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Portanto, temos o hegelianismo, Marx, a dialética, os jogos de oposições, as dicotomias,<br />
conflitos de contrários, tese-antítese-síntese, o existencialismo “via” Sartre, a luta<br />
entre o “absoluto” e o “relativo”. Chaves importantíssimas para o esclarecimento de fundamentais<br />
aspectos do romance, particularmente para aquilo que ele tem de dicotômico, de<br />
consciente e mais que intencional jogo de conflitos e que se evidencia em pares contrastantes<br />
que, tendo sua origem no contraste “absoluto/relativo” ou na hegeliana “tese/antítese”,<br />
se expande em duplas dicotômicas como vida/morte, riqueza/pobreza, cidade/aldeia, aldeia/montanha<br />
(natureza), conhecimento/ignorância, Carlos/Berta, Carlos/Pedro, Carlos/tio<br />
Manuel, Carlos/juiz, Carlos/engenheiro, Carlos/Cardoso, Carlos/Gaviarra.<br />
O percurso existencial de Carlos Bruno, protagonista do romance, é o do homem<br />
lançado na mais intensa solidão, no mais completo desamparo. Dessa experiência deverá<br />
extrair ensinamentos, reaprender a vida, fortalecer-se ou sucumbir. Carlos, herdeiro da<br />
sólida fortuna de José Bruno, arrogante “príncipe de Vilarim” – como lhe chamava a noiva<br />
e depois esposa Berta –, surpreende-se repentinamente destituído da sua força. Pelo suicídio<br />
do pai, que não resiste à “crise” econômica que o leva à falência; pelo súbito empobrecimento;<br />
pela necessidade de trabalhar como advogado (o que não estava no seu projeto de<br />
vida); pelo desastroso casamento com Berta, rapidamente desgastado na depressão ocasionada<br />
por tão súbitas quanto profundas e dolorosas mudanças.<br />
Carlos vai enfrentar a experiência da solidão absoluta. Para isso será necessário que<br />
o pai morra (e ele já havia perdido a mãe desde a infância), para que com ele desapareça o<br />
que o pai representava de segurança, de proteção, de um porto sólido onde ancorar na vida.<br />
Morto o pai, o casamento com Berta, há tanto tempo adiado, parece ser um sucedâneo de<br />
proteção e segurança, mas o casamento desgasta-se, pela depressão angustiada em que Carlos<br />
mergulha e pela intolerância e rispidez de Berta, que não o aceita pobre e deprimido. A<br />
docilidade obediente de Berta enquanto noiva, transforma-se, na Berta esposa, em arrogância<br />
violenta, sarcástica e desafiadora. Carlos procura refugiar-se num trabalho pelo qual<br />
não tem nenhum interesse, o que o leva a buscar a alternativa de um refúgio de dimensão<br />
intelectual e adquire o “vício” de ler, de pensar, de questionar, de tudo problematizar. Por<br />
influência do meio aproxima-se da política. Freqüenta o clube da vila, conversa longamente<br />
com o juiz, é levado a acreditar numa “nova ordem” que, desde a guerra que se alastra<br />
pelo mundo instala-se também no país. Denuncia adversários, articula, protesta, envolve-se<br />
em ativismos ideológicos e vai um dia descobrir-se ideologicamente antagonista do meioirmão<br />
Pedro, que vivia em Lisboa, quase esquecido, quase ignorado, talvez em clandestini-