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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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63<br />

Não. Ninguém gritou. Só o silêncio. E uma paz cada vez maior, tão vasta como o<br />

céu e a montanha e os sonhos milenários dos homens. A porta. Alguém entrando. Homens<br />

escuros de arma apontada. Não. Ninguém. Nada. Nada. (AN, p. 258).<br />

Adriano consegue, finalmente, “resumir a vida numa ação decisiva”, viver (ou morrer)<br />

esse instante-limite capaz de fundamentar a existência em grandeza. Praticou, afinal,<br />

uma outra forma de suicídio, tentando dar perfeição ao imperfeito, transformar o relativo<br />

em absoluto, mudar a idéia em ação. De uma perspectiva realista é bem possível que o desenlace<br />

trágico de toda a trajetória existencial de Adriano seja equivocado. Mas é no plano<br />

simbólico que tudo isso tem de ser considerado, porque a morte de Adriano, ao invés de<br />

um absoluto em si, acaba por mostrar a relatividade da sua ação e do seu heroísmo.<br />

É a partir dela que se compreende melhor o significado do poema de Décio Ramos<br />

de que um breve fragmento é várias vezes repetido ao longo do romance, como um dos<br />

seus leitmotiven – “Custa ser homem, Senhor! / Custa sobretudo, / porque é infinita a distância<br />

que vai da razão lúcida / à paz da consciência” (p. 27) –. Adriano percorrera essa<br />

infinita distância a partir da lucidez do seu pensamento, e alcançou, com a ação em que fez<br />

culminar o percurso da existência, a paz interior, tão angustiadamente desejada. A razão da<br />

sua morte já não é ideológica: há muito vivera a sua crise de crença no comunismo, agravada,<br />

com o rompimento com essa ideologia, dos seus numes tutelares, sobretudo Malraux<br />

– mas também Gide, Hemingway, Upton Sinclair. A “traição” ou não-traição de André<br />

Malraux é tema demoradamente debatido. A revisão que o intelectual francês faz das suas<br />

convicções ideológicas é decisiva para Adriano. Como Malraux, ele afasta-se do comunismo,<br />

mas não se pode afastar dos seus pessoais princípios de justiça, nem da lealdade<br />

para com os companheiros, nem da necessidade de lhes mostrar o que entendia ser a verdade.<br />

Por isso a sua voz a certa altura passa a ser messiânica, anunciando algo novo aos<br />

camaradas, embora tenha a consciência de estar pregando no deserto, porque ninguém o<br />

quer ouvir. Daí a solidão a que o condena o isolamento que os outros lhe impõem. O sofrimento<br />

dos companheiros (morte de uns, prisão de outros, suicídio de Rute) leva-o a quebrar<br />

o isolamento e a empenhar a palavra para participar de uma ação para ele muito mais<br />

humanitária que revolucionária. A ação que leva Adriano à morte é uma questão ética, pelo<br />

empenhamento da palavra. É também uma questão pessoal para provar a sua coragem em<br />

busca do heroísmo e um gesto de solidariedade destinado a ajudar o próximo. Move-o uma<br />

santidade sem crença e como um Messias, deixa-se matar pela salvação de outros. Assim<br />

Helder Godinho viu o messianismo de Adriano:

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