória proustiana e ultrapassando o conceito bergsoniano da durée, constempo<br />

de vivências fenomenológicas. É o sentimento<br />

titui-se num tempo essencial, um<br />

desse tempo ôntico, relacionado com uma vivência existencial profunda e que é outro que<br />

não o da mera experiência obtida no decorrer de uma vida, ao longo da qual se pode seqüenciar<br />

as sucessivas fases, que levará Alberto Soares a afirmar que “o passado não exis-<br />

te” (Ap, p. 83), e, mais adiante, já no epílogo, “O tempo não existe senão no instante em<br />

que estou. [...]. O tempo não passa por mim: é de mim que ele parte, sou eu sendo, vibrando.”<br />

(p. 291).<br />

Decerto se compreenderá melhor a concepção desse tempo vivenciado por Alberto<br />

Soares, enquanto, a uma distância de cerca de vinte anos, mais pela emoção da reminiscência<br />

do que pelo vigor e fidelidade da memória, revivencia o passado, a sua experiência da<br />

aparição de si a si mesmo, a sua aprendizagem e a sua ação pedagógica tentando ensinar<br />

aos outros aquilo que vira e que aprendera. Por certo reinventando, na sua extrema sensibilidade,<br />

esse passado, muito mais do que o reconstituindo, tudo se lhe mostrando como que<br />

envolto num halo de fantasmagoria e sofrimento pela infinita, lúcida e nítida consciência<br />

de que o que nele era ainda vivo e fulgurante, a maravilha de ser, de ter nascido e de estar<br />

vivo, único enquanto pessoa, um corpo, uma inteligência, uma sensibilidade... tudo isso<br />

estava destinado ao nada absoluto.

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