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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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dos em destaque na abertura e no encerramento da obra e que nitidamente têm função de<br />

prólogo e de epílogo. O destaque dado pelo autor a estes textos de introdução à ação romanesca<br />

e à sua conclusão, ultrapassa o extrato meramente visual da opção feita pelo tipo<br />

itálico – com a qual o escritor reflete claramente a sua intenção de “separar” do corpo do<br />

romance o seu prólogo e o seu epílogo – e, ainda que cumprindo uma função estruturante<br />

de caráter formal, estende essa função a um caráter essencial pela dimensão poética – fortemente<br />

lírica e intensamente emotiva – que um narrador-protagonista, representado “em<br />

ato de escrita” – como diz Maria Joaquina Nobre Júlio 5 – imprime ao “seu” texto. Texto de<br />

uma escrita densamente impregnada da emoção decorrente de uma experiência de vida<br />

dolorosa, evocada sob o signo da solidão, da noite, da montanha e do inverno, no silêncio<br />

do casarão familiar ancestral. O texto que abre o romance e o que o encerra, são poeticamente<br />

idênticos, possuem, textualmente, significativas parcelas de escrita em comum e<br />

tratam da mesma situação (a do narrador-protagonista) e dos mesmos temas com o mesmo<br />

“tom”, os mesmos símbolos, os mesmos recursos poéticos, a mesma carga emotiva. Na<br />

verdade, o prólogo e o epílogo do romance são um mesmo e único texto cortado (poderia<br />

dizer-se interseccionado, pensando-se no interseccionismo pessoano) pela inserção da ação<br />

romanesca entre um e outro. Mas como se fosse uma longuíssima epígrafe, esse prólogo<br />

poético, marcado pela evocação de uma saudade de origens, por um sentimento de perda<br />

irreparável, possui, também, a importante função de estabelecer o “tom” que presidirá à<br />

escrita do romance 6 , que é também a escrita de Alberto Soares, o narrador-protagonista<br />

5 V. Aparição de Vergílio Ferreira: subsídios para uma leitura. Lisboa: Replicação, 1997: “Estes capítulos<br />

[os 25 que compõem o romance] são enquadrados por um prólogo sem título, cuja função é apresentar-nos<br />

o narrador recordando e em ato de escrita, e um epílogo, também sem título, [...].” (p. 36 – itálicos meus).<br />

6<br />

Para V. F. o tom a imprimir a um texto – seja ficcional ou ensaístico –, particularmente à escrita romanesca,<br />

assume uma dimensão equiparável à de categoria da narrativa, que, sendo para Maria Joaquina Nobre<br />

Júlio, identificável à “dimensão poética” da escrita do romance (op. cit., p. 142-143), é, para o próprio V.<br />

F., mais do que isso, um elemento único, absolutamente diferençável do conceito de estilo ou de qualquer<br />

traço simplesmente identificador de um modo de escrita. A freqüência com que ele trata o assunto em entrevistas,<br />

ensaios e nos registros do seu diário dá a medida da importância que ele lhe atribui. Para exemplificação,<br />

seguem dois fragmentos de entrevistas suas e alguns excertos de anotações de Conta-Corrente:<br />

“O tom. É o que mais ressalta num livro e o que de menos se fala. Porque esse tom exprime definitivamente<br />

uma hierarquia de valores, uma perspectivação do que se diz, a escala de importância que<br />

nos existe para o que dizemos. [...] um livro é, acima de tudo, o seu tom, a vibração que sobra, e em<br />

nós se alonga, após a sua leitura.” (UEA, p. 194 e 242). “Vou recomeçar o romance para lhe dar outro<br />

tom. É uma questão que pouco importa aos teorizadores – o tom. E todavia, o saldo final de um<br />

livro pode dizer-se que está aí. Não tem bem isso que ver com os termos ou mesmo com o ‘estilo’,<br />

se o ‘estilo’ não é já uma maneira sensível de os escolhermos, de reagirmos perante eles. Porque o<br />

tom é resultante da forma da sensibilidade que se adota perante o mundo e a vida. Podemos reagir<br />

pela emoção grandíloqua, feminina, rude, neutral, irônica, displicente, grave... O tom dá o nível a<br />

que se é homem. [...]. A psicologia de um autor é do tom que se pode derivar. Sem sabermos nada<br />

do que foi A ou B, podemos imaginá-lo no seu modo de ser, de conviver, de reagir. [...]. Escolher

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