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difícil identificar personagens como o crítico Valdemar ou o ativista Torres ou o episódio<br />
da fuga dos presos políticos, fundamental na fábula romanesca... A hipótese de modelos<br />
vivos para alguns personagens do romance é fortalecida pelo próprio autor no “Posfácio”<br />
em que aludindo à morte de Adriano lembra que<br />
os outros estão aí. Está aí o Teles, o Valongo, o Pires. Gabriel morreu há meses, tísico,<br />
apagado, solitário. Ou não bem solitário: com a sua poesia... Não sei o que pensava então<br />
da arte que o afligira. Sei apenas que morreu a cantar a vida, o sol, o amor, sem epopéia<br />
para ouvidos alheios... (AN, p. 268).<br />
Mas há também no romance expressivos momentos do que viria a ser a escrita vergiliana,<br />
então ainda apenas em formação, no seu lirismo, no transbordamento da sua emoção.<br />
Sobretudo nos instantes de evocação de um passado de juventude em que a felicidade<br />
parecia possível. Na visão de Coimbra, por exemplo, ou na sua simples proximidade ou<br />
lembrança, toda uma carga emocional e mítica se libera em escrita poética, na música relembrada<br />
e que quase se pode ouvir, na fascinação do sonho e na força da juventude. “Tinha<br />
vindo já a Coimbra, depois do tempo antigo, e sempre a memória desse tempo se salvara<br />
do encontro com a realidade – sempre a memória se salvou.” (p. 132, itálico do texto<br />
citado).<br />
Era uma curva alta e Coimbra abria-se no fundo sem tempo da madrugada, como um<br />
limite irreal. Poderiam erguer-se coros sobre ela, pela cúpula do céu, que estariam certos.<br />
À distância donde a via, a face branca da cidade tinha para o do volante a verdade<br />
original da comoção da lembrança. (Ibidem).<br />
Coimbra é revisitada numa viagem de fuga, que é para Adriano a sua viagem sem<br />
regresso. O grupo fugitivo vai para o interior do país, para a montanha beirã. Subir a montanha<br />
será para Adriano como a subida do Gólgota para o Messias. É uma purgação e uma<br />
ascese, uma subida para a perfeição da Morte, o despojamento de tudo quanto é humano e<br />
transitório, quanto é relativo e imperfeito. É muito significativo que Adriano procure a<br />
montanha para morrer. Em vários outros livros de Vergílio Ferreira vamos rever este simbólico<br />
regresso do Homem às suas primigênias e cósmicas origens para criar, reencontrarse<br />
consigo mesmo, repousar ou morrer. Regresso às origens. Regresso ao útero materno.<br />
Regresso à Mãe Terra.