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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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52<br />

bria, em suores, que os poucos dias que faltavam para as férias eram uma montanha e-<br />

norme de tempo. Já a lama crespa das geadas, nos caminhos do recreio, e o manto de<br />

neblina ao longo do vale me lembravam, na garganta, o Inverno da minha aldeia, a serra<br />

livre da minha infância. (MS, p. 57).<br />

Espaço de liberdade e de pureza, a montanha é também lugar de medos ancestrais<br />

(“O vento crescia pela escuridão do quintal, encurvava-se sobre o casarão e caía adiante,<br />

solenemente, como uma vaga. A montanha falava, de enorme bocarra aberta, a voz dos<br />

grandes medos do espaço.” – p. 71) é ainda ponto de referência existencial, como um astro<br />

ou uma estrela polar:<br />

Uma noite fria e serena cobria o mundo, quando saí; e uma paz nova, úmida de<br />

ternura, como o silêncio depois de um choro, envolveu-me docemente o ermo dos meus<br />

passos. [...]. Já o vulto da montanha a oriente me chamava com uma voz intrínseca e o-<br />

riginal, como um olhar que nos fita e ultrapassa. Caminhei devagar, com a fronte pendida,<br />

ao longo do meu desespero resignado. (MS, p. 79).<br />

[...] havia sempre, nos meus olhos, um adeus infeliz para os caminhos da serra, para o<br />

pobre cadáver da minha infância. (Ibid., p. 87).<br />

[...].Breve, porém, chegavam as férias da Páscoa e tudo se me diluiu. De novo fiquei<br />

suspenso da imagem da minha aldeia, da minha serra, da minha antiga liberdade. (Ibid.,<br />

p. 140).<br />

Tal como a montanha representa esse espaço de liberdade – ainda que perdida –,<br />

essa originária alegria da infância – ainda que morta –, um ponto de referência na orientação<br />

da existência – ainda que submerso na noite ou na névoa –, o Seminário simboliza o<br />

espaço da opressão, da violência, da injustiça, do medo. Mais que uma escola, uma instituição<br />

religiosa, um lugar para a formação do caráter e do espírito, o Seminário é uma prisão.<br />

O ambiente é soturno, asfixiante. A disciplina é militar, na sua rigidez e severidade, na<br />

cega observância do Regulamento. São da nomenclatura militar os termos indicativos da<br />

gradação hierárquica com que se organizam os grupos de estudo (exércitos, hostes, partidos):<br />

generais, brigadeiros, coronéis... cabos, soldados e caixas, “que era o último posto”.<br />

Em Divisões se organiza todo o corpo discente e por conseqüência o alojamento (ou camaratas),<br />

tomando por critério a idade e o estágio escolar de cada jovem. O sistema de ensino<br />

instala entre os alunos uma competitividade agressiva, que expõe os perdedores a humilhações<br />

e estimula a raiva de uns contra outros...

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