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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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64<br />

A parte humana é simbolizada por Adriano que assume messianicamente os homens à<br />

maneira de Cristo, morrendo mesmo para possibilitar a fuga dos outros e os (se) salvar.<br />

A sua morte prolonga-se por uma paz tão vasta como o céu e a montanha, que abrange<br />

todo o espaço e todo o tempo (“os sonhos milenários dos homens”). E, tal como Cristo,<br />

ele fala de um mundo diferente, que se gerará numa vivência liminar. 17<br />

Passa agora, então, a fazer mais sentido a paráfrase bíblica encontrada logo ao início<br />

do romance: “ao princípio era a ação” (p. 15) – paráfrase que mais tarde será modificada<br />

para ser repetida em Nítido nulo: “eu sou o Verbo” 18 – e a indagação que o pai de Adriano<br />

lhe faz: “– Que fica para a vida se perdemos a coragem?” (AN, p. 15). Também faz<br />

mais sentido a própria estrutura textual ou formal do romance, construído em dois fluxos<br />

narrativos, representando tempos e espaços diferentes, um o da ação presente, o da fuga<br />

dos prisioneiros conduzidos por Adriano para a montanha, o outro o da reflexão passada,<br />

as vivências de Adriano com o grupo ativista clandestino. Os dois fluxos narrativos, que ao<br />

final vão convergir para um único, o do presente da ação romanesca, que é também o da<br />

ação heróica de Adriano, são identificados na composição gráfica do texto por diferentes<br />

famílias tipográficas: itálico para o da ação presente, romano para o da reflexão passada.<br />

Recurso visual sinalizador dos dois diferentes planos do romance, este elemento estruturador<br />

vai repetir-se em Cântico final, e, de algum modo – embora diferentemente,<br />

também em Manhã submersa e em Aparição. Em Apelo da noite, o jogo contínuo entre os<br />

dois níveis a evocar o interseccionismo pessoano e a técnica do contraponto. Provavelmente<br />

não por acaso é Aldous Huxley um dos autores mencionado entre tantos no romance de<br />

Vergílio. Embora Apelo da noite seja sobretudo um romance malrauxiano, em Contraponto<br />

Huxley também discute Arte, política e ciência valendo-se de um grupo de personagens<br />

que representam a intelectualidade artística, política e científica e a estrutura do romance<br />

joga igualmente com diferentes planos de tempo e de espaço. Coincidência ou não, mesmo<br />

um dos símbolos obsessivos de Vergílio Ferreira, a presença do cão, também lá está no<br />

17 GODINHO, Helder. O limite em Apelo da noite. In: ______ (Org.). Estudos sobre Vergílio Ferreira.<br />

Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1982, p. 37. Na seqüência da interpretação dada por Godinho,<br />

importaria ainda ler o parágrafo seguinte:<br />

Assim, o limite permite que nasça uma nova qualidade. Daí que duas ideologias se interpenetrem<br />

nos seus pontos liminares, donde que o mesmo livro possa ser lido ‘de outro modo’. E a Morte, que<br />

é uma vivência profunda de fim e de intersecção, reintegra em pureza, salvando a Vida. Aqui a ambivalência<br />

do Princípio e do Fim, gerada na nova qualidade pelo Limite. (Ibidem).<br />

18 FERREIRA,Vergílio. Nítido nulo. 2. ed. Lisboa: Portugália, p. 189.

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