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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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lógico-filosófica, o romance, enquanto ficção, ressente-se desse excesso 15 . Há teorização<br />

em demasia sobre política, sobre arte, sobre filosofia, sobre história – o que de alguma<br />

forma prejudica a fluência do romance como tal –, e também sobre a vida e sobre a morte e<br />

sobre o intensamente questionado problema do suicídio.<br />

O direcionamento existencial é mais que evidente, uma vez que estes são temas fulcrais<br />

da literatura existencialista (onde constituíram tradição), de uma arte literária, sobretudo<br />

romanesca, que se destinou à representação ficcional de algumas idéias ou questões<br />

fundamentais do existencialismo. As referências feitas a Sartre, a Malraux, a Camus no<br />

decorrer do romance são muito significativas com relação a isso. A busca do absoluto (que<br />

nenhum dos personagens pode encontrar na transcendência) ou de um valor sucedâneo,<br />

seja a arte, seja a ação – a aventura, o heroísmo ou um gesto decisivo numa vida –, são<br />

igualmente traços de grande significado existencial. Podem ser o objetivo de uma vida ou a<br />

justificativa de uma existência. Para Adriano Mendonça, possuem essa dupla significação.<br />

Adriano julgara perdidas as razões para a vida quando atingido pela violência da<br />

morte. Primeiro a irmã, Lídia, repentinamente morta em plena juventude (“visitava-o a<br />

morte agora pela primeira vez, o seu absurdo, a sua violência como um estampido” – AN,<br />

p. 18), depois o pai, carregando a morte anunciada por um câncer:<br />

15 Eduardo Lourenço também assinala a presença (e os riscos) dessa sobrecarga ensaística no romance, e, a<br />

propósito, assim se manifesta:<br />

A tentação ensaística, a mais grave que no plano da imaginação espreita Vergílio Ferreira, aparece<br />

aqui em estado puro. Todas as personagens são, enquanto “palavra”, Vergílio Ferreira e Vergílio<br />

Ferreira em discussão perpétua consigo mesmo a propósito de todas as coisas e de tudo, numa espécie<br />

de furor metafísico [...]. É uma vertigem que a certos momentos vive de si mesma, se contempla<br />

e se destrói e recomeça. Em Vergílio Ferreira justificam-na o fato do seu fundo patetismo e o girar<br />

em volta de obsessões graves, mas não raro é excessiva, como em Apelo da noite, onde todas as páginas<br />

e todas as personagens repetem sem cansaço – e no “tom” bem pessoal de Vergílio Ferreira –<br />

o monólogo ora circular, ora em espiral característico do autor dos ensaios sobre Sartre e Malraux.<br />

(O itinerário de Vergílio Ferreira: a propósito de Apelo da noite. In: O canto do signo: existência e<br />

literatura. Lisboa: Presença, 1994, p. 94-95).<br />

A intenção ensaística do romance ainda mais se evidencia no “Posfácio”, de natureza e objetivos essencialmente<br />

filosóficos, datado de outubro de 1958 – quatro anos depois do término da redação do romance –<br />

que o autor lhe acrescentou na circunstância de apresentar o livro a um concurso literário. E também isso<br />

foi comentado por Eduardo Lourenço:<br />

[...] que o autor de Apelo da noite tenha “prolongado” um romance, objeto em princípio subsistente,<br />

com um “posfácio”, elucida-nos de sobra acerca das suas afinidades. Romanescamente é saída perigosa<br />

a menos de rejeitar essa última máscara que é ainda o ensaio, mas bem parece que Vergílio<br />

Ferreira se inclina cada vez mais para converter a reflexão em visão e esta de novo em reflexão.<br />

(LOURENÇO, op. cit., p. 96).

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