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Ferreira nos esclarece em depoimentos, entrevistas e numa sua “auto-análise literária”. Se<br />
perseguirmos a questão nas respostas do escritor freqüentemente entrevistado ao longo do<br />
seu percurso literário, encontraremos, entre outras afirmações suas, que<br />
Mudança [...] será fundamentalmente o drama entre a plenitude, o absoluto para o comportamento<br />
que justamente se exige de cada um numa época, e o relativo, o contingente<br />
para um juízo íntimo sobre o valor dessa época, vista a distância. O conflito entre o homem-realidade-decisiva<br />
e irrevogável, e o homem acontecimento episódico numa sucessão<br />
indefinida de homens.<br />
[...]. Mudança passa do neo-realismo para o existencialismo utilizando como fulcro,<br />
como eixo, qualquer coisa que é simultaneamente daquelas duas correntes literárias.<br />
É uma maneira especial de encarar o hegelianismo, que, como sabemos, fundamenta a<br />
filosofia de Marx, mas que nos dá também uma passagem para o existencialismo. 6<br />
Se alguma informação procurarmos na sua “auto-análise literária”, encontramos:<br />
[...] Hegel, naturalmente o da Fenomenologia, propunha-me duas soluções: uma que era<br />
a dele e a de Marx, era a do panlogismo otimista que se termina na união do Absoluto<br />
consigo, ou seja, para Marx, num talvez remate da História pelo triunfo do proletariado;<br />
outra, a do pantragismo, que é o caminho doloroso para lá. Naturalmente, escolhi a pior,<br />
ou seja a do pantragismo – e daí nasceu o meu livro Mudança. Singularmente, porém,<br />
mas não paradoxalmente, com este meu heterodoxo hegelianismo, cruzou-se a<br />
descoberta do Existencialismo, mormente através de L’Être et le néant. E o ponto de<br />
união foi a célebre “consciência infeliz” hegeliana, mola de todo o seu pensar, [...]. O<br />
problema que em Mudança se me pôs, mas com imediatas incidências “políticas”, foi o<br />
do conflito do “absoluto” e “relativo”. De certo modo, situada a vida numa estrita<br />
dimensão humana, o que se me anunciava aí e me veio a ser quase obsessão era a<br />
questão de um valor que à vida ordenasse. Perspectivada essa questão numa dimensão<br />
“política” e em projeção do meu hegelianismo, ela estendia-se ao problema dos “fins” e<br />
dos “meios”, da necessidade de defender uma “síntese” e da necessidade oposta de que<br />
ela se constituísse em “tese” para que uma nova “antítese” se gerasse, do<br />
reconhecimento, enfim, de que uma “ditadura” suprimia a dialética. E essa questão se<br />
me prolonga em Apelo da noite, agora centrada no conflito da “idéia” e da “ação”, do<br />
“absoluto” que a razão nos exige e do “relativo” que a prática nos impõe.” 7<br />
6 FERREIRA, Vergílio. Um escritor apresenta-se. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1981, p. 221-<br />
222.<br />
7 Idem. Para uma auto-análise literária. In: Espaço do invisível II. Lisboa: Arcádia, 1976, p. 13-14.