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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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A inação de Adriano, a sua natural e originária entrega à reflexão, questionada desde<br />

a preocupação da mãe (“Não penses tanto” – p. 28 – dissera-lhe ela um dia, à “hora da<br />

sua ‘crise religiosa’”, na verdade crise ideológica), do pragmatismo do pai ( – Que é que se<br />

resolveu até hoje com o pensar, antes de se ter resolvido? [...] Resolvi já muitas dúvidas<br />

com um simples duche frio...” – p. 29), continuava (“Demonstrar, demonstrar, PENSAR!<br />

Mas levado até ao último limite...” – ibid.), até à exasperação dos amigos, de Teles, de<br />

Aires, de todos... Teles, que entendia que só a ação de um momento-limite podia fundamentar<br />

a vida de grandeza, invectiva, categórico: “– Menos idéias e mais pulso. [...] toda a<br />

preocupação mental é hoje uma incomensurável, uma monumental estupidez.” (p. 215-<br />

216). E conclui com violência, nesse diálogo tenso com Adriano: “O que em mim ouve e<br />

pensa e crê é a minha vontade de vencer. Porque só a vitória tem razão. Sebo para a ‘inteligência’.<br />

Quem reflete não ergue um dedo. Morre sepultado no esterco de toda a gente. ” (p.<br />

216).<br />

Adriano vencerá então a inação e substituirá a reflexão pela ação. Depois do desmantelamento<br />

da Frente da Cultura pela polícia, da prisão de alguns dos companheiros<br />

que a integravam, da traição ou do “amolecimento” de alguns deles culminando com a<br />

prisão de Aires, do suicídio de Sílvio que não suportou as conseqüências de haver traído...<br />

Depois de tudo isso e fascinado pelo suicídio que parece conferir perfeição ao imperfeito,<br />

Adriano vencerá a inação e participará da execução do plano de fuga de dois presos políticos,<br />

como já foi assinalado. É então que começa a sua viagem sem regresso. Como que ao<br />

irresistível apelo da noite, Adriano guia o velho Packard do pai – de que simulara o roubo<br />

–, noite adentro, de Lisboa para o interior do país, para a Beira, para a montanha onde seriam<br />

escondidos os fugitivos. Teria ali a oportunidade para viver o seu ato de heroísmo, a<br />

ação que lhe sagraria a justificativa da vida. Seguidos pela polícia sem que o soubessem e<br />

cercados à noite na casa onde se refugiaram, Adriano resistiria sozinho ao fogo aberto pelos<br />

policiais, tentando dar cobertura à fuga dos outros, até ser atingido por uma bala.<br />

Invadia-o uma fraqueza cada vez mais profunda, como se fosse apenas fadiga de estar<br />

pensando. E caiu. “Nome de Deus, vou morrer!” Turvaram-se-lhe os olhos, turbava-selhe<br />

o pensamento. Então, uma fúria estranha, ou uma evidência estranha clamou nele até<br />

aos astros submersos:<br />

– Glória ao... Viva o... Glória!

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