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– [...]. É certo que se trata de um nódulo pequeno. Em todo o caso, provisoriamente,<br />
admitamos que é um cancro.<br />
“Um cancro” – pensou Adriano terrivelmente. Mas quando fitou o pai, encontrou<br />
nele dois olhos calmos e quase compadecidos. Tudo se reduzia a um pequeno nódulo –<br />
insistia ainda o médico. – Nenhuma razão pois para alarmes. Metástase evidente não<br />
havia. Em todo o caso...<br />
[...].<br />
“Um cancro” – pensava ainda Adriano. “Estará certa essa doença para ti, pobre velho?<br />
Que tu possas ser forte, ainda que apodrecendo. Como no teu sonho de sempre...”<br />
(AN, p. 84-85).<br />
A doença do pai vai arrastar-se lentamente, mas Adriano sabe-se cada vez mais<br />
condenado à morte – à dos outros e à própria – e portanto mais só e mais carente de objetivos<br />
que justificassem a sua breve passagem pela vida. Faz então quase um inventário das<br />
mortes à sua volta: Lídia morrera; recorda vários professores que tivera em Coimbra, mortos<br />
no decorrer do curso. Também Rodrigues, o estudante que “plantara a vida no sonho”,<br />
mas “o sonho apodrecera” [...] . Queria que o sonho durasse. Segurar o instante perdido –<br />
as gerações novas chegavam, partiam, ele ficava ainda. Uma bala suicida sagrou-o enfim<br />
jovem para sempre.” (p. 25). Também Vitor morre, e Rute, poetisa e vagamente amante de<br />
Adriano, suicida-se, repetindo o gesto de uma velha tia-avó, ou bisavó, só conhecida na<br />
imagem de uma fotografia antiga e que se matara aos vinte anos. “Levanto os olhos, não<br />
vejo senão morte” (p. 208). “– Trago a morte em mim como uma doença. Tudo morre à<br />
minha volta. Trago a peste comigo...” (p.175).<br />
Este lamento de Adriano extravasado no momento do suicídio de Rute, não só o<br />
conscientiza do tamanho da sua solidão, como de alguma forma ecoará, como um lamento<br />
trágico de todos os homens, em outros momentos da obra de Vergílio Ferreira. Ouve-se o<br />
seu eco em falas e pensamentos de Alberto Soares, em Aparição, como também nesse romance<br />
se revê o velho álbum de fotografias que fascinava Rute. E o cão de Mudança, que<br />
reaparece em Apelo levemente referido numa conversa dos fugitivos... Se se estendesse até<br />
Aparição o fio da evolução do personagem arquetípico vergiliano que nasce do Antônio<br />
Borralho de Vagão “J”, ele passaria pelo Antônio Santos Lopes de Manhã submersa, Carlos<br />
Bruno/Pedro de Mudança, Adriano Mendonça de Apelo da noite e chegaria até Alberto<br />
Soares, de Aparição. Continuará, em protagonistas de romances posteriores, mas de momento,<br />
é a estes que interessa referir.