You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
62<br />
A inação de Adriano, a sua natural e originária entrega à reflexão, questionada desde<br />
a preocupação da mãe (“Não penses tanto” – p. 28 – dissera-lhe ela um dia, à “hora da<br />
sua ‘crise religiosa’”, na verdade crise ideológica), do pragmatismo do pai ( – Que é que se<br />
resolveu até hoje com o pensar, antes de se ter resolvido? [...] Resolvi já muitas dúvidas<br />
com um simples duche frio...” – p. 29), continuava (“Demonstrar, demonstrar, PENSAR!<br />
Mas levado até ao último limite...” – ibid.), até à exasperação dos amigos, de Teles, de<br />
Aires, de todos... Teles, que entendia que só a ação de um momento-limite podia fundamentar<br />
a vida de grandeza, invectiva, categórico: “– Menos idéias e mais pulso. [...] toda a<br />
preocupação mental é hoje uma incomensurável, uma monumental estupidez.” (p. 215-<br />
216). E conclui com violência, nesse diálogo tenso com Adriano: “O que em mim ouve e<br />
pensa e crê é a minha vontade de vencer. Porque só a vitória tem razão. Sebo para a ‘inteligência’.<br />
Quem reflete não ergue um dedo. Morre sepultado no esterco de toda a gente. ” (p.<br />
216).<br />
Adriano vencerá então a inação e substituirá a reflexão pela ação. Depois do desmantelamento<br />
da Frente da Cultura pela polícia, da prisão de alguns dos companheiros<br />
que a integravam, da traição ou do “amolecimento” de alguns deles culminando com a<br />
prisão de Aires, do suicídio de Sílvio que não suportou as conseqüências de haver traído...<br />
Depois de tudo isso e fascinado pelo suicídio que parece conferir perfeição ao imperfeito,<br />
Adriano vencerá a inação e participará da execução do plano de fuga de dois presos políticos,<br />
como já foi assinalado. É então que começa a sua viagem sem regresso. Como que ao<br />
irresistível apelo da noite, Adriano guia o velho Packard do pai – de que simulara o roubo<br />
–, noite adentro, de Lisboa para o interior do país, para a Beira, para a montanha onde seriam<br />
escondidos os fugitivos. Teria ali a oportunidade para viver o seu ato de heroísmo, a<br />
ação que lhe sagraria a justificativa da vida. Seguidos pela polícia sem que o soubessem e<br />
cercados à noite na casa onde se refugiaram, Adriano resistiria sozinho ao fogo aberto pelos<br />
policiais, tentando dar cobertura à fuga dos outros, até ser atingido por uma bala.<br />
Invadia-o uma fraqueza cada vez mais profunda, como se fosse apenas fadiga de estar<br />
pensando. E caiu. “Nome de Deus, vou morrer!” Turvaram-se-lhe os olhos, turbava-selhe<br />
o pensamento. Então, uma fúria estranha, ou uma evidência estranha clamou nele até<br />
aos astros submersos:<br />
– Glória ao... Viva o... Glória!