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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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preendeu, também, no erotismo 26 , e o disse no ensaio Invocação ao meu corpo (1969),<br />

colocando-o entre o que considera quatro mitos modernos – ação, erotismo, arte e Deus:<br />

83<br />

[...] o erotismo, na escala dos mitos modernos, é talvez o mais equívoco. Ele é em muito<br />

inferior à ação e no entanto vai além dela porque pode investir-se de uma forma de a-<br />

cesso ao Absoluto universal, ao Ser como pura essência da Vida. Mas antes de mais ele<br />

fala a voz do domínio ou mais modestamente a da inteira realização da liberdade do<br />

homem. 27<br />

A dança de Elsa, nua, na praia, é uma expressão de liberdade ao mesmo tempo revestida<br />

de paganismo e de erotismo. Elsa erotiza a sua dança despindo-se e oferecendo os<br />

seios à lua, inclinando “a cabeça para trás como uma bacante”. Erotiza o corpo numa dança<br />

iniciática a que se segue o banho, igualmente iniciático e lustral, de lua e de mar. Elsa também<br />

sabia bem que o corpo era “um dos últimos refúgios dos deuses mortos” (CF, p. 157)<br />

e naquele instante de sagração, nada existia da vida, de antes ou depois, porque nada mais<br />

havia, então, “para o passado e para o futuro, do que nós aqui, ofegantes de lua...” (ibid., p.<br />

158). Elsa já está muito próxima da idéia de um corpo metafísico.<br />

O erotismo, um filho, a arte. Este é o caminho para o Absoluto em Cântico final.<br />

Mário percorre esse caminho: o erotismo com Elsa, um filho que viria a ter com Cidália (e<br />

que não chegaria a conhecer por ter morrido antes do seu nascimento) e a sua arte, a pintura,<br />

que viria a ter o seu ponto culminante na restauração e decoração da capela da Senhora<br />

da Noite. Portanto, um romance sobre a busca do Absoluto possível de encontrar na realização<br />

estética, sendo essa realização predominantemente a da pintura. São muitas e intensas<br />

as relações de Cântico final com esta expressão artística, e não somente por ser um<br />

pintor o protagonista do romance, mas por aspectos da discussão ensaística implícita nos<br />

diálogos e nas reflexões das personagens, por passagens pictoricamente descritivas – como<br />

por exemplo a descrição da montanha coberta de neve, dada pela visão e sensibilidade de<br />

Mário nos seus últimos dias 28 –, pelo que de pictórico têm as figuras criadas por Guida nas<br />

26 Um dos temas constantes e de relevante importância nos romances de Malraux é justamente o do erotismo,<br />

sobretudo o de inquestionável consumação sexual, muito mais do que o da contemplação ou comunhão<br />

amorosa. Estudando essa temática malrauxiana, André Maurois situa o erotismo como uma das possibilidades<br />

do Absoluto na obra do autor de A condição humana (V. MAUROIS, André. André Malraux. In:<br />

____. De Proust a Camus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1966, p. 325-351).<br />

27 FERREIRA, Vergílio. Invocação ao meu corpo. Lisboa: Portugália, 1969, p. 180.<br />

28 V. todo o capítulo XXVII de CF, em que, ao primeiro nevão que anunciava o inverno, Mário assiste à<br />

“dança fantástica dos flocos brancos na distância raiada do horizonte” que “durante dias não cessou” (p.<br />

237). As lembranças de Mário, neste seu momento final, são lembranças pictóricas:

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