21.05.2014 Views

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

65<br />

romance do escritor inglês, esmagado, como em Mudança, pelas rodas de um automóvel.<br />

Mas em Huxley, o incidente da morte do cão não provoca compaixão ou depressão no protagonista,<br />

o escritor Philip, e só lhe estimula racionais exercícios de inteligência 19 . Quanto<br />

a Pessoa, é objeto de discussão num certo momento em que Adriano, indagado sobre as<br />

razões de não gostar do poeta, responde, com uma certa indiferença que “não desgosta” de<br />

Pessoa, simplesmente não “delira com ele”, talvez por ele “não ter tido a coragem de se<br />

aborrecer da vida a sério.” (p. 98).<br />

No plano dos símbolos caracteristicamente vergilianos, Apelo da noite é um romance<br />

relativamente despojado. Trata-se de um texto ficcional essencialmente político que<br />

poderia ter provocado, por diversos aspectos, a censura ideológica salazarista. Talvez por<br />

isso o intervalo de quatro anos entre o término da sua escrita e a publicação. Mas o romance,<br />

ainda que essencialmente político, é também o romance de um pensamento (e conseqüentemente<br />

também de uma estética) em formação, ou mutação, ou transição e por isso,<br />

tudo pretende problematizar, principalmente a literatura, e a pintura, e toda a Arte, a Filosofia,<br />

a História. Daí a sua sobrecarga ensaística com as reflexões sobre a função da arte e<br />

o papel do artista na sociedade moderna. A ironia na representação dos defensores da arte<br />

progressista e dos “talentos” da pintura que nunca fizeram uma exposição e que mesmo se<br />

recusam a expor... É esse “enquadramento” e tratamento temático que levará Eduardo Lourenço<br />

a dizer que a leitura do romance “sugere fortemente o subtítulo: dos intelectuais ou<br />

da Ilusão Ideológica. Dir-se-á [continua ele]: não é milagre pois é disso mesmo que se<br />

trata ou à volta disso.” 20 . Sendo o romance da representação de um grupo de intelectuais,<br />

Apelo da noite é de algum modo o romance de uma geração, a geração portuguesa a que o<br />

mesmo Eduardo Lourenço chamou da “Utopia” 21 e por isso também, é de algum modo um<br />

romance à clef. Decerto alguns dos seus personagens tiveram modelos vivos, como reais<br />

são também os temas filosófico-ideológicos postos em debate e protagonistas desse debate<br />

ideológico considerado em dimensão mais vasta, como Malraux, Sartre, Camus, Gide, Sinclair,<br />

ou a polêmica travada entre neo-realistas e presencistas de que há referências no romance,<br />

sobretudo a Régio e Gaspar Simões. Embora não valha a pena arriscar, não seria<br />

19 V. HUXLEY, Aldous. Contraponto. São Paulo: Abril Cultural, 1971, p. 85-86 (coleção Os Imortais da<br />

Literatura Universal, v. 25). V. também, na mesma obra, à p. 187, uma típica situação vergiliana, a da<br />

“morte do cão”, o cão como “última companhia”: a Sra. Knoyle, personagem do romance, vivendo sozinha,<br />

adotara um cão, um “velho podengo”, como única companhia, mas tendo o animal adoecido de doença<br />

incurável, foi obrigada a mandar sacrificá-lo.<br />

20 LOURENÇO, Eduardo. O itinerário de Vergílio Ferreira: a propósito de Apelo da noite. Op. cit., p. 92.<br />

21 V. Vergílio Ferreira e a geração da utopia. In: LOURENÇO. Op. cit., p. 83-92.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!