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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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modernidade romanesca presente no escritor. A “introdução” a Manhã submersa, não teria,<br />

na sua breve totalidade, elementos que excepcionalmente chamassem a atenção se igualmente<br />

não representassem, também, uma inicial incursão por um caminho que posteriormente<br />

seria muito característico de Vergílio Ferreira, que é, entre muitas outras coisas,<br />

tomar ou realizar a escrita como espaço de reflexão possível sobre a própria escrita. É o<br />

que se tem, ainda que de maneira muito discreta, na “revelação” das razões da escrita, feita<br />

por A. Lopes:<br />

História nova, porém, e vivida no sangue, eu tinha uma, sim, mas essa era só minha.<br />

[...] história “individual” mais do que de uma “pessoa”, de um “homem”, se era apenas,<br />

sobretudo uma “historiazinha infantil”, de que servia contá-la? Cem vezes por isso<br />

resolvi escrevê-la, cem vezes desisti. Até que, em certo dia de Dezembro, batido a Inverno<br />

e solidão, eu senti, numa crise, que a minha história, afinal, estava certa com tudo<br />

o que hoje tem voz de se ouvir. [...].<br />

Por isso a escrevi, sem discussão, surdo de angústia, durante um mês seguido. Porém,<br />

agora que a releio, estremeço de espanto, porque não imaginava que era isto precisamente<br />

o que tinha afinal para contar.” (MS, p. 9-10, itálicos do texto transcrito).<br />

Esta reflexão do escritor sobre a escrita na escrita, ou da escrita sobre a própria escrita<br />

será sempre retomada por Vergílio Ferreira em diversos romances posteriores, como<br />

em vários dos seus ensaios e no diário. Se não começa exatamente aqui, neste ponto de<br />

Manhã submersa, é sem dúvida este um dos seus momentos iniciais. Este romance, com<br />

tudo o que tem do romance formalmente e estilisticamente “clássico”, é já uma narrativa<br />

“discretamente” experimental quanto ao uso de algumas das categorias da narração. É já o<br />

romance de uma escrita à procura do seu autor e contribui para definir nele um dos seus<br />

constantes motivos estilísticos e formais.<br />

Do romance interessa ainda anotar alguns traços de relevante importância, como<br />

são por exemplo os registros dicotômicos – de que o escritor continuaria a fazer uso em<br />

romances posteriores como Apelo da noite, Cântico final e Aparição – verificados sobretudo<br />

no jogo que estabelece com dois diferentes níveis de tempo (presente da escrita/passado<br />

da narração), dois diferentes níveis de espaço (aldeia/Seminário) ou no freqüente contraponto<br />

que opõe aspectos realistas a aspectos poéticos, e mais do que isso simbólicos – de<br />

uma simbolização a caminho do metafísico –, em que a montanha, a aldeia, a natureza, o<br />

cosmos, o sentimento, a música, adquirindo significados privilegiados representam<br />

importantes elos de ligação entre romances anteriores – particularmente Mudança – e

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