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a Carlos a afirmativa de que “Um homem não é as evidências dos outros. É só e absolutamente<br />
a sua própria evidência.” (ibid., p. 135). Ora, aqui temos, muito antes de Aparição a<br />
antecipação do seu conceito metafísico: a evidência do ser a si mesmo. Em Manhã submersa<br />
a palavra surge algumas vezes ao longo do romance, mas sempre ou quase sempre<br />
com sentido denotativo, mas não destituída de uma certa carga emotiva ou inserida num<br />
contexto de emoção:<br />
“quando a camioneta entrou na curva donde há tanto eu sonhara com a aparição da minha<br />
terra, um súbito desalento, feito da noite e do meu desamparo, paralisou-me de medo<br />
ou de uma indiferença profunda.” (MS, p. 67) 1 – “Lembro-me bem da terra úmida,<br />
esponjosa de morrinha, dos troncos nus de inverno, escorrendo aguaceiro, das aparições<br />
fantásticas que atravessavam encapotadas a fumarada da névoa, [...].” (ibid., p. 95) –<br />
“O luar gelado entrava pelas grandes janelas, transfigurava tudo em aparições de espectros.”<br />
(p. 117) – “A fixidez de todo o interior da camioneta, deslizando sobre a rápida e<br />
sucessiva aparição das árvores, caminhos, casebres que saltavam à estrada, dava-me a<br />
sensação estranha de uma suspensão do tempo, [...].” (p.153-154) – “Uma dádiva sem<br />
margens abria o mundo todo à aparição das sombras.” (p. 156).<br />
Em Apelo da noite, logo à página 16, lê-se: “Repousa na almofada branca, Lídia.<br />
Lídia. Face esmaecida, lábios mudos, longos cabelos louros de aparição. Só nos olhos flutuava<br />
ainda uma memória vã de palavras.” 2 . E mais adiante: “A aparição da certeza revelava-se<br />
onde a não desejara, as palavras de Adriano eram agora como a publicação de um<br />
segredo que ela guardasse.” (ibid., p. 137). E ainda: “Quebrado, condescendentemente,<br />
deixava que o percorresse esse rio profundo, secreto de nascentes, aguardava a sua fugidia<br />
aparição nas palavras.” (p. 187). Um dos aspectos fundamentais na problemática filosófica<br />
de Aparição, a descoberta alarmada e violenta da morte e a conseqüente evidência de que a<br />
vida é fugazmente finita, também está em Apelo da noite, constituindo o grande motivo da<br />
angústia do seu protagonista. “Visitava-o a morte agora pela primeira vez, o seu absurdo, a<br />
sua violência como um estampido. Só tarde Lídia estaria bem morta: agora vivia ainda<br />
incrivelmente no timbre da sua voz, no seu riso como uma flor, quase só riso do olhar...”<br />
(AN, p. 18). Conhecer a vida sem a morte. Uma das indagações feitas a Adriano por um<br />
seu companheiro de luta política. Ao que ele afirma que “É preciso ver morrer alguém,<br />
1 Nesta, e nas subseqüentes transcrições, são meus os itálicos que destacam a palavra aparição.<br />
2 A edição utilizada, é, como já se sabe, a 1ª – Lisboa: Portugália, 1963. Também aqui, são meus os destaques<br />
em itálico.