21.05.2014 Views

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

245<br />

teóricos e algo doutrinários, trazendo para a diegese um tom predominantemente ensaístico<br />

quando discursa sobre a casa, a cidade, a reta e a curva... Por isso só nos planos do simbólico,<br />

do alegórico ou do fantástico esta personagem poderá ser compreendida – o que de<br />

resto é verdade também relativamente a outras figuras, mesmo algumas que aparentam um<br />

recorte mais realista, como os rústicos da aldeia – alguns deles carregados de grotesco –,<br />

mesmo a puta Carolina, insaciável no seu furor sexual, mesmo a Muda, quase sempre bêbeda<br />

e posta a tartamudear a um microfone, em cima de um palanque, encerrando grotescamente<br />

um comício político. O Arquiteto não é um “profeta” idêntico aos que já se conhecem<br />

de romances anteriores. Não prega a multidões, fala apenas a Luís Cunha. É a “figura<br />

emblemática” do romance, diz Luís Mourão:<br />

Trata-se de reconstruir a aldeia, de a desenhar numa ordem que lhe dê um sentido consciente<br />

de si próprio. De certo modo, trata-se de criar o mundo pela segunda vez, o Arquiteto<br />

no lugar de Deus: “Por isso eu digo // ele o dizia, tinha um dedo bíblico no ar”<br />

(pag. 32). Mas no que diz o Arquiteto está também aquilo que o narrador se diz a si<br />

mesmo, experimentando linhas de argumentação para a ordem de um Cosmos: aldeia e<br />

sujeito seguem o mesmo destino de ruína e a mesma necessidade de emergir dela. 79<br />

Na estruturação do romance definem-se duas instâncias narrativas espaciais e temporais:<br />

a praia, onde decorre o presente, é o lugar da recordação – que é como se fosse o<br />

“lugar da escrita”, e a aldeia significando o passado, que seria o lugar da ação (recordada<br />

na praia) se a ação não estivesse “suspensa” pela própria “suspensão” da História. Na fusão<br />

de tempo-e-espaço dão-se as relações de identificação ou as fusões, também, praia/presente,<br />

aldeia/passado. A narrativa desrealiza-se por uma intensa diluição (até à pulverização)<br />

não só da ação (não há nada para narrar) mas também dos conceitos de tempo e de<br />

espaço que se fundem num constante e “apertado” jogo de alternâncias. Jogo que porventura<br />

significa o próprio abalo sísmico que destrói a aldeia, sugerindo – com os cortes súbitos<br />

e numerosos que realizam as alternâncias de tempo e de espaço – a sua diluição e a relação<br />

diluição da aldeia/diluição da narração.<br />

Luís Mourão vê três, e não apenas duas, instâncias narrativas: é que o ensaísta subdivide<br />

o espaço/tempo aldeia/passado em dois diferentes momentos: o da experiência do<br />

protagonista na aldeia num passado remoto, e o das suas experiências, no mesmo espaço,<br />

79 MOURÃO, Luís. Um romance de impoder: a paragem da História na ficção portuguesa contemporânea.<br />

Braga-Coimbra: Angelus Novus, 1996, p. 328-329.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!