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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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40<br />

rá a pena discorrer longamente sobre esse tema já tão visto embora seja necessário considerá-lo,<br />

uma vez que é um ponto de partida. Livro de título significativo a todos os níveis,<br />

“profético como todos os que convêm à hora que designam”, como disse Eduardo Lourenço<br />

4 , Mudança é o romance de uma “crise”, mas de uma crise muito mais ampla e mais profunda<br />

do que aquela – a econômica – que desde a longínqua América, onde se formou o<br />

epicentro do furacão que se espalhou pelo mundo como um vento ruim ou uma peste ceifando<br />

fortunas e homens e cujos efeitos trágicos se espalharam por toda parte do planeta e<br />

chegaram até mesmo aos mais remotos confins da terra, como chegaram às ignoradas aldeias<br />

da Serra da Estrela. Tempo de desastre econômico mundial, os anos 30. Tempo de<br />

crise. Mas a crise que motiva a escritura de Mudança e que no romance se encontra como<br />

tema que subjaz a todos os outros, não é só a do ter ou não-ter, a do ganhar ou perder; é<br />

uma crise profunda, mas invisível, como a da impossibilidade de comunicação entre um<br />

ser humano e outro, a do desgaste das relações humanas, da corrosão do sentimento amoroso,<br />

da raiva ou do bloqueio erótico pela ausência ou pelo embotamento do sentir, da<br />

permanente desconfiança, da falência das ideologias, da inexistência de valores seguros...<br />

É a crise de um mundo em guerra, em que a violência e a desumanidade se disfarçavam na<br />

falsa promessa de uma “nova ordem”. É uma crise de espírito, de ética, de futuro... É uma<br />

ausência de horizontes, é uma náusea de tudo e de todos, do próprio ser-em-si que no romance<br />

busca no cosmos uma paz impossível e se recolhe ao mundo primitivo da natureza e<br />

reduz o seu convívio com os vivos à companhia de um animal.<br />

Como numa abertura sinfônica clássica, metáfora utilizada também por Eduardo<br />

Lourenço, Mudança inicia com o espanto do homem diante da grandeza bela e esmagadora<br />

do cosmos, e, de algum modo, a cena introdutória “expõe simbolicamente e antecipa o<br />

conflito romanesco” 5 :<br />

manesca para outra (social/existencial) possível de perceber em determinadas personagens, sobretudo em<br />

Carlos Bruno, protagonista de Mudança, que simboliza o Homem num processo de amadurecimento pelo<br />

sofrimento, pela solidão – purgação e ascese, em busca da ascensão a um patamar de superior conhecimento<br />

e sensibilidade pelo caminho da reflexão. Carlos Bruno viria a significar o ponto de partida do próprio<br />

V. F. à procura do seu romance, um romance que presentificasse o Homem a si mesmo, que o pusesse em<br />

confronto com os seus problemas essenciais, que possibilitasse a aparição de si a si próprio e o conhecimento<br />

do outro.<br />

4 LOURENÇO, Eduardo. Acerca de Mudança. In: FERREIRA, Vergílio. Mudança. 3. ed. Lisboa: Portugália,<br />

p. IX. Todas as transcrições de trechos do romance serão feitas a partir desta edição indicando-se as respectivas<br />

páginas, no próprio texto, entre parênteses e a seguir à abreviatura identificadora. O procedimento valerá<br />

para todas as outras obras de V. F. de que se façam transcrições no trabalho.<br />

5 Idem, ibidem, p. xx.

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