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O suicídio passa a ser tema de reflexão freqüente, em Apelo da noite. Também o tinha<br />
sido na literatura existencialista, de onde visivelmente decorre para o romance de Vergílio<br />
Ferreira. É o tema de abertura de O mito de Sísifo, de Camus, no ensaio “Um raciocínio<br />
absurdo”: “Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se<br />
a vida merece ou não ser vivida, é responder a uma questão fundamental da filosofia.” 16 .<br />
Passará também a ser um problema entre os muitos que compõem a discussão permanente<br />
em que Adriano Mendonça se debate. Ele constata o suicídio praticado por um estudante<br />
que desejava ser jovem para sempre (e assim “o sagrou uma bala suicida”), constata-o ainda<br />
mais próximo de si, praticado por uma mulher jovem, que ele talvez amasse mas a quem<br />
dá argumentos para pôr fim à vida porque a existência é absurda e não vale a pena viver, e<br />
descobre que o suicídio pode ser “disfarçado” em ação, em “ato de heroísmo”. É este que<br />
de algum modo decide praticar, ou assume o risco de que ele “aconteça”, quando aceita<br />
participar da ação planejada pelo grupo clandestino para dar fuga a dois presos políticos.<br />
É nessa ação que Adriano vai empenhar o que lhe resta de vida, depois de a ter empenhado<br />
em pensar a Arte, a política, a história, a filosofia, a vida, a morte... Depois de a<br />
ter aplicado a escrever romances que também refletem o pensar de tudo isto em que alimentou<br />
o “vício” do pensar, o “crime” do pensar, romances mal compreendidos pelos que<br />
o cercam. Porque estes só poderiam compreender romances comprometidos com a arte<br />
“progressista”, social, revolucionária e por isso também não poderiam entender nem aceitar<br />
a crítica positiva que um crítico de destaque (Valdemar) publicara num jornal sobre<br />
Viagem sem regresso, o mais recente romance de Adriano, crítica que embaraçava o autor<br />
da obra – “quem lhe não apetecia um elogio?”:<br />
Mas justamente Adriano ficara embaraçado pela oposição do seu livro, segundo<br />
Valdemar, “à ortodoxia neo-realista” – que diriam os seus amigos? Que crime lhe<br />
descobririam nesta imprevista simpatia do crítico? “Um dos melhores livros destes últimos<br />
anos” – os amigos, os amigos... (AN, p. 48).<br />
E não era boa, a opinião dos amigos. “Gabriel acusou:”<br />
– Concretamente, o teu livro é um crime. Que é que se lucrou com ele? Que é<br />
que nos trouxe positivamente de verdade humana, de coragem, de sonho? Nada. Só pode<br />
fazer mal (p. 58-59).<br />
16 CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Lisboa: Livros do Brasil, s. d., p. 17.