21.05.2014 Views

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

um tema é já significativo... Mas o mais significativo é o tom que se adota perante ele. O sonho, a<br />

morte, o amor, etc., são o que são, mais o modo como deles falamos, a maneira como somos sensíveis<br />

perante eles. Assim o tom dá a opção da nossa sensibilidade. Não bem portanto, o modo como<br />

encaramos um tema, ou seja, o ângulo de ataque a esse tema, mas a armadura da sensibilidade, as<br />

cordas sensíveis que são postas a vibrar nesse modo como o encaramos. O tom dá o tipo da nossa<br />

comoção, a escolha que de nós fazemos na maneira de realizarmos seja o que for.” (CC1, p. 314 –<br />

itálico da citação).<br />

7 A importância da reminiscência como conceito diferenciado de memória ou de lembrança e muito mais<br />

próximo da evocação de uma espécie de ancestralidade atávica, consciente mas abstrata, e indefinidamente<br />

vaga, é sinalizada no romance na evocação de uma aula em que Alberto Soares falou aos seus alunos das<br />

redondilhas camonianas de Sôbolos rios que vão. E, implicitamente, do neo-platonismo que está nelas, naquela<br />

saudade de nada, sentida por Camões, que ali<br />

94<br />

desde o início apresentado (ou representado) em ato de escrita, não bem de uma escrita<br />

memorialística – embora o aparente –, mas muito mais evocativa de reminiscências às vezes<br />

fugazes que a emoção, mais do que a memória, constrói ou reconstrói. A retomada,<br />

pelo epílogo, do “tom” e mesmo de porções textuais do prólogo, imediatamente estabelecem<br />

uma idéia de circularidade, que, também já sabemos, ao tempo de Aparição e depois<br />

deste romance, é uma constante na estruturação romanesca vergiliana. Esta estrutura circular<br />

pode ser pensada em relação com a música, um dos temas de grande importância no<br />

romance (e neste sentido o prólogo seria uma espécie de solene abertura sinfônica – uma<br />

abertura trágica, saber-se-á depois – e o epílogo o seu finale, a sua coda), como pode ser,<br />

também, tomada como a representação metafórica do tempo, da existência, dos ciclos da<br />

natureza e de tudo quanto o cosmos tem de cíclico.<br />

O segundo – e porventura menos perceptível – elemento da estruturação de Aparição,<br />

estreitamente relacionado com o “tom” do romance e conseqüência dele no seu processo<br />

de execução, diz respeito à idéia de contraponto, de alternância entre espaço e tempo.<br />

Essa alternância que se opera no texto narrativo, por força do caráter de evocação e da<br />

forte emotividade que o caracteriza – sobretudo em alguns dos seus momentos culminantes<br />

–, tende a fundir espaço e tempo numa só dimensão que é a da reminiscência (mais do que<br />

da memória) 7 , a da saudade, a da emoção, a da transfiguração de tudo isso na poesia que<br />

emana do texto evocativo de Alberto Soares, que, à distância de cerca de vinte anos, procura<br />

reconstituir a sua fulgurante vivência da aparição, experiência e revelação da juventude<br />

que para toda a vida o acompanha e que se constituiu da revelação do ser a si próprio, da<br />

evidência violenta e absurda da morte, da existência de uma pessoa num corpo e da cons-<br />

só queria dizer que a pátria celeste era uma aspiração do seu sonho de miséria, do seu sonho de condenado.<br />

Mas eu sabia, [...] eu, que sonho com o reinado integral do homem na terra da sua condenação<br />

e grandeza, assumindo tudo quanto se anuncia em mistério e exaltação, eu sabia que a memória<br />

de Camões, para além dos olhos e da carne, era a minha memória de origens, a minha memória absoluta.<br />

(Ap, p. 126-127).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!