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sava e lhe falava “ao ouvido, surdamente e nitidamente, como um punhal no escuro.” (M,<br />
p. 228-229).<br />
São muitos os elementos simbólicos de Mudança, havendo também quem fale, como<br />
Eduardo Lourenço, em alegoria metafísica 8 , sobretudo por causa da imagem dos “anjos<br />
das ruínas”, na abertura do livro. Mas é importante atentar para a presença de outros<br />
símbolos – quem sabe outras alegorias –, temas ou motivos temáticos recorrentes, que,<br />
solidificados desde este início da atividade criadora de Vergílio Ferreira, se vão manter<br />
com maior ou menor intensidade, ao longo da sua trajetória romanesca e ensaística como<br />
espécie de “metáforas obcecantes” e “mitos pessoais” na acepção que Charles Mauron, dá<br />
a estes termos em De métaphores obsédantes au mythe personnel 9 .<br />
Assim a recorrência a determinados espaços aparentemente físicos ou reais, mas<br />
que na verdade são simbólicos, ou se mitificaram, ou que, mais do que isso, adquiriram<br />
mesmo dimensão metafísica. A montanha, a aldeia, certas cidades como Évora, ou Coimbra<br />
(a Soeira da mítica memória em Para sempre), constituem os traços mais firmes dessa<br />
fidelidade simbólico-temática tão cara ao escritor e por isso tão fortemente presente na sua<br />
obra. Mas outros elementos, igualmente, como a presença da música – angustiante ou apaziguadora;<br />
as reflexões sobre a Arte – literatura, pintura, música, dança – e a escrita, flagradas<br />
no encantamento maravilhado da sua evidência; os questionamentos filosóficos; o<br />
alarme da aparição do ser a si mesmo; a espantosa evidência da morte; a recorrência ao<br />
cão, de impressionante multiplicidade simbólica; e toda uma vasta simbologia cósmica que<br />
aponta para uma força ordenadora do universo e da natureza: o decorrer do tempo, a inserção<br />
do homem nessa mecânica universal – a terra, os astros, as estrelas, a lua, as águas, o<br />
verão, o inverno, a neve, a noite, o mar... são alguns outros traços simbólico-alegóricos,<br />
temas e motivos recorrentes que estabelecem, ao longo da escritura romanesca de Vergílio<br />
Ferreira, esse “jogo dialético” da modificação na permanência, que possibilitam essa mudança<br />
em constante processo de transformação, ou a paradoxal (e também dialética) ruptura<br />
na continuidade.<br />
8 LOURENÇO, Eduardo. Acerca de Mudança. In: FERREIRA, Vergílio. Mudança, p. xxi: “O simbolismo é<br />
transparente em excesso e todavia ambíguo e aberto. Podemos traduzi-lo ainda em alegoria de combate social,<br />
como é comum na tradição neo-realista, mas podemos igualmente lê-lo já como alegoria metafísica.<br />
A ambigüidade simbólica de Mudança está toda nestes anjos de vitória e de ruínas seguidos de reticências,<br />
o que lhes tira o caráter de simples ‘imagem’ para lhes conferir o de ‘alegoria’. ”<br />
9 V. MAURON, Charles. Des métaphores obsédantes au mythe personnel. Paris: José Corti, 1962.