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como péla de borracha, as mão tombam-lhe do peito, fica enfim quieto, estendido de<br />
borco. (SS, p. 75-76). 87<br />
É quase impossível, pelo detalhamento da violência assistida pelo protagonistanarrador<br />
e pelo espanto implícito na reprodução da cena, não a relacionar com a da matança<br />
do porco, que a sua memória de infância reteve no tempo da evocação. Uma e outra, a<br />
do passado remoto e esta, do passado recente, fazem contraponto com o episódio do bolo<br />
de Páscoa. Mas na cena da luta na taberna do Coxo não há a dignidade do sacrifício, o halo<br />
sagrado do ritual que dá dimensão à morte do animal. Na cena da taberna há só o extravasar<br />
do ódio em extrema violência a culminar em morte, conseqüência da impossibilidade<br />
de refazer a “ordem” perdida. O lado trágico da “sarrabulhada de feira” e da crise da linguagem<br />
que está na base da do entendimento entre os homens que não conseguem avançar<br />
com a reconstrução da aldeia porque não conseguem entender-se quanto ao que deverá<br />
ficar no seu centro: a fábrica, a igreja, a escola ou o cemitério? Esta é a grande questão<br />
ideológica do romance: o que situar no centro do mundo? a produção, a crença, a aprendizagem<br />
ou a morte? Grande tempo da diegese circula ao redor desta questão. Problema que<br />
a “sabedoria” popular resolve facilmente: “porque é que não fica tudo como estava. Toda a<br />
relação entre as coisas já feitas e as distâncias e os passos a dar. Toda a harmonia secular já<br />
estabelecida, tudo o que fora conquistado através dos séculos. E talvez mesmo a alma das<br />
casas, das coisas – uma aldeia sem alma, a aldeia nova.” (SS, p. 231). Também é esta a<br />
opinião de Carolina, que simplesmente gostaria que tudo ficasse como dantes. E Luís Cunha,<br />
que sem se definir quanto ao centro da aldeia, simplesmente vê no seu largo, mesmo<br />
vazio, o lugar da perfeição: “Eu andava à roda do largo terraplenado. [...]. É o sítio da minha<br />
perfeição. [...], é o lugar da minha infinitude. O fim está no princípio, que está no fim e<br />
no meio. É o lugar do meu absoluto.” (p. 174) 88 .<br />
A cena da taberna, tal como as das relações sexuais de Luís Cunha com Carolina,<br />
contrastam também, frontalmente, com a poética e platônica evocação de Sabina, represen-<br />
87 Não há como negar à cena o seu caráter cinematográfico, intensamente imagético, extremamente valorizador<br />
dos movimentos “milimetricamente” captados pela câmera do olhar. Tal como a fotografia, a cinematografia<br />
– como já foi assinalado – é recorrente em cenas ou focalizações romanescas nos romances de V.<br />
F.<br />
88 Repercutem, aqui, ecos que parecem vir de livros e autores antigos – como o Eclesiastes e Heráclito – até o<br />
enunciado “em meu princípio está meu fim”, recorrente em versos de Eliot, de “East coker”, nos Quatro<br />
quartetos, que encerra o poema de forma invertida: “em meu fim está meu princípio.” (ELIOT, T. S. Poesia.<br />
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981, p. 207 e 214).