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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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futuro obedecesse a um projeto prévio e a um processo de realização absolutamente consciente,<br />

parece que tudo se encontra já em gestação desde esse momento inicial, em que não<br />

se poderia ainda ver os instantes finais da obra em realização.<br />

Cântico final sugere uma síntese desse processo. O grupo de artistas e de intelectuais<br />

criadores ou simplesmente fruidores de arte, representado no romance, discute-a desde<br />

a ortodoxia neo-realista até ao abstracionismo, ao esteticismo, aos mistérios da arte simbólica<br />

comprometida apenas com o transcendente e a própria realização artística e sem nenhuma<br />

vinculação com o histórico, o político, o econômico. Os integrantes do grupo discutem,<br />

nesta abrangência, sobretudo a pintura e a literatura. E também ouvem música, desde<br />

Bach, Mozart, Schubert, Chopin, Tchaikovsky, Saint-Saëns, até Debussy, Bartok, Stravinski,<br />

Webern, Pierre Boulez. Mas na verdade, o ponto extremo, o limite nesse caminho<br />

da superação da arte por si mesma, da suprema abstratização, da eterizada fluidez da arte, é<br />

na dança e na bailarina Elsa que o romance o situa. Porque a literatura se materializa em<br />

escrita e em objetos gráficos, os livros; a pintura em quadros e em todos os materiais necessários<br />

à sua produção; a música também na sua escrita própria em pautas musicais...<br />

mas a dança... a dança é como um instante-limite entre o ser e o não-ser, entre o tudo e o<br />

nada, entre a plenitude e o vazio... Nasce e morre no ato de dançar, esgota-se no esgotar<br />

dos movimentos, exaure-se no corpo que pára ou que se extingue. Nada há antes e nada<br />

resta depois dela.<br />

Elsa e a sua arte, a dança, representam esse instante-limite da realização artística,<br />

esse instante que passa, fulguração brevíssima da plenitude, da superação do peso de um<br />

corpo, do material, do que é temporal, do que vai envelhecer e morrer. É pela dança que<br />

Elsa diviniza o seu corpo, fazendo acordar nele a “memória dos deuses mortos”. É por essa<br />

superação do que é humanamente material e precário que Mário se deixará fascinar. O mistério<br />

que envolve essa mulher bailarina, o seu horror às convenções e ao banal quotidiano,<br />

despertam no pintor uma paixão que ele nunca teve por mulher alguma. E não se chegará a<br />

saber se o que o fascina e apaixona é propriamente a mulher ou a aura de mistério que a<br />

envolve; um corpo feminino carregado de erotismo que ao mesmo tempo se oferece e se<br />

recusa ou a densidade daquilo que em arte é a mais fugaz concepção e realização; a intensidade<br />

da beleza física dessa mulher ou uma certa crueldade com que ela trata as coisas da<br />

paixão; o seu brilho ofuscante ou a sombra do que nela é obscuro.<br />

Esse mistério, esse erotismo, essa crueldade de paixões obscuras e suas zonas de<br />

sombra parecem ser cultivadas por Elsa em episódios mais ou menos fantásticos que ela

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