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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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ou dos dias abrasadores dos verões na planície ou na montanha, dos ruídos da natureza, tão<br />

harmoniosos como a música das esferas ou dos acordes emocionados na memória do violino<br />

da infância e das guitarras da juventude. O homem (personagem) que escreve cartas de<br />

amor a Sandra, a mulher morta mas intensamente viva na memória, na saudade e no desejo<br />

de impossível satisfação e que morrerá escrevendo a décima carta, é e não é o mesmo que,<br />

perdido o jogo com a vida na aldeia serrana da sua origem, vai apostar outra partida em<br />

Lisboa, para lá se deslocando no vagão “j” de um comboio qualquer, vagão de transporte<br />

de animais, onde facilmente se podia viajar clandestino. A visão e o destino desse homem<br />

perdem-se na sua largada para a cidade grande. O homem que virá a morrer escrevendo<br />

cartas de amor à mulher morta antes de si, é o Antônio Santos Lopes, o “Borralho”, mais<br />

do que protagonista expectador infantil de Vagão “J”, que numa manhã longínqua, já<br />

submersa pelo tempo e pela vida e por tudo quanto isso representa de experiência, era forçado<br />

a dar início a uma etapa nova na sua aventura na vida, começando a sua aprendizagem<br />

da existência, da consciência e do saber no silêncio pesado e na penumbra espessa das<br />

salas do seminário. A. Santos Lopes, de Manhã submersa (1953) – livro que relata a sua<br />

vida de jovem transformada em escrita –, e Paulo, de Para sempre (1983) e Cartas a Sandra<br />

(1996) – que reescreve a vida inteira e sobretudo o amor no instante da morte – são o<br />

mesmo homem, com uma longa experiência de vida entre o início e o fim.<br />

Cada um dos romances de Vergílio Ferreira, desde Vagão “J” a Cartas a Sandra<br />

representa uma etapa ou uma experiência, na formação, na evolução, na aprendizagem da<br />

existência e de uma sensibilidade, na formação de uma memória e dos seus mitos, e da<br />

emoção que está nela e na vida. O homem vergiliano é sempre o mesmo e o único, em<br />

constante processo de aprendizagem. Essa é decerto uma das razões que o faz dizer, não<br />

sem um certo apelo retórico, que ao longo da vida escreveu sempre o mesmo livro. Mas<br />

um livro que se vai transformando – poderíamos acrescentar – como se transforma, com o<br />

tempo, a própria vida, o mundo e tudo o que está nele. “Todo o mundo é composto de mudança”,<br />

diz a epígrafe de um dos primeiros romances de Vergílio, em verso tomado a um<br />

soneto de Camões (“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, / Muda-se o ser, mudase<br />

a confiança; / Todo o mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades.”).<br />

Vergílio Ferreira é o romancista da constante e essencial mudança das coisas. Não<br />

obstante é também o romancista que deseja representar a sensibilidade de um homem permanentemente<br />

mergulhado em angústia, o que significaria dizer que, para ele, na transito-

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