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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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Nasci em Melo, na serra da Estrela, a meia distância entre a Guarda e Viseu. E a<br />

sensibilidade que tenho aprendi-a ali. Mas é possível que essa sensibilidade fosse não<br />

um efeito mas uma causa, que eu tenha criado a aldeia e não ela a mim. De todo o modo<br />

houve um ponto em que os dois elementos se cruzaram e é-me assim difícil separar um<br />

do outro. Fiz-me com esse ambiente mas não sei se através dele e ele foi assim o lugar<br />

ideal para me entender com a emoção nos meus livros. Neve, desolação do Inverno e o<br />

augúrio dos ventos e a presença física e metafísica da montanha que de um extremo da<br />

aldeia se vê desdobrar-se em toda a sua massa, e o erguer por trás dela a Lua de Verão<br />

são entre outros os motivos que se me fixaram largo tempo para saber ser sensível e entender-me<br />

a mim próprio. 3<br />

A passagem dos três primeiros romances publicados por Vergílio Ferreira a obras<br />

como Mudança e Manhã submersa (para não falar já de Aparição) constitui sem dúvida<br />

uma evolução não apenas rápida, como de fundamental importância no perfil literário e<br />

filosófico que viria a caracterizar o escritor. É como evolução que ele próprio entende essa<br />

mudança no curso da sua obra:<br />

Decerto, evoluí. No entanto, se bem releio os meus escritos, julgo que esta evolução é<br />

menos uma substituição do que um desenvolvimento. E reconforta-me ver que à tentação<br />

de alguns valores [...] eu pude admiti-la, numa linha de continuidade, mediante a integração<br />

desses valores naqueles que defendia. O meu conceito de “realismo” alargouse<br />

e pôde ultrapassar a estreiteza de certos moldes ainda em uso, e raiar à dimensão de<br />

um Malraux quando nos diz que não é a arranhar um indivíduo que se acaba por encontrar<br />

o homem. 4<br />

Mas algumas outras razões haveria, além da questão meramente “vocacional” para<br />

o romance-problema 5 e a inexistente vocação do escritor para a narrativa social, que se<br />

poderiam relacionar com a sua mudança de rumo, com a “evolução” havida e por ele mesmo<br />

reconhecida. Se no plano nacional a literatura – e particularmente o romance – se simplificara<br />

estrutural, temática e estilisticamente reduzindo-se a padrões mais simples que os<br />

do Realismo do século XIX, no plano internacional, particularmente europeu e sobretudo<br />

3 FERREIRA,Vergílio. Conta-Corrente 5. Amadora: Bertrand, 1987, p. 576.<br />

4 Idem. Do mundo original. 2. ed. Amadora: Bertrand, p. 12 (itálicos da citação).<br />

5 Em várias entrevistas, depoimentos, fragmentos do diário, e em textos diversos, Vergílio Ferreira refere,<br />

descreve e teoriza o que chama de romance-problema, demonstra como este se diferencia do romanceespetáculo<br />

e como se lhe impôs no decorrer da sua evolução artística e filosófica. Sobre o assunto, cf. o seu<br />

artigo "Um escritor apresenta-se". In: FERREIRA, Vergílio. Espaço do Invisível IV. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa<br />

da Moeda, 1987, p. 15-36.

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