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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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85<br />

traziam consigo o mistério da união do homem ao cosmos, da comunicação absoluta, os<br />

obscuros sinais com que a terra e a vida se reconhecem desde sempre em face dessa força<br />

que as arrasta e consome e renova e as integra na silenciosa harmonia de tudo. Ouvilos<br />

uma vez ainda, – coros de um Natal imperecível, de um convívio imperecível, de<br />

uma memória perene de transfiguração e pureza. Ele os escuta enfim. E entre esse mundo<br />

imaginado de paz e comunicação, da vibração profunda, da evidência absoluta, – Elsa<br />

dançava de novo, traçava no espaço uma iluminada órbita de esferas, exprimia e divinizava,<br />

para sempre, o seu rastro de harmonia, da vivência ardorosa, da esperança.<br />

(CF, p. 240).<br />

Cântico final é já um representativo e destacável marco na fase inicial do percurso<br />

romanesco de Vergílio Ferreira. Momento muito enriquecedor de toda uma complexa problemática<br />

que viria a caracterizar o conjunto da obra do escritor, o romance amplia o horizonte<br />

dos seus temas, depura a intensidade poética da sua escrita, lança “pontes” que servirão<br />

de passagem para romances futuros. Dá continuidade ao processo de transformação na<br />

permanência contribuindo para a solidificação de algumas linhas temáticas, estéticas, filosóficas<br />

e simbólicas que viriam a ser permanentes na obra vergiliana, tal como muito bem<br />

viu a analisou Georg Rudolf Lind no ensaio “Constantes na obra narrativa de Vergílio Ferreira”<br />

30 .<br />

Entre essas constantes, a presença dos grandes símbolos, sobretudo os de natureza<br />

cósmica – a montanha, a noite, a neve, os astros, o mar... –, mas também os originários –<br />

os pais, a casa familiar, a aldeia e os seus homens rústicos... A necessidade de justificar a<br />

vida diante da evidência da morte. A Arte e a sua possibilidade de Absoluto. Uma escrita<br />

cada vez mais intensamente poética, facilmente transbordante para um lirismo de acentuada<br />

dramaticidade denunciando a emoção excessiva e a nostalgia de alguma coisa irremediavelmente<br />

perdida. De um ponto de vista estilístico mas a que não faltam também aspectos<br />

estruturantes, esta questão da linguagem vergiliana, sobretudo a partir de Cântico final,<br />

permite um debate envolvente de vários tópicos, inclusive o genológico, porque em diversos<br />

momentos a escrita reveste-se de uma tal essencialidade poética que autoriza indagar<br />

acerca da natureza da obra. Claro que se trata de um romance, mas é exatamente pelas essenciais<br />

características da sua linguagem e em face da estruturação do livro, que Gaspar<br />

Simões se permitiu pensá-lo menos como um romance e mais como uma “novela poéti-<br />

30 V. Colóquio/Letras. Lisboa, n. 90, p. 35-46, março de 1986.

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