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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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tação da mulher bela e pura, preservada em inocência numa memória que se conspurcou na<br />

sujidade da vida mas que tem para ela um espaço de pureza e de emoção:<br />

253<br />

Se eu fosse fazer-te uma visita, Sabina? Há tanto tempo já que não me lembras. [...] vejo-te<br />

de perfil. Uma banda de cabelos encurvava-se na face jovem, prende-se atrás, nunca<br />

tinha reparado em ti, é uma face pura. Nunca tinha reparado, vejo-te agora na comoção<br />

da memória. No espaço da imaginação. Porque é necessário que tu existas, por sobre<br />

todo o desastre e ruína, como uma estrela. [...]. É a hora de apareceres, estou só. É a<br />

hora de a beleza existir, à distância da minha corrupção. De existir a graça inviolada no<br />

espaço aéreo do meu sorriso. Não rias, deixa-me dizer tudo. Não me interrompas. Tudo<br />

é erro e confusão e ruína, bem sei. Mas que um instante tu perdures na invenção absoluta<br />

da perfeição que não morre, no estrume do meu cansaço. Como uma flor. Tudo é desordem<br />

e sofrimento – como podias não existir? Como? (SS, p. 158-159).<br />

Sabina existe, mesmo que apenas um mito criado pela saudade comovida do narrador,<br />

para que a beleza e a inocência existam. Existe em pureza para eliminar o que há de<br />

sujo em Carolina e para que, ainda que só no “espaço da imaginação”, Luís Cunha possa<br />

reconhecer a grandeza do que é belo e inviolado e procurar aí a correção para todo o erro e<br />

confusão, desordem e ruína. Sabina existe e tem o seu lugar na memória do narrador,<br />

mesmo “longe, no limite mais remoto” dessa memória ou da imaginação, onde “é o seu<br />

lugar para que a beleza não morra e tudo o que é alto e inesgotável, para que o homem continue<br />

a existir.” (p. 207). Sabina existe como contraponto espiritual daquilo que em Carolina<br />

é violentamente animal, sexualmente impuro e corrompido.<br />

Será para se livrar das impurezas que Luís Cunha – também ele impuro, corrompido<br />

e animal, coberto das sujidades da vida –, finalmente, depois de inúmeras hesitações, se<br />

resolve a tomar banho no mar. Como quem busca um batismo que elimine a falta original.<br />

Ou como quem deseje regressar ao acolhimento do ventre materno: “Mergulho fundo, o<br />

corpo suspende-se-me, tento abrir os olhos, uma luz aquosa, opalescente. [...]. E é como se<br />

de súbito me visse num mundo de formas por nascer, viscoso plasma da vida original.”<br />

(SS, p. 125). Ou ainda em busca da plenitude e da alegria do corpo e da sua harmonia numa<br />

integração absoluta com o cosmos:<br />

Meu corpo divino, espumoso de água e de sal. Aponto-o em direção à praia, vou remando<br />

com os braços devagar. Suspendo-me um instante, flutuo, olho o dorso das ondas,<br />

encordoadas a nervos grossos, olho em frente os núcleos de pessoas no limite das águas.

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