21.05.2014 Views

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

71<br />

Longa, a citação, mas justificável pelas “chaves” que oferece. Partiu daqui, do próprio<br />

pensar de Vergílio Ferreira sobre a arte, o absoluto, o sagrado e o humano, a análise<br />

que Fernando Pernes fez de Cântico final. O próprio Vergílio Ferreira responde aqui, por<br />

antecipação, à indagação do crítico de arte “Por que pintou Matisse uma capela?”, pergunta<br />

que vale também para Mário, protagonista do romance: porque “a arte é um valor por si<br />

só”; porque “é a última forma de o homem se reconhecer em plenitude”; porque além de<br />

todas as “explicações imediatas” alguma coisa mais se evidencia; porque “toda a grande<br />

arte é uma obra religiosa”; porque “é sobretudo hoje que descobrimos na arte a face do<br />

sagrado”; porque é pela arte que o homem procura aplacar a saudade de um tempo ancestral<br />

e mítico, esse “eco da memória dos deuses mortos”, em que homens e deuses em essência<br />

se coabitavam mutuamente, plenos da presença de uns nos outros. Eis o que levou<br />

Matisse, ou Chagall ou Braque a pintarem as suas capelas. Eis o que leva Mário a pintar a<br />

sua, a da Senhora da Noite, transfigurada em Elsa ou Elsa nela. Vergílio Ferreira continua<br />

a sua reflexão emocionada:<br />

[...] a arte liberta porque possui: re-criar é violentar, submeter. Mas se nenhuma recriação<br />

autêntica se realiza fora de uma profunda adesão, a verdadeira arte revive. Ilustrar<br />

um conto de Fadas é recuperar, através de uma saudade ou tolerância, a verdade das<br />

Fadas; como, neste sentido, decorar uma Capela é sentir a memória de uma adesão de<br />

outrora: que ateu de raiz poderá falar realmente dos deuses que nunca conheceu? (Ibid.,<br />

p. 246-247).<br />

Vergílio Ferreira pensou, desde sempre, sobre os essenciais problemas da Arte. E<br />

não o fez apenas nos seus ensaios: Cântico final é o romance da sua reflexão sobre a Arte.<br />

Como de certo modo Apelo da noite já o fora. Mas a reflexão continuada naquele romance<br />

apresenta diferenças relevantes com relação ao anterior. Apelo da noite, romance de uma<br />

geração revolucionária, põe em questão sobretudo o histórico, o social, o ideológico, o<br />

coletivo, em confronto com o existencial, o humano, o estético, o individual. É um romance<br />

político emoldurado por questões estéticas. O cerne da discussão, as dicotomias entre<br />

absoluto e relativo, idéia e ação, desdobra-se para questões da arte, particularmente a da<br />

sua função: arte comprometida com o homem inserido na História, no social, no ideológico<br />

ou arte comprometida com o Homem essencial, com a humanidade do homem, como ser<br />

ôntico, existencial e também com a própria realização estética – o romance enquanto romance,<br />

o poema enquanto poema, a pintura enquanto pintura... Adriano Mendonça está

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!