21.05.2014 Views

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

JOS RODRIGUES DE PAIVA

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

firmação da hipótese. Por exemplo, a cena da discussão acirrada entre dois homens na taberna<br />

do Coxo, em que um diz que as obras pararam e que não há ninguém a trabalhar, e o<br />

outro que não, que não pararam, que o Governo não tem dinheiro, e o primeiro que “o Governo<br />

tem-se aboletado com as massas e os operários ganham à mesma quer trabalhem<br />

quer não [e que] vieram milhões de, e de,” (p. 74, itálicos meus).<br />

Quando terminou, em 19 de janeiro de 1979, a escrita de Signo sinal, Vergílio Ferreira<br />

afirmou no seu diário que livro algum lhe havia consumido “tanto tempo e tanto esforço”.<br />

Efetivamente, a primeira referência ao romance aparece em 21 de outubro de<br />

1970 77 – muito antes, portanto, de iniciada a sua escrita –, e a sua composição não foi fácil,<br />

porque são muito freqüentes, na Conta-Corrente, os registros em que o romancista confessa<br />

o seu desânimo com o andamento do livro. Andamento penoso, muitas vezes, com largas<br />

interrupções da escrita e com outros projetos se interpondo entre o escritor e a continuação<br />

e conclusão da obra 78 .<br />

Ora, como o romance “pensado” desde 1970 só em 1975 começaria a ser escrito e<br />

só em 1979 viria a ser concluído, é natural que se alterasse a sua fábula inicial e que nele<br />

década de 70), até 1986, desenvolveu-se a execução do projeto (sobretudo quanto a infra-estruturas) que<br />

permitiria ao país a sua inclusão na Comunidade Européia.<br />

77 “21-Outubro (quarta) [1969]. Assim pois, em casa, com gripe e sem poder fumar, metido intensamente<br />

com o novo romance. Há uma série de questões a integrar. Creio ter achado a solução das fundamentais.<br />

Ou seja: N. regressa à aldeia, cortando com a cidade e filho. Mãe viva ainda. Um sismo arrasa a aldeia.<br />

Reconstrói-se outra em torno da fábrica que absorve os trabalhadores da aldeia. O arquiteto e o plano geral<br />

desaparecem. Enquanto se reconstrói, N. vive (sem livros, quadros, etc.) entregue ao imediato. Paralisação<br />

das obras. Entretanto o padeiro, etc., e putéfias continuam o trabalho. Por fim: N. passeia no labirinto da<br />

aldeia interrompida, igual ao da aldeia arrasada. No sismo morre a mãe, etc. Professor, padre, médico (vindo<br />

da vila). N. evoca as discussões com eles. Iniciada a construção da nova aldeia, os sucessores destes<br />

discutem (?) de outra forma. O padre baladeiro, o anarquista. Tremendamente difícil integrar numa história:<br />

a) fim de uma cultura; b) falta de valores que reorganizem outra; c) a ‘suspensão’ da História e o elementar<br />

(ou fundamental); d) a atitude búdica.” (CC1, p. 80-81).<br />

78 São freqüentes, desde o início da redação de Signo sinal, registros como estes que se seguem:<br />

243<br />

“Retomei o romance. Escrevi algumas linhas. Sinto-me radiante por tê-lo conseguido. Mas duvido<br />

que leve o livro ao fim.” (CC-1, p. 340 – anotação de 26.7.1976). “O romance não arranca. Não consigo<br />

arrumar, disciplinar a matéria. E nos projetos que faço mentalmente, o tema, o significado do<br />

livro vai-se desviando do que pretendia. Porque o que pretendia era apenas isto: a História está em<br />

suspenso, não há um mito que a unifique. A sua ‘anedota’: uma aldeia arrasada fica em suspenso na<br />

sua reedificação. A imaginação falta-me, falta-me o impulso interior que leve tudo na frente. [...]<br />

Mas não vou desistir, isso não!” (ibid., p. 341 – anotação de 1.8.1976). “Arrasto o romance do ‘sismo’<br />

como uma condenação. Mil vezes pensei abandoná-lo para retomar o outro, mil vezes voltei a<br />

ele. Sinto, como não sei dizer, que devo escrevê-lo. É a condensação do que sinto do meu tempo.<br />

Mas a falta de entusiasmo arrefece-o e artificializa-o. Quem me dera estar já com o outro, o Plácida,<br />

a noite, para dar o balanço à minha vida, para enfim estar só.” (CC-2, p. 70 – anotação de<br />

10.7.1977).<br />

Plácida, a noite foi o primeiro e provisório título de Para sempre, romance iniciado ainda durante o processo<br />

de escrita de Signo sinal e que com muita força logo se impôs ao interesse do romancista, o que ainda<br />

mais prejudicou o andamento do romance do “sismo”.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!