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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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conta a Mário – com uma intencionalidade também cruel – como ocorrências das suas andanças<br />

pelo mundo. Histórias, como por exemplo, a do seu encontro, no Cairo, com um<br />

homem jovem, “nobre e assombrosamente rico”, que se apaixonou por ela e pela sua arte,<br />

com quem ela conviveu “intensamente”, passeando por todo o Egito, com quem aprendeu<br />

“alguma coisa mais do Oriente, o valor da densidade das ancas, a tríplice flexão do corpo<br />

em S, a dança dos braços e das mãos que enleiam e prendem e procuram o ápice agudo do<br />

fim...”, e para quem, certa noite, a pedido dele, vai dançar, “no seu palácio, só para ele”.<br />

Depois da dança, “porque para ele não havia mais nada, porque atingira um limite, [o homem]<br />

retirou-se para os seus aposentos, escreveu uma declaração e suicidou-se com um<br />

tiro de revólver.” (CF, p. 160). A essa história absurda Elsa classifica de banal. Para maior<br />

impacto de Mário, ainda afirma que o egípcio lhe havia prometido aquilo, e só por isso ela<br />

havia retornado ao Cairo. “É uma história banal, meu Mário, [...]. História quase ridícula.<br />

Mas que há de mais banal do que a vida e a morte?” (ibidem). Episódios como este, não<br />

importando se verdadeiros ou não, compunham aquela aura de mistério e crueldade que em<br />

Elsa tanto fascinava Mário e lhe atiçava a paixão entre impulsos contraditórios.<br />

Elsa e Guida são meias-irmãs por parte de pai. Guida é para Mário sugestão de tudo<br />

quanto o amor tem de pacificação e harmonia, completude e comunhão entre corpos e destinos<br />

e a continuidade disso num filho, convicções e desejos, espiritualização e paz. Mas<br />

Guida é casada com Rebelo (casamento que viria a desfazer-se) e a Mário fascinam muito<br />

mais a paixão, o erotismo e a turbulência do que a pacificação. Elsa é sugestão de tudo<br />

quanto no amor é arrebatamento e incerteza, entrega e recusa, plenitude e vazio, e efêmero,<br />

e fugaz como o instante que passa. Para Guida o amor deve viver-se continuadamente, na<br />

comunhão plena dos dias que passam. Para Elsa o amor é paixão que só se pode viver na<br />

fulgurante intensidade do transitório instante. Por isso a sua própria fascinação pela dança,<br />

e, perguntada sobre o que era a vida, para ela, responde que, sendo bailarina, sente a vida<br />

“onde ela começa”: no seu corpo. Nos seus rins, nas suas pernas, “na densidade da [sua]<br />

carne que há-de morrer”. E sabe que é aí que a possui, “no limiar da sua aparição, nas linhas<br />

da beleza que o [seu] corpo percorre... Depois eu conheço o valor do instante, sei que<br />

o milagre não dura. Oh, bom Hoelderlin: ‘só por instantes o homem agüenta a plenitude<br />

divina. Passa-se a vida depois a sonhar com eles...’” (CF, p. 64-65).

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