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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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33<br />

riedade ou na constante mutação a que todas as coisas estão sujeitas a angústia é um elemento<br />

permanente. Escrevendo “sempre o mesmo livro” que é o da sua arquetípica personagem<br />

– o do homem angustiado e sem esperanças de transcendência a não ser a que pode<br />

ser alcançada pela sua própria criação, na reinvenção artística do mundo em que se encontra<br />

abandonado –, Vergílio Ferreira produziu uma obra romanesca que em seu conjunto<br />

veio a constituir uma das mais extensas produzidas por romancista português no século<br />

XX. Efetivamente, há poucas tão numerosas em títulos, embora sejam de lembrar imediatamente,<br />

se se cede ao desejo de estabelecer comparações, os nomes de Aquilino Ribeiro,<br />

de Agustina Bessa-Luís, de Urbano Tavares Rodrigues, e poucos mais. Mas dificilmente se<br />

encontrará em Portugal obra de romancista que se tenha enriquecido tanto quanto a de<br />

Vergílio Ferreira com o natural cruzamento da ficção com o ensaísmo crítico e filosófico e<br />

com a diarística. Nesse aspecto, não há dúvida de que o autor de Aparição é uma figura<br />

única no cenário das letras portuguesas do século XX. É esse o lugar que ocupa entre os<br />

seus contemporâneos. O seu diário poderá porventura lembrar o de Torga, mas sobretudo<br />

apenas por serem ambos longos diários de escritores. Na Conta-Corrente de Vergílio há<br />

temas mais ou menos distantes dos que mais interessam a Torga, como por exemplo – em<br />

Vergílio – as reflexões sobre filosofia, sobre estética, sobre pintura ou música ou as artes<br />

em geral. Ou no diálogo que o romancista parece estabelecer com o seu diário enquanto<br />

espaço para reflexão ou confidências sobre o romance que escreve, sobre o seu processo de<br />

criação, sobre o desenrolar da sua escritura, sobre questões pertinentes ao gênero. Na ensaística<br />

propõe também esse traço de relacionamento com a ficção. Na Carta ao futuro e em<br />

Invocação ao meu corpo são evidentes o “tom” ficcional, quase narrativo, e a atmosfera<br />

poética que caracterizam estes ensaios. O ensaio “criativo”, como chamava a reflexões<br />

dessa natureza, “ensaio que se constitui uma forma de criação estética e não de simples<br />

informação” 9 , era a sua grande ambição literária, nesse domínio, como o era, no romance,<br />

9 FERREIRA, Vergílio. Do romance viável. In: _____ . Do mundo original. 2. ed. Amadora: Bertrand, 1979,<br />

p. 88. É freqüente encontrarem-se, no próprio V. F. – em entrevistas suas e nas anotações da Conta-<br />

Corrente – tanto quanto na crítica dedicada ao estudo da sua ensaística, expressões como “ensaio poético”,<br />

“ensaio-emoção”, “ensaio-ficção” para designar o ensaio de reflexão filosófica distinguindo-o do ensaio<br />

crítico. Carta ao futuro, Invocação ao meu corpo e Arte tempo (1988), além de alguns textos anteriores a<br />

estes e que se encontram insertos em Do mundo original (1957), são os exemplares desse ensaísmo vergiliano.<br />

Entre todos se destaca Invocação ao meu corpo, pelo qual o próprio autor manifestava especial apreço,<br />

afirmando freqüentemente, ao longo da sua Conta-Corrente, o desejo de repetir experiência idêntica:<br />

“Gostaria de escrever um ensaio no gênero de Invocação ao meu corpo que foi o melhor e mais novo ensaio<br />

que escrevi.” (CC2, p. 71). A propósito deste assunto, e mais especificamente sobre a “fusão” ensaio/romance,<br />

cf. FONSECA, Fernanda Irene. Invocação ao meu corpo: da subjetividade do corpo à subjetividade<br />

da linguagem. In: _____ . Vergílio Ferreira: a celebração da palavra. Coimbra: Almedina, 1992, p.<br />

147-181.

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