You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
44<br />
dade... Vai descobrir-se também, algum dia, traído nos ideais em que os que o cercavam o<br />
fizeram acreditar, sendo depois abandonado por estes à própria frustração.<br />
Começará aí a fuga de Carlos para o refúgio na sua solidão. Na casa deserta, abandonado<br />
pela esposa e pela empregada; na natureza, em longas caminhadas pelos cerros da<br />
montanha, onde lhe será possível encontrar uma certa plenitude, ou paz, ou harmonia, seja<br />
na visão da massa granítica da serra, no verde dos pinheiros, no canto dos pássaros ou das<br />
águas da ribeira, ou no cantar angustiado e rouco do Gaviarra, essa “força da terra” colossal<br />
e bruta, capaz de emocionadas ternuras afagando as filhas, de arrebentar com fúria<br />
quem ameaçasse o seu patrimônio de pobre ou de rolar, como um Sísifo rústico, o rochedo<br />
que cobre o solo que ele quer fertilizar para o plantio das suas vinhas e árvores – os seus<br />
castanheiros, de que ele amorosamente planta mudas que só vão frutificar dali a dezenas e<br />
dezenas de anos e das quais por certo não se beneficiará. E todavia planta-as, só para estar<br />
de acordo com a natureza. Para quebrar a solidão absoluta, Carlos Bruno compra, certo dia,<br />
um cão perdigueiro a um oleiro ambulante de passagem pela vila. Faz dele um cão de caça,<br />
a sua companhia, trata-o com afeição, mesmo com humanidade, até que o animal é atropelado<br />
por uma camioneta e morre. Bruno enterra-o no quintal da casa. “Conversa” com ele,<br />
enquanto lhe faz o “enterro”. Deixa-lhe na cova os ossos que lhe havia acabado de comprar<br />
e que ele já não roerá.<br />
Bruno estava realmente fadado à solidão mais completa. Nem mesmo lograra a durável<br />
companhia de um cão. Via-se cercado de morte, de silêncio e de cólera. Quando se<br />
reatasse o fracassado casamento com Berta a situação não mudaria, continuaria só consigo<br />
mesmo, enfrentando as tensões coléricas de uma relação roída pelos ratos da discórdia, da<br />
desconfiança e da incomunicabilidade.<br />
É sugestiva a cena que para o final do romance se repete, cena na qual Carlos e Berta<br />
ouvem no sótão da casa uma “tropeada” de ratos. É significativo que Berta vá à farmácia<br />
comprar arsênico “para matar os ratos”, depois de ter ouvido contar, no escritório jurídico<br />
de Carlos, que uma mulher matara o marido que havia regressado à terra, depois de anos de<br />
ausência na emigração, porque ele voltara com aspecto jovem enquanto ela havia envelhecido,<br />
considerando-se por isso traída, considerando que era outro, aquele homem que assim<br />
regressava ofensivamente jovem... O romance termina “em aberto”, com as ratazanas “passeando”<br />
pela casa enquanto Berta cortava queijo em cubos para aplicação do veneno, incendiada<br />
de repente, toda de uma vez, “por uma idéia fulgurante”, idéia atroz, que regres-