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francês, o gênero crescera em possibilidades antes desconhecidas e em complexificação até<br />
ali ignorada. A violência das duas grandes guerras e dos anos de tensão ideológica e econômica<br />
decorridos entre uma e outra não havia matado a inventividade artística. Pelo contrário,<br />
o jogo de xadrez em que se decidiam os destinos do planeta e da humanidade que o<br />
ocupa “inspiraram” alguns caminhos para a Arte, alguns temas, alguns métodos, algumas<br />
estruturas, algumas linguagens. “Inspiraram”, também, uma certa “sensibilidade” do mundo<br />
e do homem, um pensar filosófico sobre a existência de ambos e uma literatura em que<br />
a invenção ficcional fosse também um campo ou um meio para o debate de idéias e uma<br />
forma de representação ou de expressão da psique humana ou dessa presença angustiada<br />
do homem na existência. Uma sensibilidade da “náusea”, do “absurdo”, do vazio, da carência<br />
de Absoluto.<br />
Desde 1922 o modelo romanesco europeu e ocidental estava fadado a profundas<br />
transformações com a publicação do Ulysses de Joyce. A difusão e o estudo da obra de<br />
Kafka, a partir da segunda metade dos anos 30, e a projeção que alcançou nas décadas seguintes<br />
contribuíram decisivamente para a deslocação do eixo de interesses ou do curso do<br />
romance. O existencialismo literário francês de Sartre, Camus, Malraux e Simone de Beauvoir,<br />
apoiado sobre a corrente filosófica que vinha de Kierkegaard e Pascal até Hegel,<br />
Heidegger, Chestov e Jaspers lançaria uma espécie de “ponte” fazendo ligações com as<br />
obras de Dostoievski e de Kafka. E todo esse universo de relações entre literatura e filosofia<br />
constituiria a sólida e complexa base sobre a qual se começaria a construir um romance<br />
essencialmente diverso daquele que se caracterizara no século XIX como “clássico”, um<br />
romance “moderno” destinado a pensar e problematizar o Homem e o mundo modernos.<br />
Um homem cada vez mais solitário e consciente de que se nasce só e se morre só (como já<br />
há séculos havia dito Pascal). Cada vez mais mergulhado na angústia ou na “náusea” que<br />
lhe causa a existência destinada ao absurdo da morte, num mundo permanentemente colocado<br />
em risco de destruição, em que nada mais parece possuir plenitude, em que tudo é<br />
fragmentário – tempo e vida – porque já nada podia ser inteiro. Esse romance moderno,<br />
representação angustiada desse Homem e desse mundo fragmentários porque extremamente<br />
vulneráveis, com a consciência disso, agredidos ao extremo pela violência das guerras e<br />
agora ameaçados de extinção pela possibilidade de um cataclismo nuclear, adaptando-se<br />
metaforicamente à representação desse universo trágico subverteria essencialmente as categorias<br />
estruturais da narrativa e principalmente o modo de narrar. Ficavam cada vez mais<br />
longe, pertenciam cada vez mais ao passado, os grandes exemplos do romance “clássico” e