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Longa, a citação, mas justificável pelas “chaves” que oferece. Partiu daqui, do próprio<br />
pensar de Vergílio Ferreira sobre a arte, o absoluto, o sagrado e o humano, a análise<br />
que Fernando Pernes fez de Cântico final. O próprio Vergílio Ferreira responde aqui, por<br />
antecipação, à indagação do crítico de arte “Por que pintou Matisse uma capela?”, pergunta<br />
que vale também para Mário, protagonista do romance: porque “a arte é um valor por si<br />
só”; porque “é a última forma de o homem se reconhecer em plenitude”; porque além de<br />
todas as “explicações imediatas” alguma coisa mais se evidencia; porque “toda a grande<br />
arte é uma obra religiosa”; porque “é sobretudo hoje que descobrimos na arte a face do<br />
sagrado”; porque é pela arte que o homem procura aplacar a saudade de um tempo ancestral<br />
e mítico, esse “eco da memória dos deuses mortos”, em que homens e deuses em essência<br />
se coabitavam mutuamente, plenos da presença de uns nos outros. Eis o que levou<br />
Matisse, ou Chagall ou Braque a pintarem as suas capelas. Eis o que leva Mário a pintar a<br />
sua, a da Senhora da Noite, transfigurada em Elsa ou Elsa nela. Vergílio Ferreira continua<br />
a sua reflexão emocionada:<br />
[...] a arte liberta porque possui: re-criar é violentar, submeter. Mas se nenhuma recriação<br />
autêntica se realiza fora de uma profunda adesão, a verdadeira arte revive. Ilustrar<br />
um conto de Fadas é recuperar, através de uma saudade ou tolerância, a verdade das<br />
Fadas; como, neste sentido, decorar uma Capela é sentir a memória de uma adesão de<br />
outrora: que ateu de raiz poderá falar realmente dos deuses que nunca conheceu? (Ibid.,<br />
p. 246-247).<br />
Vergílio Ferreira pensou, desde sempre, sobre os essenciais problemas da Arte. E<br />
não o fez apenas nos seus ensaios: Cântico final é o romance da sua reflexão sobre a Arte.<br />
Como de certo modo Apelo da noite já o fora. Mas a reflexão continuada naquele romance<br />
apresenta diferenças relevantes com relação ao anterior. Apelo da noite, romance de uma<br />
geração revolucionária, põe em questão sobretudo o histórico, o social, o ideológico, o<br />
coletivo, em confronto com o existencial, o humano, o estético, o individual. É um romance<br />
político emoldurado por questões estéticas. O cerne da discussão, as dicotomias entre<br />
absoluto e relativo, idéia e ação, desdobra-se para questões da arte, particularmente a da<br />
sua função: arte comprometida com o homem inserido na História, no social, no ideológico<br />
ou arte comprometida com o Homem essencial, com a humanidade do homem, como ser<br />
ôntico, existencial e também com a própria realização estética – o romance enquanto romance,<br />
o poema enquanto poema, a pintura enquanto pintura... Adriano Mendonça está