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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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ta, uma atmosfera, uma tensão, um “traço” ou um “ar”, um elemento que viria a constituir<br />

uma marca ou a marca da escrita vergiliana. Essa poeticidade, caracterizada por um lirismo<br />

intenso, transborda sobretudo em situações representativas da relação do ser consigo<br />

mesmo, na descoberta alarmada do eu, na visão maravilhada da Arte ou do cosmos, na<br />

pacificação da música ou na beleza de um corpo jovem. “[...] tocar era uma razão profunda<br />

da sua vida, Paula sofria com a falta dessa união absoluta de si e do público no instante dos<br />

concertos. [...] Quem cantava entre os dedos de Paula? Nem todos o sabiam, – e Mário<br />

quase sempre preferia não sabê-lo. Havia apenas a aparição do mistério, e um desejo sufocante<br />

de tocar o halo do seu nada;” (CF, p. 49) – “Elsa estava enfim pronta para o bailado,<br />

cingida no seu tutu branco de cisne, coroada com duas penas, [...]. Depois, todo o corpo se<br />

recolheu a si, resignado, para que nada dele se furtasse à morte, fosse bem, todo ele, a aparição<br />

do milagre que não volta.” (p. 52) – “[...] eu sou bailarina! Que mais pode interessarme<br />

que bailar? Sabe você o que isso significa? Você sente a vida em cor, em estrutura,<br />

penso eu. Eu sinto-a onde ela começa: no meu corpo. Conheço-a [...] nos meus rins, nas<br />

minhas pernas, na densidade da minha carne que há-de morrer. E sei que a possuo aí, no<br />

limiar da sua aparição, nas linhas da beleza que o meu corpo percorre...” (p. 64). – “E eis<br />

que, no dia seguinte, o assaltou no ventre uma impressão bem conhecida. E outra vez o<br />

abalou todo a certeza absoluta da morte. Brusca verdade incandescente e tão inverossímil!<br />

Como é possível? Como te ignoro, tão raramente te conheço! Violenta aparição do<br />

nada, a presença compacta de um muro de cegueira.” (p. 129) 4 . Seria ainda possível registrar<br />

vários outros exemplos de contextos semânticos em que o escritor utiliza o vocábulo,<br />

mas é desnecessário, porque os citados são já suficientes para a demonstração do caráter<br />

polissêmico e conceitual da palavra. Do seu traço poético, da sua dimensão fenomenológico-existencial.<br />

E será com toda essa carga de poesia e de problematização existencial que<br />

ela presidirá, desde o título, a todo o interesse e sentido do romance Aparição.<br />

Além da recorrência vocabular que valoriza o lexema aparição como um símbolo<br />

ou referencial de uma atmosfera, estado de espírito ou sensibilidade existencial comum a<br />

várias personagens de romances anteriores, sobretudo às protagonistas, um outro elemento<br />

ressurge, também fruto de alguma recorrência, e que no romance Aparição se situa no plano<br />

da macro-organização do livro. São dois, sobretudo, os pontos para os quais neste aspecto<br />

vale a pena chamar a atenção: o primeiro deles, e o mais evidente, os textos coloca-<br />

4 Toda esta última seqüência está grafada em itálico no texto do romance. É meu o destaque da palavra aparição.

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