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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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esse caminho foram marcadas por uma certa celeuma, uma certa polêmica, um certo “escândalo”,<br />

como lembrou Eduardo Lourenço 6 .<br />

Em face do neo-realismo mais ortodoxo, narrativas como Mudança, Manhã submersa<br />

e Aparição, efetivamente são de causar estranheza. Sobretudo o último, em que já se<br />

encontra definitivamente deslocado o eixo de interesse do romance, o seu núcleo de preocupações<br />

temáticas passado do questionamento social para o existencial. Os protagonistas<br />

destes romances são já “heróis problemáticos”, ao modo de como se usa dizer com relação<br />

a personagens de Dostoievski, de Kafka, de Musil, de Beckett ou do existencialismo literário<br />

francês. O espaço – sobretudo o da aldeia, o da montanha, o dos lugares da origem –,<br />

deixa de ser um espaço real, representado literariamente por recursos realistas, para se alçar,<br />

por um processo de transfiguração, à dimensão de espaços simbólicos e metafísicos,<br />

como muito bem viu José Luis Gavilanes Laso:<br />

Harmonizar os contrários é, em última análise, o valor simbólico da montanha<br />

vergiliana. Constitui uma imagem-símbolo final e, ao mesmo tempo, de integração no<br />

percurso romanesco do autor. Dá-se nela a unificação das noções contraditórias de arte e<br />

vida, natureza e espírito, Céu e Terra, morte e eternidade. A montanha aparece como<br />

fenômeno natural que inspira fortemente a inércia literária do escritor. É o elemento que<br />

estabelece a harmonia do espírito vergiliano com o universo, com a totalidade. Tudo o<br />

que se assemelha a um conflito dualista aparece como sincretismo do esforço para realizar<br />

a unidade do homem com o Absoluto. 7<br />

A aldeia serrana de Aparição e mesmo a de Manhã submersa já não são simplesmente<br />

o lugar de nascimento em que se viveu ou testemunhou a pobreza material e cultural,<br />

como principalmente o era em Vagão “J”. Esse espaço humano e social, inserido no<br />

cosmos de uma natureza tão bravia quanto bela, tão hostil quanto encantadora, tão grandiosamente<br />

esmagadora quanto esperançosamente aberta a dimensões desconhecidas, passa a<br />

ser um espaço de transcendência, um lugar originário mitificado pela perda da infância<br />

longínqua e dos que a povoaram, pela recriação que a memória permite, pela invenção do<br />

que lá não estava mas deveria estar, de uma beleza, de uma perfeição e de uma harmonia<br />

6 V. LOURENÇO, Eduardo. Vergílio Ferreira: do alarme ao júbilo. In: _____ . O Canto do signo: existência<br />

e literatura. Lisboa: Presença, 1994, p. 114.<br />

7 LASO, José Luis Gavilanes. Vergílio Ferreira: espaço simbólico e metafísico. Lisboa: Dom Quixote, 1989,<br />

p. 98. No capítulo conclusivo deste seu livro, Gavilanes Laso escreve estas palavras, absolutamente pertinentes<br />

ao que aqui se está afirmando: “Não é só o silêncio que conceitua e simboliza no discurso vergiliano<br />

a passagem para zonas de intimidade profunda; também o espaço exterior, a paisagem, é objeto de espiritualização,<br />

transformando-se em zona de recolhimento e silêncio.” (p. 312).

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