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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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sente. Ou com uma memória de inocência e de sagrado que os sinos do Freixo lhe trazem:<br />

“Sinos do Freixo, memória profunda – Natal. A senhora Ana lho lembrara: – Para a novena<br />

do Menino Deus...” (CF, p. 239 – itálico do texto). Mário carregou sempre consigo<br />

essa nostalgia do sagrado, dos seus mitos, da sua mística, de um antigo mundo religioso e a<br />

consciência de que a arte é também uma forma de testemunho desse sagrado, e que se pode<br />

manifestar por diferentes linguagens. Tem razão Fernando Pernes na análise sensível que<br />

faz de Cântico final a partir da específica perspectiva da crítica de arte, mas este romance<br />

de Vergílio Ferreira é muito mais do que este seu ponto culminante da decoração da capela.<br />

E há todo um trajeto estético-existencial percorrido por Mário e pelo seu criador até se<br />

chegar a esse ponto máximo do romance.<br />

Os temas da capela como objeto de realização estética no horizonte de artistas agnósticos,<br />

a sagração da Arte ou a manifestação do sagrado nela, a divinização do humano e<br />

a correspondente humanização do divino, pertencem a um elenco de questões sobre as<br />

quais o escritor reflete permanentemente. Temas obsessivos, privilegiados ou prediletos,<br />

sendo de sempre são decerto anteriores a Cântico final e já aparecem em ensaios de Do<br />

mundo original, publicado em 1957, um ano depois do término da escritura daquele romance.<br />

Encontra-se em Do mundo original a seguinte reflexão:<br />

[...] é talvez válida a afirmação de que toda a grande arte é uma obra religiosa. A fé autêntica<br />

é um absoluto e a obra de arte gerada aí é-o particularmente também – ou mais<br />

salientemente também. [...]. Será por acaso que, sendo hoje a arte um valor por si só,<br />

mas, quando autêntica, fora dos limites do passatempo, sendo hoje a arte a última forma<br />

de o homem se reconhecer em plenitude – será por acaso que em tantos artistas a decoração<br />

de uma capela dir-se-ia uma fascinação? Sim, eu sei: as explicações imediatas são<br />

inúmeras. Mas como se nos insinua a evidência de alguma coisa mais! E entre essa “alguma<br />

coisa”, por exemplo, a certeza de que o ateísmo de alguns desses artistas é bem<br />

mais convincente do que o dos ateus dos séculos XVIII e XIX: o ateu de hoje não é antireligioso,<br />

ou seja, é um agnóstico: a anti-religião implica a religiosidade. O ateu de hoje<br />

admite a religião (ou melhor, a crença), porque se separou dela. Mas, fundamentalmente<br />

o que se nos insinua é que um irresistível sinal sagra aí uma certa identificação do absoluto<br />

da arte de hoje, fechada em si, com o da arte religiosa do passado: indício de uma<br />

saudade, apelo a uma única e irrecuperável justificação de plenitude, saudação de um<br />

eco da memória dos deuses mortos ao tempo da sua presença nos homens, da presença<br />

dos homens neles: é sobretudo hoje que descobrimos na arte a face do sagrado... (DMO,<br />

p. 238-239).

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