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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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mirrado, as carnes a despegarem-se, a voz esganiçada da velhice imemorial, a ordem, a paz<br />

nas consciências, e uma polícia multiplicada, nos cruzamentos da subversão.” (SS, p. 17).<br />

É tão óbvia, a identidade do caricaturado, este senhor, “como uma múmia” que atravessava<br />

gerações: “os mais novos ouviam dizer dos mais velhos que já tinham ouvido dos pais deles<br />

e dos avós” (ibid.). Este senhor que parava a História – quando ela tentava mexer “nas<br />

partes subjacentes da sua eternidade” – erguendo um dedo e fazendo-a “estar quieta” (ibid.).<br />

Este senhor cuja morte afinal desmentiu a certeza de uma “eternidade visível”, enchendo<br />

o país de uma “alegria em delírio”, “mesmo alegria a mais, não para a razão dela,<br />

que era muita, mas para um destino a dar-lhe, que era pouco.” (p. 19). Este senhor, não há<br />

dúvida, era António de Oliveira Salazar. A sua morte torna possível a alegria, a esperança e<br />

outras revoluções. Vão proliferar os partidos políticos, a propaganda... Vai ser reconstruído<br />

um mundo novo sobre o que o terremoto arrasou. É claro que vão ser alegorizados, no romance,<br />

outros referenciais históricos, como a Revolução de 25 de Abril de 1974, e provavelmente<br />

o ingresso de Portugal na Comunidade Econômica Européia. É para isso que a-<br />

ponta com extrema ironia a referência ao Silvério cangalheiro (fabricante de caixões), que,<br />

quando foi do sismo, fabricou quanta caixa pôde para os mortos, o Governo pagava,<br />

– Não foi só o Governo – ele explicava, é um tipo evoluído –, muitos países deram<br />

uma contribuição<br />

– Para os caixões? (SS, p. 71-72).<br />

E ele respondia que para tudo, “para as obras”... embora não se soubesse para onde tinha<br />

ido o dinheiro, porque as obras estavam paradas 76 . Outras referências apontam para a con-<br />

76 A propósito desses referenciais históricos, ou do principal deles, entre os que são alegorizados no romance,<br />

importa ler o que disse o próprio V. F. numa das suas muitas entrevistas:<br />

Publiquei recentemente um novo romance. Dei-lhe o título de Signo sinal. Curioso: projetei-o e comecei-o<br />

antes do 25 de Abril. Mas é da Revolução que nele se fala e é com Abril que o vão identificar.<br />

E no entanto só daí aproveitei o que como pormenor pude aproveitar. Não é, pois, a tal revolução<br />

que ele se refere, mas ao condicionamento geral do nosso tempo. O tema dele deve ser, suponho<br />

eu, o de que “a História está em suspenso”. Há um mundo já velho a liquidar, cheio de horror e grotesco,<br />

de injustiça e de estupidez. Mas até ao fim, ele de algum modo tem funcionado. O mundo que<br />

se anuncia, porém, não tem ainda uma ordenação, ou, se se quiser, uma harmonia. (UEA, p. 272).<br />

Há portanto uma “coincidência” quase premonitória na invenção dessa revolução de Signo sinal, que, não<br />

sendo a de 25 de Abril, ainda assim acabaria por vir a sê-lo. O mesmo talvez se possa dizer quanto às possíveis<br />

ilações, no romance, de um futuro ingresso de Portugal na Comunidade Econômica Européia. Efetivamente<br />

esse ingresso do país na Europa comunitária só aconteceu em 1986, mas haveria já, ao meio da<br />

década de 70, um “condicionamento geral” preparatório desse ingresso, sendo a Revolução de Abril e o<br />

subseqüente processo de democratização da sociedade um seu fator determinante. Desde então (meados da

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