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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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do que dele poderiam representar autores como Balzac, Flaubert ou Tolstoi. O “romanceespetáculo”<br />

dera lugar ao “romance-problema”, e é esse tipo de romance que se vai identificar<br />

com a sensibilidade literária de Vergílio Ferreira. Mais: que se vai instalar, definitivamente<br />

e com extrema convicção, no universo de interesses do escritor.<br />

Mas pensar ou escrever um romance assim, em Portugal, na década de 50, em pleno<br />

apogeu da literatura social, de reivindicação, de localizada e pontual contestação política,<br />

de denúncia, caracterizada por um pretendido, programático e aconselhado despojamento<br />

estético era buscar a solidão no meio literário, porque era nadar contra a corrente. Como<br />

introduzir na ficção então escrita em Portugal, de objetivos tão imediatos, de tão curto alcance<br />

artístico, de tão despojadas, senão ausentes, ambições estético-filosóficas um romance<br />

que tratasse, ele mesmo, das grandes questões da Arte, das grandes questões do Homem,<br />

das grandes questões da Filosofia, das grandes questões da Existência? Como criar um<br />

romance que fosse, ele mesmo, um espaço de experimentação de novas linguagens, de novas<br />

estruturas romanescas? Que substituísse a representação naturalista do mundo por uma<br />

representação simbólica ou alegórica, pela discussão ou exposição de idéias; que ao invés<br />

da evidência da realidade simplesmente transposta do meio circundante para as páginas do<br />

romance, permitisse a recriação poética dessa realidade abrindo-se à expansão da subjetividade<br />

do artista, ao tratamento metafórico e expressionista dessa realidade? Um romance<br />

em que fosse possível introduzir representações de mundo à maneira de um Kafka, ou que<br />

se interessasse por um homem esmagado não só de fome e pelas necessidades materiais de<br />

toda a ordem, mas também pela “coisificação” que dele iam fazendo, em rápido processo<br />

de desvalorização da sua humanidade, as estruturas de um mundo ele próprio cada vez<br />

mais “coisificado”, cada vez mais tecnológico, cientificizado e materialista? Como interessar<br />

o romance neo-realista português por um Kafka, uma narrativa existencialista, um “novo<br />

romance” ou pela discussão de idéias que ultrapassavam para uma distância muito larga<br />

as questões da política local, a luta de classes, as obviedades do embate ideológico?<br />

Só por um ousado processo de mudança isso poderia ser tentado. Escrever solitariamente,<br />

inserido num cenário tão homogêneo, de propósitos tão cerrados, no meio de uma<br />

geração de autores tão comprometidos com esses propósitos um romance tão destoante do<br />

quadro, era efetivamente ousar. Por isso as primeiras investidas de Vergílio Ferreira por

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